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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - VISITANTES
Ziraldo vê a cidade

"Fiquei fascinado pela Boca. É um lugar que já não existe mais no mundo"...

Em mais uma de suas periódicas passagens por Santos, o cartunista Ziraldo falou sobre a cidade, nesta entrevista concedida em 2 de abril de 1982 ao jornal santista A Tribuna:

O cartunista Ziraldo
Foto publicada com a matéria

ZIRALDO
Fluindo como um cartum

Para Carlos Drummond de Andrade, Ziraldo é um peralta brincando de unificar gêneros e instrumentos de expressão. Para os outros deixa a impressão de jamais repousar: inquieto, criativo, seu papel é o da resistência. Ziraldo busca alguma coisa a mais: "Sou um tremendo cívico. Quero salvar o Brasil de qualquer jeito. Não consigo me livrar dessa idéia. É preciso haver uma forma de se ter mais justiça".

Rosa Maria Bastos Santos

Na última quarta-feira, Ziraldo esteve em Santos, conhecendo melhor a Cidade. "Já passei aqui indo de Itanhaém para o Rio, numa viagem que pouca gente faz. Tenho amigos que moraram aqui como o Jaguar, o Sérgio Ricardo, que é meu compadre, e a Joyce Paiva, mulher do Miguel Paiva. Para você ver, três dos meus melhores amigos moraram em Santos. Vim hoje aqui substituir o Pelé". No dizer do Ziraldo, Santos é uma cidade tímida. "Fala pouco dela para o Brasil, não se exibe como Salvador, Curitiba ou Florianópolis. Pelo que a Cidade tem para dar, é um pouco enjeitada. É também atípica, com o subúrbio quase perto da praia. Com relação à arquitetura é um dos locais menos aviltados do Brasil. Ou melhor, o aviltamento só ocorreu na área da praia".

Ziraldo observou a arquitetura intermediária ("nem art-noveau nem art-déco") de algumas casas que sobrevivem com janelas altas e porões, parecidas com as que ainda existem no Bairro do Botafogo, no Rio. "Essas casas deveriam ser fotografadas porque são um exemplo da arquitetura colonial brasileira. É preciso atentar à consciência coletiva. Santos é muito velha, né?" E comenta que aqui não há o habitante degradado em número significativo. "O carioca está muito agressivo, talvez como conseqüência da proximidade da favela com a praia. Uma vez vi um pivete arrancar a pulseira de uma moça. Ele passou correndo por mim e disse: "Tô cobrando o que é meu, meu irmão". Na verdade, o sujeito que é o dia inteiro humilhado parte para a violência, para o assalto. A Baixada Fluminense é apavorante. Aqui dá para sair casal de namorados à noite? No Rio não dá nem para se pensar nisso".

Para Ziraldo, a Boca de Santos deveria ser tombada, antes que acbe. "Fiquei fascinado pela Boca. É um lugar que já não existe mais no mundo. Aqui é o último porto que tem vida de porto, feito Buenos Aires. A Boca de Santos é igual à de Buenos Aires, uma coisa meio old fashion. Só falta o Caminito". Lembra que há muito o cais do Rio não tem mais esse clima, que abrangia também a Praça Mauá. "Essa coisa do porto me deixou encantado. Já fui quatro vezes a Buenos Aires e só agora fui conhecer um local único no Brasil, que só tem em Santos".

Ziraldo comenta que depois da abertura precisou passar a ter uma noção maior do que poderia abordar ou não em seu trabalho como cartunista. "Aprendi a conhecer os meus limites. Justamente depois da abertura tive mais charges devolvidas". Diz que o Pasquim volta agora ao seu tamanho normal, entre outras coisas, porque esse formato facilita o manuseio, permitindo que cada exemplar seja lido por mais de um leitor.

Não esconde a admiração que a montagem da Sia Santa Companhia Teatral, de Campinas, lhe despertou ao adaptar o seu livro infantil O Planeta Lilás. "Foi uma surpresa, o espetáculo está bem cuidado, os atores são ótimos. Algumas vezes o autor sente medo da adaptação teatral. Não foi o caso desta montagem". Lembra que um de seus livros, A Bela e a Borboleta, bateu o recorde de vendas em Santos. "Agora em maio, volto para lançar, aqui, O Bichinho da Maçã que foi editado pela Melhoramentos".

Sobre as dificuldades enfrentadas pelos cartunistas, afirma que o mercado não é fechado para quem tem talento. "O cartunista tem que ir para o grande centro. E parar com essa conversa de que o mercado é fechado, porque isso somente atrasa. Tem que ir à luta. O Geandré não saiu de Santos? Ninguém faz o momento, a hora. O Vandré está enganado: Tem que pintar a hora". Mais adiante, reconhece: "Se alguém for fazer charge no meu lugar, vou morrer de fome. No Brasil o mercado é pequeno. O campeão no Brasil é o Dino, que A Tribuna mantém há 30 anos".

Comenta que o cartunista do Washington Post tem uma sala especial para trabalhar. "E quando está trabalhando ninguém chega perto. Afinal, o cara está criando a charge. Para falar com ele você tem que esperar, no mínimo, duas horas. O americano não entrega os pontos, é uma questão de cultura: todos os chargistas dos jornais americanos são sexagenários, eles trabalham até morrer. Lá o mercado, além de rico, é bem definido. Há o cartunista que desenha apenas para o Playboy ou para a Penthouse. Já o camarada que desenha cartum em revista de segunda classe fica estigmatizado. Vai morrer fazendo charges em revistas de segunda classe, mas lá tem emprego para todo mundo".

Lembra que passamos 20 anos sem chargistas, em conseqüência da época de Getúlio. "Mais tarde surgiu o Millôr, no Cruzeiro, fazendo o Pif-Paf. Depois, o Pasquim foi um marco". Transmitindo energia e bom humor, Ziraldo flui naturalmente como um cartum de sua autoria. Como disse Drummond, sempre cumprindo a eterna lei da caricatura: "Revelando, desmistificando, castigando, alimentando, pela visão crítica totalmente descompromissada".