Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0186a.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/20/05 11:45:38
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - 1932
Os santistas na Revolução de 1932 (I)

Leva para a página anterior

A participação do povo santista na Revolução Constitucionalista deflagrada em 1932 foi relatada pelo pesquisador Francisco Martins dos Santos em sua obra História de Santos, republicada em 1986 junto com a Poliantéia Santista, por Fernando Martins Lichti (Ed. Caudex Ltda., São Vicente/SP):


A foto, de 1932, mostra uma reunião para angariar fundos para o Estado de São Paulo, devido à Revolução Constitucionalista. O ponto de encontro foi a confluência das ruas República Portuguesa e Campos Melo com a Avenida Campos Sales
Foto publicada na seção Imagem do Passado do jornal santista A Tribuna, em 31/12/2004

A revolução paulista de 1932

Francisco Martins dos Santos

Não cabe aqui, neste pequeno capítulo da história da cidade, a apreciação integral e filosófica do grande movimento político popular, civil e militar, de caráter patriótico e constitucionalista que, tendo suas raízes no 23 de maio de 1932 - marcado no tempo com a sigla M.M.D.C. iniciais dos nomes daqueles moços tombados para sempre durante as manifestações populares daquele dia -, irrompeu na capital de São Paulo ao dealbar do dia 10 de julho do mesmo ano, visto que o nosso intuito é apenas descrever o ambiente santista durante os três meses considerados heróicos e fixar para a posteridade a ação das classes sociais da cidade nesse período, sob o ponto de vista cívico e moral.

O momento, passados tantos anos, já permite uma apreciação profunda e total de certos fatos e circunstâncias, a análise ampla e clara dos homens e dos partidos em agitação e colaboração na importante passagem histórica de São Paulo, mas a revelação dos acontecimentos nos dois sentidos cabe melhor a trabalhos e autores especializados, com mais espaço e mais liberdade, pois seria excessivo neste livro de conjunto, exibindo um pensamento dispensável desde que a vitória moral foi de fato alcançada, e desde que se sabe que, em todas as grandes ações coletivas da humanidade, hienas e chacais têm-se misturado às ovelhas e cordeiros vestindo a mesma pele, para, ao fim da marcha comum, e só então, arrancarem os disfarces, aproveitando os despojos e os melhores lugares do pouso atingido, ante o espanto dos companheiros, que só tarde demais os reconhecem. Assim tem sido e assim há de ser sempre, mas os justiçados nunca se conformam.

Não podia o grande movimento popular paulista fugir a esse fatalismo já observado na centena de obras sobre ele escritas, principalmente em algumas, e um dia, decerto, alguém surgirá que a descreva com todas as minúcias e todos os pormenores, mas, principalmente, com todas as franquezas e liberdades permitidas pela distância.

Na mocidade, na mulher paulista, no proletariado, no elemento comercial e industrial, na parte apolítica do povo, enfim, residiu a grande beleza deste movimento, a incorporar-se ao glorioso passado de São Paulo, como uma subversão revestida de todos os aspectos legais e patrióticos, de todas as aurifulgências legítimas das grandes páginas universais.

Pela madrugada do dia 10 de julho de 1932, saía o jornal A Tribuna e anunciava em manchete:

"Revoltou-se na Capital a guarnição federal. O movimento de solidariedade ao General Bertholdo Klinger visa à deposição voluntária, ou pela força, do governo federal.

"As tropas insurretas contam com a adesão de todas as forças do Estado de São Paulo, de Mato Grosso e do Paraná e com apoio de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

"O General Isidoro Lopes foi aclamado Generalíssimo das Forças Sublevadas.

"Manifesto ao povo paulista. Caso o Governo Central recuse demitir-se coletivamente, os revolucionários marcharão para o Rio de Janeiro, sob o comando do General Bertholdo Klinger. Distribuição de munições aos civis."

Nesse primeiro dia de novidade, emoção, conversas e controvérsias, discussões e comentários, tudo girando em torno do acontecimento e das primeiras notícias, nos lares, nas portas, nas praças, nos bares e nas ruas, foi, contudo, de calma o ambiente santista. Na polícia, reuniam-se ainda, e desde a noite do dia 9, todos os delegados e subdelegados, comissários e mais o pessoal da delegacia, atentos e obedientes às instruções do Dr. Clímaco Pereira, delegado regional. Inúmeras pessoas de representação social e política de Santos ali permaneciam, acompanhando com interesses vários as notícias que chegavam a cada momento.

O policiamento da cidade já estava entregue aos soldados da Força Pública, de armas embaladas.

Na véspera, à noite, a Companhia do 6º Regimento de Infantaria do Exército, que se achava aquartelada à Rua da Constituição, no antigo prédio João Octávio - já demolido - recebera ordens de embarcar para a Capital, mas, cerca da meia-noite, chegara uma contra-ordem, de sorte que a tropa, então a caminho da Estação da Inglesa (Santos-Jundiaí), onde embarcaria às 2 da madrugada, regressou ao aludido quartel.

Pela manhã do dia 10, chegava de São Paulo um oficial do Exército, enviado pelo general Isidoro Lopes, a fim de parlamentar com a força, e esta, depois de conhecer a atitude das demais unidades destacadas em São Paulo, aderiu, sem reservas, ao movimento, exceção apenas de dois oficiais, que se consideraram presos, seguindo escoltados para São Paulo. Em vista disso, a 6ª Companhia fora para o quartel da polícia, à Rua Visconde de São Leopoldo, onde hoje fica o Parque Infantil Maria Patrícia, transferindo para ali toda a munição de que dispunha e comungando com a força estadual.

Naquele mesmo dia, em conseqüência do trabalho de elementos civis de São Paulo, desenvolvido nas cidades principais do Estado desde alguns dias, organizava-se a Milícia Cívica Santista, ramificação ou equivalente da Milícia Cívica de São Paulo, contando logo de início com cerca de trezentos homens, entre moços do alto comércio local, advogados, médicos, engenheiros, estudantes e jornalistas, com instrutores e comandantes tirados da oficialidade da Força Pública. Esses inscritos, que se destinavam à guarda da cidade, dirigiram-se à tarde ao quartel da Polícia, da Rua Visconde de São Leopoldo, onde lhes foram fornecidos, de pronto, armamento e munições.

Na estrada, os trens corriam normalmente, mas não aceitavam, por ordem superior, passageiros e encomendas para além da Capital. Os Correios e Telégrafos tinham sido ocupados militarmente e todos os serviços eram controlados por oficiais do Exército e da Força Pública, a fim de evitar transmissões de notícias comprometedoras e boatos alarmantes, além de outras inconveniências estratégicas.

Nada se sabia de outros estados e do Rio de Janeiro, porque as comunicações estavam cortadas, embora se contasse, em geral, com o apoio do povo carioca, sempre democrático, liberal, patriota, e desde muito solidário com as reivindicações paulistas.

Não se sabia ainda a atitude da guarnição do Forte Itaipu. Para lá seguira uma comissão de civis e militares, acompanhada de uma força mista de soldados do 6º Regimento, Força Pública e elementos populares a fim de parlamentar com o comando da grande fortaleza, então exercido pelo major Loretti.

Nesse dia, tudo era ainda confuso em Santos, como um céu povoado de nuvens, permanecendo a população, por isso mesmo, em atitude de expectativa, mas, já no dia seguinte, com os manifestos dos dirigentes da Revolução, publicados em São Paulo e reproduzidos pelos jornais de Santos, começou a tomar forma o pensamento comum que ditaria as atitudes posteriores.

Nesse dia 11, a Milícia Cívica Santista publicava o seu primeiro manifesto ao povo, assim redigido:

"AO POVO DE SANTOS

"Os dirigentes da Milícia Cívica, neste momento decisivo para a vida nacional, vêm dirigir um caloroso apelo a todos os que amam verdadeiramente esta terra, conclamando-a a formar nas fileiras sagradas, que hão de fazer, definitivamente, a libertação da nossa Pátria.

"Não há, nesta hora, mais que irmãos. Todos por um e um por todos. Pela Liberdade dentro da lei, pela Lei como garantia suprema dos nossos destinos.

"Fraternizemos todos em volta do pendão das nossas reivindicações cívicas. Todos acorram ao nosso quartel de concentração, no Edifício da Imigração, à Rua Silva Jardim, formando no Batalhão de Honra.
A postos patriotas!

Pela Diretoria
H. Roberto Caiuby
Secretário".

Neste dia tornou-se conhecida a organização militar da cidade, assinado no dia anterior pelo generalíssimo Isidoro Dias Lopes, cabeça militar da Revolução e comandante-em-chefe das Forças Revolucionárias Constitucionalistas de São Paulo: governador militar de Santos - major Loretti, comandante do Forte Itaipu; comandante das forças móveis: do Exército - capitão Caldas Braga; da Força Pública - capitão Otoniel Aranha; da Milícia Cívica - major Bernardo Espíndola Mendes, oficial reformado da Força Pública; chefe de ligação entre o Governo da Praça e os comandantes das unidades e entre o quartel-general e aquele governador - Dr. Cyrillo Júnior.

Por A Tribuna do mesmo dia 11, publicava o Partido Republicano Paulista o seu primeiro apelo ao povo santista, com estas palavras:

"A alvorada magnífica de 23 de maio abriu-se afinal, nas claridades do dia de ontem, para a jornada da definitiva redenção de São Paulo.

"Soou, assim, a hora suprema para os nossos destinos, e entre a continuação do cativeiro e a libertação não há que hesitar.

"Cada paulista e cada brasileiro, aqui radicado pelo afeto que decorre da nossa fraternal hospitalidade, deve e há de ser um legionário da grande causa. Tréguas pois aos ressentimentos, para a união bendita e sagrada de todos pela causa de São Paulo.

"Todos de pé, como um só homem, na exata compreensão da magnitude do momento, todos a postos na trincheira da Liberdade contra a opressão e da honra contra o opróbrio.

"É o apelo que vimos de fazer aos nossos amigos e correligionários e aos nossos concidadãos em geral, em nome do Partido Republicano Paulista, grande vigilante e fiel das nossas tradições bandeirantes, que agora de novo se acordam nesta arrancada para a vitória e para a glória!

(a) J. Carvalhal Filho; Alberto Cintra; Renato Cintra; Renato Pinho; J.M. Alfaya Rodrigues; Adelson Nogueira Barreto".

Era ainda do mesmo número daquele jornal o apelo do comandante do Tiro Naval no Estado de São Paulo, aos seus corneteiros e tambores, para que se reunissem iniciando a propaganda da arregimentação da tropa voluntária.

Do Manifesto com que o Dr. Pedro de Toledo explicava a natureza do movimento paulista, transcrevemos aqui, por necessários, os períodos seguintes:

"São Paulo não tem outra aspiração senão a ordem legal, a paz e o trabalho dentro da grande Pátria brasileira, una e indivisível, governada pelo voto livre de todos os brasileiros. Não se trata de movimento separatista, como caluniosamente propalam. São Paulo nunca cogitou de quebrar a integridade nacional. Está de pé pelo Brasil unido e com o Brasil".

Oficialmente, estavam declaradas as finalidades da Revolução; os colaboradores que se inspirassem em qualquer motivo!

Notáveis foram, desde o princípio, as diligências do prefeito de Santos, Dr. Aristides Bastos Machado, para que nada faltasse à população da cidade, o que conseguiu ele durante os três meses de guerra e paralisação comercial-industrial, verificando-se ainda - o que não deixava de ser extraordinário -, ao invés de falta de artigos e gêneros de alimentação, abundância deles e barateamento sobre os preços normais.

Também o Partido Democrático de Santos, que tão destacada atuação tivera durante a Campanha Liberal, que quase levara o Dr. Getúlio Vargas à presidência da Nação, publicava em A Tribuna, de 11, o seu manifesto:

"O Brasil não pode permitir ou tolerar a traição aos ideais que inspiraram a grande revolução de 3 de outubro de 1930!

"Naquela data, a Nação se levantou para reivindicar o direito de ser livre, e de constituir-se em normas democráticas. A revolução foi deflagrada como meio de implantar o império do Povo, não como sistema de governo. Entretanto, heróis daquele magnífico evento cívico, na vertigem do poder, esqueceram os compromissos sagrados e selados com a Nação, e querem fazer-se exclusivos diretores dos destinos da Revolução e do Brasil.

"O Povo, que fez a epopéia da Independência; que em 89 desposou os princípios liberais da República, que incentivou com seu aplauso a pregação cívica do Partido Democrático, que se integrou conscientemente na magnífica campanha da Aliança Liberal; não pode permitir o predomínio dos escravagistas, do ideal dos fascistas crioulos, do outubrismo empenhado em prolongar indefinidamente a ditadura para garrotear a liberdade e negar ao País o direito à Constituição.

"O movimento liderado por São Paulo é de reivindicação e de liberdade. É preciso garantir, antes de tudo, a federação com a autonomia dos Estados e a Ordem constitucional, porque fora da Constituição aquela não existe.

"O país está diante deste dilema: Constituição ou Morte! E o Brasil não pode morrer, fragmentando-se ou amenizando-se na desordem que a ditadura instituiu como processo de governo.

"O Partido Democrático de Santos está integrado neste movimento reivindicador.

"Pelo seu diretório, convoca todos os cidadãos para o bom combate, estando sua sede, à Rua Martim Afonso nº 9, aberta para inscrição dos que quiserem bater-se pela liberdade do Brasil".

No dia 12 chegava a Santos o 6º Batalhão da Força Pública, e, no mesmo dia, também um pelotão do 4º B.C. de Sant'Ana, que se alojou no quartel da Rua da Constituição, a antiga residência de João Octávio. Neste dia evoluíram sobre a cidade quatro grandes hidroaviões da Marinha, acompanhados pelo olhar atento de toda a população. Era uma incursão pacífica, de observação talvez, porque nada foi tentado contra Santos e suas instalações militares.

Em todos os pontos da cidade, onde quer que houvesse um aparelho de rádio ligado, ouvia-se incessantemente a palavra flamejante dos tribunos da Revolução, em brilhante sucessão oratória, entremeada de hinos e marchas militares que estimulavam e acordavam os impulsos belicosos dos mais pacatos cidadãos. Era marcialíssimo o ambiente.

Moços do comércio, estudantes, advogados, engenheiros, médicos, homens de todas as classes, sucediam-se nos microfones das estações transmissoras de São Paulo e de Santos, produzindo a grande propaganda e a grande divulgação da idéia revolucionária e constitucionalista.

No dia 13, o Partido Democrático convidava o povo para um grande comício de propaganda da mobilização civil, pedindo o seu comparecimento às 20 horas, na Praça Rui Barbosa (antigo Largo do Rosário), assinando este apelo os senhores Antônio Teixeira de Assunção Neto, Leopoldo de Oliveira Figueiredo, Antônio E. Feliciano da Silva, Antônio Manoel da Fonseca, Alberto de Moraes Barros, Francisco de Assis Arantes, Augusto de Medeiros Bule, Ricardo Pinto de Oliveira, João Lisboa Wright, Dr. A. Guilherme Gonçalves e Dr. Waldemar Leão. Esse comício reuniu milhares de cidadãos e inúmeras famílias, ouvindo-se nele a palavra inflamada de vários oradores, sob hurras e vivas da multidão e gritos entusiásticos das senhoras e senhorinhas presentes.

Nesse mesmo dia e em conseqüência do manifesto lançado na véspera pelo Centro Acadêmico de Santos, organizava-se a Falange Acadêmica, composta de elementos do Centro e de fora dele, constituindo-se o seu estado-maior da seguinte forma: chefes gerais: prof. Luiz Silva, Dr. Murtinho de Souza e Dr. Gervásio Bonavides; comandante-chefe: professor André Freire; ajudante de ordens: Alfredo Comito. Ainda nesse dia, resolvia o Tiro de Guerra nº 11 providenciar a mobilização dos seus reservistas, iniciando a convocação e a inscrição do voluntariado.

Desde estes primeiros dias, todas as associações de classe, a começar pelo Centro dos Professores, pelo Instituto Odontológico e outros, assim como todas as associações de Santos, instrutivas, recreativas, esportivas e operárias, protestavam solidariedade e apoio incondicional às autoridades militares, pondo seus préstimos ao inteiro dispor da Revolução e de seus chefes.

A Cruz Vermelha de Santos, reunida no dia 12, solidarizara-se também com o movimento e mantinha-se em sessão permanente, por deliberação do seu Conselho, iniciando imediatamente a organização dos serviços de saúde, da Escola de Enfermeiros, de atenção às requisições, de socorro ao povo, e das comissões distribuidoras de auxílio. Foi notável a ação desta benemérita instituição durante todo o tempo, e a distribuição de gêneros alimentícios, remédios e roupas, que efetuou, atingiu a muitas centenas de contos de réis, equivalente hoje (N.E.: 1986) a muitos milhões de cruzeiros.

Montando cozinhas volantes pelos bairros da cidade, onde fornecia refeições aos que necessitavam, fornecendo marmitas a famílias inteiras, enviando comissões dinâmicas a percorrer os lares e verificar a necessidade de todos os visitados, principalmente nos bairros proletários, a Cruz Vermelha mobilizou centenas de senhoras, senhorinhas e cavalheiros, que, abnegadamente oferecendo seu trabalho, seu dinheiro, seus automóveis e a própria gasolina que gastavam, formaram um monumento imperecível de dedicação e altruísmo patriótico a esse organismo eminentemente assistencial e popular, que a cidade não poderá esquecer ou relegar a injusto olvido.

A seu presidente, Dr. Flor Horácio Cirilo, coube dirigir todo o extraordinário movimento da associação nos famosos oitenta dias, e tomar as múltiplas providências que o súbito desdobramento exigira de sua direção. Distinguir os seus colaboradores, entre centenas de abnegados que, dia e noite, não tinham outra preocupação que o bem e o conforto públicos em nome de São Paulo e de um Brasil livre, seria impossível e portanto injusto, porque, nominalmente, muitos ficariam esquecidos. Basta que à sociedade santista fique pertencendo sempre, globalmente, o merecimento dessa página brilhante que foi o espetáculo da sua capacidade de ação, de organização, de idealismo, de fraternidade, de altruísmo e devotamento à causa pública, durante o período revolucionário de 1932.

No dia 14 seguiam para São Paulo os primeiros voluntários santistas, do batalhão organizado pelo Partido Democrático, em número de 53, destinados ao acantonamento da Escola Normal, transformada em quartel.

Nesse mesmo dia reuniam-se os reservistas do Tiro Naval, ficando resolvida, entre todos, a inscrição geral nas forças em organização, de acordo com a comunicação do 1º-sargento comandante.

A exemplo da Cruz Vermelha, também à Associação Comercial, a velha instituição dos viscondes de Vergueiro e de Embaré, caberia uma grande parte na condução do movimento em Santos. No dia 15, anunciava ela ao público que, de acordo com a consulta que fizera aos associados, todos os voluntários, que se apresentassem às fileiras, ficariam com os seus empregos garantidos e vencendo ordenados por todo o tempo que durasse a Revolução.

Tal declaração e tal certeza concorreram muito para decidir o ânimo dos moços, que, embora tendo vontade de se apresentar, receavam a perda das suas colocações. Podemos mesmo afirmar que, enquanto não se pronunciou desta forma a Associação Comercial de Santos, a massa dos elementos do comércio não se movimentara, o que só começou a verificar-se daquele dia em diante.

Na tarde do mesmo dia 15, às 14 horas, nos altos do prédio nº 9 da Rua do Comércio (antiga Santo Antônio), sob convocação do coronel Grimaldo Teixeira Favila, que seria um dos bons comandantes das forças santistas no Setor Sul, reuniram-se os reservistas do Exército Brasileiro, residentes em Santos, ficando aí resolvida a criação de um Batalhão de Reserva para seguir para o front.

Inicia-se então, séria e decididamente, em Santos, a movimentação de caráter militar.

Agora, era o tenente Mário Amazonas, da Reserva, que, seguindo instruções recebidas em São Paulo, iniciava a organização do Batalhão da Reserva de Santos, valendo-se dos moços do Tiro de Guerra nº 11 e de alguns elementos avulsos, força que tão destacada ação teria nas frentes de combate e que diversos heróis forneceria à história do Movimento e da terra santista.

Apareciam os poetas da Revolução, e os jornais estampavam poesias guerreiras destinadas ao estímulo da mocidade. Agenor Silveira, o mestre da poesia e da prosa, purista do idioma, publicava em A Tribuna, de 15 de julho, o seguinte soneto:

AVANTE!

As tropas concentradas em Cruzeiro
Reforçadas de novos batalhões
Vão marchar sobre o Rio de Janeiro,
Que, em peso, os cobrirá de aclamações.

Vão libertar o povo brasileiro
De injustiças, de longas opressões;
Levam, para o salvar do cativeiro,
Fuzis, metralhadoras e canhões.

Tremendo de pavor, a ditadura
Sente-se cada vez menos segura,
Como a fera atacada no covil

Nobres soldados de São Paulo! Avante!
Deus favorece a causa bandeirante
Para a felicidade do Brasil!

Santos, 14/7/1932                     AGENOR SILVEIRA

Ainda no dia 15, em conseqüência da reunião convocada na véspera, todas as associações portuguesas de Santos ofereciam seus serviços à cidade e às autoridades militares, contando-se, entre elas, a Beneficência Portuguesa, a Associação Atlética Portuguesa, a Sociedade Musical Colonial Portuguesa, o Centro Republicano Português, o Real Centro Português e a Escola Portuguesa.

Notável foi a solidariedade dispensada em todos os terrenos à campanha paulista, pelas colônias estrangeiras, quer pelos cidadãos em mais evidência, quer pelas suas melhores e mais poderosas associações, trabalhando todos, como os próprios naturais do país, empenhados na Revolução Constitucionalista.

Por mais estranha que parecesse, essa intromissão de filhos e entidades de outras pátrias em coisas que apenas nos diziam respeito, sempre achamos que lhes assistia muita razão e pleno direito, porque, afinal, era em Santos e no território paulista que eles exerciam suas atividades e proviam, individual e coletivamente (as famílias), a sua subsistência, dando a São Paulo e ao Brasil o melhor das suas energias, da sua vida, da sua atividade e do seu esforço construtivo, em todos os setores. Desde que a questão se levantara pelo princípio constitucional, nada mais natural que eles se pusessem ao lado dos que defendiam a ordem verdadeira, a normalização da vida nacional e a sua prosperidade à sombra da lei e das instituições estáveis.

No mesmo dia 15, seguia para São Paulo, a oferecer seus préstimos às autoridades de guerra, o aviador santista José Daniel de Camargo, brevetado pelo Aeroclube de São Paulo, com as lições recebidas em Santos, do professor de aviação Reinaldo Gonçalves.

Entre os dias 15 e 16 começava o Dr. Aguinaldo de Góis a organização do Batalhão Operário, com o concurso de José Ferreira Porto e Eugênio Wansuít, sendo desde logo entregue a parte militar da iniciativa ao major Alípio Ferraz, da Força Pública, e alguns inferiores.

No dia 16, o Dr. Américo Neto, secretário do Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo, secundado pelo cidadão Clarimundo da Rocha Correa, apelava para os esportistas de Santos, no sentido de concorrerem financeira e fisicamente para a vitória da Revolução. Pouco depois, em princípio de agosto, além de se inscreverem nas fileiras paulistas, muitos esportistas, todos ou quase todos, os que possuíam troféus de vitórias passadas, taças e medalhas, efetuavam sua entrega à Campanha do Ouro para a Vitória, então instituída pela Associação Comercial, mandando antes fotografá-los, para que lhes ficasse a recordação dos respectivos triunfos. Nesse dia 16, assumia o comando da Praça Militar de Santos o major João Carlos Reis Júnior, o qual, nessa ocasião, fez uma visita ao Forte Itaipu, falando aos soldados no pátio da grande fortaleza:

"Soldados! Aqui estamos a postos para a defesa do mais belo e justo dos deveres de um soldado - a disciplina - que levará o Brasil, unido e forte, ao regime da Lei! Não importa morrer quando os ideais são puros, e os nossos o são, porque o que nos guia é o próprio Direito. A postos, pois, meus soldados!"

Completando o seu círculo de visitas, ainda nessa tarde ele visitou a Milícia Santista, no Grupo Escolar Cesário Bastos, onde pronunciou nova exortação aos milicianos voluntários.

No dia 17 ficava resolvido, entre os reservistas dos Tiros de Guerra nºs 11, 598 e Naval, que todos os atiradores se congregariam num só bloco, para formação do Batalhão da Reserva de Santos, convocando-se então um grande comício para as 17 horas desse dia, assinando a convocação os cidadãos Armando Erbisti, Carlos Pereira Guimarães, Horácio de Lamare, Carlos de Barros, Raul de Souza Dantas e Luiz Suplicy Júnior.

Nessa ocasião, resolveram os reservistas do Tiro Naval apresentar ao Comando da Praça o seguinte Pacto de Honra, assinado por todos:

"Os atiradores, abaixo assinados, declaram, sob palavra de honra, que se comprometem a cerrar fileiras com a máxima disciplina e a defender até à morte a atitude do glorioso Estado de São Paulo, que, ou vencerá ou lutará até ver tombado o seu último soldado. Por São Paulo! Pelo Brasil!"

Em verdade, os Navais, como se viu depois, souberam honrar o seu compromisso. Sua dissolução, mais tarde, foi fruto da revide ditatorial à grande atuação militar da corporação de Santos.

Leva para a página seguinte da série