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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECAClique na imagem para ir à página principal desta série
Sete de Setembro (3)

A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, volume II, com ortografia atualizada (páginas 450 a 487): 
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SEGUNDA PARTE - INDEPENDÊNCIA OU MORTE!

Capítulo I - Após o Fico (cont.)

[...]

Conselho de Procuradores. Iniciativa de José Bonifácio

Desembaraçado afinal das preocupações em que o absorvia a permanência da Divisão Auxiliadora nas águas da Guanabara, passou o ministério, sob o impulso de seu primeiro-ministro, a tomar as providências mais urgentes reclamadas pela situação.

Por decreto de 16 de fevereiro, referendado por José Bonifácio, foi convocado para reunir-se no Rio um Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil, que as representassem interinamente. As que tinham até quatro deputados em Cortes, elegeriam um procurador; as que tinham de quatro até oito - dois e as outras daí para cima - três. O mandato poderia ser-lhes cassado pelas províncias respectivas, quando não desempenhassem devidamente suas funções, e assim o requeressem dois terços das suas câmaras municipais em vereança geral e extraordinária. Os eleitores da paróquia, reunidos nas cabeças de comarca, procederiam a tais eleições, que seriam apuradas pela câmara da capital da província, saindo eleitos os mais votados e decidindo a sorte no caso de empate.

As atribuições do Conselho eram: 1º) aconselhar o príncipe, nos negócios mais importantes e difíceis, sempre que S. A. o determinasse; 2º) examinar os projetos de reforma que se deveriam fazer na administração e que lhes fossem enviados para esse fim; 3º) propor ao regente aquelas medidas que lhe parecessem mais urgentes e vantajosas para o Reino Unido em geral e a prosperidade do Brasil em particular; 4º) zelar cada procurador pelas necessidades e interesses da sua província.

Reunir-se-ia o Conselho no Paço Real todas as vezes que o convocasse o príncipe, ou que assim parecesse ao mesmo Conselho no caso de urgência, dando disso comunicação a S. A. por intermédio do titular da Pasta do Reino. As sessões seriam presididas pelo regente, com assistência de seus ministros, com direito de voto, havendo um vice-presidente eleito por maioria dentre os membros do Conselho, com mandato mensal, que poderia ser renovado. Haveria um secretário estranho à corporação, sem direito de voto, e incumbido de redigir os debates, lavrar as atas, e escrever os projetos aprovados.

Os procuradores teriam o tratamento de excelência, enquanto estivessem investidos de suas funções; e o Conselho, precedência, nos atos públicos, a quaisquer outras corporações de Estado, gozando seus membros de todas as preeminências de que gozavam os conselheiros de Estado no Reino de Portugal. Instalar-se-ia o Conselho logo que estivessem reunidos na Corte os procuradores de três províncias pelo menos [1].

Contestação a Varnhagen

VARNHAGEN, na sua obsidente preocupação de empalidecer o fulgor da glória andradina, avança na sua História da Independência que a idéia da criação desse Conselho "não agradou muito ao ministério, talvez por não ser de iniciativa sua" [2]. Para conseguir seus fins, não repugnavam os meios ao malédico e maldoso publicista de Araçoiaba; e para emitir impassível suas rancorosas opiniões, desprezava mesmo documentos que conhecia a fundo e que citava nas páginas de seu volume.

No caso de que tratamos, ele não ignorava que o próprio José Bonifácio é que tivera a iniciativa dessa feliz criação e que subira ao poder, levando-a como parte integrante de seu programa político. Na representação mandada de S. Paulo ao príncipe e que atrás reproduzimos, aprovada pelo Governo Provisório na sua sessão extraordinária de 31 de dezembro, redigida por José Bonifácio, assinada por ele em primeiro lugar como chefe da deputação paulista e em seguida pelos outros membros da mesma deputação, e lida, em audiência pública especial do príncipe regente, pelo insigne estadista, lê-se textualmente: "Digne-se, pois, V. A. Real, acolhendo benigno as súplicas de seus fiéis paulistas, declarar francamente à face do Universo... que, para reunir todas as províncias em um centro comum de união e de interesses recíprocos, convocará uma Junta de Procuradores Gerais ou Representantes, legalmente nomeados pelos eleitores de paróquia, juntos em cada comarca, para que nesta Corte e perante V. A. Real o aconselhem e advoguem a causa de suas respectivas províncias, podendo ser revogados seus poderes e nomeados outros, se se não comportarem conforme as vistas e desejos das mesmas províncias; e parece-nos, Augusto Senhor, que bastará por ora que as províncias grandes do Brasil enviem dois deputados e as pequenas um".

Dessas linhas, tão claras e tão categóricas, se vê que o ilustre Andrada levara de sua província para o Rio a idéia da convocação do Conselho citado e com ela subira ao governo, pois, quando, a 26 de janeiro, leu a representação paulista perante d. Pedro, já era seu primeiro-ministro. Ainda não tinha um mês completo de administração, e já baixara, por ele referendado, o decreto de 16 de fevereiro, onde estão enfeixadas todas as idéias que a esse respeito se encontravam na aludida representação.

Como, portanto, assevera VARNHAGEN, a não ser por evidente má-fé, que tal plano "não agradou muito ao ministério, talvez por não ser de iniciativa sua", quando é certo que a proposta feita pelo Senado do Rio ao Príncipe é de 8 de fevereiro, ao passo que a representação de S. Paulo foi aprovada pelo governo da província a 31 de dezembro - isto é, cerca de mês e meio antes - e lida ao regente, na presença do mesmo Senado, a 26 de janeiro, isto é, treze dias antes?

A representação, fala ou discurso de 26 de janeiro é assaz conhecida de quantos sabem alguma coisa da história de nossa independÊncia; e certamente não a ignoraria o meticuloso esgravatador de antigualhas e pesquisador tenaz de velhos documentos relativos ao passado brasileiro, embora de propósito não a tivesse citado para estabelecer premeditada confusão entre ela e o ofício de 24 de dezembro, no intuito vão de tirar a José Bonifácio e aos paulistas a glória de terem preparado o Fico, segundo o demonstramos compridamente noutro lugar deste volume.

Contestação a Rio Branco

Também o BARÃO DO RIO BRANCO, em nota ao comentário de VARNHAGEN [3], afirma que a idéia partiu de Joaquim Gonçalves Ledo, José Clemente Pereira, cônego Januário da Cunha Barbosa e general Nóbrega, no seio do Clube de que eram membros, em reunião do qual propuseram que o Senado da Câmara tomasse a iniciativa de propô-la oficialmente ao príncipe, o que ela fez, em sessão pública de 8 de fevereiro, presidida pelo segundo daqueles vultos acima citados nominalmente, mandando logo subir uma representação em tal sentido a d. Pedro.

Repetimos que a iniciativa partiu do Governo Provisório de S. Paulo, e, portanto, de José Bonifácio, que era o verdadeiro chefe do referido Governo. As datas dos documentos não deixam a menor dúvida a respeito. ROCHA POMBO [4], combatendo com vigor essa versão errônea, dá, com muita lógica, a razão por que o Senado representou então ao regente: "Era preciso que o príncipe fizesse aqui tudo, como atendendo a solicitações e reclamos do povo". Para o eminente historiógrafo, a representação fora inspirada pelo próprio ministro, e "tinha significação idêntica à daquelas outras que se fizeram, pedindo a d. Pedro que não saísse do Brasil".

A esse respeito faz igualmente OLIVEIRA LIMA ponderadas reflexões [5], contestadoras do que dizem VARNHAGEN e RIO BRANCO. Salienta o ilustre escritor pernambucano que a representação do Senado do Rio fora remetida ao príncipe conjuntamente com a que chegara do Governo de Minas, solicitada pelos patriotas fluminenses.

Ora, se S. Paulo andara sempre unido a Minas nas suas resoluções - e esta província nada deliberava a não ser de acordo com aquela - porque é que nada fora pedido aos dirigentes paulistas? Justamente porque partira de S. Paulo a iniciativa da convocação do Conselho e estava à testa do ministério quem deveria pô-la em execução.

O Conselho de Procuradores, tal como o concebeu José Bonifácio, é mais uma prova de sua alta capacidade política. Procurava, dentro da mera autonomia subordinada ao centro português em Lisboa, estreitar os então frouxos laços de solidariedade e amor entre as províncias, assegurando-lhes ao mesmo tempo um ponto de convergência onde se congregassem as aspirações, desejos, esforços e queixas de cada uma, para serem examinados, apreciados e finalmente atendidos.

Por outro lado, o feitio de sua organização, sotoposta sempre à autoridade do príncipe e sujeita à intervenção dos ministros, com direito de voto, corrigia eficazmente os excessos de zelo a que tendem inevitavelmente as assembléias de origem popular, excessos muito mais para temer naquela época em que se iniciava apenas o regime representativo e as câmaras eleitas timbravam em sobrepor a sua suposta soberania à majestade dos reis. O constitucionalismo luso transformara d. João VI em prisioneiro das Cortes.

Chegada de novas tropas de Portugal. Como foram recebidas. Seu reembarque

Ainda não decorrera um mês que a Divisão partira e boatos começaram a circular no Rio, de que se avistava de terra uma esquadra portuguesa, boatos que plenamente se confirmaram a 9 de março, dia em que ela se aproximou da entrada da barra. Eram as forças que se esperavam para render as que tinham partido; e compunham-se de uma totalidade de 1.000 praças de linha, comandadas pelo coronel António Joaquim Rosado.

A frota, que obedecia às ordens do chefe de divisão Francisco Maximiliano de Sousa, e era constituída de cinco navios de guerra - quase a mesma que levara o Rei [6] -: nau D. João VI, fragata Real Carolina, charruas Conde de Peniche, Orestes e Princesa Real, e de vários transportes, entre os quais o Phenix e o 7 de Março [7], trazia a missão de conduzir o príncipe de regresso para Portugal.

Parte das tropas que com ela vinham, destinavam-se a ficar em Pernambuco e na Bahia. Como, porém, as respectivas juntas provinciais não as julgassem mais necessárias à segurança da ordem, vieram todas para o Rio, cuja população se agitou imensamente, resolvida a não permitir que d. Pedro deixasse o Brasil.

Magotes de populares dirigiam-se ao Paço para oferecerem a Sua Alteza os seus serviços de guerra na defesa da causa nacional. Mas, graças à previdência de José Bonifácio, o governo achava-se então militarmente preparado para desobedecer às Cortes e resistir aos seus injustos decretos. A eficiência da guarnição estava aumentada com a chegada dos corpos expedicionários de S. Paulo e Minas - 1.240 homens; e esperavam-se ainda mais forças milicianas da primeira daquelas províncias. As fortalezas achavam-se bem guarnecidas e havia alguns navios de guerra nas águas da Guanabara, prontos para, em qualquer emergência, entrar em ação, conjuntamente com os fortes e as tropas de terra.

Não hesitou d. Pedro, por isso, em intimar o comandante da esquadra para que fundeasse entre as baterias de Santa Cruz e S. João e viesse à terra falar-lhe, em companhia do comandante das tropas, no que foi prontamente obedecido, recebendo-os o príncipe no Paço da Cidade, com mui carinhosa deferência, e declarando-lhes que só permitiria a entrada dos navios e qualquer comunicação de sua gente com a terra, depois que os dois oficiais se comprometessem por escrito a ficar inteiramente sob as suas ordens enquanto permanecessem no Rio.

Anuíram eles à proposta do príncipe e, ato contínuo, assinaram o termo que na ocasião se lhes apresentou já lavrado [8]. Depois disso, foi permitida a entrada da esquadra no dia seguinte, indo fundear entre a Fortaleza da Boa Viagem e os navios de guerra brasileiros, salvo a fragata Real Carolina e um transporte, que só entraram a 12.

Completando as providências defensivas que se tornavam indispensáveis, ordenou-lhes o príncipe que lhe fosse entregue a aludida fragata, com a qual precisava aumentar nossa ainda pequena e insuficiente frota militar, e que só desembarcassem os oficiais e não os soldados, salvo aqueles que desejassem voluntariamente ficar engajados nas forças do Brasil. Assim o preferiram 894 oficiais inferiores e soldados [9]; e a nossa defesa ficou sobremaneira acrescida de novos elementos em terra e no mar.

Os comandantes a tudo se submeteram, porque viram que, sem a Divisão Auxiliadora, era-lhes totalmente impossível dar cumprimento às ordens que das Cortes traziam. As forças reunidas pelo príncipe eram 10 vezes superiores às suas. Apoiadas pelo fogo das bem artilhadas fortalezas e dos poucos, mas bem guarnecidos, navios de nossa pequena esquadrilha, improvisada sob a pressão das circunstâncias emergentes, mais que bastavam para vencer as tropas recém-chegadas, se fora inevitável a luta.

Compreenderam bem a situação os dois chefes militares, e entenderam, por isso, de desistir de qualquer conflito armado com o regente, por ser inútil para o completo êxito da missão de que vinham incumbidos. Aliás, o chefe de divisão Maximiliano, na sua curta estadia em Pernambuco, onde se achava então Vasconcellos de Drummond, a serviço da causa da independência, fora informado por este, com a mais discreta habilidade, reveladora do futuro diplomata [10], de tudo quanto se passava no Rio, de modo a que o cauteloso comandante naval português, ao chegar à Corte, já vinha provavelmente resolvido a não abrir luta com o príncipe, cuja autoridade, naquele momento, era prestigiada solidariamente pelo povo e pela tropa, não só da província fluminense, como também das províncias limítrofes.

A 23 de março, segundo VARNHAGEN [11], PEREIRA DA SILVA [12], RIO BRANCO [13], e o PADRE GALANTI [14]; a 24, como afirmam ARMITAGE [15], ROCHA POMBO  [16] e o PADRE GALANTI, ou a 29, na opinião de MELLO MORAES [17], largou ferro a lusitana esquadra, de regresso para o Reino, onde causou grande espanto e furor o tremendo insucesso de sua importante e malograda missão.

O chefe de divisão, preso, e submetido a processo em Lisboa, foi condenado à exclusão do serviço da Armada; mas, tendo em vista as circunstâncias com que houve de lutar, o próprio conselho julgador entendeu de recomendá-lo à clemência do rei [18].

A indignação refervia tumultuosa nos peitos portugueses de além-mar, diante de tantos reveses e tantas demonstrações de hostilidade por parte do príncipe, que abrira os braços, entusiasticamente, às aspirações do povo brasileiro. Primeiramente - o Fico; depois, a expulsão de Avilez e suas tropas; e, finalmente, a repulsa das forças expedicionárias vindas na esquadra de Maximiliano de Sousa [19].

Agitação política em Minas. D. Pedro parte para lá

Tranqüilizado inteiramente o Governo do Rio, quanto ao aspecto militar dos acontecimentos locais, voltou as vistas, imediatamente, para a província de Minas, onde a facção retrógrada, chefiada pelo ex-governador d. Manuel de Portugal e Castro, procurava, por todos os modos, impedir a implantação da autoridade regencial. Contra a própria vontade, organizara ele a Junta Provincial, de acordo com as ordens reais, fazendo-se, entretanto, eleger seu presidente, embora, apesar de seus manejos, a maioria dela estivesse constituída de espíritos liberais que gozavam de grande prestígio não só em Vila Rica, mas também em todo o território mineiro.

Por esse motivo, não pôde manter-se no seu posto, que abandonou, seguindo para o Rio, donde se correspondia com seus correligionários, fomentando divergências entre os membros da Junta e mantendo em agitação constante a opinião pública da província.

Do seu trabalho tenaz resultou que os habitantes de diversas comarcas, indispostos contra a Junta, que não interpretava mais o pensamento geral dos povos, estavam dispostos a sublevar-se contra ela, cujo poder se apoiava no comandante das forças, o tenente-coronel José Maria Pinto Peixoto.

Ausente no Rio, na missão política de que já falamos, o seu patriótico vice-presidente, o desembargador José Ferreira da Fonseca Vasconcellos, ouvidor de Sabará, e afastados os elementos liberais que a princípio tinham preponderado em seu seio, achava-se então a Junta sob o domínio exclusivo de dois de seus membros, o desembargador Manuel Ignácio de Mello e Sousa e João José Lopes Ribeiro, que desempenhava as funções de secretário [20].

Convencidos, pelas artimanhas do ex-capitão general, de que d. Pedro tentava submeter despoticamente o Brasil a seu jugo, anulando por completo o regime constitucional apenas inaugurado, resolveram aqueles membros da Junta desligá-la da obediência jurada a Sua Alteza, para só obedecerem às Cortes de Lisboa, dentro, porém, de certa desafogada autonomia, como, por exemplo, o direito de promulgar decretos em nome das ditas Cortes, de fazer promoções na tropa, de cunhar moeda, de demitir magistrados, de impedir na província a circulação das notas fiduciárias emitidas pelo Governo do Rio, e tomar outras medidas que evidentemente escapavam à sua competência e só poderiam ser justificadas em circunstâncias porventura excepcionais e sempre em caráter provisório.

José Bonifácio, que, como já se sabe, fizera o Governo de S. Paulo firmar com o de Minas uma aliança ofensiva e defensiva em prol da causa comum, tentou, por intermédio da Junta de sua província, normalizar a situação política do povo limítrofe, mas sem resultado algum, pelo que ficou resolvido que d. Pedro partisse para Vila Rica, a fim de submeter os amotinados pela persuasão ou pela coação, pela paz ou pela guerra, pela razão ou pela força.

Delegou ao Conselho de Ministros plenos poderes para administrar o Estado em sua ausência, e, levando em sua companhia, além de um guarda-roupa e dois ajudantes de ordens, o desembargador da Casa da Suplicação, dr. Estêvão Ribeiro de Rezende [21], mais tarde marquês de Valença, que foi investido das funções de secretário itinerante, e o desembargador Vasconcellos, vice-presidente da Junta, ao qual já nos referimos [22], saiu da Corte a 25 de março, com destino às montanhas mineiras, não levando consigo um único soldado.

A essa pequena comitiva, mencionada por VARNHAGEN [23], acrescenta ROCHA POMBO [24], os deputados mineiros que se achavam no Rio e o vigário de Pitangui, padre Belchior Pinheiro. Embarcando-se a bordo de sua galeota, saltou nas margens do Inhomirim [25], de onde, a cavalo, seguiu para a Paraíba do Sul, aí pernoitando. Subiu a serra pela estrada íngreme e estreita que então existia, e, respeitando uma velha tradição, implantou no alto do Morro dos Arrependidos, por suas próprias mãos, uma cruz de caniço, tributo que à superstição popular pagava quem, por aquele caminho, tivesse de penetrar no território mineiro [26].

Estêvão Ribeiro de Rezende (marquês de Valença)

Imagem publicada com o texto

Em Barbacena. Em S. João d'El-Rei

A 1º de abril chegava a Barbacena, onde era recebido triunfalmente. A municipalidade rogou-lhe que estabelecesse na província um governo legal, ao que ele acedeu, dizendo que era justamente esse o móvel de sua visita à capital. A 3 era magnificamente recebido em S. João d'El-Rei, onde, desde as 10 horas da manhã de 31 de março, momento em que, por ofício expedido à Câmara, se divulgou a notícia de sua chegada, começaram a preparar-lhe estrondosa recepção [27].

Na limpeza e arranjo da vila, trabalhou-se três noites consecutivas à luz dos archotes, e dois dias sem interrupção alguma. Foram eretos, desde a entrada da vila, seis arcos majestosos, paramentados de ricos festões de seda, sob os quais, bandos de meninas, trajadas a caráter, representavam as Graças, os Amores, a Europa, a América, e outras entidades simbólicas ou reais.

Das casas, ornamentadas de colchas de riquíssimo damasco, as senhoras jogavam sobre o pálio - debaixo do qual ia Sua Alteza - cheirosos pugilos de jasmins, cravos e roas; ao pé de cada arco queimavam-se aromas em lindos vasos; espocavam no ar girândolas, bombas e roqueiras, em sucessivos estrondos festivais; as bandas de música da Infantaria e da Cavalaria Miliciana alternavam-se na execução de peças apropriadas à pomposa solenidade.

Os alunos da escola pública local, querendo associar-se às expressivas homenagens, construíram um carrinho triunfal, próprio para ser conduzido debaixo do pálio; forraram-no de damasco e seda amarela, adornaram-no de festões de seda branca e sobre ele colocaram uma alta cadeira, toda cingida de galões de ouro, e pendente dela uma coroa de louros e ramos de oliveira - duplo símbolo do triunfo e da paz. Eles mesmos puxaram por meio de cordas o carrinho até as portas da Vila, onde um dos menores e mais entusiasmados ofereceu-o a d Pedro, proferindo um discurso lacônico mas ardoroso, e no qual comparava a entrada do príncipe em São João d'El-Rei à de Cristo em Jerusalém - comparação que lhe veio naturalmente porque se estava então na Semana Santa.

Sua Alteza amimou carinhosamente o infantil orador, mas recusou servir-se da pequenina sege, improvisada pelos industriosos petizes, achando mais decente caminhar debaixo do pálio, cujas varas eram sustentadas pelos representantes da Câmara, do clero e da nobreza [28].

Em S. José do Rio das Mortes

Daí partiu, no sábado de Aleluia, 6, pela manhã, para São José do Rio das Mortes, onde foi também recebido com excepcionais demonstrações de reverência e afeto. O Esquadrão de Cavalaria de Milícias, imitando o exemplo do de S. João d'El-Rei, ofereceu-se para fazer a guarda de sua pessoa, oferecimento que foi recusado. No mesmo dia hospedou-se na fazenda de propriedade do tenente-coronel Geraldo Ribeiro de Rezende, onde surgiu uma ordenança mandada pelo governo de Vila Rica, noticiando a chegada de dois membros do mesmo governo, que vinham ao seu encontro [29].

Como até o dia imediato não se tivesse confirmado a notícia, prosseguiu na sua rota o real itinerante, até que daí a três léguas, na fazenda de Cataguazes, lhe apareceram os anunciados membros do governo mineiro, o desembargador Mello e Souza e o coronel José Ferreira Pacheco [30], que lhe foram prestar homenagem e render submissão em nome dele, ao que lhes retrucou secamente o príncipe: "Já é tarde"; molestado como se achava pela atitude da Junta que, sabendo de sua entrada na província, desde o dia 31 de março, e de sua permanência durante três dias em São João d'El-Rei, não lhe mandara cumprimentos nem rendera vassalagem, entendeu de significar aos dois retardios membros o seu profundo desgosto por tamanha falta de consideração e respeito.

Em Queluz. Em Capão do Lana. Providências do príncipe

No dia 8 encontrava-se em Queluz, tendo os membros da Junta presenciado de visu o entusiasmo extraordinário, oficial e popular, com que foi recebido e proclamado regente. Já se aprestava para seguir com destino a Capão do Lana, a três léguas apenas da capital, quando foi informado de que o comandante da Praça, tenente-coronel José Maria Pinto Peixoto, e o comandante do novo Corpo de Caçadores criado pela Junta, pretendiam opor-se pela força à sua entrada em Vila Rica, contra a expressa vontade da maior parte da Cavalaria de Linha, dos Corpos Milicianos e de todo o povo.

Soube na mesma ocasião que o juiz de fora presidente da Câmara, Manuel de Freitas Pacheco, fizera publicar editais insinuando ao povo, sob penas severas, a dar ao príncipe vivas que não importassem no seu reconhecimento como regente do Reino.

Em vista de tão graves notícias, resolveu d. Pedro tomar sem demora providências enérgicas que anulassem os planos dos sediciosos. Expediu uma portaria ao governo provisório de Vila Rica, determinando-lhe que, no momento de recebê-la, fizesse prender o tenente-coronel agregado José Maria Pinto Peixoto e o mandasse conduzir à sua presença no Capão do Lana, onde chegaria na noite de 8; e da execução dessa ordem foi incumbido, pela dita portaria, um dos membros da Junta que vieram ao seu encontro em Cataguazes - o desembargador Manuel Ignácio de Mello e Sousa [31].

Na mesma data, expediu o príncipe, sempre por seu secretário Estêvão de Rezende, duas outras portarias, endereçadas, respectivamente, ao tenente-coronel José da Silva Brandão, comandante da Cavalaria de Linha da província e ao coronel de milícias Luciano de Sousa Guerra Godinho, ordenando-lhes que efetuassem a prisão do tenente-coronel José Maria, remetendo-o para o Paço do Capão do Lana, quer tivessem recebido ou não ordens para isso por parte do governo provisório [32]. Isto feito, ordenou, por portaria da mesma data, ao comandante do 1º Regimento de Cavalaria da Comarca do Rio das Mortes que, sem perda de tempo, o fizesse marchar para Vila Rica [33].

Mello e Sousa, encarregado de efetuar a prisão de José Maria, dirigiu de Queluz, às 2 horas da tarde de 8 de abril, uma carta, assinada conjuntamente por seu colega José Ferreira Pacheco, ao governo de que faziam parte, dando-lhe conta das disposições em que se achava d. Pedro, e pedindo-lhe que obedecesse em tudo às ordens expedidas, porque sua própria vida era responsável pela não imediata e completa execução das determinações do príncipe por parte da Junta indisciplinada.

Vinte minutos depois - às 2 horas e 20 da tarde - escreveu também ao tenente-coronel José Maria, comunicando-lhe as ordens emanadas do regente, e concitando-o, "sob pena de responder a minha vida" a que no dia seguinte, pelas 9 horas da manhã, se apresentasse no Paço do Capão do Lana [34].

No dia imediato o coronel Luciano conduzia preso à presença do príncipe o tenente-coronel José Maria, que se rojou aos pés de Sua Alteza, impetrando-lhe perdão para as faltas cometidas [35].

Pela manhã desse mesmo dia (9 de abril) mandou d. Pedro expedir à Junta de Vila Rica outra portaria, na qual lhe ponderava que, no seu trajeto, só recebera das populações mineiras as mais vivas demonstrações de apreço, de veneração e de solidariedade, constituindo-se impertinente exceção na unanimidade das adesões recebidas unicamente aquela Junta. Não querendo usar da força, nem, por causa de um reduzido número de insensatos cidadãos, expor a perigos e sacrifícios o povo inerme e as tropas fiéis, suspendia a sua entrada na capital, até que a dita Junta declarasse, explícita e formalmente, se o reconhecia ou não como príncipe regente constitucional do Brasil e centro de seu Poder Executivo. Só depois da resposta pedida, é que Sua Alteza deliberaria sobre entrar ou não em Vila Rica.

Foram portadores desse documento o desembargador Mello e Sousa e o coronel Ferreira Pacheco, os quais, saindo de Capão do Lana, às 11 horas da manhã, já se achavam de volta antes de 1 hora da tarde, acompanhados de todos os outros membros do governo que protestaram afinal reconhecer a autoridade de d. Pedro, entregando a seu secretário Estêvão de Rezende a resposta à portaria citada.

"O governo provincial - reza a resposta - desejando conformar-se com a vontade dos povos, e manifestar suas constantes intenções de veneração, respeito e amor à Augusta Pessoa de S. A. R., sem a menor dúvida, e com o mais expressivo modo tem reconhecido, e reconhece a S. A. R. o Senhor Dom Pedro de Alcântara... como regente constitucional do Brasil; o que hoje declarou também por edital nesta vila, o qual envia por cópia para Vossa Excelência levar à Augusta Presença de S. A. R. o príncipe regente constitucional, expressando mais os votos da sua constante veneração, e obediência às determinações do mesmo Augusto Senhor".

Estava assinada por Theotónio Álvares de Oliveira Maciel, José Ferreira Pacheco, João José Lopes Mendes Ribeiro, José Bento Soares, Manuel Joaquim de Mello e Sousa e José Bento Leias Ferreira de Mello [36].

Na mesma ocasião, o governador militar acima referido, José Maria Pinto Peixoto, prestou-lhe também as devidas homenagens, pelo que mandou d. Pedro que lhe restituíssem a espada, que entregara ao ser preso, e permitiu-lhe que continuasse no comando das Armas até ulterior deliberação governativa. Seguiram-se as continências da tropa, que dava guarda à Sua Alteza, e os vivas da pragmática oficial.

Vila Rica (Ouro Preto) em 1822

Imagem publicada com o texto

Entrada triunfal em Vila Rica. Pacificação da província

Pelas 6 horas da tarde, fez o príncipe e sua comitiva, já então relativamente numerosa, sua entrada na capital da província, onde teve uma recepção magnífica. A Câmara Municipal, o clero, a militança, e grande massa popular, aguardavam-no a um quarto de légua da vila, acolhendo-o com as mais entusiásticas demonstrações de afeto e de veneração.

Conduzido debaixo de pálio até a Igreja Matriz, assistiu ao Te-Deum celebrado em sua honra; e depois, ao espocar das girândolas, ao atroar da artilharia, e entre alas formadas pelas Tropas de Linha, recolheu-se ao Paço, e aí deu beija-mão ao governo e à vereança, reservando o dia seguinte, por se achar muito fatigado da longa e emocionante viagem, para dar beija-mão ao povo.

Ato contínuo, proclamou aos povos da maneira seguinte: "BRIOSOS MINEIROS! - Os ferros do despotismo, começados a quebrar no dia 24 de agosto, no Porto, rebentaram hoje nesta província. Sois livres, sois constitucionais; uni-vos comigo e marchareis constitucionalmente. Confio tudo em vós, confiai todos em mim. Não vos deixeis iludir por essas cabeças que só buscam a ruína da província e da Nação em geral. Viva El-Rei constitucional! Viva a Religião! Viva a Constituição! Vivam todos os que forem honrados! Vivam os mineiros em geral!" [37].

No dia seguinte começou a tomar, com grande atividade, as medidas necessárias para repor a agitada Vila Rica em sua tranqüila normalidade doutros tempos. O seu primeiro ato foi mandar publicar o decreto que levara pronto do Rio, datado de 23 de março e referendado por José Bonifácio, verberando a maneira ilegal e arbitrária por que se fizera a nomeação e instalação do Governo Provisório, o excesso de atribuições que nenhuma autoridade legítima lhe outorgara e o enfeixamento, que se arrogara, dos três Poderes - o Legislativo, o Executivo e até o Judiciário -, cassando-lhe finalmente o mandato usurpado ao povo pela surpresa e violência, e determinando que se procedesse regularmente à eleição de um novo governo, na conformidade dos §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 7º e 8º da Carta de Lei de 1º de outubro de 1821 [38].

Por portaria de 10, mandou que o juiz de fora da cidade de Mariana, desembargador Agostinho Marques Perdigão Malheiros, suspendesse do exercício de suas funções o bacharel Cassiano Esperidião de Mello Matos, juiz de fora do Termo de Vila Rica, "pela sua conduta incendiária e revoltosa", determinando-lhe que saísse da mesma vila dentro de 24 horas e se apresentasse dentro de 15 dias na Corte, a fim de responder ao processo que lhe ia ser instaurado pelos fatos sediciosos que lhe imputavam, provados os quais ficaria inábil para administrar Justiça aos povos [39].

A 11, baixou outra portaria, limitando os poderes do novo Governo Provincial às atribuições que lhe conferiam os §§ 6º, 7º e 8º da citada lei de 1º de outubro de 1821, e que eram as seguintes: a) autoridade e jurisdição na parte civil, administrativa, econômica e policial, de conformidade com as leis existentes, que não poderiam ser alteradas, revogadas, suspensas ou dispensadas; b) autoridade sobre os magistrados e funcionários civis, que lhe ficavam subordinados, salvo no que dissesse respeito ao contencioso e ao judicial, assunto em que eram apenas responsáveis perante o governo do Reino e as Cortes; c) autoridade para fiscalizar o procedimento dos empregados civis, podendo suspendê-los e formar-lhes culpa [40].

Por outras portarias, baixadas em diferentes datas, mandou soltar vários presos políticos; expediu ao comandante do 1º Regimento de Cavalaria de Milícias do Rio das Mortes contra-ordem acerca da marcha de suas tropas para Vila Rica; elogiou o capitão-mor da vila de Barbacena, José Pereira Alvim, que, por carta, lhe oferecera seus sete filhos e mais o corpo de seu comando para "serem empregados na defesa da causa comum do Brasil"; ordenou ao bacharel José António da Silva Maia, juiz de fora, servindo interinamente como ouvidor da comarca de Sabará, que, tomando em conta a denúncia apresentada pelo coronel Joaquim dos Reis, procedesse a sumário de culpa contra o juiz de fora de Vila Rica, Esperidião de Matos, António José Ribeiro Fernandes Forbes, Caetano Machado de Magalhães e Pedro da Costa Fonseca (os últimos foram perdoados por portaria de 20 de abril), acusados de terem concitado os pacíficos habitantes de Vila Rica a rebelarem-se contra a autoridade do regente, atrevendo-se o primeiro a impedir que partissem para o Rio as tropas que tinham sido mandadas para socorrê-lo, promovendo de tal arte uma perigosa desunião entre as duas províncias; agradeceu ao capitão-mor da Vila Real de Sabará e ao das Ordenanças do Termo de Mariana a adesão prestada à sua pessoa e à causa do País; e ao sargento-mor do 1º Regimento de Cavalaria da Comarca do Rio das Mortes, António Constantino de Oliveira, a presteza e patriotismo com que se houve no arranjamento dos esquadrões sob seu comando.

Finalmente, por decreto de 19 de abril, fez reverter à atividade o marechal de campo reformado António José Dias Coelho, "pelo zelo, prudência e ciência militar, que tanto louvor lhe têm granjeado" e nomeou-o para governador das Armas da província, em substituição ao interino, brigadeiro graduado José Maria Pinto Peixoto, tomando ele posse e entrando em exercício imediatamente.

No meio de sua constante atividade em providenciar sobre a reorganização política e administrativa da briosa província, não se esqueceu d. Pedro de seus fiéis e leais amigos paulistanos, a cujo governo mandou comunicar, por portaria de 14 de abril, que, tendo a Junta de Vila Rica faltado, "com a mais culposa ousadia", à promessa que fizera à de S. Paulo, de estar sempre de acordo com esta no tocante à adesão à causa brasileira, àquela província fora no intuito de restabelecer a ordem, visto como as respectivas populações se manifestavam exaltadamente contra o escandaloso procedimento de seus governantes e que, no seu trajeto, só recebera delas as maiores demonstrações de amor e solidariedade.

Com sua entrada na capital, na tarde de 9, o partido faccioso dissolveu-se como o fumo e só votos de solidariedade aí recebera das autoridades, quer militares como civis, e de todos os habitantes, cujas opiniões o pulso férreo do despotismo oprimia e subjugava.

E termina declarando que queria comunicar sem perda de tempo tão auspiciosa nova ao governo provisório para júbilo dessa província "que tão digna se faz de Sua Real consideração, e encarrega ao oficial desta diligência expor de viva voz a unanimidade e fraternidade que vai reinar entre as províncias do Reino do Brasil, por efeito da deliberação que tomou, através dos grandes incômodos de tão penosa jornada, de vir por si mesmo observar o espírito público desta província, tendo a cordial satisfação de conseguir os seus fins, sem o sangue de uma só vítima odiada pelos povos" [41].

A portaria foi trazida para S. Paulo por um oficial da Tropa de Linha estacionada em Vila Rica, e requisitado, naquela data e para o fim indicado, ao governador das Armas pelo secretário Estêvão Ribeiro de Rezende [42], mas das atas do Governo Provisório de S. Paulo não consta o seu recebimento, por inadvertência talvez do respectivo redator, Manuel Chichorro [43].

Visita a Mariana

De Vila Rica resolveu d. Pedro visitar a Cidade Episcopal de Mariana, em cumprimento de promessa que fizera ao respectivo prelado, d. José da Santíssima Trindade [44]. De fato, o bispo, logo que teve notícia de que d. Pedro se achava em Minas, mandou, na quinta-feira de Endoenças, 4 de abril, que o revmo. dr. Marcos António Monteiro de Barros, arcediago presidente do Cabido e provisor e vigário geral do bispado, fosse ao seu encontro render-lhe homenagem, protestar-lhe obediência e convidá-lo para visitar a diocese, não indo pessoalmente à sua presença o próprio prelado por ter de sagrar os óleos nesse dia.

O emissário diocesano, acompanhado do dr. Luís José de Godoy Torres, vereador mais velho, e, como tal, deputado pela Câmara para em nome dela cumprimentar o regente, apresentaram-se a Sua Alteza junto à Capela dos Olhos d'Água, na freguesia do Prado, termo de Queluz, onde se desempenharam de sua comissão a aprazimento geral [45].

A 15 de abril entrava o príncipe em Mariana, sendo recebido "com grandes honras e pompa descomunal" [46]. O trajeto foi feito por sob arcos vistosamente ornamentados, até a Catedral, onde se realizou um solene Te Deum Laudamus.

No largo fronteiro ao Paço Municipal, a multidão apinhava-se em anfiteatro, aguardando a visita de Sua Alteza ao Senado local. No centro do largo, as tropas, em constante evolução, davam-lhe vivas, que eram freneticamente correspondidos pelo povo [47].

De volta a Vila Rica [48], d. Pedro despediu-se dos mineiros, por uma entusiástica proclamação, e, radiante de contentamento, partiu a toda a velocidade com destino ao Rio. A 25 chegava ao Porto da Estrela, às margens do Inhomirim; daí, deixando a sua retardada comitiva, embarcou-se para o Rio, saltando ao cair da noite no cais de São Cristóvão, sem ser pressentido por ninguém, seguindo imediatamente para o Paço da Boa Vista, de onde não tardou a sair em companhia de sua esposa, comparecendo ao espetáculo do Teatro de São João, com grande e jubilosa surpresa geral dos espectadores, que o vitoriaram e aos quais, em francas e comovidas palavras abafadas pelos aplausos populares, comunicou o feliz êxito de sua memorável excursão a Minas.

"Em quatro dias e meio vim de Vila Rica... Tudo ficou tranqüilo" - foram as únicas palavras que pôde proferir no meio daquele entusiástico tumulto, que interrompeu o curso da representação. Uns deliravam de contentamento, outros choravam de sincera comoção. No dia seguinte, houve Te Deum em ação de graças pelo faustoso acontecimento, cortejo e espontânea iluminação geral da cidade.

Defensor Perpétuo do Brasil

A viagem triunfal do príncipe, e os benéficos resultados que produzira, encheram de esperanças e de redobrada coragem o coração dos patriotas do Rio. Preparavam-se grandes festas para comemorar, a 13 de maio, o aniversário natalício de d. João VI, e pareceu aos liberais que era propício o momento para avançarem mais um passo no caminho que tinham encetado a 9 de abril. Resolveram então oferecer a d. Pedro, em solene comício, o título de Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil.

Segundo VARNHAGEN [49], teve essa idéia Domingos Alves Branco Muniz Barreto, que a propôs numa sessão da Maçonaria, sendo aprovada, e ficando o cônego Januário Barbosa e Gonçalves Ledo incumbidos de redigir o discurso que o juiz de fora José Clemente Pereira, na qualidade de presidente do Senado da Câmara, teria que pronunciar por ocasião do ato.

ROCHA POMBO [50] diz que a proposta, com o fim de mais estreitamente ligar o príncipe à causa do Brasil, foi feita por Ledo em sessão do Grande Oriente. Há equívoco do eminente historiador quanto a este último pormenor. O Grande Oriente do Brasil só se constituiu depois de 13 de maio, com a eleição de seu corpo dirigente da 28 desse mês [51].

A proposta, portanto, só podia ter sido apresentada nalguma das três Lojas que funcionavam então isoladamente, sem o centro comum que se fundou depois. Da única Loja em atividade regular no princípio do ano de 1822, a Comércio e Artes, nasceram mais duas, a União e Tranqüilidade, e a Esperança de Niterói, por já ser excessivo o número de irmãos filiados na primeira e daí a necessidade de uma divisão.

Na época de que falamos, Ledo passara da Comércio e Artes para a União e Tranqüilidade, e o brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto era o secretário daquela [52]. Foi, pois, numa dessas Lojas, que um ou outro dos mencionados patriotas apresentou a proposta aludida, e não no Grande Oriente que ainda não estava fundado [53].

Conhecida a idéia, reúne-se o povo, dirige-se à Câmara, que José Clemente convocara de propósito, e pede-lhe que suplique ao príncipe para aceitar o título que lhe era oferecido.

Acompanhado de grande multidão, o Senado, cujo procurador empunhava solenemente o estandarte municipal, vai incorporado ao Paço da Cidade, onde o recebe afavelmente d. Pedro, que ao bajulatório discurso de José Clemente Pereira respondeu da seguinte forma feliz: "Honro-me e me orgulho do título que me confere este povo leal e generoso; mas não o posso aceitar tal como se me oferece. O Brasil não precisa da proteção de ninguém; protege-se a si mesmo. Aceito, porém, o título de Defensor Perpétuo e juro mostrar-me digno dele, enquanto uma gota de sangue correr nas minhas veias".

A ata da aceitação foi lavrada ato contínuo, e assinada pelo príncipe e pela municipalidade, lavrando-se igualmente outra em que as diversas corporações o reconheceram naquela qualidade, e foi assinada pelos "cidadãos mais recomendáveis que se achavam presentes e pelos comandantes e oficiais de todos os corpos de primeira e segunda linha" [54].

Idéia da convocação de uma Assembléia Legislativa

Fora, sem dúvida, uma grande conquista a que alcançara a causa brasileira com esse gesto gentil de aquiescência por parte de d. Pedro à vontade expressa dos habitantes do Rio. Animaram-se, por isso, os chefes populares do movimento, os que agiam nos clubes, no jornalismo e nas palestras das ruas, a fazer-lhe um novo e mais significativo apelo, certos de que seriam prontamente atendidos, visto como o príncipe já agora não podia mais desligar-se dos compromissos tomados para com os brasileiros.

Queriam eles, não a simples convocação, já feita, de um Conselho de Procuradores das Províncias, mas uma Assembléia Geral Legislativa que aparelhasse o Brasil para as regalias de uma vida verdadeiramente autonômica.

O movimento em prol da convocação de tal Assembléia era, além do mais, um movimento patente de hostilidade contra José Bonifácio, cuja preponderância incontrastável no seio do Ministério incomodava e irritava os que trabalhavam cá fora, sonhando abnegadamente quase todos com a independência da Pátria, grande número com essa independência aliada a naturais estímulos de vaidade, de orgulho e de ambição pessoal, e não poucos tendo em vista apenas a satisfação de interesses privados, que queriam ver atendidos, alegando para isso talvez os serviços prestados com possível sacrifício à causa nacional.

Os primeiros, na ânsia de colaborarem diretamente nos acontecimentos, bradavam contra a atividade absorvente de José Bonifácio, que os impedia de levar sua contribuição voluntária para a obra que se estava construindo, como se se achassem eles nas condições excepcionais de dirigir o movimento em vez de serem docilmente orientados pela formidável capacidade do grande ministro; os segundos, pela mesma razão patriótica, mas improcedente, e mais ainda por desejarem aparecer e brilhar como figuras de primeira grandeza, tramavam contra ele; e os últimos, impelidos por instintos subalternos, exploravam em seu próprio proveito os injustos ressentimentos dos outros, e incitavam todos os descontentes a uma campanha tão desastrosa quão iníqua contra o homem eminente que, aliando o entusiasmo do patriota à serenidade do estadista, trabalhava para a organização definitiva do País.

Primeiras hostilidades ao Gabinete

Tais elementos irrequietos operavam acobertados pelo segredo das Lojas Maçônicas, cujas tendências demasiado radicalistas preocupavam José Bonifácio, justamente receoso de que um inopinado pronunciamento pusesse a perder a causa da separação que ele, com a clarividência de seu gênio singular, inspirado pelo seu inexcedível patriotismo, procurava encaminhar de modo seguro, e por isso mesmo lento, para o seu desfecho fatal.

Voltara à baila o velho processo revolucionário de se aclamar uma Junta Governativa, apeando-se do poder o insigne político, enquanto d. Pedro se encontrava em Minas. Parece que a insurreição fora premeditada por elementos portugueses a que se juntariam nacionais exaltados, que o mesmo objetivo ligava ocasional e temporariamente.

O plano chegara ao conhecimento do governo, cujo chefe, com a corajosa decisão que o acompanhava, sobretudo nos momentos graves, tomou as providências que lhe pareceram indispensáveis no momento, adiando indefinidamente as eleições dos procuradores que deviam representar no Conselho convocado a província fluminense, mandando exercer uma severa vigilância especial em relação às reuniões maçônicas, prendendo e deportando, para exemplo, alguns portugueses influentes e reconhecidamente hostis ao Brasil e seu governo, e espalhando por toda a capital numerosas patrulhas de cavalaria [55].

Ao que se pensa geralmente, José Bonifácio entrou para a Maçonaria, afagando os propósitos e ideais políticos propagados por ela, no intuito de trazê-la subordinada à sua vigilância e ao seu poder; e assim fez-se eleger ou aceitou sua eleição para o cargo supremo de seu primeiro Grão-Mestre.

A verdade, porém, é que ele, embora algo esperasse da ação misteriosa desse instituto, quase não o freqüentava, começando por não ter comparecido ao banquete de instalação do Grande Oriente, banquete que foi presidido pelo 1º Grande Vigilante por não ter comparecido também o Grão-Mestre adjunto, marechal Joaquim de Oliveira Álvares, ministro da Guerra do gabinete que José Bonifácio presidia [56].

Vê-se da escolha de tais vultos para exercerem os mais elevados cargos diretores da Ordem, que esta é que procurava prestigiar-se, chamando a seu grêmio, investidos das mais elevadas funções de confiança, aqueles que no momento representavam, por sua posição governamental, forças políticas de grande peso.

José Bonifácio era infenso à convocação da Assembléia. Justos motivos de sua oposição

A pretexto de que o Conselho de Procuradores era uma instituição antiquada, com atribuições mal definidas, com um cerimonial um tanto aristocrático, aberrativo das tendências democráticas da época, mas, no fundo, impacientes por vibrar no prestígio do primeiro-ministro um golpe certeiro, porque o achavam, ao mesmo tempo que extremamente discricionário, lento em demasia na tarefa de conduzir o Brasil à meta por todos os liberais almejada - trataram os agitadores de levar a efeito a sua representação ao príncipe, impetrando-lhe a convocação da Assembléia Geral Legislativa em lugar do Conselho de Procuradores, criado em fevereiro e não instalado até então.

Gonçalves Ledo e Januário Barbosa redigiram, preliminarmente, uma representação ao Senado da Câmara, lembrando-lhe a conveniência de intervir junto ao regente no sentido da vontade popular. Assinada por grande número de pessoas de todas as classes sociais, foi ela entregue a José Clemente Pereira, que convocou sem demora a Municipalidade para que se pronunciasse a respeito.

Enquanto isso, Joaquim Gonçalves Ledo e outros procuravam o ministro, para cientificá-lo do que se projetava, e ele, depois de ouvi-los atentamente, respondeu-lhes: "Façam o que quiserem, na inteligência de que não convém apressar, nem impedir a convocação da Assembléia Geral" [57].

A verdade é que ele achava, e com toda a razão, prematura a idéia que os liberais exaltados defendiam. Não lhe parecia prudente nem sensato que se convocasse uma Assembléia Geral, quando ainda não existia uma união completa entre as províncias, porquanto, na Bahia, o elemento português dominava pela força militar a situação, e mantinha os povos respectivos em obediência às Cortes de Lisboa, e no extremo Norte o Pará e o Maranhão, onde os lusos preponderavam esmagadoramente sobre a população nacional, preferiam antes depender de Portugal, com quem tinham relações mais fáceis, mais freqüentes e comercialmente mais proveitosas, do que do RIo, metrópole que lhes fiava mais remota que a outra e com a qual suas comunicações de toda a espécie eram muito mais demoradas e menos repetidas.

Convocar uma Assembléia Geral nessas condições, com a prévia certeza de que a ela não mandariam representantes aquelas províncias divergentes do sentir comum às suas co-irmãs - era apressar a fragmentação efetiva do País em duas seções antagônicas, uma tributária de Lisboa, e outra, subordinada ao centro político brasileiro.

Não estava essa anomalia indicando claramente que, antes de tudo, o que se tornava indispensável ao êxito de nossa causa, era chamar a ela os povos setentrionais e expulsar dos respectivos territórios as tropas da ex-metrópole?

Só depois de constituído o bloco territorial e político - essa "famosa peça inteiriça de arquitetura social", na admirável frase do Patriarca, referindo-se ao Brasil, e repetida por VASCONCELLOS DE DRUMMOND [58] - é que se poderia pensar na convocação de uma Assembléia que legislasse para esse bloco segundo as necessidades de cada parte. Era preciso formar primeiramente a nação, e depois legislar para ela.

Não há dúvida alguma que, assim pensando, José Bonifácio pensava bem. Além disso, não lhe eram estranhos os inconvenientes de entregar a organização de um país, que se ia fundar politicamente, ao tumulto, ao imprevisto, às subitâneas paixões e mesmo talvez à insipiência dos elementos que a constituíssem. Ninguém ignora o que são os agitados parlamentos, sobretudo entre os povos latinos. Sem um poder central que modere ou corrija seus impulsos anárquicos, não há segurança nas instituições adotadas nem estabilidade na legislação prescrita. A sociedade flutua inquieta entre a retrogradação e a desordem.

Se isto acontece em tempos normais - se todos os espíritos justos e ponderados reconhecem os males que, para a ordem social, resultam das deliberações tomadas desordenadamente pela suposta soberania popular, simbolizada na maioria numérica dos Corpos Deliberativos, agindo sob as imposições dos mais confusos e desencontrados sentimentos, imagine-se o que não seria então naquela época, e no Reino Luso-Brasileiro, quando a tendência regeneratriz dos liberais era concentrar nas Câmaras eletivas e temporárias maior autoridade do que nos órgãos encarregados do Poder Executivo, cujas funções ficavam assim dependentes da autorização prévia do Legislativo, desprovido aquele da força necessária para assegurar plenamente a ordem, desenvolver o progresso e manter na alta administração pública esse indispensável espírito de continuidade, sem o qual não há nação alguma que floresça e prospere na paz, na liberdade e na abundância.

Ainda a Pátria não estava fundada, porque as províncias divergiam entre si, e já se queria absurdamente constituir essa Pátria, que era por enquanto apenas um sonho, uma aspiração utópica, um anelo vibrando nas almas cheias de patriotismo.

A todas essas judiciosas ponderações, acrescia outra não menos relevante, e que muito preocupava o grande espírito do Patriarca: com que elementos intelectuais capazes se constituiria a Assembléia que os exaltados reclamavam? Havia, não há negá-lo, nessa época, uma elite mental que honrava o Brasil perante o mundo. Mas era ela tão numerosa que pudesse fornecer legisladores em quantidade suficiente para formar uma Assembléia digna de suas delicadas funções?

Pensava ele que não; ele, com o profundo conhecimento que tinha dos homens com quem convivia e da sociedade de que fazia parte, reputava absolutamente impossível encontrar no momento 100 homens aptos para exercerem criteriosamente tais funções; e isso mesmo o disse a Maréschal, acrescentando que não poderia importá-los de fora, engajando-os na Áustria ou na Suíça como aos soldados mercenários que o governo mandava alistar nesses países, por intermédio de um agente contratado para esse mister [59].

E a prova de que se não enganava nas suas previsões a respeito, encontra-se na apreciação desfavorável que o criterioso e imparcial ARMITAGE [60] faz dos elementos de que a Constituinte se compunha. Para ele, "excetuados os três Andradas, havia entre todos mui poucos indivíduos, se é que os havia, acima da mediocridade... A maioria compunha-se de membros possuidores de conhecimentos curtos".

HOMEM DE MELLO [61], bordando considerações em torno de tal juízo, que reputa exagerado, lembra alguns nomes de grande valor, como José da Silva Lisboa, Luís José de Carvalho e Mello, José Joaquim Carneiro de Campos e António Luís PEreira da Cunha. Semelhante relação, ainda que lhe acrescentássemos mais alguns nomes, não invalidaria, entretanto, a severa proposição avançada pelo escritor inglês, o qual se refere à maioria dos deputados e admite a possibilidade de haver, além dos Andradas, alguns poucos indivíduos acima da mediocridade.

Por todas essas razões é que, perscrutando as inclinações do meio, achava José Bonifácio que não se devia criar obstáculos à iniciativa proposta; mas que não convinha apressar-lhe a realização, em nome dos magnos interesses da causa que defendia.

Essa é a explicação da resposta que deu a José Clemente Pereira, e que citamos atrás; essa é a razão por que aconselhou d. Pedro a dar à representação dos solicitantes um despacho evasivo e aleatório. E assim fez o príncipe quando recebeu a 23 a deputação incumbida de dirigir-lhe o novo apelo.

Ao enérgico discurso do presidente da Municipalidade, respondeu que depois resolveria, quando tivesse ouvido a opinião e os votos das outras Câmaras e dos procuradores gerais das províncias, resposta hábil que aquele se apressou a transmitir ao povo, de uma das janelas do Paço da Cidade. Em seguida, encaminharam-se os manifestantes para o Paço do Conselho, situado então no Largo de São Francisco de Paula, assinando, com as diferentes autoridades, o auto que do acontecimento se lavrou.

Instalação do Conselho

Tendo d. Pedro declarado que só resolveria depois de ouvir os procuradores das províncias, entendeu que devia convocar quanto antes o respectivo Conselho, cuja instalação fora suspensa indefinidamente por ter sido adiada, conforme relatamos, sine die, a eleição dos representantes da Província Fluminense. Mandou então marcar para 1º de junho a sobredita eleição e para o dia 2 a instalação do Conselho, com o número de procuradores que se achassem no Rio.

Foram eleitos José Mariano de Azeredo Coutinho e Joaquim Gonçalves Ledo, com os quais e com o deputado eleito pela Cisplatina, Lucas Obes, único que se apresentara no Rio, procedeu-se à instalação do Conselho no dia aprazado, que era domingo, ficando deliberada nessa reunião inaugural que logo no dia imediato se requeresse ao príncipe a convocação de uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa.

Redigiu Ledo a representação e leu-a a d. Pedro, em audiência oficial, achando-se presente o ministério. Depois de salientar a urgência da medida proposta em benefício do Brasil, terminou nos seguintes termos, exortando o regente a aquiescer à vontade manifesta dos povos: "As leis, as constituições, todas as instituições humanas, são feitas para os povos, não os povos para elas. É deste princípio indubitável que devemos partir; as leis formadas na Europa podem fazer a felicidade da Europa, mas não a da América. O sistema europeu não pode, pela eterna razão das coisas, ser o sistema americano, e sempre que o tentarem, será um estado de coação e de violência, que necessariamente produzirá uma reação terrível.

"O Brasil não quer atentar contra os direitos de Portugal, mas desadora que Portugal atente contra os seus. O Brasil quer ter o mesmo rei, mas não quer senhores nos deputados do Congresso de Lisboa. O Brasil quer independência, mas firmada sobre a união bem entendida com Portugal; quer, enfim, apresentar duas grandes famílias regidas pelas suas leis, presas pelos seus interesses, obedientes ao mesmo chefe.

"Ao decoro do Brasil, à glória de V. A. Real não pode convir que dure por mais tempo o estado em que está. Qual será a nação do mundo que com ele queira tratar, enquanto não assumir um caráter pronunciado, enquanto não proclamar os direitos que tem de figurar entre os povos independentes? E qual será a que despreze a amizade do Brasil e a amizade de seu regente? É nosso interesse a paz; nosso inimigo quem ousar atacar a nossa independência. Digne-se, pois, V. A. Real, ouvir o nosso requerimento; pequenas considerações só devem estorvar pequenas almas. Salve o Brasil! Salve a Nação!"

José Bonifácio, coerente com suas palavras, com suas opiniões e com sua prudente atitude anterior - vislumbrando os perigos da convocação pedida, mas compreendendo que era inconveniente opor-se a ela - limitou-se a lançar na representação o seguinte expressivo despacho: Conformamo-nos, que assinou com os demais ministros. Ele, por esse despacho, se desonerava das responsabilidades que pudessem advir ao governo, aquiescendo à adoção da prematura medida.

É de crer que no seu espírito, ao conformar-se com o que se pedia ao regente, não atuasse apenas a vontade popular exaltada; a própria vontade de d. Pedro, que estava inclinado a convocar uma assembléia, devia ter influído poderosamente no ânimo do Patriarca para transigir naquela singular emergência.

De fato, na carta, que já citamos, de 21 de maio, antes de lhe ser feito qualquer apelo, mas quando já sabia que se preparava a representação, manifesta-se ele ao pai de modo inteiramente favorável: "É necessário que o Brasil tenha Cortes suas: esta opinião generaliza-se cada dia mais. O povo desta Capital prepara uma representação que me será entregue para suplicar-me que as convoque, e eu não posso a isso recusar-me, porque o povo tem razão. As leis feitas tão longe de nós, por homens que não são brasileiros, e que não conhecem as necessidades do Brasil, não poderão ser boas..." [62].

Diante das categóricas disposições do príncipe, tinha José Bonifácio de render-se. Não era possível contrariar um movimento público que encontrava todo o apoio na solidariedade do regente. Se, porém, este se achasse identificado com o pensamento de seu ilustre primeiro-ministro, é fora de dúvida que José Bonifácio resistiria ao impulso popular, adiando para época mais oportuna a convocação da Assembléia.

Mas d. Pedro estava empolgado de tal forma pela novidade da proposta, que no mesmo dia 2 dirigiu a propósito uma proclamação "Aos brasileiros e amigos", terminando por estas exclamações: "Viva El-Rei Constitucional o sr. D. João VI! e viva a Assembléia Geral Legislativa! e viva a União luso-brasileira". Tão coerente foi José Bonifácio com suas esclarecidas opiniões que deixou a Ledo a tarefa de redigir o decreto relativo ao ato, limitando-se apenas a assiná-lo, na sua função de ministro referendatário (3 de de junho).

Decreto convocando a Assembléia

A 19 do mesmo mês, baixou outro decreto, contendo as instruções eleitorais respectivas, divididas em 5 capítulos e subdivididas em 49 artigos. Escolhidos por eleição direta, os deputados eram taxativamente obrigados a aceitar o mandato. Receberiam um subsídio anual de 6.000 cruzados (2:400$000), pagos ao princípio de cada mês pelos cofres de sua respectiva província.

Durante o mandato, não poderiam os deputados receber dos cofres públicos quaisquer outros vencimentos ou pensões. Se acontecesse que alguma província não pudesse no momento arcar com essa despesa, o Tesouro Nacional se encarregaria disso, debitando-lhe as quantias que por conta dela despendesse.

A apuração geral dos votos recolhidos seria feita nas capitais, pelas Câmaras, que expediriam os diplomas aos eleitos. No caso de empate, decidiria a sorte. Finalizado o ato apurador pela expedição dos diplomas, a Câmara, os deputados, os eleitores e circunstantes dirigir-se-iam à Catedral, onde houvesse bispado, ou à igreja principal, para ouvirem um solene Te Deum, pago pela mesma Câmara.

Fundação do Apostolado

Por esse tempo já tinha José Bonifácio fundado a Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz, denominada Apostolado, e que a 2 de junho começara a funcionar, como se vê do respectivo livro de atas, que pertenceu ao imperador d. Pedro II e figurou sob o número 6.986 na Exposição de História do Brasil, em 1881.

Já observamos que o velho Andrada não ligava especial importância aos trabalhos da Maçonaria, de cujo Oriente fora eleito Grão-Mestre, tanto assim que raramente a freqüentava mesmo nas reuniões mais solenes. Esse calculado retraimento era, por certo, devido à preponderância que na corporação exerciam os elementos mais exaltados da política nacional, os quais, por não terem a capacidade de José Bonifácio, queriam forçar pela violência uma solução rápida para a situação, quando esta só comportava uma solução pacífica e por processos lentos.

Entendeu ele, por isso, que devia organizar sua associação maçônica à parte, obedecendo aos mesmos princípios misteriosos, mas sem filiação alguma ao Oriente de que era Chefe Supremo.

A organização do Apostolado obedecia, pouco mais ou menos, ao mesmo sistema ideado por seu egrégio fundador para a constituição política do Brasil. Tinha seu Chefe Supremo a denominação de Archonte-Rei e dividia-se o instituto em três Lojas distintas, uma das quais se chamava Independência ou Morte, e era a Loja principal. Subdividiam-se elas, por sua vez, em Palestras e Decúrias, e seus membros tinham o título de Colunas do Trono [63].

Desde a fundação do Apostolado, exerceu as funções de Archonte-Rei o príncipe d. Pedro, de quem o seu ilustre primeiro-ministro, apesar de Grão-Mestre da Maçonaria, era simples e modesto lugar-tenente.

As reuniões se efetuavam em princípio "numa das salas do então Quartel-General do Comando das Armas", à Rua da Guarda-Velha, onde foi posteriormente a Secretaria dos Negócios do Império e hoje funciona o Liceu de Artes e Ofícios [64].

Uma das suas Palestras funcionou para os lados do Catete, na casa de António Rodrigues da Silva ou na do padre José Cupertino, que foi depois oficial maior da Secretaria da Marinha; as Decúrias eram estabelecidas noutros pontos diferentes como, por exemplo, na casa do coronel António Pereira, à antiga Rua da Cadeia, depois da Assembléia e atualmente do Presidente Wilson. Havia reuniões gerais das Palestras e Decúrias no edifício do Apostolado em dias previamente determinados [65].

Joaquim Gonçalves Ledo e Luís Pereira da Nóbrega, apesar dos elevados cargos diretivos que ocupavam no Grande Oriente, eram membros do Apostolado [66], prova de que o seu fundador, para contrabalançar a influência porventura demasiado anárquica dos elementos maçônicos na marcha dos acontecimentos, não entendia necessário abrir luta contra eles, pensando, ao contrário, que devia proceder com prudência, cordura e tolerância.

Mas d. Pedro, com a curiosidade própria da quadra juvenil, não se contentara com a sua filiação ao Apostolado. Atraía-o a fascinação do mistério maçônico: queria conhecer o formidável segredo que durante séculos vinha sustentando em todas as partes do mundo civilizado aquela poderosa e outrora respeitável e temida agremiação.

Compreendera José Bonifácio o perigo de colocar d. Pedro em contato direto com os fatores exaltados da causa nacional que ali predominavam; e foi talvez para evitar esse perigo que deliberou fundar o Apostolado, fundido nos moldes maçônicos, mas sem dependência alguma das autoridades maçônicas.

Entrada de d. Pedro para a Maçonaria. Erros e retificações

Nada, porém, demovia o príncipe da tentação que o arrastava; e José Bonifácio, que lhe resistiu tanto quanto pôde, acabou submetendo-se àquela vontade caprichosa [67], e no 13º dia do 5º mês, ou seja a 13 de julho de 1822, pouco mais de um mês após a fundação do Apostolado, sob proposta do próprio Grão-Mestre, era d. Pedro recebido como aprendiz na Loja Comércio e Artes.

Três dias depois elevavam-no ao grau de Mestre, por proposta de Joaquim Gonçalves Ledo, adotando o nome de Guatimosin [68]. É fato, portanto, que o príncipe, só depois de ser Archonte-Rei do Apostolado é que entrou para a Maçonaria, professando na Loja dirigida por Gonçalves Ledo.

E é inexato o que assevera VARNHAGEN, para detrair José Bonifácio, em relação a este assunto: não é verdade que o Patriarca tivesse criado a nova agremiação depois da entrada de Martim Francisco para o Ministério, por ter a Maçonaria censurado tal nomeação, pois, conforme RIO BRANCO provou irretorquivelmente [69], o Apostolado estava funcionando desde o dia 2 de junho, quando seu ilustre irmão ainda se achava em S. Paulo exercendo as funções de secretário da Fazenda e vice-presidente do Governo Provisório. Ele somente chegou ao RIo a 18 do referido mês, sendo escolhido para ministro a 3 de julho seguinte.

Também é errônea a versão posta a circular por MELLO MORAES em várias obras suas, de que os Andradas fundaram o Apostolado, por se terem despeitado com a Maçonaria quando ela elegeu d. Pedro para Grão-Mestre, à revelia de José Bonifácio, porquanto a verdade incontestável é que o Apostolado existia desde 2 de junho e o príncipe entrou para a Maçonaria, como dissemos, em 13 de julho, e somente foi guindado ao posto de seu Magistrado Supremo em agosto, tomando posse na sessão de 14 de setembro (7º mês) e não na de 4 de outubro, como, com manifesto equívoco, afirma o sobredito MELLO MORAES [70].

***

[...]


NOTAS:

[1] ASSIS CINTRA - O Homem da Independência, págs. 133 a 135.

[2] Capítulo V, pág. 146.

[3] Capítulo V, pág. 146, nota 2.

[4] Obr. cit., vol. 7º, pág. 641, nota 1.

[5] Obra citada, págs. 189 e 190.

[6] OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 185.

[7] RIO BRANCO - Nota 5 à Hist. da Independência, pág. 149.

[8] Eis o texto do compromisso: "Nós, abaixo assinados, protestamos obedecer, em tudo, às ordens que nos forem dirigidas por S. A. Real, pois tal é nosso dever; assim como de nada nos embaraçarmos e nem tomarmos parte nas disposições do Governo, salvo sendo-nos ordenado pelo mesmo Augusto Senhor. Paço do Rio de Janeiro, 9 de março de 1822 - Francisco Maximiliano de Sousa, chefe de divisão, comandante da Esquadra. António Joaquim Rosado, coronel do Regimento Provisório."

[9] RIO BRANCO - Nota nº 9 à pág. 150 da Hist. da Independência de VARNHAGEN.

[10] OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 186.

[11] Obr. cit., pág. 150.

[12] Hist. da Fund. do Império, vol. 5º, pág. 264.

[13] Nota nº 9 à pág. 150 da Hist. da Independência de VARNHAGEN.

[14] Obr. cit., vol. IV, pág. 133.

[15] Hist. do Brasil (Ed. E. Egas), pág. 39.

[16] Obr. cit., vol. 7º, pág. 645. Na nota nº 2 à mesma página, este historiador, discorrendo sobre as divergências dos autores quanto à data em que a esquadra se fez de vela em regresso para Portugal, adota a informação de ARMITAGE, que, além de precisar o dia 24, ajunta um subsídio novo, dizendo: "no dia imediato ao em que partira o príncipe para Minas...". Ora, se o príncipe partiu para Minas no dia 52, como diz o próprio ROCHA POMBO, e a esquadra deixou o Rio no dia imediato a esse fato, segundo a citação que faz de ARMITAGE, segue-se que a data é 26 e não 24. Mas é que o ilustre historiador se equivocou ao transcrever ARMITAGE. Este não escreveu: "no dia imediato ao em que partira o príncipe para Minas" e sim: "No dia imediato ao em que saiu a Divisão, Sua Alteza partiu para Vila Rica, capital de Minas Gerais..." Nesse caso, sim, a fixação da data para 24 está certa, porque o príncipe seguiu para Minas a 25 - dia imediato àquele em que saiu a Divisão.

[17] Obr. cit., vol. 1º, pág. 222, col. 2ª.

[18] ROCHA POMBO - Obr. cit., vol. cit., pág. 645, nota 3; OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 188.

[19] ROCHA POMBO - Obr. cit., vol. 7º, pág. 646.

[20] VARNHAGEN - Obr. cit., págs. 151 e 152.

[21] Filho legítimo do coronel Severino Ribeiro e d. Josepha Maria de Rezende. Nasceu em Prados, província de Minas, a 20 de junho de 1777. Depois de doutorar-se em Direito na Universidade de Coimbra, foi nomeado juiz de fora de Palmella (Portugal), em 1806. Regressando para o Brasil em 1810, foi o primeiro juiz de fora nomeado para a comarca de S. Paulo. Intendente dos Diamantes em 1813, desembargador da Relação da Bahia em 1814, intendente geral da Polícia em 1817, desembargador da Casa da Suplicação em 1818, desempenhou saliente papel nas lutas da Independência. Foi deputado à Constituinte, ministro do Império em 1824 e da Marinha em 1827, ano em que recebeu o título de Conselho. Nomeado barão de Valença em 1825 e elevado a conde e marquês do mesmo título em 1826 e 1848, faleceu no Rio de Janeiro a 8 de setembro de 1856.

[22] VARNHAGEN - Obr. cit., pág. 152.

[23] É esta sua frase textual: "Pequena foi a comitiva que consigo levou o príncipe. Além de um guarda-roupa, fez-se apenas acompanhar, etc." (Obr. cit., pág. cit).

[24] Obr. cit., vol. cit., pág. 678.

[25] Conhecido também pelo nome de Estrela. É um dos rios tributários da baía do Rio de Janeiro, que atravessam o Estado do mesmo nome (A. MOREIRA PINTO - Chorographia do Brasil, pág. 176, 1ª col.).

[26] VARNHAGEN - Obr. cit., pág. 152.

[27] ROCHA POMBO (obr. cit., vol. cit. pág. 681, nota 3, e pág. 682, continuação da mesma nota), referindo-se a um documento divulgado por MELLO MORAES (Hist. das Constituições, vol. 1º, pág. 226, col. 1ª), equivoca-se quando diz que "d. Pedro entrara em São João d'El-Rei às 10 horas da manhã de 31 de março, no meio de grande entusiasmo". O que se lê em MELLO MORAES é que, desde as 10 horas da manhã de 31 de março, se divulgou, por ofício expedido à Câmara, "o honroso ingresso de S. A. Real... no dia 3 do próximo abril".

[28] MELLO MORAES - Obr. cit., pág. cit., col. 2ª.

[29] Todos estes pormenores são colhidos numa longa carta que, de ordem de d. Pedro, o secretário Estêvão de Rezende escreveu a José Bonifácio, dando-lhe conta minuciosa do que ia sucedendo durante a viagem. Esse documento foi publicado na íntegra por MELLO MORAES (Obr. cit., vol. cit., págs. 225 a 226). VARNHAGEN, além de muito deficiente na descrição deste importante episódio de nossa independência, incorre em numerosos equívocos e inexatidões, o que se pode verificar facilmente, confrontando sua narração com a referida e pormenorizada carta do ilustre secretário itinerante.

[30] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. cit., pág. 225, 1ª col. VARNHAGEN (obr. cit., pág. 153) cita nominalmente Mello e Sousa e um outro cujo nome não dá. RIO BRANCO, em apontamento lançado à margem do manuscrito daquele historiador, esclarece que este outro é o coronel Ferreira Pacheco (Hist. da Indep., pág. 536, nota II). Entretanto, quando VARNHAGEN escreveu a sua última obra, já estava publicada a História das Constituições, de MELLO MORAES, na qual se encontram, além de importantíssima epístola de Estêvão de Rezende a José Bonifácio, vários documentos e notícias estampados em jornais cariocas da época da independência, afeiçoados ao Governo.

[31] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. cit., pág. 226, 1ª col.

[32] MELLO MORAES - Obr. cit., pág. 227, 1ª col., e 230, 1ª col.

[33] Idem, ibidem, pág. e col. cits.

[34] Idem ibidem, pág. cit., 1ª e 2ª cols.

[35] Idem, ibidem, pág. 224.

[36] HOMEM DE MELLO - Hist. Política do Brasil, pág. 33.

[37] Carta de d. Pedro a d. João, de 26 de abril de 1822 (Ed. E. Egas, pág. 95). VARNHAGEN, transcrevendo-a, suprime o "Viva a Religião!" (Obr. cit., pág. 154). MELLO MORAES (obr. cit., vol. 1º, pág. 225, col. 2ª), em vez de "Briosos Mineiros!" insere: "Bravos Mineiros!" e diz que esta proclamação ou fala S. Alteza a dirigiu às tropas, o que constitui evidente engano. Basta ler o breve documento para se ver que foi dirigido à totalidade da população mineira.

[38] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. cit., pág. 230, col. 1ª.

[39] HOMEM DE MELLO - Hist. Política do Brasil, pág. 34.

[40] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. cit., pág. 230, 1ª e 2ª cols.

[41] HOMEM DE MELLO - Hist. Política do Brasil, págs. 55 a 57. Algumas das portarias e proclamações feitas em Minas o foram pelo próprio punho de d. Pedro, segundo o testemunho do velho MELLO MORAES, que possuiu os respectivos originais manuscritos (Hist. das Consts., vol. 1º, pág. 224, col. 2ª, nota).

[42] HOMEM DE MELLO - Obr. cit., pág. 57.

[43] Depois da retirada de José Bonifácio, as atas do Governo Provisório tornaram-se cada vez mais lacônicas.

[44] Religioso franciscano da Bahia, foi eleito bispo a 13 de maio de 1818, dia natalício de d. João VI, que então reinava; confirmado pelo papa Pio VII, a 27 de setembro de 1819, e sagrado na Capela Real do Rio de Janeiro, a 9 de abril de 1820. Fez sua entrada solene na Sé de Mariana, a 8 de agosto de 1820, vindo a falecer, após uma vida piedosa e austera, a 28 de setembro de 1835. Seu terceiro sucessor, d. Silvério Gomes Pimenta, mais tarde arcebispo, publicou em 1876 uma biografia de d. José (DR. MANUEL DE ALVARENGA - O Episcopado Brasileiro, págs. 64 e 65, nota 2).

[45] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. cit., pág. 232, 1ª col.

[46] ROCHA POMBO - Obr. cit., vol. 7º, pág. 681.

[47] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. cit., pág. 225, col. 2ª. Há grande confusão quanto ao dia em que d. Pedro foi a Mariana. MELLLO MORAES (pág. 225) publica sobre a viagem a Minas, entre aspas, uma carta dirigida por ordem de d. Pedro a José Bonifácio, sem indicar qual o autor. Diz ROCHA POMBO (vol. 7º, pág. 679, nota 1, que continua à pág. 680) ser ela escrita pelo secretário Estêvão de Rezende. Mas há outros documentos, que o mesmo cronista publica também entre aspas, sem lhes referir a autoria, contendo a narração da passagem do príncipe por várias localidades mineiras, documentos esses que nalguns pontos se contradizem. De quem serão? De Estêvão de Rezende? De algum habitante de cada localidade visitada? De qualquer periódico do tempo?

Num deles, sob o título Minas Geraes, estampado à pág. 232, diz-se que o bispo de Mariana tinha ido esperar no dia 8 em Vila Rica o regente, mas que, chegando a Água Limpa, perto da dita vila, retrocedeu entre lágrimas, persuadido de que Sua Alteza não entraria nesse dia. Não se percebe, da confusa redação do papel, qual o local em que o príncipe não entraria nesse dia; se Vila Rica, se Mariana.

Acrescente-se que o bispo voltou no dia seguinte, acompanhado de vários cônegos e outros eclesiásticos, vestidos com hábitos de cerimônia e que d. Pedro lhes mandou servir opíparo jantar. Mas onde foi isso? Em Queluz? Em Vila Rica? É tudo obscuro.

Determinou Sua Alteza que iria a Mariana no dia 7, o que não pôde fazer por ter-lhe chegado um correio do Rio com papéis oficiais que precisava examinar e responder, efetuando, entretanto, sua viagem no dia seguinte, dia de Nossa Senhora dos Prazeres. Em que lugar se achava ele nessa ocasião, pois que sua entrada na capital da província, tal como se vê das portarias que expediu, verificou-se no dia 9?

Diz ainda o mesmo documento que d. Pedro entrou em Mariana às 7 horas da manhã do dia 8, quando a carta mandada a José Bonifácio e outros papéis publicados pelo mesmo MELLO MORAES provam que Sua Alteza se achava nesse dia na Vila de Queluz, e não podia, sem o milagroso condão da ubiqüidade, estar na velha Cidade Episcopal. Ao contrário, um outro documento inserto, entre aspas, pelo mesmo MELLO MORAES, sem indicação de autor (pág. 225, 1ª col.) afirma que o príncipe entrou em Mariana a 15 de abril, e a 17 lá voltou novamente (pág. 226, col. 1ª), sendo de ambas as vezes recebido de modo excepcional. Não se compreende bem qual a razão dessa dupla viagem, com intervalo apenas de dois dias.

Compulsando a coletânea de documentos oficiais publicados por HOMEM DE MELLO (Hist. Política do Brasil, págs. 5 a 82), verifica-se que o príncipe não baixou decreto ou portaria alguma em Mariana, ao contrário do que fez em S. José do Rio das Mortes, em Queluz, e no Capão do Lana. Verifica-se ainda que, depois de ter entrado em Vila Rica, somente no dia 15 é que não assinou papel oficial algum - o que parece provar que, nesse dia, achava-se ele ausente, e, portanto, em Mariana.

Mas de 16 até 20 - que foi quando se retirou de Vila Rica para a Corte, não deixou de expedir diariamente portarias referentes a objeto de serviço público. A 17 - dia em que se diz ter ele visitado Mariana pela segunda vez - expediu nada menos de 14 portarias, assinadas por seu secretário Estêvão de Rezende.

Poder-se-á supor que este, cumprindo ordens anteriores do príncipe, teria expedido tais portarias mesmo em sua ausência. Mas, então, porque é que no dia 15 - data de sua primeira entrada naquela capital eclesiástica - não há nenhum documento expedido em nome do príncipe pelo seu referido secretário? Aliás, é sabido que o desembargador Estêvão o acompanhou a todas as localidades, para, no exercício das funções de que fora investido pelo decreto de 6 de abril, baixado em São José do Rio da Mortes, "referendar os reais decretos e passar portarias conforme as circunstâncias o exigirem". Inclinamo-nos, pois, a admitir que só houve uma viagem a Mariana: a de 15 de abril, não passando a de 8 e a de 17 de meras confusões resultantes de documentos mal copiados ou erradamente interpretados pelos exegetas de nossa História.

[48] O venerando mestre, sr. ROCHA POMBO, na sua História (vol. 7º, pág. 682) informa que quando d. Pedro voltou a Vila Rica, de regresso de Mariana, já a capital mineira tinha sido elevada à categoria de cidade com o nome de Ouro Preto. Pela nota 1ª referente àquela página, mas que saiu inserta na página seguinte, vê-se que o ilustre historiador colheu esse dado em Adolpho de Saint-Milliet (II, pág. 182).

Dia a nota: "O príncipe regente elevara Vila Rica ao predicamento de cidade, sob o nome de Ouro Preto; no qual foi ela confirmada por carta imperial de 20 de março de 1823". A informação não deve ser exata, porquanto, até o dia em que se retirou de lá - 20 de abril - todos os atos que expediu estão datados do Paço de Vila Rica. Não há nenhum datado da Cidade de Ouro Preto. Depois de sua chegada ao Rio - a 25 - não houve alteração alguma nas condições daquela capital, como se verifica da legislação do tempo. Ainda em 20 de fevereiro de 1823, José Bonifácio baixava uma portaria, aprovando o estabelecimento de uma Guarda Cívica, "para defesa da Independência deste Império, em Vila Rica, e Mariana, de acordo com a representação dos respectivos habitantes" (Collecção de Leis do Imp. do Brasil, 1º vol., 1ª edição, pág. 262).

A 9 de janeiro de 1823, comemorando o primeiro aniversário do Fico, concedeu d. Pedro à Cidade do Rio de Janeiro o título perpétuo de Muito Leal e Heróica e à Câmara da mesma cidade o tratamento de Ilustríssima. Por decretos de 17 de março do mesmo ano concedeu à Comarca de Sabará o título de Fidelíssima, e à Vila de Barbacena, o de Nobre e Muito Leal, perpetuamente, por se terem avantajado às outras povoações mineiras "em testemunhos de denodado patriotismo".

Ainda por decretos da mesma data, concedeu os títulos, igualmente perpétuos, de Imperial Cidade de S. Paulo à capital da província do mesmo nome e de Fidelíssima à Comarca de Itu, por terem sido, uma e outra, "das primeiras na resolução de sustentar, ainda à custa dos maiores sacrifícios, os direitos inauferíveis dos povos do Brasil contra os seus declarados inimigos".

Só três dias depois, a 20 de março, é que foi ereta em cidade, com a denominação de Imperial Cidade de Ouro Preto, a antiga Vila Rica. O decreto não foi, pois, de mera confirmação, mas de ereção, porquanto até aquela data Vila Rica sempre conservou essa categoria e esse nome. Honrando-a com o predicamento de cidade e com o título de Imperial, depois de ter galardoado outras cidades brasileiras que, antes dela e mais entusiasticamente do que ela, tinham reconhecido a regência do príncipe, obrou com suma justiça o governo. Não se compreenderia mesmo que d. Pedro dignificasse a Vila rebelde antes de ter compensado a dedicação das outras que com denodo o sustentaram na luta.

[49] Obr. cit., pág. 158.

[50] Idem, vol. 7º, pág. 684.

[51] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. cit., pág. 80, col. 1ª. Em assembléia geral, presidida pelo Venerável da Loja-Mãe - Comércio e Artes -, João Mendes Vianna, foram eleitos: Grão-Mestre - José Bonifácio de Andrada e Silva; Grão-Mestre Adjunto e Lugar-Tenente - marechal Joaquim de Oliveira Álvares; 1º Vigilante - Joaquim Gonçalves Ledo; 2º Grande Vigilante - capitão João Mendes Vianna; Grande Orador - padre-mestre Januário da Cunha Barbosa; Grande Secretário - capitão Manuel José de Oliveira; Grande Chanceler - Francisco das Chagas Ribeiro; Promotor-Fiscal - coronel Luís Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho; Grande Experto - Joaquim José de Carvalho, e Grande Cobridor, João da Rocha, além de outros funcionários de menor categoria.

[52] A Comércio e Artes simbolizava a idade de ouro; a União e Tranqüilidade rememorava a frase com que d. Pedro, no dia do Fico, exortou o poro à união e à paz; e a Esperança de Niterói significava a idéia da projetada Independência (MELLO MORAES - Obra. e vol. cits., pág. 80, 2ª col.).

[53] Para OLIVEIRA LIMA (obr. cit., pág. 240), a criação do Grande Oriente "teve lugar verdadeiramente a 24 de junho, quando se procedeu com a maior regularidade ao sorteio dos operários e eleição dos oficiais das Lojas Metropolitanas". O Grande Oriente do Brasil, separado do de Portugal, foi imediatamente reconhecido pelos da França, Inglaterra e Estados Unidos.

[54] Carta de d. Pedro a d. João, de 21 de maio de 1822. Esta carta não está incluída na coleção editada pela Revista do Inst. Histórico e Geográphico do Ceará, razão pela qual nos serviços da tradução que da versão francesa de Eugène Monglade faz o dr. Eugénio Egas, na edição paulista que preparou em 1916 (página 99).

[55] Correspondência diplomática de Maréschal, encarregado dos negócios da Áustria (ofícios de 11 e 20 de abril), citada por OLIVEIRA LIMA (O Movimento da Independência, págs. 241 e 242).

[56] OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 241.

[57] Artigo de Araújo Vianna (marquês de Sapucaí) no Correio Official do Rio de Janeiro, de 28 de dezembro de 1833 (F. L. VEIGA - O Primeiro Reinado, págs. 168 e 174).

[58] Obr. cit., pág. 46.

[59] Ofício de 3 de junho de 1822 a Metternich, citado por OLIVEIRA LIMA (O Movimento da Independência, pág. 250).

[60] Obr. cit., cap. VIII, pág. 57 (Ed. E. Egas).

[61] A Constituinte perante a História, págs. 1 a 5.

[62] Ed. Eug. Egas, págs. 99 a 100 (esta carta foi retraduzida da versão francesa de Monglade).

[63] RIO BRANCO - Nota 35 à pág. 170 da Hist. da Indep., de VARNHAGEN; GONZAGA DUQUE - Revoluções Brasileiras, págs. 87 e 88.

[64] RIO BRANCO - Nota citada.

[65] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. cit., pág. 406, col. 2ª.

[66] RIO BRANCO - Nota citada.

[67] VASCONCELLOS DE DRUMMOND - Obr. cit., pág. 44.

[68] Nota 55 de RIO BRANCO à Hist. da Indep., de VARNHAGEN.

[69] Nota 36 do mesmo à pág. 167 da obra citada.

[70] Hist. das Constituições, vol. 1º, págs. 91 e 92.

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