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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - 1932
Os veteranos da revolução

77 anos depois, apenas seis ainda vivos...
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Publicado no jornal santista A Tribuna em 9 de julho de 2009, páginas 1ª e A-8:
 

Ewald e o diário sobre a Revolução de 1932

Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria

HISTÓRIA

Heróis em defesa da Constituição

Dois veteranos lembram que a batalha, apesar de durar menos tempo que a 2ª Guerra Mundial, matou mais pessoas

Sandro Thadeu

Da Redação

"O ferido era muito pesado e nós estávamos cansadíssimos, pois havia quatro dias que não dormíamos direito e todos os dias tínhamos de subir e descer morros". Essa é a descrição do vicentino Otto Gottelieb Ewald, momentos antes do amigo Ivampa Lisboa morrer em seus braços, após levar um tiro na testa durante a Revolução Constitucionalista de 1932.

O trecho acima é um dos relatos do diário feito por este senhor de 99 anos durante o maior conflito armado do Século 20 no Brasil. Após anos de esquecimento, o documento, uma verdadeira relíquia da história paulista, foi reencontrado pela esposa Marlene no início do ano, quando procurava documentos para oficializar a união.

 

Feriado de hoje marca a luta travada pela população de São Paulo para proteger os direitos dos cidadãos e contra a ditadura de Vargas

 

Há 77 anos, Ewald trabalhava na Companhia Prado Chaves e decidiu, no dia 21 de julho de 1932, se alistar como voluntário para ajudar os paulistas na luta contra as tropas federais. "Tive a idéia de começar a anotar tudo que acontecia e fazer esse diário. APesar disso, lembro de muita coisa que aconteceu. Não sou gagá, não".

Este herói vicentino participou de conflitos em vários municípios do Vale do Paraíba, como Areias, Lorena e Queluz. "As dificuldades eram muitas. Várias vezes ficamos sem munição, tive de correr muito para fugir das balas dos inimigos e vi muitos morrerem, como o Ivampa Lisboa", recorda o veterano de guerra.

Para piorar ainda mais a situação, Ewald lembra que era comum as pessoas desertarem - chamadas ironicamente de "pátria amada" -, o que deixava o pelotão vulnerável aos ataques inimigos, conforme escrito em seu diário: "Isso era muito grave. Éramos 12 homens para retomar a posição abandonada por 40".

3 MIL

homens da região participaram do movimento. Somente seis estão vivos

 

Apesar dos momentos delicados, o ex-funcionário guarda na memória momentos de descontração. Um deles foi quando o cozinheiro do grupo caiu na vala e todos começaram a brincar. Furioso, o rapaz se recusou a preparar o alimento como forma de vingança.

A patrulha na Praia do Perequê, em Guarujá, é outro episódio engraçado de sua trajetória. "Estávamos ali para evitar que os soldados gaúchos desembarcassem. Então, à noite, escutamos um barulho vindo do mato. De prontidão para atirar, para a nossa surpresa sai uma vaca dali", recorda Ewald.

INCRÉDULO

"Então, São Paulo perdeu e todo o nosso sacrifício e as necessidades que passamos? Tudo foi em vão"

trecho do diário de Otto Ewald

Sacrifício - Outro herói do ideal bandeirante é José de Carvalho, de 90 anos. No período da luta, ainda era um adolescente. No entanto, isso não o impediu de ajudar na organização das pessoas que vinham se alistar na Escola Barnabé, no Centro, para incorporar o batalhão que iria para o interior e a Capital.

Uma diversão para os jovens e aos escoteiros da época era o recolhimento de latas para serem enviadas ao parque industrial, na Capital, para a fabricação de material bélico. "Vínhamos correndo e andávamos por toda a cidade para conseguir pedaços de metal, que eram deixados na Praça Mauá. Um Ford Bigode vinha buscá-los para levá-los à ferrovia Santos-Jundiaí".

A falta de trigo na Cidade está até hoje em seus pensamentos. O produto vinha pelo Porto, que não estava em operação por conta da revolução. "As famílias compravam macarrão para moê-lo para fazer o pão", recorda.

Ewald escreveu um diário durante a batalha e só agora o encontrou

Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria

Revolta - "Um armistício? Mas, como assim? Então, São Paulo perdeu e todo o nosso esforço, o nosso sacrifício e as necessidades que passamos? Tudo isso foi em vão", perguntava a si mesmo Ewald no dia anterior ao fim da revolução, conforme registrado no diário.

O desabafo do vicentino, após superar inúmeras dificuldades, é compreensível. Entretanto, o sentimento de hoje é que toda a superação de homens como Carvalho e Ewald valeu a pena.

José de Carvalho ajudou no alistamento de pessoas na Escola Barnabé

Foto: Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria

Objetivo da luta é atingido em 34

Embora a Revolução Constitucionalista de 1932 tenha sido divulgada pelo presidente Getúlio Vargas como um movimento separatista, a iniciativa, na verdade, foi a resposta do Estado em defesa da democracia, contra a ditadura e contra a revogação da Constituição Federal.

Segundo o professor e mestre em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ney Paes Loureiro Malvasio, o conflito registrou 934 mortes, sendo 630 do lado bandeirante, em quase três meses.

"É um número alto de vítimas. O Brasil lutou quase um ano na Itália, na 2ª Guerra Mundial, perdeu 440 homens. Isso mostra que o movimento foi sangrento", diz ele, que deu palestra sobre o tema no Instituto Histórico e Geográfico de Santos, segunda-feira.

TEMPO

87 dias

foi a duração do confronto armado entre as forças paulistas e do Governo Federal

 

Conforme o docente, 220 mil pessoas se alistaram para participar dos confrontos armados, mas somente 66 mil foram ao combate. O número de soldados poderia ter sido maior, caso não houvesse a desistência de outros estados.

"Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Amazonas e Pará declararam apoio à Revolução, mas São Paulo ficou só. Houve pequenos focos de resistência na parte Sul do Mato Grosso, em Belém (PA), Manaus (AM) e no Rio de Janeiro, fato esse desconhecido por muitos", diz.

Apesar da derrota militar, Malvasio explica que o Estado mostrou a força ao adaptar rapidamente as fábricas para produção bélica e o objetivo foi alcançado em 1934: a promulgação da nova Carta Magna.

"O voluntariado foi imenso em todo o Estado. Os santistas tiveram uma atuação de destaque e combateram em todos os frontes" - NEY PAES LOUREIRO MALVASIO, professor de História

Foto publicada com a matéria

Cronologia

24 de outubro de 1930 - O presidente da República, Washington Luís, é deposto pelos militares. O ex-presidente (governador) gaúcho Getúlio Vargas marcha à frente dos grupos oposicionistas de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, sede do Governo Federal.

3 de novembro de 1930 - Junta Governativa tomou poder e empossou Vargas como chefe do governo provisório. O líder do movimento desembarcou no Palácio do Catete e dissolveu o Congresso Federal.

Abril de 1931 - Inicio da revolta contra Getúlio Vargas. Houve registros de motim da força pública e de sucessivos protestos em São Paulo.

24 de fevereiro de 1932 - Vargas assina nova lei eleitoral. Na Praça da Sé, na Capital, foi realizado um grande comício para exigir uma nova Constituição e a volta da autonomia do Estado. Paulistas não aceitavam a nomeação de interventor de outro estado.

23 de maio de 1932 - Durante ato contra Getúlio Vargas, os estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo morreram, devido à repressão policial. As iniciais dos falecidos (MMDC) deram origem à organização que congregou oposicionistas ao Governo Vargas.

9 de julho de 1932 - Início da rebelião armada com os rebeldes ocupando as ruas

3 de outubro - Os paulistas se rendem, após 930 combatentes mortos, sendo dois terços deles do Estado.

Ilustração publicada com a matéria

Instituto Histórico de Santos tem exposição sobre o tema

Os moradores da região que tiverem curiosidade de conhecer um pouco mais sobre a Revolução Constitucionalista de 1932 podem visitar a exposição sobre o tema no Instituto Histórico e Geográfico de Santos na próxima semana.

Jornais, armas, uniformes, medalhas e bandeiras da época. A visitação será de segunda-feira a sexta-feira, das 9 às 12 horas e das 14 às 17 horas.

A Escola Estadual Barnabé, que fica na Praça Correia de Melo, s/nº, no Centro, era utilizada como quartel dos voluntários na revolução.

A diretora da unidade de ensino, Irani José Abude Romano, guarda com carinho a doação de um capacete e de uma espécie de cartaz do movimento feita por um ex-aluno. "Os estudantes ficam surpresos quando descobrem o material, principalmente os meninos ficam empolgados", diz.

Exposição mostra uniforme usado pela tropa de São Paulo,

além de capacete, medalhas e armamento

Foto: Alexsander Ferraz, publicada com a matéria

Lançamento

A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo lançou, na noite de ontem, na Capital, Revolução Constitucionalista em 1932 em quadrinhos.

A obra do cartunista Maurício Pestana busca levar ao público infanto-juvenil, com uma narrativa leve e ilustrada, o maior conflito armado civil do Século 20 no Brasil. O livro custa R$ 12,00.

Imagem publicada com a matéria

Programação

Hoje há duas atividades para celebrar a Revolução Constitucionalista de 1932. Em Santos, às 9 horas, acontece solenidade de entrega de medalhas a colaboradores da Associação dos Combatentes de 32, na Praça José Bonifácio, ao lado do monumento-mausoléu Filhos de Bandeirantes, no Centro. Em São Vicente, ocorrerá desfile cívico-militar, às 10 horas, na Praça Heróis de 32, no Gonzaguinha.

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