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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas
Convento do Carmo - efemérides (1)

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Este extenso trabalho sobre as igrejas do Carmo foi organizado durante alguns anos pelo pesquisador de História e professor Francisco Vazquez Carballa - muitas vezes narrando histórias em primeira pessoa por ter vivido naquela área -, e que em novembro de 2018 enviou o material para divulgação por Novo Milênio:
 

Efemérides do Convento do Carmo de Santos

Francisco Vazquez Carballa

Existem muitas igrejas no mundo cristão, algumas bem cuidadas e outras deixadas à sorte do tempo, umas cheias de espiritualidade e acolhimento e outras sem esses requisitos básicos para que nossas preces sejam acaloradas pelo local chamado de Casa de Deus.

Algumas delas insistem em marcar a história e nossas vidas; entre elas, cito aqui o Convento do Carmo e Ordem Terceira, que frequentei desde 1977 até 1998, onde conheci frei Rafael e muitas pessoas devotas que já foram comparecer à Eternidade. Decidi pesquisar e escrever estas informações para dividir com os demais o que aprendi e ali convivi, nesse tempo que já fica no passado.

Hoje o lugar faz com que essas igrejas e demais logradouros não sejam tão frequentados, recordando assim a frase Religio Despopulata (de Michel de Notre Dame ou Nostradamus) que se aplica a essas antigas igrejas - que têm o auge de frequência somente durante festejos de dias importantes, passando os demais dias com pouca frequência, inclusive de turistas.

Quando a gente começa a estudar, percebe que a história de um local pode ter início em um tempo mais antigo do que pensamos, pois até que ocorra a fixação de residência em uma nova terra há toda uma série de acontecimentos e etapas a percorrer.

OCUPAÇÃO DAS TERRAS BRASILEIRAS - SÉCULO XV

O Brasil, antes de ser território português, foi nação dos nhandeva ou nativos e nossa região era o lugar onde viviam os guaranis, muito amistosos com estrangeiros, e também outros povos menos amistosos em relação aos visitantes, mesmo que estes fossem da própria terra brasílica.

Vendo o que está escrito em outras fontes históricas, principalmente em Portugal e Roma, descobrimos que as terras brasileiras eram conhecidas desde que o navegador Sancho Brandão por estes mares passou anteriormente a 1343, quando levou para Portugal o pau-brasa que daria o nome à Ínsula do Brazil ou Ínsula de Brandan, como passaria a figurar em mapas e cartas de navegação em pleno século XIV.

Mas a peste negra surgiu justamente nessa época e qualquer plano lusitano de ocupar estas terras ou explora-las foi deixado de lado, devido à grande mortandade que levou muita coisa ao esquecimento, atrasando a ocupação em colônias além-mar, como foi o caso das terras brasileiras, de onde os lusos já extraiam o pau-brasa para tingir tecidos de vermelho sem usar as sementes comuns na Europa antes de 1500.

Isso ocorreu em uma época em que as pessoas ainda acreditavam que o mundo era plano e havia um grande abismo no horizonte, além dos monstros que povoavam a ignorância das pessoas daqueles tempos. Existe no Vaticano uma carta com a notícia do descobrimento relatada ao Papa Clemente VI (pesquisa de Armando Areias, 1998, Porto, Portugal).

ORDEM PRIMEIRA DO CARMO - 1599

SÉCULO XVI

Confirmando que aqui já havia muitos moradores cristãos - antes da data oficial do início do reconhecimento dos povoamentos com as devidas autorizações e documentações em 1532 -, a futura colônia de Portugal, que se chamaria Brasil, também seria o local curado por um bispo segundo as normas da Igreja, mesmo que esse responsável por aqui não residisse. Assim, em 12 de junho de 1514, o Brasil passa a fazer parte do Bispado da Ilha da Madeira, criado em Funchal pelo Papa Leão X, tendo São Vicente como padroeiro, pela Bula “Pro Excellenti”. Desta forma, a futura vila do porto de Santos estaria sujeita a esse bispado também: Roma sempre foi informada pelos reis cristãos do que ocorria em seus domínios.

Existem relatos de navios da França pilhando as riquezas naturais destas terras e até embarcações sendo afundadas em batalhas territoriais pelos portugueses no litoral da Bahia em 1526, e se afirmava - sem documentos de comprovação - que cerca de dez anos antes do “descobrimento" do Brasil havia uma comunidade que vivia em uma espécie de convento no litoral baiano, não sendo esclarecido que grupo étnico comporia essa comunidade; o tempo fez a história ser esquecida, até que alguém volte a pesquisar sobre o tema.

Os relatos são vários, de navegantes como Diogo Garcia de Moguér, que escreveu em 1527, em sua “Memória de la navegacion”, que o conhecido bacharel Cosme Fernandez já estaria vivendo na região da Baixada Santista há cerca de 30 anos, o que nos remete a 1497 aproximadamente (com a margem de erro de um cálculo confuso e que carece de pesquisas), sendo que o mesmo bacharel já conhecia a língua do silvícolas e produzia objetos de uso geral relacionados à cultura do europeu, e aprisionava escravos do gentio da terra para vendê-los à Espanha e seus territórios.

Alonso de Santa Cruz, em 1530 na armada de Sebastiano Caboto, descreve a vila, mas não a igreja que decerto existia: "Dentro del puerto de San Vicente, ay dos vilas grandes habitadas de índios y en la mas oriental, a la parte occidental de elha, isto vimos mas de um mez surtos. Em la occidental tienem los portugueses um pueblo dicho de S. Vicente de hasta diez a doce cazas y una hecha de piedra com sus telhados, y una torre para se defender de los índios em tiempos de necessidad. Estan providas de gallinas y puercos de las de Espaza en mucha abundancia y mucha hortaliza".

Muitos são os relatos que aos poucos estão sendo pesquisados e apresentados, formando uma nova história da nossa colonização.

Existe a menção de que aqui vieram alguns carmelitas em 1581 e voltaram para o reino, talvez por não acharem acolhida ou local para ficar, talvez para analisar como viessem e quando ou ainda preocupados pelos constantes ataques de piratas e nativos.

Agora o retorno dos frades talvez se explique pela oferta de José Adorno e sua esposa Catarina de Aguillar Monteiro, ao doarem a sua capela e dependências para instalar os frades e assim começar a obra carmelita em Santos. Isto se fez com a sua acolhida na capela de Nossa Senhora da Graça, doada por ela em 24 de abril de 1589: agora havia local onde frei António Carrasco, frei Thomé Ferreira e o irmão leigo frei António de Maria pudessem começar o serviço religioso cristão com a Ordem do Carmo.

Os frades ficaram conhecidos pelo fundador da Misericórdia de Santos, caindo em suas graças. Ele os favoreceu com muitas terras próximas dali e em outros locais, sendo a doação assinada pelo comissário e vigário geral da Ordem, frei Pedro Viana, em 31 de agosto de 1589 - terras que nunca chegaram a ocupar totalmente, por serem lamacentas, segundo se vê em mapas antigos que indicam esse detalhe. Os religiosos compraram terras mais adiante para a construção de seu convento, de frente para o mar como seria o costume, sendo contada pelos antigos santistas a história de uma baleia que teria encalhado quase na porta da igreja da Ordem Primeira do Carmo de Santos [01].

As construções nas vilas de Santos e São Vicente e por todo o litoral eram feitas com pedras e cal de conchas extraídas dos sambaquis que ainda existem na região ou deixaram pistas de sua existência, como o Jardim Casqueiro nos limites da cidade de Cubatão. Esse foi o motivo de a igreja ser construída com esses materiais, sendo comum que paredes internas de casas e edifícios públicos fossem feitas de taipa fina com o entrelaçado de caniços. Muito encontrado nas demolições do final do século XIX e início do século XX, era um recurso usado quando se dividiam os grandes cômodos em espaços menores, como observei durante a demolição em 1979 de um casarão na Rua Dr. Cócrane, nºs. 50 e 52.


Quadro de Braz Cubas na Igreja do Carmo
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 20/7/2007

Quem entra no Convento do Carmo de Santos, no andar superior (onde seria a sala dos freis) se depara com um enorme quadro de Braz Cubas. Se não conhecer a história da cidade e da Ordem não entenderá o motivo da sua presença, sendo ele um personagem histórico secular. Mas isso, o saudoso frei Rafael M. Marinho explicou quando lhe perguntei. Disse: “Esse foi o maior benfeitor da Ordem quando chegou aqui, meu filho dos outros!” - o que pude confirmar mais tarde em pesquisas.

Realmente, ele doou em 13 de fevereiro de 1590 o sítio que chamam de Cuba de ribeiro a ribeiro (brejo), até o mar, para ali fazerem seu mosteiro, além de terras onde pudessem criar seus rebanhos.

Segundo um pedido de Braz Cubas, os frades deveriam lhe dar sepultura e a seus descendentes no presbitério abaixo do lampadário do Santíssimo, celebrar inúmeras missas. Mas, devido ao seu falecimento em 10 de março de 1592 e por permissão do bispo de Salvador, dom Pero Leitão, foi inumado na Misericórdia que fundara, pois os carmelitas ainda levariam 7 anos para iniciar as obras de seu convento e outros mais para terminá-las.

O pirata e comandante John Davies [02] desenhou a vila de Santos vista da casa que ficava no alto da ilha de Braz Cubas em agosto de 1592, sendo esse registro o primeiro que teremos do lugar onde o futuro Convento Carmelita seria construído.

Doou também o fundador de Santos, para os frades, 12 vacas, com a marca da ordem feita com ferro em brasa, e um touro, para começarem a criar e ter rebanho.

Seria claro que haveria de ser criada a Ordem Terceira do Carmo em Santos, mesmo sem sede, o que ocorreria mais tarde, mas os irmãos haveriam de auxiliar na construção da igreja e na devoção carmelitana.

Consta que em 2 de dezembro os frades adquiriram o terreno e começaram a levantar seu templo e convento. Uma boa forma de conseguir fiéis e arrecadar a quantia para as obras e até a manutenção do lugar é a permissão para sepultar cristãos dentro do recinto sagrado. Atualmente a mesma coisa acontece por todo o Brasil com os túmulos em quadras de irmandades religiosas. Entre elas, naquela época, que fossem ligadas à ordem carmelita, à de Nossa Senhora da Boa Morte e à Irmandade dos Passos, que ainda existem e possuem sepulturas no cemitério do Paquetá, mantendo esse costume.

Passaram os frades pela invasão inglesa de Tomaz Cavendish no Natal de 1591, mas pode ser lido nos relatos existentes que José Adorno foi muito amistoso com os piratas, que igualmente lhe deram tal tratamento, nada fazendo aos seus bens e propriedades. Por isso, podemos acreditar que a capela da Graça escapou de ser pilhada ou incendiada. Recordemos que era seu genro o inglês Jonh Whithall ou João Leitão, como ele reclamava de terem aportuguesado seu nome.

Temos a menção de que o povo que não conseguiu chegar ao “buraco do mestre Bartolomeu” foi se refugiar na capela de Nossa Senhora do Monte Serrat, descrevendo que estava ali um monge carmelita barbudo junto com os fiéis quando ocorreu o famoso milagre que a tornou a padroeira da Vila.

Se os documentos das doações do mesmo aos frades foram destruídos em outro local onde estariam, como um cartório ou casa de câmara, não se sabe, mas a falta deles os forçou a revalidar os mesmos posteriormente. Se houver relatos conservados dessa passagem, na certa os terão os carmelitas em Belo Horizonte ou estarão entre os escritos do inglês João Leitão para sua família. Há menção de que uma parcela desses documentos estaria em poder de pessoas alheias à ordem carmelitana, o que não foi devidamente apurado.

Existe menção por parte de estudiosos que o convento começou a ser construído em 1599, bem ao final do século XVI.

Sabe-se por diversas fontes que no lastro dos navios vinham as pedras entalhadas para o erguimento das igrejas e demais construções, o que nos deixa quase certo de que toda cantaria existente na fachada e parte interna da igreja tenha chegado desta forma. Em muitos casos se trouxe o próprio mestre da cantaria, como ocorreu com Luís Dias, trazido por Tomé de Souza em 1549.

SÉCULO XVII

Naquele novo século decidiram então os frades adquirir mais terras, para ter espaço em seu convento e talvez hortas e demais itens tão comuns naquelas épocas, assim foi relatado no jornal A Tribuna de 1925 [03]:

"O sub-prior de então, frei Lourenço da Conceição, comprou a Antonio Gonçalves 4 braças e meia de chãos com uma morada de casas por 46$000 e, aos 13 de janeiro de 1602, mais outras quatro braças e meia, por 5$400. No mesmo dia, o vigário prior frei Antonio Carrasco comprou a Manuel Fernandes mais 20 braças por 11$000 e Manuel Borges fez doação aos ditos frades de mais 25 braças, de forma que o terreno onde atualmente se encontra o Convento tinha, em 1602, uma extensão total de 54 braças, que custaram à Ordem a quantia enorme de 62$400! Digo isto para os atuais santistas terem clara compreensão de como se valorizaram, de então para cá, os terrenos alagadiços, em que a cidade de Santos é construída".

Cuidadosos e burocráticos, os frades tiveram o cuidado de confirmar a doação da capela de Nossa Senhora da Graça e seus bens sacros em 7 de junho de 1603 ao frade subprior frei Antonio Carrasco, frei Thomé Ferreira e o irmão leigo frei Antonio de Maria.

Acredito que a imagem da padroeira da ordem, sob o título "do Carmo", já estaria presente em um nicho lateral na mesma capela para a imagem da Virgem da Graça, sendo que essa devoção - como diziam os mais velhos - era a Virgem do Ó com o brasão do Carmelo no peito, tendo sido levada para a Bahia no século XX durante a formação do museu dos carmelitas, e estaria danificada.

Já o retábulo tinha características do barroco paulista do século XVIII: foi o mesmo que existiu até a demolição da capela em 2 de dezembro de 1903. O vigário geral da Capitania de São Vicente, padre Jorge Rodrigues, não impôs obstáculos a essa doação para os frades carmelitas, nem requereu a posse da capela para si e o clero secular.

Com as doações recebidas por Braz Cubas, os frades carmelitas tinham de onde extrair recursos, sem precisar comprar os materiais necessários para erigir sua igreja e seu convento, obtendo do Monte Serrat as pedras para as paredes e o barro paras as telhas; dessa localidade ou dos terrenos próximos obtinham as madeiras para as estruturas, apenas dependendo da cal dos sambaquis de Cubatão e dos demais elementos de acabamento que chegavam da Europa no bojo dos navios.

Podemos comparar a construção da igreja carmelita ao que ocorreu com a dos Terceiros, sendo que demorou somente quatro anos para estar ereta e apenas tiveram que esperar a benção sacerdotal para começar a celebrar missas e inumar os falecidos em sua nova sede e presbitério. Assim, pode-se supor que em 1602 já havia prédio para a igreja, talvez coberto por telhas. e algum tempo depois estaria concluído, pois as paredes eram fáceis de erguer e o telhado também, o mais difícil era obter retábulo e demais mobílias de um templo.

As dependências do convento poderiam ser muito simples, em forma de um grande retângulo, como podemos ver em desenhos antigos, a porta entre a igreja e convento seria desproporcional por ser no passado sem um nível superior, ficando apenas o convento com o piso acima e cinco janelas e cinco portas, contíguas em perfeita sobreposição como se vê em antigos desenhos. Talvez seja esse o motivo pelo qual a porta era desproporcional em relação às demais e recebeu duas janelas sem se sobrepor a mesma, pois seria a entrada do prédio e limite da clausura, como se observa em fotos antigas.

Esperamos sempre quadrado perfeito, tendo em seu interior o tradicional claustro contíguo à igreja e muito usado pelas ordens monacais, ou pode ter sido apenas o antigo edifício em linha reta do qual existe apenas ¼ de frente para a Praça Barão do Rio Branco, sendo uma adição posterior pelo que se pode ver em mapas. Em fotos antigas percebemos uma diferença entre essa estrutura e a que forma o claustro, tanto pelo andar superior anexado quanto pela extremidade saliente para os lados da atual Rua Augusto Severo que não formou o quadrado perfeito, nas nítidas fotos de Marc Ferrez em 1880.

Em uma referência de 1609, receberam os carmelitas a doação por parte de Manuel de Oliveira Gago e sua esposa de um terreno próximo do que tinham, para que fosse construída uma nova igreja - o que pode se referir à Ordem dos Terceiros, visto que já estaria a Igreja da Ordem Primeira em funcionamento, assim como a Capela da Graça.

Começam bem os frades nesse século com a doação do filho de Braz Cubas. O senhor Pero Cubas vai fazer também um testamento, legando à Ordem do Carmo sediada em Santos, todos os seus bens e móveis, em 17 de setembro de 1628 entregues à Ordem após a morte de Pero Cubas.

Ficou a dúvida: por quê não haveriam de doar o Monte Serrat para a população, como capela diocesana para o clero secular, principalmente depois do milagre de 1614 de que o filho do fundador da cidade deve ter tomado ciência? Entre as terras ofertadas à Ordem Carmelitana estão as que marcam justamente o Morro (chamado de São Jerônimo, posteriormente Morro de Braz Cubas, ainda Morro da Vigia) ou Monte Serrat, onde foi instalada a ermida da Senhora milagrosa e que justamente é entregue aos Beneditinos - por ser tradição relacionada a essa devoção - por dom Francisco de Souza.

Pelo que se vê, não consultou o herdeiro, também não agradou aos Carmelitas, que passaram a visar a propriedade e os lucros da visita da população ao local sagrado. Eles iniciaram processo judicial em 1660 contra os beneditinos pela posse do templo, havendo ali ora beneditinos, ora clérigos seculares, celebrando missa e os festejos.

A colônia está então em grande progresso e muitas vilas e cidades vão surgindo, o que leva Roma em 16 de novembro de 1676 a desmembrar o bispado. Surge a diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, criada pelo papa Inocêncio XI pela bula “Romani Pontificis pastoralis sollicitudo”, sendo seu primeiro bispo dom José de Barros Alarcão.

Mais uma vez, toda documentação referente à região ainda poderá ser encontrada nos arquivos da Cúria carioca, embora agora estando o nosso litoral ligado a uma diocese mais próxima.

A construção não sofreu muitas alterações durante séculos. Por isso, podemos ver em fotos do século XIX e início do século XX que a igreja tinha ao seu lado esquerdo, ocupando até a esquina onde havia vizinhos - provavelmente comerciantes, devido às lonas estendidas, usadas para evitar o sol ou chuva nas mercadorias, na atual Praça Barão do Rio Branco com Rua Augusto Severo. Assim se pode observar a igreja, com um prédio contiguo à sua fachada, tendo um andar superior onde contamos 7 janelas nesse nível da construção e 3 janelas e duas portas no nível inferior, seguindo o estilo com arcos abatidos.

Já mais próxima da fachada da igreja, observamos grande porta semelhante à que existe no campanário abaixo e entre as duas janelas da esquerda e que portava no arco abatido ou barbacã uma inscrição em placa (possivelmente de mármore ou pedra) em formato de cartela.

Pelas mesmas fotos à distância, percebemos que havia um formato de quadrado na construção do convento, seguindo o que se via na frente e semelhante a uma antiga casa romana com o claustro interno e sempre cheio de janelas, que podem ser vistas na parte dos fundos em fotografias tiradas a partir do Monte Serrat. Podemos observar que havia nos fundos árvores muito altas e antigas, além do cemitério que ocupou aquele trecho.

No corpo da nave sai a parede próxima à primeira janela, que naquele período era livre de paredes ou telheiros; assim vemos as três janelas e as do presbitério que atualmente são três, ficando a que havia atrás do trono no retábulo transformada em uma porta de acesso ao mesmo local. Igualmente subiram um andar, com a construção de um corredor com arcos plenos abertos que se observam do claustro, motivo pelo qual o mesmo diminuiu de tamanho. Quando vão construir o segundo claustro, as mesmas janelas do presbitério darão acesso à continuação desse corredor.


Na última década do século XIX, este cartão postal de M. Pontes & Co. era vendido na então importante loja santista Bazar de Paris
Imagem: postal negociado na Internet, 
no site de leilões Mercado Livre, em 10/12/2010

SÉCULO XVIII

Em 1720 a Ordem do Carmo no Brasil - como se pode ler na bula Sacrosanctum de 22 de abril, do papa Clemente XI - faz a separação dos carmelitas da província de Portugal, dividindo-os em províncias que permitissem melhor administração dos conventos, como ocorre com as dioceses ou bispados, ficando o convento de Santos filiado à Província Carmelitana Fluminense no Rio de Janeiro (até então, eram todos os carmelitas do Brasil administrados e subordinados às ordens do Carmelo de Portugal).

Em 1734 havia 10 frades no convento residindo em Santos.

Com a criação da Diocese de São Paulo em 1745, pelo papa Bento XIV, através da bula “Candor Lucis Aeternae” foi nomeado como primeiro bispo dom Bernardo Rodrigues Nogueira. Ele deu ordem para que todas as igrejas de sua diocese fossem reformadas, reconstruídas ou definitivamente construídas, sendo esse o motivo da data de 1756 que consta no frontão das duas igrejas, mas se referindo essa data à Ordem Terceira e possivelmente a reformas na Ordem Primeira - situação comum em quase todas as igrejas pelo litoral e Estado de São Paulo. Como dizem os estudiosos, os templos como o Carmo de Santos, Mosteiro de São Bento, Monte Serrat e a Matriz de São Vicente Mártir têm arcabouço no estilo quinhentista.

Outro procedimento administrativo será o registro das Irmandades em cartório e a aprovação pela Cúria - motivo pelo qual a maioria delas aparece como fundada entre 1745 a 1800 e na verdade são anteriores a essas datas.

Em 4 de setembro de 1752 foi benta a pedra fundamental para a construção da igreja dos Terceiros. Também nesse ano foi construída a torre que está entre as duas igrejas como se vê em vários lugares do Brasil. Houve grande empenho de doação financeira pela Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte para que fosse feita, e isso se aplica aos materiais, pedras, armamentos de madeira internos, o galo e a cruz da torre.

Também os Terceiros terão finalmente ereta sua igreja e - segundo alguns afirmam - já estaria construída em 1756, mas somente em 4 de abril de 1760 é que a igreja vai ser benzida e assim pronta para receber os fiéis.

Em 1758, os carmelitas reabrem o processo contra os beneditinos pela posse da ermida de Nossa Senhora do Monte Serrat, o que vai animar o foro santista.

Em 1760, a Irmandade do Senhor dos Passos se instala na Ordem Primeira do Carmo, onde a devoção fica fixada com a famosa procissão dos Passos, que possivelmente usaria a imagem que está no altar lateral esquerdo dos Terceiros, conhecido como o 6º Passo da Paixão.

Na Planta da Barra da Vila de Santos do século XVIII, mantida no acervo cartográfico da Biblioteca Nacional/coleção Morgado de Mateus, não há informações do autor ou data. Mas, por haver as duas igrejas e torre entre elas, sabe-se que a foto foi feita após a construção dos Terceiros, sendo um dos primeiros registros do conjunto. Ocorre que a representação do convento não chega a ser fiel ao mesmo que vemos em fotos do século XIX, porque sofreu acréscimos após aquele século.

Em outro mapa existente e que está danificado justo na parte na qual se localiza o convento - igualmente mantido no acervo da Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro e intitulado Villa e Praça de Santos, da Coleção Morgado de Mateus, datado do século XVIII -, podemos perceber que a entrada conventual no início era apenas o andar térreo, seguindo o convento ao lado com um pavimento superior seguido de outra construção rés-de-chão, comprovando que houve uma mudança significativa na construção, o que explica o motivo do portão encostado à Ordem Primeira ser grande e diferente das outras portas e janelas.

Mais um mapa datado entre 1765/1775 - que igualmente faz parte do acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro -, intitulado Praça de Santos, de autor anônimo, nos mostra a fachada das duas igrejas e a torre entre elas, registrando novamente o detalhe da fachada do convento acima descrita.


O complexo do Carmo, assinalado com a letra "G"
Imagem: detalhe do mapa "Praça de Santos", de 1765/1775

O desenho em forma de mapa intitulado a Vila e Praça de Santos de 1775 seria do mesmo autor da outra planta, pelos seus traços, ese conserva na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Mais uma vez se afirma como foi diferente a fachada do convento da que seria conhecida em fotografias.

Outro detalhe que nos elucida a época é o terreno que vai dos fundos até as fraldas do Monte Serrat, doado por Braz Cubas e pertencente aos carmelitas, que ficaria atrás do convento, sem ser ocupado. Aliás, todo o terreno dos fundos e ao redor da igreja seria circundado por uma cerca de caules de plantas da região, o que rendeu o nome de caiçara (homem branco que faz cerca de mato) sendo uma solução simples e barata, além de muito respeitada naqueles tempos. Outro detalhe que podemos notar é que existe uma armação ou telheiro que serviria para embarcações - no caso, canoas.

Em 1770, o escultor português Bartholomeu Teixeira Guimarães [04] entalhou e construiu o grande retábulo do convento e possivelmente o da Capela da Graça e tudo corria muito bem para a Ordem, em grande progresso.

Alguns anos depois, a ordem carmelitana enfrentaria graves problemas. Junto com eles, a igreja conventual seria bem afetada quando na corte de Portugal a rainha dona Maria I (Maria Francisca Isabel Josefa Antonia Gertrudes Rita Joana de Bragança), nomeia como Visitador Apostólico o bispo dom José Joaquim do Rio de Janeiro [05], para que fosse feita a reforma na ordem dos Carmelitas Calçados, o que vai ocorrer de 1785 até 1800.

Como havia muitos monges idosos, percebemos pelos relatos e estatísticas existentes que entre 1785 se contavam 141 frades na província fluminense, incluindo 12 frades na cidade de Santos; já em 1803 eram apenas 49 frades na província, o que vai se agravar no século XIX por um desentendimento com o Império do Brasil e afetar as demais ordens dos beneditinos e franciscanos.

Em 1785 foram obrigados, devido ao voto de obediência, a se dirigirem para sua sede no Convento do Rio de Janeiro, onde deveriam aguardar o desenrolar dos acontecimentos que decidiriam o futuro da Ordem. Onze frades rumaram para o Rio de Janeiro, permanecendo em Santos apenas frei Luiz Monteiro e os bens da Ordem sob administração do visitador apostólico.

Quanto a essa transferência dos frades e bens móveis para o Rio de Janeiro o Jornal A Tribuna de 1925 passa uma listagem e pelo que se observa nem tudo voltou, como dizia o próprio frei Rafael. Inclusive muitas peças que retornaram foram entregues ao frade, que organizou o museu na Bahia a mando do prior de São Paulo na época de sua fundação em 1952, ficando um cálice com tampa semelhante a uma âmbula cravejado de pedras semipreciosas e a data de 1705 com o nome do doador, o qual era usado em ocasiões especiais [06]; um cálice-custódia do século XVII muito grande, feito em prata dourada com os quatro sinos na parte de baixo da copa e parte de cima encaixada com uma parte de cristal para portar a Eucaristia; igualmente o porta-paz de ouro que havia guardado na igreja. Os itens aqui mencionados foram expostos durante o ano de 1989, quando se fez os festejos dos quatrocentos anos dos carmelitas em Santos.

Lá se foram, pois, como reza o dito Inventário: “Uma imagem de Nossa Senhora do Carmo com o menino Jesus no braço, uma da Senhora do Bentinho; uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, sete imagens de Santo Cristo, uma dita de São Elias e outra de São Eliseu, uma imagem de São Joaquim e outra de Santa Anna. Duas imagens de Santa Rita, outra de Santa Bárbara; uma de São Pedro e outra de São Ângelo. Lá se foram 8 painéis grandes e novos de vários santos da Religião, provavelmente pintados pelo artista-padre Jesuíno do Monte Carmelo, outro painel de Nossa Senhora do Carmo de três palmos e meio de alto. Seguiam-se as joias, dádivas piedosas das famílias santistas, que o melhor dos seus ornatos costumavam oferecer à Virgem do Carmelo”.

Foram-se assim, como diz um documento: “Um rosicler de diamantes com um afogador de aljofares (pérolas) com 9 peças de diamantes, em ouro; brincos de diamantes, brincos com pedras brancas; broche de ouro de filigrana com várias pedras encastoadas de várias cores; broche de ouro fundido, cravado de pedras de diamantes antigos; uma enfiadura de aljofares de 2 fios com 7 cabecinhas e ouro; um Santo Lenho em seu relicário de prata e dentro custódia de ouro e vidro por fora; um anel de ouro com um topázio com folha encarnada e 2 diamantes dos lados, e inúmeras joias mais, de ouro e diamantes”. Lá se foram as pratarias, resplendores das imagens, lâmpadas do Santíssimo, custódia, cruzes para as procissões, turíbulo, naveta e colher chave do sacrário, três âmbulas dos Santos Óleos, um vaso de prata da Comunhão, cálices, pátinas etc.

"Lá se foram os riquíssimos vestidos de Nossa Senhora do Carmo, de seda, bordados de ouro e pedras, as ricas alfaias da Igreja, pálio de damasco, paramentos e outras vestes sacerdotais. Lá se foi da sacristia o rico oratório do defunto frei Pedro da Trindade, feito em jacarandá, com resplendor título e remates da cruz, tudo de prata. Lá se foram os livros da regular Biblioteca e os documentos do precioso Arquivo. Lá se foram, numa palavra. os tesouros do nosso velho Carmo”.

Mesmo que fosse temporário o desaparecimento dessas preciosidades, estou convencido de que não voltou para Santos nem a décima parte de tantas pedras e valores. Ficou abandonado, pois, o Carmo Santense. Mas a Mãe dos Carmelitas, que sempre vela pelos seus servidores, não deixou de ser para o Carmelo de Santos a Mãe meiga e misericordiosa. É que o convento, continuando a ser administrado pelos visitadores apostólicos, nunca ficou desamparado por completo. Quem tomou conta do convento foi um leigo.

Dessas antiguidades, dizia o prior frei Rafael que nem tudo voltara para o convento santista, como pinturas, a roupa de Nossa Senhora e demais itens e imagens, sendo que só uma das duas imagens de Santa (Marga)Rita e Sta. Bárbara; justamente as menores usadas nas procissões antigas, retornaram e o que retornou ficou em uso.

Recordo do relato do frade que o prior antecessor, frei Mario Bastos, transmitira ao seu sucessor o cuidado com o patrimônio. Contava ele que havia uma caldeireta de água benta com seu isopô de prata muito antiga, que ficava na sacristia e por precaução deveria ser guardada. Já no início da década de 1960 se ocupava frei Rafael como cuidando da sacristia e deixou a mesma caldeireta sobre um móvel que havia no lugar, frei Mario o preveniu que dali fosse tirada, mas ele acreditou que respeitariam a casa de Deus e o mesmo objeto de culto foi furtado, o que levou os frades a guardar todas essas coisas dentro de uma sala contígua que existe no fundo da sacristia, onde se guardam os paramentos.

Sobre a cobiça de pessoas por arte sacra, recordo que na missa de 7º dia de frei Rafael, uma senhora de óculos, baixinha, da ordem Terceira me apresentou um senhor de São Paulo que frequentava o convento de lá e o mesmo me deu um cartão, pedindo que: “Caso tenha castiçais antigos, imagens ou coisas de igreja que não se usem mais eu as comprarei”. Peguei o cartão de modo educado e longe do convento o rasguei, pois a proposta dele era na verdade de uma pessoa gananciosa e sem caráter ou respeito com o que é dedicado ao culto divino. Ainda mais que tais coisas a mim não pertenciam e se pertencessem não as venderia, pois como dizem os padres coptas da Etiópia, dos quais aprendi esta máxima, o que foi feito para se usar em uma igreja é para ser usado e será usado até o fim de sua existência.

O mapa “Plano da Villa de Santos no Brasil” datado de 1798 é um trabalho cartográfico do Capitão José Corrêa Rangel de Bulhoens, feito com tinta colorida, nanquim e aquarela sobre papel. Ele mostra o plano da igreja do Carmo e Terceira, indicando que o convento talvez não tivesse o claustro que ainda existe, sendo um prédio em forma retangular e o ribeiro do Itororó passando ao lado.

SÉCULO XIX

Retrocedendo ao ano de 1801, fez Benedito Calixto um mapa de Santos pesquisado os documentos a que teve acesso. Ele adicionou o claustro que existe ainda, igualmente mostrou toda a área que não foi ocupada, permanecendo como mata.

O mapa intitulado “Planta da Vila de Santos”, datado de 25 de agosto de 1812 - encontrado pelo pesquisador sobre ferrovias Marcelo Tállamo na Biblioteca Nacional de Portugal, sendo exibido como os demais aqui descritos no Site Novo Milênio, de onde pesquisei todos os demais -, localizou o convento com o claustro e as duas igrejas, mas a 3ª sede da Misericórdia já não é assinalada no local que foi o Campo da Misericórdia, o que pode indicar sua demolição.

Foi feita a “A Vila de Santos no ano da independência” tentativa de reconstrução topográfica segundo os documentos da época, recebendo o mapa a data de 1822. Nele, o famoso pintor localizou o convento do Carmo e o ribeiro do Itororó e o Arsenal da Marinha que ficou à sua frente, inclusive podendo ser visto em fotos de Militão de Azevedo de 1865 e - ao contrário do mapa de 1812 - o pintor colocou a 3ª sede da Misericórdia no campo do mesmo nome.

No mapa de Rubtsov datado de 1825, intitulado Planta do Porto de Santos, percebemos que existe pouca ocupação onde antes eram as terras de Pascoal Fernandes adquiridas por Braz Cubas e doadas aos carmelitas; dessa forma, ou não foram ocupados esses terrenos devido aos charcos muitas vezes mencionados, ou os frades não permitiam que ocupassem o local e nem vendiam lotes.

De 1855 até 1889 há uma verdadeira perseguição contra as ordens monásticas e seus grandes patrimônios acumulados através de doações, que os tornavam grandes latifundiários, sendo a mais dura ordem imperial de não poderem receber essas ordens noviços (o que em breve os levaria a desaparecer) para assim se apropriarem de seus bens.

Podemos usar o exemplo de que em Santos havia muitos terrenos doados aos carmelitas desde o final do século XVI e início do século XVII, seja por Braz Cubas ou por seu filho Pero Cubas. Observando os antigos mapas, até o final do século XVIII uma grande área não era ocupada, havendo apenas passagens, em locais que pertenciam à Ordem, assim como do outro lado do mar e o governo imperial começou uma verdadeira caçada aos frades para poder tomar esses terrenos.

Talvez seja essa uma das causas de o barão de Mauá comprar justamente o convento franciscano de Santo António do Valongo para demolir toda a estrutura e ali instalar a estação de trem, sendo que a mesma estação férrea poderia ficar mais atrás, na entrada da cidade, sem perda de tempo e dinheiro para sua construção, demolindo o que já existia.

Surge o auge desse desentendimento entre o governo as ordens religiosas - que em 1855 são proibidas de receber noviços, entre elas os franciscanos, beneditinos e carmelitas, que alguns ainda têm sua presença em Santos -, causando assim aos poucos o despovoamento de frades nos conventos pela ação natural da vida, principalmente em Santos.

São poucos os registros em fotos, tão logo elas surgem como novidade aparecem em Santos também fotógrafos oferecendo seus serviços. Se houve muitas fotos em várias situações ou incluindo pessoas, aos poucos foram se perdendo e ficando anônimas por não haver atrás uma identificação ou indicação que relatasse onde foram tiradas, em que ano e quem está nelas, mas algumas vão surgindo e com elas a elucidação de uma época.


Vista panorâmica de Santos, por Marc Ferrez, obtida em 1880 desde o Monte Serrat

Foto enviada a Novo Milênio por Ary O. Céllio. Original no acervo do Instituto Moreira Salles

Numa foto antiga de 1880 de Marc Ferrez, “Panorama de Santos”, provavelmente do Monte Serrat, se pode ver a casa na Ilha Barnabé [02a], de onde anos depois o fotografo faria outra foto de frente daquela parte da cidade, mas nessa se percebe de forma bem definida que o claustro tem um andar superior, seguido de uma parte contigua menor de apenas um andar para os lados da atual Rua Augusto Severo onde está um telheiro gigantesco de queda inclinada para a frente, muito alto, semelhante a um grande estábulo ou alpendre, com características idênticas ao enorme galpão existente do Engenho dos Erasmos - o que pode identificar sua antiguidade -, sendo visível a parte ainda existente ligada à parede do presbitério. Outra, muito mais baixa que a parte da frente, faz vizinhança com casas que ocuparam aquela lateral vinda da atual Praça Barão do Rio Branco observando-se até um comercio de esquina com o convento, praça e rua em cartão postal muito antigo.

Outra característica marcante se percebe no estilo de todas suas portas ou janelas, que são em arco abatido e ali está uma frondosa arvore que me intriga, não sei qual seria sua espécie: eu me recordo de um frondoso flamboyant no claustro novo que ficaria onde aquela estava, mas o seu tronco não era centenário, assim me pergunto o que ela ofereceria aos frades, em frutos?

Na foto de Marc Ferrez se vê o convento de frente em 1889, na “Vista obtida da Ilha Barnabé”, provavelmente da casa de Braz Cubas - citada em um relato de quando um pirata desenhou a nossa vila em agosto de 1592 sendo o comandante John Davies [02b] como chamavam a casa agora em poder do Barnabé, onde até um pequeno canhão quinhentista está fincado na terra bem na parte inferior direita. Podemos ver que o prédio do convento então se resume à frente que seguia a fachada em direção da atual Rua Augusto Severo e saindo dessa construção uma parte menor sem o andar superior que formaria o claustro que em parte ainda existe, mas na época com a grande e intrigante árvore, também podemos ver grandes árvores que devem ter pertencido aos frades.

Existe outra foto de 1889 de Marc Ferrez, intitulada “O mercado e o cais vistos do convés de um navio” que foi tirada a partir de um navio atracado em frente ao antigo mercado de peixe; na extremidade esquerda podemos ver a torre do Carmo com seu galo e parte do frontão dos Terceiros. Quando se admira o convento do Carmo se pensa em um prédio muito grande, mas pelo visto não era, sendo simples até para a época.

No mapa datado de 1889/1894 e intitulado "Carta de Santos", podemos ver que as antigas propriedades dos carmelitas foram ocupadas até as encostas do Monte Serrat, possivelmente isso se deva ao período em que estiveram longe de Santos e os terrenos foram negociados, como ocorreu com a capela de Nossa Senhora da Graça em 1903. NessaCarta da Cidade de Santos”, que se mantém no Arquivo do Estado de São Paulo, por algum motivo não assinalaram o Cemitério dos Ingleses.

Ainda no final do século XIX, existiu uma foto na Igreja da Ordem Terceira que podia ser contemplada na parede da sacristia em pequenos quadros junto com outras fotografias onde se viam os Terceiros com seus hábitos e demais curiosidades que infelizmente se perderam. Tive a sorte de copiar a que mostrava o Carmo e aos fundos a Matriz, por autorização do provedor Manuel Lourenço das Neves.

SÉCULO XX

Na foto de Marc Ferrez de 1902 podemos ver que pouco foi feito no convento, mantendo a estrutura idêntica à do século anterior. Já no prédio vizinho dos Terceiros percebemos que houve um acréscimo do lado esquerdo de quem o olha de frente, também fecharam uma janela que havia na parede dos fundos do presbitério, atrás do nicho central do retábulo.

Em 1906 chegam a Santos carmelitas vindos da Holanda e curiosamente não destroem a igreja, instalando altares de mármore como ocorreu com sacerdotes vindos da Europa por várias igrejas do Brasil. Eles conservam os antigos de madeira e a estrutura da igreja, ou pela falta de verbas, pelo impedimento por parte do povo ou por dedicação ao templo, do qual eram responsáveis.

Com a construção do Colégio do Carmo e sua inauguração em 1917, quando suas dependências foram aumentadas foi acrescentada outra faixa com um andar para o lado da Rua Augusto Severo e feito outro claustro, que ainda existe, formando um número 8 quando divisado do alto. Sua junção com o a parede do presbitério vai formar o local da cozinha que ainda existe e cuja janela pode ser vista para o Beco do Itororó. Com o evento da venda de parte do prédio, esse "8" foi cortado e ficou com o formato de um número 3, sendo a parte da frente toda destruída. Assim, o prédio passou por adaptações nas quais foram mantidos os arcos antigos, onde um dia foi uma passagem no alto para salas tanto no claustro novo como no claustro velho, onde se mantém um cruzeiro com o símbolo dos quatro evangelistas.

Na Rua Augusto Severo se via uma pequena torre com janelas e outra maior, afirmando frei Rafael que ali era um quarto onde ele permaneceu quando veio para Santos. Toda essa parte da estrutura foi demolida quando o colégio se mudou.

Em 1940, o convento do Carmo de Santos se torna Patrimônio Nacional, o que não garante a preservação de seu patrimônio móvel e documental interno.

Em 1 de setembro de 1945 ocorreu uma missa de ação de graças pela rainha Guilhermina da Holanda, organizada pelos holandeses residentes em Santos e o representante consular dos Países Baixos. Colocaram um quadro com a foto ou pintura da rainha no presbitério, perto de um altar lateral e bem próximo de onde fica São Judas Tadeu. Assim os frades dessa nação continuavam a ela ligados e participando da vida social holandesa.

Ainda no ano de 1959 foi fundado o Museu de Arte Sacra da Bahia, em Salvador, no antigo Convento Carmelita de Santa Tereza D’Ávila. Segundo dizia na década de 1990 o prior frei Rafael Maria Marinho, veio uma ordem do prior carmelita fluminense responsável então pelo convento santista para que dessem ao frei Clemente S.N. o que ele requeresse. Várias peças de prata, entre elas as palmas de altar, relicários com suas relíquias, vasos, crucifixos, resplendores, alfaias, outras peças de mobiliário e imagens antigas de que esse frade fez muito gosto foram então levados por ele para aquele museu na Bahia, no alvorecer dos anos de 1960. Mas ele se esqueceu da palma tri-coroada [07] que teria pertencido a Santo Ângelo Mártir (ou Santa Rita de Cássia, que possivelmente ainda estava no altar). Folheando o livro, percebemos que não existe uma ficha exata citando a origem das peças, apenas enaltecendo como tudo ali pertencia ao estado baiano.

Consta ainda no Museu de Arte Sacra de São Paulo patrimônio como peças de prata que foram pertencentes à Ordem Terceira, entre elas uma adaga ou punhal da Virgem das Dores em prata [08], indicando que parte do patrimônio antigo, hoje considerada como desaparecido, pode ter peças preservadas nesse museu sacro.

A imagem de Santo Ângelo Mártir ainda estava guardada na igreja até 1998. Queria o prior recolocá-lo em devoção ou na sacristia em um oratório envidraçado, podendo ser vista sua cabeça, com o resplendor do século XVIII de raios ondulados e o corte para a colocação do espadim de prata - o qual já não estava mais no convento - e o seu corpo com tamanho pequeno como fazem por mania nessas imagens de roca ou de vestir. Nosso patrimônio carmelitano santista se perdeu mais um pouco.

O colégio do Carmo foi transferido para o bairro da Ponta da Praia, havendo referência do ano de sua construção de 1959 e sua transferência deixando o prédio colonial.

Ainda nos anos de 1977, até 1998, eram vistos grandes armários envidraçados que um dia pertenceram ao Colégio do Carmo e não foram levados para a nova sede na Ponta da Praia. Esses móveis eram usados para mostrar peças de tecido feitas em uma sala com máquinas de costura que havia na igreja ao lado pelas irmãs da Ordem Terceira e demais pessoas que as doavam para o “Bazar de Maria”, que era feito no mês de maio e em julho durante as festividades carmelitanas. Nesse armário aparecia uma imagem do Sagrado Coração de Maria muito antiga, de cerca de um palmo de altura. que muita gente queria comprar pensando estar à venda, mas era de origem holandesa e viera com os frades em 1906: segundo frei Rafael M. Marinho, era a padroeira do bazar e por isso ficava ali dentro.

Em 31 de janeiro de 1960 o bispo dom Idílio José Soares desmembrou a Paróquia de Nossa Senhora do Carmo da Ponta da Praia, que foi construída junto com o colégio para lá transferido, sendo uma igreja muito modernista, sem muita expressão no meio do povo, pelas suas linhas modernas e estranhas para os fiéis da época. Eles ainda nos anos 1970 comentavam sobre esses detalhes da igreja.

Em 1963 o convento santista passa para a responsabilidade da Província Carmelita de Santos Elias de São Paulo.

Em 8 de janeiro de 1967, durante a explosão do Gasômetro, houve uma trinca no arco abatido da porta principal ao lado esquerdo, também surgindo um corte ao lado direito na pedra dos arcos das duas janelas (a do lado esquerdo e central). Não há uma explicação de que fossem assim fabricadas nos séculos XVI/XVII o que não seria comum e causaria um enfraquecimento na sustentação da parede acima das mesmas. Foi ainda deslocado parte do arco do presbitério, que hoje apresenta um desalinhamento.

Existe uma referência de que o prédio onde funcionou a escola foi vendido pelos carmelitas e demolido pelos donos no ano de 1971 (em outra referência, 1973), sendo necessário fazer uma pesquisa que fixe datação mais precisa. Havia uma cruz que encimava um portão dessa escola (e que ainda estava no convento nos anos 1990), feita de alvenaria.

Durante as reformas de limpeza e douração dos altares, de meados da década de 1970 até o final da década de 1980, foi retirado do nicho central o solar que havia detrás de cortinas vermelhas com franja do tipo cordonê, muito grande e uma coroa sustentada por um caibro de madeira. encimando uma coroa que escondia uma pequena estrutura de pirâmide ou altar escalonado, onde se mantém o Divino Espírito Santo. No passado, deve ter sido usado para o Santíssimo ser exposto durante o culto devido à sua pequena porta, acima do trono onde fica Nossa Senhora do Carmo na parte central do grande nicho do retábulo.

Essas cortinas vermelhas eram de um tecido muito grosso, com seus pingentes e franjas douradas, toda essa armação de madeira foi colocados ali cerca de 1956, quando começou a Adoração Perpétua que se estendeu até o início do século XXI, inclusive sendo retirada da porta principal (na parte superior do arco abatido de pedra) uma peça de ferro que sustentava as letras onde se lia “Adoração Perpétua”, com uma custódia ao meio, possivelmente feita de madeira.

Devido aos estragos feitos pelos pombos - que insistem em comer as paredes da igreja, pela grande quantidade de cálcio presente na cal das conchas dos sambaquis com os quais se faziam as construções -, em 1982, frei Rafael M. Marinho contratou pedreiros para fazer reparos na fachada. Eles retiraram inadvertidamente fileiras dos rebocos, sendo alguns recolhidos por colecionadores enlouquecidos com a oportunidade de recolher esses entulhos jogados no chão na frente da torre. O frade fez os pedreiros pararem de arrancar os rebocos, pois protegiam essas paredes dos pássaros e estavam ali há muito tempo, fazendo parte do conjunto.

SÉCULO XXI

Uma famosa tela de Benedito Calixto foi exposta em 2006, depois de ser retirada de uma suposta "reserva técnica” custodiada no Museu de Arte Sacra de Santos, no momento administrado de forma imprópria e por pessoas sem tal capacidade - o que quase causou a destruição da mesma, que fora criada para enaltecer o sofrimento de Jesus Cristo e seu triunfo pela Humanidade.

Decidiram e depois de 50 anos tornou a ser exposta no convento, recordando que sua exposição passou a ser desde aquela época pois em 1956 a irmandade havia saído do convento e passou a realizar cerimônias ligadas também a Catedral de Santos onde até recentemente se viam peças semelhantes às que sustentam os lampadários antigos, dois ganchos de metal com rodinhas próximas do início da ogiva que separa a nave do presbitério. Essas pequenas peças de metal eram usadas para erguer a tela gigante, que remontava ao tempo de sua execução pelo famoso pintor, parando de ser exibida na Semana Santa, quando as peças foram retiradas.

Com o falecimento do capelão padre Francisco o Espanhol, da Irmandade da Igreja do Rosário dos Pretos de Santos, por aprovação em reunião na mesa do provedor José Quintana, vice-provedor Augusto e do conselheiro irmão Carballa, passam os frades a celebrar missas naquela igreja, sendo acertado que se pagaria o mesmo salário do sacerdote que havia falecido aos religiosos pela celebração de missas de segunda a sábado as 12h00 e principalmente em dias festivos.

Começaram sua atuação entre novembro de 2006 até a dissolução da mesma irmandade - dissolução com a qual eu e parte dos irmãos não concordamos. Com o fim dessa instituição em junho de 2008, prevalecendo os interesses de alguns nessa ação, todo seu patrimônio passou para a Diocese na Cúria de Santos - a qual era ligada à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Assim, assumiu o controle do prédio e dos bens o pároco da Catedral, cessando a atuação dos frades carmelitas, aos quais era pago um salário mensal.

Curiosamente, por incidente ou falta de comunicação, no dia em que o prior carmelita frei Lino foi celebrar a missa, como sempre fazia, estava se preparando para celebrar a missa o diocesano padre Valfran, que também não fora informado que os frades ali não diziam mais missas e ocorreu um encontro dos dois na sacristia. Sendo explicada a situação, o carmelita se retirou para o seu convento.

Ocorrem reformas significativas em 2008 no prédio que mistura estruturas do século XVI ao XX - o que requer certa continuidade na manutenção e muitas despesas, como já afirmava frei Rafael, com constante preocupação.

A linha turística de bonde foi aumentada em 2009, conforme o projeto de usar os queridos veículos santistas e trazidos de fora para divulgação turística de nossa cidade e passou a ter seu percurso na frente do convento onde havia as linhas antigas que foram deixadas para trás em fevereiro de 1971. Durante a retirada dos dormentes do século passado e instalação dos novos e demais adequações feitas nas calçadas, foram encontrados diante da igreja ossos humanos, confirmando os enterramentos que ocorriam em todas as igrejas brasileiras e também por ali, ficando a dúvida se a igreja chegou a ter um adro como era costume no início da colonização, sendo portanto também um local de inumações.

A imagem de vestir de Nossa Senhora do Carmo do século XVIII em 2018 foi retirada de seu trono, sendo ali instalada custódia do Santíssimo Sacramento, onde fica exposta a Eucaristia diariamente. Foi novamente recolocada a outra imagem maior de madeira e mais recente que diziam ser de 1905: assim foi essa grande imagem colocada nos degraus no lugar da custódia do Santíssimo, à frente do Divino Espírito Santo.

Os carmelitas continuam presentes em Santos e assim ali estão.

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