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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - 250
250 anos depois (3)

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Em 2013, Santos comemorou os 250 anos do nascimento de José Bonifácio, culminando os festejos em 13 de junho, quando a cidade se tornou por um dia a capital do estado de São Paulo, graças a um antigo decreto, reeditado. Durante o primeiro semestre, o jornal santista A Tribuna publicou também uma série mensal de seis reportagens sobre a vida e obra do Patriarca da Independência. A primeira foi publicada na edição de 13 de março de 2013, página A-8:


Imagem publicada com a matéria

 

O soldado e o poeta

Um homem que reúne força e sensibilidade

 

Viviane Pereira [*]

Colaboradora

Dizem que o soldado deve levar no peito um coração duro, que resista às vicissitudes da guerra. Já o poeta, tem as batidas cardíacas norteadas por sentimentos que se extravasam em palavras.

Como seria o coração de um homem que foi soldado e poeta?

"Nos homens há duas inclinações naturais, o amor do prazer e o da ação. O primeiro sendo purificado pela arte e ciência, e aformoseado pelos encantos da sociedade, e corrigido pela temperança, saúde e reputação, produz a maior felicidade desta vida; o outro pode produzir cólera, ambição, vingança;mas também dirigido pelos sentimentos da honra e humanidade, gera todas as virtudes", registrou o santista José Bonifácio de Andrada e Silva, que lutou em Portugal contra as forças napoleônicas e revelou em versos sentimentos profundos.

"O céu me dotou de uma alma toda de fogo para defender a honra, e os sentimentos que podem enobrecer minha existência".

Eis revelado o segredo de duas faces aparentemente opostas – mas talvez até complementares - do Patriarca da Independência, que empunhou com a mesma maestria as armas e as penas.

"Prisão da corda do sino" - Bonifácio conheceu o potencial guerreiro da França quando testemunhou, como estudante de ciências naquele país, em 1790, os primórdios da Revolução Francesa.

Após dez anos viajando pela Europa, aprendendo sobre mineralogia, geologia, química, estabeleceu-se em Portugal e ganhou uma cadeira de Metalurgia na Universidade de Coimbra, criada por carta régia especialmente para ele. O jovem que saiu em viagem científica por diversos países voltou um homem maduro e cientista respeitado.

Seu prestígio lhe rendeu inúmeras nomeações para funções até incompatíveis, com a necessidade de estar em Coimbra dando aulas e viajar como intendente-geral de Minas e Metais do Reino, para acompanhar a evolução das minas. Não realizar devidamente os trabalhos foi um dos seus grandes dramas, além da luta contra as limitações da administração pública, com pouca verba e aparelhagem antiquada – era a "prisão da corda do sino", expressão que usava para se referir à sua situação.

"Estou doente, aflito e cansado, e não posso com tantos dissabores e desleixos", dizia Bonifácio, repleto de funções e sem condições de cumpri-las. Ele garantia ser "capaz dos maiores esforços de trabalho, contanto que não seja monotônico, e diariamente regular".

Bonifácio, o soldado - Era o início do século 19 e Portugal vivia uma situação de dependência da Inglaterra, maior potência industrial do mundo, que Napoleão tentava conquistar com sua política expansionista. Chegou a vez de o reino luso ficar na mira de Napoleão, que ordenou às tropas francesas sua invasão.

No final de 1807, o regente português D. João VI partiu com a corte e cerca de 15 mil pessoas em navios, rumo ao Brasil. Esse era o momento oportuno para o santista Bonifácio voltar à sua terra natal, pedido que fazia havia tempos à Coroa portuguesa. Mas o coração de soldado falou mais alto e ele resolveu ficar e defender com armas a terra que havia adotado.

Quando a notícia da reação do povo português chegou, Bonifácio estava em Tomar. Conseguiu armas e mandou-as para Coimbra, junto com alguns homens que soubessem usá-las. Comprovava na prática o que já defendia em teoria: a importância da metalurgia para a defesa bélica.

Em 1808, foi organizado um Corpo Voluntário Acadêmico e José Bonifácio estava entre os líderes dessa primeira resistência à invasão francesa.

Com a insistência de Napoleão, o povo português aumentou a ação. Em janeiro de 1809 foi criado o Corpo Militar Acadêmico. Nesse grupo, Bonifácio, um major bastante ativo, chamou atenção do governador militar de Coimbra, general Nicolau Trant, que o designou para comandar a construção de uma fortificação.

Nomeado tenente-coronel, o santista foi designado para presidir o conselho de polícia e a segurança da divisão de Trant, ficando responsável pela direção do serviço secreto.

Ao longo das ações, sempre se encarregava dos reconhecimentos mais perigosos. Ia à frente das tropas sob seu comando.

Sua atuação lhe rendeu a posição de comandante do Corpo Militar Acadêmico, além de postos elevados como Intendente de Polícia e superintendente da Alfândega e da Marinha.

Em 1815, Napoleão foi derrotado. Ao fim da guerra, Bonifácio tinha a sensação de dever cumprido. Em 1819, voltou ao seu país.


Ilustração: cartunista DaCosta, publicada com a matéria

Bonifácio, o poeta - Quem disse que o poeta não trava sua própria guerra interior? O homem que contribuiu para a Independência do Brasil, conquistada em 1822, se viu banido de seu país no ano seguinte. Enquanto o coração de soldado despontou em Portugal lutando contra a França, a alma de poeta se fez bem presente no exílio francês, quando Bonifácio deixou o Brasil e escapava de perseguidores portugueses.

O recolhimento fez acordar o vate que nele já habitara na juventude, como conta na carta que escreveu em 23 de outubro de 1824 para dois amigos. "Saberão V.Sas. ambas que a solidão do campo me tem trazido de novo a mania antiga de poeta, com que espanco lembranças aflitivas, que de quando em quando me assaltavam. Traduzi a 1ª Écloga de Virgílio e estou com a 2ª entre mãos; também me abalançarei ao trabalho hercúleo de traduzir a Ode das Olímpicas, de Píndaro, apesar das falhas e mazelas da língua portuguesa, e estou com a 1ª das Píticas do mesmo autor (...) tenho revisto as minhas antigas composições que destino para a impressão; e por fim, no mês passado, escrevi uma longa carta em verso a um sonhado amigo do Rio, que não me desagrada pelos rasgos de poesia e filosofia que encerra e pela pintura de nossa viagem deportatória (...)."

Foi com essa inspiração que em 1825, mesmo com poucos recursos financeiros, gastou 500 francos para imprimir um livro de poesias. Publicou, sob o pseudônimo de Américo Elísio, a obra Poesias Avulsas, dedicada ao leitor brasileiro. "Imprimir duzentos exemplares para repartir com alguns amigos, que para los otros me cago yo, como diria o castelhano com os santos que tinha metido na monteira".

Em algumas de suas poesias da época de Coimbra, há referências a Rousseau, Voltaire, Montesquieu, Locke, Pope, Virgílio, Horacio e Camões. Nos versos que escreveu ao longo da vida, além dos amores de juventude, revela as tristezas que vivenciou na maturidade.

"Amei a liberdade e a independência
Da doce cara pátria, a quem Luso
Oprimia sem dó, com riso e mofa
Eis o meu crime todo"

Sua batalha era, então, contra as injustiças sofridas. Dessa vez, fez dos versos sua arma.

O homem que lutou com coração de poeta, escrevia no exílio como um soldado em combate. E quem há de dizer que uma coisa exclui a outra?

"Em tão arriscadas circunstâncias mostrei, senhores, que o estudo das letras não desponta as armas, nem embotou um momento aquela valentia, que sempre circulara em nossas veias, que nascêssemos aquém ou além do Atlântico".

 

 

Algumas poesias


"A minha veia poética foi agitada pelo amor na primeira mocidade; depois pela vista e contemplação das grandes belezas da natureza em minhas viagens e estudos – para ser poeta é preciso ser namorado ou infeliz"


 


"Para a moleza não nasceu o vate
Em ditosos dias chamejava
Sua alma ardente, de heroísmo cheia
Quando uma pátria tinha!"

Da obra O Poeta Desterrado
 

 


"Ao vê-la o homem
Pasma, estremece!
Quer abraçá-la,
Corre, enlouquece!
Ela responde
Sou tua esposa:
Deixa a tristeza,
Ama-me e goza"

Em A Criação da Mulher, uma ode a Eva

 

Imagem publicada com a matéria

Significado do nome

Américo Elísio – o que governa o paraíso. Américo significa o que governa a pátria, príncipe em ação, príncipe que trabalha muito. Elísio é o paraíso, local de felicidade, lugar de bem-aventurança. Também tem referência com os campos elíseos, o céu dos heróis mitológicos.

Bibliografia

>> José Bonifácio, História dos Fundadores do Império do Brasil, Octávio Tarquínio de Sousa

>> 1822, de Laurentino Gomes

>> Projetos para o Brasil, José Bonifacio de Andrada e Silva – Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro, organização Miriam Dolhnikoff

>> Construção da Nação e Escravidão no Pensamento de José Bonifácio, Ana Rosa Cloclet da Silva

>> José Bonifácio e a Unidade Nacional, Therezinha de Castro

>> José Bonifácio, Primeiro Chanceler do Brasil, João Alfredo dos Anjos

>> site obrabonifacio.com.br, de Jorge Caldeira

>> Narcisa Emília, uma irlandesa na vida de José Bonifácio, texto de Wilma Therezinha Fernandes de Andrade na Revista Leopoldianum, da Universidade Católica de Santos, de 2004.

>> José Bonifácio de Andrada e Silva – o Patriarca da Independência, Biblioteca Academia Paulista de Letras, volume 7, História da Literatura Brasileira tomo I. vol. 3, livro primeiro Época de Transformação (século XIX) 2º período (Fase Patriótica), Arthur Motta

[*] Viviane Pereira é jornalista e escritora


Imagem: reprodução da página com a matéria original

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