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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - 250
250 anos depois (6)

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Em 2013, Santos comemorou os 250 anos do nascimento de José Bonifácio, culminando os festejos em 13 de junho, quando a cidade se tornou por um dia a capital do estado de São Paulo, graças a um antigo decreto, reeditado. Durante o primeiro semestre, o jornal santista A Tribuna publicou também uma série mensal de seis reportagens sobre a vida e obra do Patriarca da Independência. A primeira foi publicada na edição de 13 de junho de 2013, página A-8:


Imagem publicada com a matéria

 

O exilado que virou tutor imperial

 

Viviane Pereira [*]

Colaboradora

Do prédio da cadeia velha, ouviam-se os sons que chegavam de fora, apontando o pé de guerra que se instalara no Rio de Janeiro. Dentro, o cenário não era muito diferente. Uma guerra silenciosa, quase muda, travava-se naquela que ficou conhecida como 'a noite da agonia'.

Uma guerra de resistência dos deputados que dali não arredaram pé por 27 horas seguidas. A Assembleia Constituinte teria desfecho diferente depois da noite de 11 de novembro de 1823.

Por volta de 10 horas da manhã do dia 12, José Bonifácio, que estava entre os resistentes, dormiu cerca de duas horas em um banco. Quando acordou, foi até sua casa tomar banho e mudar de roupa.

Muitos deputados foram presos ao deixar o edifício. Bonifácio chegou à sua casa e, enquanto comia algo rapidamente para voltar à assembleia, recebeu um oficial que comunicou a dissolução da constituinte e lhe avisou que o imperador o chamava. À resposta negativa do oficial quando perguntou se deveria se considerar preso, respondeu: "Neste caso, posso acabar o meu jantar, e se o Sr. Oficial quiser, estimarei muito que se sirva de alguma coisa".

Dali o Patriarca da Independência seguiu escoltado para um pavilhão onde já se encontravam seus irmãos Martim Francisco e Antonio Carlos. Transportados depois para a Fortaleza da Laje, foram levados ao subterrâneo sujo, onde o ex-ministro dormiu, sobre um tapete velho.

No dia 20 de novembro embarcou em um navio velho rumo à Europa. Partiu banido, desterrado, junto com os irmãos, a mulher e a filha Gabriela.

Da Independência ao exílio - A guerra política que levou a esta situação extrema começou bem antes. Da volta ao Brasil, em 1819, até seu envio ao exílio na Europa, mal se passaram quatro anos. Esse tempo foi suficiente para Bonifácio participar de momentos importantes, como a proclamação da Independência.

A já acirrada briga política ficou pior após 7 de setembro de 1822. O ministro brigava com mão de ferro contra os adversários, que levavam intrigas ao imperador.

Quando Dom Pedro mandou desfazer ordens suas, em 27 de outubro, Bonifácio pediu demissão. Mas a opinião pública clamava pelo retorno de Bonifácio. Acuado, Dom Pedro o chamou de volta.

Os trabalhos da Assembleia Constituinte começaram em 3 de maio de 1823. Como Bonifácio considerava que os poderes do imperador eram superiores a ela, logo arrumou mais inimigos. A estes se somaram os que não aprovavam a campanha do ministro pelo fim da escravidão. E também a Marquesa de Santos, amante do imperador, que não gostava dos questionamentos que Bonifácio fazia sobre sua presença na vida imperial.

A pressão foi suficiente para, em 15 de julho, Dom Pedro forçar a demissão de Bonifácio, que foi para seu retiro em Santos, onde pretendia ficar entre os seus "livros, pedras e reagentes químicos", deixando para sempre "a malfadada corte".

Ainda não era sua hora de deixar a política. Como deputado, precisaria se licenciar da assembleia. Masseu irmão Antonio Carlos era o principal autor da Constituição e precisava da ajuda familiar. Bonifácio estava de volta.

Nessa fase, um golpe dissolveu a constituinte em Portugal e devolveu poder a Dom João VI. No Brasil, chegou a preocupação de que a Independência se esvaísse. Alguns ministros eram portugueses, assim como quase todo o pessoal do serviço do imperador.

Os jornais dos Andradas criticavam essa postura e a presença de oficiais portugueses no exército brasileiro. Boa parte do ministério se demitiu. Com reprimendas, a Câmara respondeu que lamentava, mas manteve a dúvida sobre a lealdade das tropas portuguesas.

Os deputados queriam esclarecimentos. Era 11 de novembro de 1823 e foi assim que teve início a noite da agonia, que culminaria com Bonifácio embarcando para o exílio.

Da França a Paquetá - Do embarque no Rio de Janeiro até a chegada ao destino, foram quase seis meses e meio de agonia. Desde a partida, quando trocaram o comandante brasileiro por um português, tudo indicava uma emboscada para os irmãos Andradas, para jogá-los nas mãos dos portugueses que eles criticaram e de quem exigiam impostos.

Faltou comida, um temporal provocou grandes avarias no barco, que parou em um porto espanhol e ficou incomunicável. A Espanha queria mandá-los a Portugal, ao que os exilados reagiram.

Bonifácio precisou pedir proteção a Londres para chegar, em 5 de junho de 1823, em Bordéus, na França. Ali viveu 5 anos e 8 meses sob a vigilância da polícia, apontado como chefe de uma facção que queria derrubar a monarquia brasileira.

Do exílio escrevia artigos onde chamava Dom Pedro de malasarte e rapazinho. O imperador o declarou inocente em 1824, mas não o chamou de volta.

Só aos 66 anos retornou ao Brasil, onde desembarcou em 23 de julho de 1829 carregando mágoas e o corpo da esposa Narcisa, morta durante a viagem. Sem dinheiro, pediu emprestado para pagar o enterro e as despesas do navio.

Encontrou um ambiente político tumultuado, com desentendimentos entre o imperador e o legislativo. O homem velho, pobre e sofrido só pensava em se isolar.

Instalou-se no que chamou de "Retiro filosófico de Paquetá", onde poderia estar sob o sol quente, que faria bem ao reumatismo, e próximo de árvores. E ainda teria o mar para matar as saudades da sua Santos.

Mas em 6 de abril de 1831 recebeu carta de Dom Pedro lhe entregando seu bem mais precioso: o filho que seria herdeiro. O imperador abdicou no dia seguinte.

Os inimigos de Bonifácio conseguiram, em abril de 1832, tirar-lhe a tutoria. Só deixou o paço à força de ordem de prisão expedida pela Regência. Ficou preso em sua casa em Paquetá até o fim do processo crime que o acusava de conspirador e perturbador da ordem pública.

Intimado a comparecer ao tribunal e constituir advogados, escreveu ao juiz, em 24 de fevereiro de 1835: "não preciso, portanto, de defesa, que não seja negar positivamente o de que sou acusado em um processo irregular, injusto e absurdo. Se, porém, para não demorar o julgamento de outros meus chamados co-réus, é de absoluta necessidade que eu tenha advogado, então nomeio a todos aqueles homens de probidade que queiram oficiosamente encarregar-se da minha defesa bem curta e fácil".

Foi considerado revel até o final do julgamento, em 14 de março, quando os jurados votaram pela absolvição dos réus. Em uma cerimônia emocionante, mais de duas mil pessoas deram vivas a Bonifácio.

Ele estava velho e doente quando encontrou a paz em Paquetá. Chegou a mudar-se para Niterói, por insistência dos irmãos, para tratar a saúde. Morreu em 6 de abril de 1838.

Seu corpo foi embalsamado e ficou no Rio de Janeiro até 25 de abril, quando a filha Gabriela o trouxe para Santos, onde esteve primeiro na capela-mor da Igreja do Convento de Nossa Senhora do Carmo. Agora, repousa no Pantheon que leva o nome de sua família, no Centro Histórico, em sua cidade, como era seu desejo.


Ilustração: cartunista DaCosta, publicada com a matéria

Suas frases

"Miseráveis! Como sabem que eu não tenho outra paixão senão amar a minha pátria e respeitar o seu chefe, e isso não lhes convinha, e menos lhe convém presentemente (...) me caluniam e me perseguem (...) jamais me ofuscaram a razão ou fizeram cócegas no coração"

"É preciso sacrificar-se para o bem do Brasil, e tu não verás este bem. Os campos estão cheios de sementeiras de flores, e tu não as gozarás (...) vivamos hoje se no-lo permitem; não lutemos contra o destino. O indivíduo é nada, a espécie é tudo"

Carta

 

"Amicus certus in res incerta cernitur. É chegada a ocasião de me dar mais uma prova de amizade, tomando conta da educação do meu muito amado e prezado filho, seu Imperador. Eu delego em tão patriótico cidadão a tutoria do meu querido filho e espero que, educando-o naqueles sentimentos de honra e de patriotismo com que devem ser educados todos os soberanos, para serem dignos de reinar, ele venha um dia a fazer a fortuna do Brasil, de que me retiro saudoso. Eu espero que me faça este obséquio, acreditando que, a não mo fazer, eu viverei sempre atormentado.

Seu amigo constante

Pedro"

 

Ilustração: cartunista DaCosta, publicada com a matéria

Bibliografia

>> José Bonifácio, História dos Fundadores do Império do Brasil, Octávio Tarquínio de Sousa

>> Projetos para o Brasil, José Bonifacio de Andrada e Silva – Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro, organização Miriam Dolhnikoff

>> Construção da Nação e Escravidão no Pensamento de José Bonifácio, Ana Rosa Cloclet da Silva

>> José Bonifácio e a Unidade Nacional, Therezinha de Castro

>> José Bonifácio, Primeiro Chanceler do Brasil, João Alfredo dos Anjos

>> Grandes Personagens da Nossa História, editora Abril

[*] Viviane Pereira é jornalista e escritora


Imagem: reprodução da página com a matéria original

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