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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - 250
250 anos depois (2)

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Em 2013, Santos comemorou os 250 anos do nascimento de José Bonifácio, culminando os festejos em 13 de junho, quando a cidade se tornou por um dia a capital do estado de São Paulo, graças a um antigo decreto, reeditado. Durante o primeiro semestre, o jornal santista A Tribuna publicou também uma série mensal de seis reportagens sobre a vida e obra do Patriarca da Independência. A primeira foi publicada na edição de 14 de fevereiro de 2013, página A-8:


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O cientista que virou pedra

 

Viviane Pereira [*]

Colaboradora

Embrenhar-se nas entranhas da natureza para encontrar os princípios que regem o mundo, trazendo à tona seus segredos que, revelados, poderiam ajudar a humanidade. Essa era a essência motivadora que fazia José Bonifácio de Andrada e Silva adentrar em minas na Áustria, na Alemanha, na Itália e em São Paulo.

O jovem Bonifácio descobria o mundo através dos veios da terra e aprendia a importância da disciplina em seu trabalho, estudando e catalogando os minerais que encontrava em sua jornada. Com a mesma perspicácia que lhe permitia perscrutar o caráter humano e ser um bom estadista, desvendava os segredos das rochas.

A busca pelo conhecimento, que o fez sair de sua terra natal, aos 20 anos, para a Universidade de Coimbra, o levaria a novas terras. Formado em Filosofia e Direito, deixou-se conduzir pela paixão às ciências. Os versos que escrevia, até então dedicados às suas musas, ganhava novos destinatários. "Tu, Leibniz imortal, tu, grande Newton. Arazão lhe revigora..."

Seu jeito elegante e o ar aristocrata, junto com a inteligência, lhe abriam caminhos na nobreza portuguesa. Ao mudar-se para Lisboa, passou a frequentar o salão do Duque de Lafões (D. João Carlos de Bragança) que, para sorte de Bonifácio, preferia sábios e pensadores, diferente de muitos nobres da época que se cercavam de aduladores.

Seria justamente o duque que lhe ajudaria a ter uma das maiores oportunidades da sua vida. O nobre fundou a Academia das Ciências de Lisboa, fazendo de José Bonifácio seu sócio livre. Por proposta da academia, o brasileiro ganhou uma espécie de bolsa de pós-graduação para viajar pela Europa e aperfeiçoar seus estudos em ciências naturais com os melhores professores e nos mais modernos laboratórios. Partiu em 1790.

Naturalista mergulha 10 anos nas ciências - A Europa tinha sede de conhecimento. Por isso, incentivava seus naturalistas ou filósofos naturais — como eram chamados os cientistas da época — a se aprofundar nas pesquisas. A exploração de minas vivia seu auge, principalmente pela demanda gerada pela Revolução Industrial.

Além de poder ganhar para estudar, viver às custas da Coroa portuguesa garantia a Bonifácio uma posição privilegiada na sociedade.

A primeira parada foi a França revolucionária, que vivia o início da Revolução Francesa e abrigou a chamada Revolução Química. Além desta matéria, Bonifácio estudou botânica e mineralogia.

Após um ano em Paris, seguiu para sua mais importante experiência acadêmica durante a viagem. Foi estudar em Freiberg, distrito metalúrgico da Saxônia (Alemanha), o centro mais avançado em mineração na Europa.

Com o mestre alemão, o importante geólogo e mineralogista, professor Abraham Gottlob Werner, Bonifácio aprendeu o rigor metodológico. Teve vivências práticas nas minas e fundições da Alemanha, Áustria e Itália. Morou na Suécia e na Dinamarca, onde visitou usinas e minas de ferro e de prata.

Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria (Se não for útil o que fizermos, a glória será vã) - A citação em latim do fabulista romano Fedro resume o lema de Bonifácio — que usou a frase como epígrafe em alguns trabalhos. Em concordância com esse pensamento, disse o filósofo brasileiro: "Se das minhas ideias se quiser tirar proveito, folgarei infinito de ser útil".

A visão refletia a forma como o estudante via a ciência, voltada ao pragmatismo e ao utilitarismo. "Desde que eu comecei a pensar que as ciências eram um emérito fútil quando não se aplicavam ao bem público, não pude deixar de espantar-me vendo o desleixo dos sábios e o pouco caso que faziam do bem público", registrou.

Bonifácio acreditava que a produção do mundo natural era importante fonte de estudo e deveria ser conhecida a fundo, para promover riqueza, ser útil às pessoas, colaborar no aperfeiçoamento humano e ter a função social de resolver problemas. Para ele, a ciência devia transcender para transformar a sociedade.

Um brasileiro na Tabela Periódica e no micro-ondas - O Patriarca da Independência descreveu e batizou quatro espécies minerais - a petalita, a espodumênio, a criolita e a escapolita - e oito variedades de espécies já identificadas.

Vários pesquisadores começaram a estudar a petalita e o espodumênio, descobrindo um novo elemento alcalino, chamando-o de lítio, nome grego para pedra. Isso fez de Bonifácio o único brasileiro ligado à descoberta de um novo elemento químico.

Séculos depois, em 2008, a petalita iria revolucionar o uso de um eletrodoméstico,
por sua capacidade de absorver micro-ondas. A aplicação do mineral melhorou a atuação dos equipamentos, promovendo aquecimento mais rápido, comida mais quente por igual e economia de energia.

Partiu aluno, voltou mestre - Após sua viagem de estudos de 10 anos, Bonifácio voltou em 1800 a Portugal, aos 37 anos, como cientista consagrado. No ano seguinte, foi criada na Universidade de Coimbra uma cátedra de Metalurgia, especialmente para ele. Apesar de empolgado com a atribuição, achava a Universidade de Coimbra muito aquém, em Metalurgia, dos locais em que estudou. Queixava-se da pouca verba destinada à compra de equipamentos para aulas práticas e pesquisas.

O Patriarca da Independência, que retornou ao seu país em 1819, aos 56 anos,foi precursor da ideia de implantação sistemática de siderurgia no Brasil. Deu sequência ao trabalho como cientista. Com o irmão Martim Francisco realizou, em 1820, viagens mineralógicas na província de São Paulo, apontando diversas reservas de ferro.

Pouco antes de voltar ao Brasil, contou a um amigo, em carta de março de 1818, algumas de suas paixões. Triste, esperou longamente a autorização de Portugal para retornar à querida terra natal: "Os meus livros e pedras são hoje a minha única consolação".

Já em casa, no seu retiro no sítio de Outeirinhos, em Santos, organizou o diário de suas viagens e classificou as coleções de minerais, plantas e medalhas. Ele achou que essa seria sua aposentadoria, mas o melhor de sua história ainda estava por vir.


Ilustração: cartunista DaCosta, publicada com a matéria

Primeiro fitoquímico

Quase ninguém conta, mas José Bonifácio é considerado o primeiro fitoquímico brasileiro.

Entre as atribuições que assumiu na volta a Portugal, passou a dar aulas no curso químico da Casa da Moeda de Lisboa. Era o responsável pela organização do laboratório, o primeiro estabelecimento do paísa fazerpesquisas de natureza fitoquímica, trabalhando inclusive com plantas brasileiras. Um de seus mestres em Química, o naturalista italiano Domingos Agostinho Vendelli, viria a fazer parte da família já que seu filho mais velho, Alexandre Antonio Vandelli, casou-se com a primogênita de Bonifácio, Carlota Emília de Andrada.


Wernerita - Abraham G. Werner é considerado o verdadeiro fundador da mineralogia. Em sua homenagem, Bonifácio, primeiro grande cultor da especialidade, chamou wernerita um mineral que descobriu e identificou.

Andradita - Seu trabalho foi homenageado em 1868, quando o cientista norte-americano James Dwight Dana batizou um dos minerais de cálcio e ferro do grupo da granada de Andradita (ou Andradite)

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Suas frases

"No Brasil a virtude, quando existe, é heroica, porque tem que lutar com a opinião e o governo".

"Eu não sou dogmático atrevido, nem acadêmico desmarcado; amo a verdade e procuro-a deveras: em uma palavra, sou cético"


CURRÍCULO - Intendente geral das Minas e Metais do Reino; administrador das minas de carvão e pedra de Buarcos (Mina do Cabo Mondego); Administrador das antigas fundições de ferro de Figueiró dos Vinhos e Avellar; diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda de Lisboa; dirigiu a sementeira de pinhais nos areais das costas marítimas; desembargador ordinário e efetivo da Relação e casa do Porto; superintendente do Rio Mondego e obras publicas de Coimbra; diretor hidráulico das obras de encanamento do Rio Mondego; provedor da finta de malhões; inspetor das matas e sementeiras florestais; secretário perpétuo da Academia Real das Ciências de Lisboa; fundou a Sociedade Marítima de Lisboa.

FOI MEMBRO - Sociedade Filomática de Paris; Sociedade de História Natural de Paris; Sociedade dos Amigos da Natureza de Berlim; Real Academia de Ciências de Estocolmo; Sociedade Werneriana de Estocolmo; Tribunal de Minas; Casas de moeda, minas e bosques; Academia Real das Ciências de Lisboa; Sociedade Mineralógica de Jena; Sociedade Lineana de Jena; Academia de Turim; Sociedade Geológica de Londres; Sociedade de Física e de História Natural de Genebra; Sociedade de Filosofia de Filadélfia; Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro; Academia Real de Copenhague; Associação Científica de Goettingue; Associação Científica de Berlim; Associação Científica de Viena

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Bibliografia

>> 1822, de Laurentino Gomes

>> Projetos para o Brasil, José Bonifacio de Andrada e Silva – Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro

>> Construção da Nação e Escravidão no Pensamento de José Bonifácio, Ana Rosa Cloclet da Silva

>> José Bonifácio e a Unidade Nacional, Therezinha de Castro

>> José Bonifácio, Primeiro Chanceler do Brasil, João Alfredo dos Anjos

>>site obrabonifacio.com.br, de Jorge Caldeira

>> Narcisa Emília, uma irlandesa na vida de José Bonifácio, texto de Wilma Therezinha Fernandes de Andrade na Revista Leopoldianum, da Universidade Católica de Santos, de 2004.

>> José Bonifácio de Andrada e Silva, naturalista, um lado desconhecido da historiografia brasileira; de Adílio Jorge Marques.

>> As atividades do naturalista José Bonifácio de Andrada e Silva em sua 'fase portuguesa' (1780-1819), de Alex Gonçalves Varela, Maria Margaret Lopes e Maria Rachel Fróes de Fonseca.

[*] Viviane Pereira é jornalista e escritora


Imagem: reprodução da página com a matéria original

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