Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0181e01.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/28/12 21:49:32
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Raul Soares - DL
O navio-prisão (5-A)

Clique na imagem para voltar ao índice desta sérieUma das páginas negras da história santista

Leva para a página anterior da série

Série de matérias publicadas no jornal santista Diário do Litoral, relembrando a história do navio-prisão e provocando para que o tema seja debatido na Comissão da Verdade instituída neste ano para a apuração dos fatos relativos ao regime militar implantado no Brasil a partir de 1964. Esta matéria foi publicada na edição de domingo, 21 de outubro de 2012, páginas 1, 8 e 9:

Imagem: reprodução das páginas com a matéria

REPORTAGEM ESPECIAL

O navio da repressão

Reportagem traz informações obtidas junto ao médico Thomas Maack, prisioneiro que era constantemente chamado para as emergências médicas na embarcação, onde prestava os primeiros socorros. Quarenta e oito anos depois de presenciar torturas e violências, ele concede entrevista para o jornalista Francisco Aloise, que o localizou em Nova Iorque.

Comissão da Verdade chegou muito tarde ao Brasil, diz Maack

Médico será homenageado por vereadores em Santos


O navio Raul Soares, na fase inicial como embarcação mercante
Foto: reprodução, publicada com a matéria

RAUL SOARES, O NAVIO DA REPRESSÃO
Navio-prisão: democracia à deriva

Thomas Maack, um dos presos políticos do navio Raul Soares, hoje famoso cientista médico nos Estados Unidos, foi localizado pelo Diário do Litoral, em Nova Iorque, e reafirma, 48 anos depois, torturas e violência contra sindicalistas. E diz que a Comissão da Verdade, infelizmente, chegou muito tarde ao País.

Repórter: Francisco Aloise

Ele foi personagem e também vítima de uma triste época para o sindicalismo de Santos e para a história do País. Preso pela Ditadura Militar e confinado no navio-prisão Raul Soares por quatro meses, junho a outubro de 1964, o médico Thomas Maack, de nacionalidade alemã, poderia ter sido apenas mais um preso a ficar no anonimato. Entretanto, uma situação excepcional o levou a fazer um atendimento de emergência a um preso, que tentou o suicídio, cortando seus pulsos. Depois disso, mesmo na condição de preso político, fez incontáveis atendimentos e ajudou a salvar muitas vidas.

Ele conta, nessa reportagem, os detalhes de histórias reais de torturas no interior do navio-presídio, símbolo da repressão da ditadura militar, que ficou de abril a outubro de 1964 no Porto de Santos, servindo de presídio flutuante para os presos políticos. O navio foi embora e virou sucata, mas deixou um rastro de vergonha, dor e sofrimento e também uma democracia à deriva por longos 21 anos no Brasil.

Um mito, uma lenda ou apenas mais um preso da ditadura militar? Durante muitos anos ele foi considerado um mito ou uma lenda nos fatos narrados por presos do navio Raul Soares, de triste lembrança para o sindicalismo de Santos e da própria história do País, naqueles "anos de chumbo".

A figura esbelta do jovem médico de cabelos avermelhados, que também era um dos presos, foi sempre relatada e lembrada com gratidão por presos políticos e sindicalistas que ficaram confinados no presídio flutuante, que permaneceu por seis meses em Santos. Mas, ninguém sabia seu paradeiro, qual teria sido seu destino após a desativação do navio ou mesmo se estava vivo.

O Diário do Litoral localizou o médico, que vive em Nova Iorque, Estados Unidos, e hoje é um famoso especialista internacional na área de pesquisas médicas e científicas. Nessa entrevista, ele relata detalhes de sua vida, de sua prisão, do atendimento médico a sindicalistas presos no Raul Soares, sua fuga e seu exílio. E reafirma as torturas praticadas contra os presos.

Diz que a Comissão da Verdade, instalada recentemente pelo governo brasileiro, infelizmente chegou muito tarde, pois muitas vítimas da Ditadura Militar já morreram, mas admite que a história tem que ser sempre relembrada para que nunca mais se repita. "A Comissão da Verdade, infelizmente, veio tarde, mas antes tarde do que nunca", relata o médico ao DL.


Presos no convés do navio-prisão: uma história de torturas no Porto de Santos
Foto publicada com a matéria

Os fatos – Numa madrugada fria do mês de junho de 1964, o jovem médico é acordado pelos gritos de um soldado da Marinha do Brasil que lhe apontava uma metralhadora em direção ao seu peito. O soldado estava nervoso. Muito nervoso. A ponto de tremer com a arma na mão. É que um preso havia tentado o suicídio e cortado os pulsos. Alegava que não aguentava mais viver as torturas e as violências físicas e psicológicas que imperavam no interior do navio-prisão Raul Soares.

Ele sangrava muito e o sangue escorria de seus pulsos para o chão no corredor do navio. Foi levado para a enfermaria, mas não havia médico e nem enfermeiros na embarcação. Ao lado, entretanto, ficava a cela do jovem médico de nacionalidade alemã e de cabelos ruivos, que havia sido preso no prédio da USP, em São Paulo, com ordens superiores e expressas de que deveria ficar incomunicável. Ou seja: não poderia ter nenhum contato dentro e nem no convés do navio, improvisado como presídio flutuante.

Desesperado e sem saber o que fazer diante dessa situação de emergência, o soldado da Marinha resolveu acordar o preso, pois sabia que ele era médico.

Este episódio, que estamos narrando 48 anos depois, foi contado pelo próprio personagem principal, direto de Nova Iorque, Estados Unidos. Dr. Tomas Maack é o médico ou o personagem que, emocionado, narrou a história ao Diário do Litoral, revivendo os fatos ocorridos no longínquo ano de 1964. E foi esse episódio que mudou sua vida, conforme o médico conta e relata nessa entrevista.

 

"O navio foi embora e virou sucata, mas deixou um rastro de vergonha, dor, sofrimento e também uma democracia à deriva por longos 21 anos no Brasil"

 

Atenda essa emergência – O soldado gritava: "Você é médico, não é? Então atenda essa emergência". Thomas Maack, detido pela recém Ditadura Militar implantada no Brasil e que havia sido levado há poucos dias aos calabouços do navio-prisão, foi retirado de sua cela e levado a uma outra, ao lado, uma espécie de enfermaria, sem médicos, sem enfermeiros e também quase sem nenhum tipo de material de primeiros-socorros.

"Falei para o soldado abaixar a arma porque não tinha condições de atender o paciente com uma metralhadora apontada para minha direção. Ao examinar o prisioneiro ferido, percebi que o corte era apenas superficial, só que o sangue continuava abundante", relata Thomas Maack.

E prosseguiu: "Fiz o atendimento mediante uma sutura e pedi que ele fosse encaminhado ao hospital sob o argumento de que não iria me responsabilizar por sua vida, uma vez que ele havia perdido muito sangue, sem contar que poderia pegar uma infecção, pois no navio não havia condições higiênicas de atendimento", enfatiza o médico. Diante desse diagnóstico, foi prontamente atendido e o preso encaminhado à Santa Casa de Santos.

Ele diz que os militares tinham medo de que ocorressem mortes no interior do navio-prisão e por isso mesmo estavam inseguros diante da tentativa de suicídio que originou em seu primeiro atendimento médico aos presos.

Elogia as mulheres de estivadores e portuários que ficavam de vigília no Porto de Santos diuturnamente. "Essa presença física das mulheres foi importante também para preservar as vidas dos presos. Os oficiais tinham medo de que se algo de errado acontecesse, poderia se espalhar pelo País e manchar a falsa imagem por eles transmitida de que tudo estava bem e tranquilo dentro da embarcação. E, principalmente, a mentida de que os presos eram bem tratados e tinham todo conforto no interior do navio-prisão".


Médico e cientista Thomas Maack, aos 29 anos, quando esteve preso no Raul Soares, em 1964
Foto: publicada com a matéria

Médico Thomas Maack: testemunha, vítima e também personagem do navio-presídio

Esse episódio não só salvou a vida do prisioneiro ferido, como também mudou a vida do médico Thomas Maack, que estava preso, incomunicável, mas a partir desse fato era constantemente chamado para as emergências médicas no interior da embarcação, onde prestava os primeiros socorros. Com isso, atendeu e conheceu muitos líderes sindicais e foi testemunha dos maus tratos, torturas e terrorismo psicológico a que eram submetidos, e conseguiu, finalmente, após longos dias preso, transmitir um recado para sua esposa Isa, em São Paulo, que soube de sua prisão, mas até aquele momento não sabia para onde ele havia sido levado.

Maack informa como isso ocorreu: "Devido à minha atividade médica, através de um guarda da Polícia Marítima de Santos, consegui pela primeira vez mandar um recado para minha esposa, dizendo onde estava, quebrando assim a incomunicabilidade com a família, sem o conhecimento do coronel Alvim (Sebastião Alvim). A minha incomunicabilidade oficial somente terminou um pouco antes do navio ser desativado, em fins de outubro de 1964".

Um rosto anônimo na história – Em todos os relatos e nos livros escritos sobre a embarcação, que ficou atracada no porto de Santos, servindo de prisão política flutuante, o jovem médico sempre foi mencionado, mas poucos sabiam seu nome e seu destino após a desativação do navio. Para muitos presos daquele navio, ele era apenas uma lenda ou simplesmente um mito, um rosto quase anônimo, mas sempre lembrado como uma boa recordação pelos sindicalistas por ele atendidos, tendo suas vidas salvas naquele difícil período da Ditadura Militar no Brasil.

De um detalhe todos se lembram: o médico tinha os cabelos avermelhados (ruivo).

Na próxima terça-feira (N.E.: dia 23/10/2012), faz exatamente 48 anos que o navio-prisão Raul Soares foi desativado e, poucos dias depois, sem forças para navegar, deixou o Porto de Santos, próximo à Ilha Barnabé, sendo rebocado para o Rio de Janeiro, onde virou sucata, levando consigo as dores silenciosas de estudantes, presos políticos e sindicalistas. Mas, foi em seus porões que surgiu essa história real, cujo personagem principal está vivo, famoso em sua profissão e é uma das testemunhas desse capítulo negro da história do País.

Thomas Maack é pesquisador de renome internacional e professor titular de Fisiologia da Weill Cornell Medical College (Escola Médica da Universidade de Cornell), da cidade de Nova Iorque. Antes de ser preso e levado para o navio no Porto de Santos, Maack diz que já se dedicava às pesquisas médicas. Casado com a brasileira Isa e pai de uma menina, ele diz que, no início da carreira, tinha que fazer renda para sustentar a família e se dispôs em trabalhar nos plantões médicos na periferia de São Paulo.

"Prestar atendimento aos presos do Raul Soares não foi nenhuma novidade, a não ser pelo ambiente diferente de um pronto-socorro e pela falta de estrutura e de medicamentos e pelas crueldades das torturas praticadas contra os presos, sem contar que essa não era a minha especialidade, pois sempre me dediquei à pesquisa".

Vai estar em Santos – Alguns sindicalistas daquela época, que também foram presos, e seus familiares, ou os parentes de sindicalistas que já morreram, terão a oportunidade de abraçar e agradecer o médico Thomas Maack, que, a convite do DL, vai estar em Santos no próximo dia 8 de novembro. E estará à noite, na Câmara, onde será homenageado durante a sessão, por iniciativa do vereador Marcus De Rosis (PMDB).


Thomas Maack é hoje, aos 77 anos, famoso médico cientista internacional e vive em Nova Iorque
Foto: publicada com a matéria

Leva para a página seguinte da série