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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Ser santista... (2)

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Colaboração publicada na seção Tribuna Livre do jornal santista A Tribuna, em 31 de janeiro de 2006:
 


Ilustração do chargista Padrón, publicada com o texto

Ser santista

Mário Roberto Negreiros Velloso (*)
Colaborador

Ser santista, mais que um indicativo do nascimento, é um estado de espírito. É poder entrar na padaria, pedir duas médias e ter a tranqüilidade de que virão dois pães. Ali mesmo, naquela padaria ao lado da linha da máquina, que linha férrea é coisa de pernóstico. É pegar praia no Joinville e poder dizer naturalmente que mora no Canal 4, tamanha a identidade urbanística que temos com os canais. Ser santista é não precisar marcar encontro com amigos, porque é mais fácil vê-los numa caminhada na praia, principalmente no verão, quando o horário modificado permite aquele mar de gente aproveitando a natureza, sem vergonha dos prédios tortos da orla.

Ser santista é poder descobrir um cinqüentão, perguntando a ele se chegou a pular do trampolim da Ponta da Praia, ou desmascarar uma quarentona, se ela disser que conheceu os jardins do Hotel Parque Balneário, antes do crime que fizeram com ele. É lamentar a demolição da casa e do jardim da Lydia Federici, e pelo menos saber que a Pinacoteca, ali pertinho, hoje está uma beleza, apesar do medo que tivemos quando virou um esquecido casarão abandonado.

Ser santista é ter saudade do Reciclagem, e das boas noites de jazz no Bar da Praia. Todo santista que se preze tem foto no Orquidário, no leão em frente ao antigo Clube XV, e se procurar bem no baú vai encontrar uma foto desbotada e possivelmente ridícula num enorme cisne à beira-mar. Por falar em Clube XV, quem não teve a grata sensação de sair de sua piscina e ver dali mesmo a orla da praia?

Ah, a praia... é um capítulo à parte. Sentimos um prazer indescritível ao caminhar pelo jardim, sem saber se contemplamos a exuberância do verde (de preferência, com aquele cheiro gostoso da grama recém cortada), ou o azul do mar ao fundo. Ou, mais ao fundo, a Fortaleza da Barra Grande defendendo a entrada do estuário, tão ao gosto dos artistas anônimos que expõem seus quadros em frente ao Aquário.

Ser santista é comer um churro em frente aos clubes, e esperar a saída de navios. De tanto ver navios de passageiros, para os quais sempre acenamos, mesmo não conhecendo ninguém (o santista é muito simpático), sentimos um atavismo quase instintivo de um dia fazer um cruzeiro, por mais breve que seja.

 

O melhor local no mundo é aqui. E agora

 

Dali, sentindo forte o cheiro do mar, vemos o sol se esconder atrás da Fortaleza de Itaipú, prateando todo o mar da baía, lembrando a época dos passeios com a Loirinha. Santista que se preze tem um refúgio na montanha, para que, em janeiro, se possa emprestar a cidade aos turistas (não somos egoístas) e fugir do calor melado. Não por acaso temos, como uma de nossas filiais, Santos do Jordão. E cuidado na estrada: santista não gosta quando mexem nas mãos da Anchieta/Imigrantes, porque o critério é sempre penalizá-lo. Paciência, às vezes abusam dessa estória da gente viver na terra da caridade e da fraternidade.

O santista legítimo jura de pé junto que existe, sim, um jacaré na Lagoa da Saudade, e sente falta das quermesses tranqüilas do Morro da Nova Cintra. Pela escadaria de outro morro, o Monte Serrate, muitos já pagaram promessas. Ele sabe que D. Dorotéa não foi uma simples senhora que furou aquela onda, e lembra perfeitamente quem foi o Zé Macaco, além de ter na família pelo menos uma tia velha que acordou assustada naquela longínqua madrugada quando explodiu o gasômetro.

Santista mesmo, é óbvio, torce para o Santos Futebol Clube (é um dos traços do homem digno), e adora uma prosa descompromissada enquanto a bola rola na Vila.

O santista está radiante com a reinauguração do Coliseu, e gosta de tomar café na Bolsa, porque sabe seu valor. Ali, respira-se a pompa e a riqueza que o café nos legou - um orgulho que não se transmudou em arrogância (lembrou de algum vizinho?), mas um orgulho sereno, profundo e respeitoso, de quem se sente bem em poder continuar, de alguma forma, o trabalho dos nossos antepassados. Seguramente, não foi por nada disso que meu avô, lá pelas bandas de 1890, fez desse porto de escala seu destino final. Foi pela certeza cega e inexplicável - que temos até hoje - de que, como diz a canção, o melhor lugar do mundo é aqui. E agora.

(*) Mário Roberto Negreiros Velloso é juiz de Direito em Santos e escritor.

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