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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Clubes
Clube XV (2-g)

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Ao completar seu centenário, o Clube XV teve sua história publicada em quatro páginas do primeiro caderno do jornal santista A Tribuna, em 12 de junho de 1969:
 
[...]


Oscar Ferreira, autor da valsa "Clube XV"
Foto publicada com a matéria

Esta valsa é sempre tocada

Conta o Clube XV com uma variedade de músicas que lhe foram dedicadas durante a sua fecunda e veneranda existência.

De 1894, é o "Tango XV", composto pelo professor Serqueira. No decorrer do nosso trabalho, já foram citadas a quadrilha "Aurora do Club XV", feita em 1873 pelo maestro Pinto Tavares, e a polca "O 15º Aniversário", pelo Avelino Braziliense, em 1884.

Da exímia pianista d. Eulina Pacheco, é ainda uma valsa composta em 1902, homenageando o Totó Carlos, de nome "Club XV". Mas a que ficou perpetuada, aquela que é o verdadeiro sonho musical do Clube, é a contagiante valsa de Oscar Ferreira, também chamada "Club XV".

A história dessa valsa é suave, amorosa. Tentaremos recontá-la.

Oscar Augusto Ferreira nasceu em S. Paulo, cerca de 1881. Seu pai, o dr. Luiz Augusto Ferreira, era promotor público nesta capital. Dotado de extrema vocação para a música, freqüentou quando menino o Conservatório Musical de São Paulo, tendo se mostrado um talento precoce, ganhando logo a admiração dos velhos professores.

Aos 16 anos, já era organista na Igreja de São Gonçalo. Na mesma igreja, fazia parte do coro a jovem professorinha, d. Raquel de Castro, moça delicada e atraentemente morena.

Com a convivência, veio o Oscar a apaixonar-se ternamente por d. Raquel, arriscando por vezes um olhar lânguido, mas cheio de timidez. O passar do tempo tornou a coisa indisfarçável. Criou forças o organista e declarou-se a Raquel, que não soube resistir. Namoraram. E do simples e recatado namoro passaram à paixão decidida que os noivou.

Corria o ano de 1903. Num dos passeios dominicais que fazia com a noiva, dessa vez, numa tarde de agosto, lá pelos lados da "moringuinha", poética fonte na altura da ladeira Santo Amaro, durante o trajeto e permanência rascunhou no seu inseparável livrinho pautado, uma melodia que lhe martelava o cérebro. E foi pouco depois, no aniversário de d. Raquel, que ele presenteou-a com a valsinha, pronta e repassada.

Acomodando-se ao piano, em rápidos movimentos, executou a partitura, dizendo:

"- Não tem nome, Raquel. É tão sua e você deve batizá-la!"

Momento de indecisão. Mas lembrou-se Oscar do crisântemo que lhe sorria à lapela. Crisântemo não tem perfume. Mas d. Raquel, ao ofertar-lho, colocara caprichosamente algumas gotas de embriagadora essência sobre as pétalas inodoras.

"- Aí está, Raquel! Você já o fez sem saber. Vai chamar-se Crisântemo Perfumado!"

E a delícia da melodia tornou a envolvê-los...

O casamento veio logo. Mas, devido ao estado de saúde de Oscar, d. Raquel pediu transferência para a 1ª escola mista urbana do Guarujá, onde vieram residir.

O cel. Pinto Novaes, que administrava o coro do Apostolado do Coração de Jesus, tomando conhecimento das aptidões de Oscar Ferreira, insistiu para que ele e a esposa, dona de bela voz, se integrassem aos inspirados componentes do coro, o que foi aceito.

Dali, o cel. Novaes encaminhou-o para o Clube XV, onde como sabemos funcionava o formidável "Grupo Mozart". Era 1904.

Por essa época, no salão de festas do XV, junto ao piano, reunia-se quase que constantemente o grupinho de amantes da boa música que passava horas sublimes e sonantes, rodeado de valsas, mazurcas e xotes, saídos das mãos de Antenor Rocha Leite, Luís Carlos Silva, Quinquim Brandão, Zilda Pereira, e outros amadores locais. Numa dessas ocasiões foi que apareceu o jovem desconhecido, de expressão romântica e face pálida. Apareceu o Oscar Ferreira.

Argüiu sobre o nome dos executantes e esperou embalado que terminasse a catadupa de sons. Entrando a conversar, confessou-se compositor "de horas vagas". Insistiram que sentasse ao piano. Sentou. Deitou as ágeis mãos sobre o teclado, em insinuantes variações.

De repente, vencida a timidez, dispôs-se a tocar uma sua composição. E tocou o "Crisântemo Perfumado", por ora inédito. Aos primeiros acordes voltejantes o salão foi invadido pela doce melodia.

Das outras salas começou a convergir mais gente. Até os veteranos, distraídos no gamão e voltarete, deixaram a espelhada sala de jogos. Vieram o Afonso Teixeira de Carvalho, Totó Carlos, Gustavo Goetz, o Fernandes Pacheco, todos pasmados, intrigados com tal lindeza.

A valsa conquistara. Duas, quatro, e como lembrava com orgulho o Oscar, por 16 vezes foi obrigado a repeti-la.

Agradara de tal modo o talentoso pianista, que recebeu a incumbência de compor um hino ao Clube XV. Mas um hino, porém, não se adaptava à delicadeza do XV. E a valsa fora recebida de maneira tão apaixonada que, por fim, todos sugeriram que a ofertasse então ao querido Clube.

Oscar deixou-os na expectativa. Era preciso consultar primeiro a dona do seu coração e da valsa, Raquel.

Raquel Ferreira visualizou a imortalização do seu companheiro e desfez a hesitação do Oscar, insistindo para que a valsa se tornasse "Clube XV".

Assim foi feito. Embora, no silêncio de suas almas gêmeas, Oscar e Raquel Ferreira guardassem eternamente a imagem perfumada de um crisântemo...

A valsa, oficialmente ofertada, já de nome "Clube XV", veio a ser nota mágica e encantadora do dia 12 de junho de 1904, a data magna do Clube.

E ainda hoje, e sempre, ela será novamente tocada. Sonhemos...

***

Vai o Clube XV aumentando sua idade; andando célere, impecável, sempre amado.

Já estamos em 1909. O 40º aniversário é exaltado em riquíssimo baile. E novas surpresas vão surgindo:

Em julho desse ano, as moças do XV formam um grêmio dentro do Clube para reuniões e festas, das quais muita gente ainda se recorda. Por muito tempo maravilhou a todos. Deixou nome em Santos o mimoso "Grêmio das Violetas"!

Também em 1909, acompanhando as inovações, entusiasmado com o aparecimento do cinemascópio, que começava a invadir a cidade pelas empresas F. Serrador, Candburg, Bijou Salon, o XV instala na sua sede os "saraus-cinema" - uma refinada combinação onde se dançava e, simultaneamente, assistia-se a emocionantes filmes.

Para as artes em geral, constituiu ainda o Clube XV, aos tempos da Primeira Grande Guerra, uma "Comissão de Cultura", que grandemente se empenhou em confirmar o Clube como um dos mais altos expoentes da cultura, em Santos.


O prédio na Rua Sete de Setembro, esquina da Av. Conselheiro Nébias, foi a residência do XV, desde 1919 a 1934
Foto publicada com a matéria

Ano de 1919. É o Jubileu de Ouro. Consagração de uma sociedade-rainha. 50 anos generosos que já qualificavam o Clube XV como uma verdadeira instituição social. As comemorações foram inesquecíveis, realçadas pela presença gratíssima do único fundador restante, o capitão Adolfo Millon.

E em outubro o Clube XV transfere-se para o imponente palacete da Vila Nova, Rua Sete de Setembro, esquina da Conselheiro Nébias.

De 1919 para cá, vem o XV mantendo a sua generosa contribuição à cidade, tendo avançado douradamente mais 50 anos.

O XV tem um Livro de Ouro. Nas velhas folhas estão gravados os nomes dos inúmeros visitantes que buscaram conhecer esse amorável recanto de nossa sociedade.

As primeiras páginas guardam as assinaturas de vultos do quilate de um almirante Custódio de Melo, Arthur Napoleão, príncipe Dom Augusto de Saxe-Coburgo Gotha, Júlio de Mesquita, dr. Reinaldo Porchat, Fábio Prado e outros de igual valor.

Nos tempos atuais vêm as expressões admiradas de Arthur Rubinstein e Guiomar Novais, musicalizando o XV em 1920, a dos heróis de 1922, os aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho e as curiosas assinaturas de Júlio Dantas, que escreveu deliciosamente - "Encantado!" - e Coelho Neto - "Ponto de Admiração".

Cabe aqui dizer que o XV tem o seu poeta, aquele que como muitos ali viveu os seus primeiros romances e encontros com a beleza. O imortal Martins Fontes, que em febricitante conferência exaltou o Clube, é por direito o seu poeta!

Um pouco da alma desta cidade esvoaça na claridade de seus espelhos. As tradições de sociabilidade e de elegância se encontram nele guardadas, como em escrínio de ouro. O Clube XV é bem um fragmento de Santos, com um pouco de seu coração e de sua vida.

Sempre, mesmo nos tempos escuros da cidade, que os tem como os homens, o XV despejou sobre as calçadas de Santos a poeira de luz de suas janelas.

Está agora o Clube XV para deixar a sua sede do Gonzaga, que ocupa desde 1934. O novo edifício, também na avenida praiana, é um projeto arrojadíssimo, destinado a coroar uma idade patriarcal; a dar condições de enfrentar outra caminhada.

Teatro. Bailes memoráveis. Reuniões. Jogos. "Shows". Tudo tão próprio do velho XV. A casa das tradições, sempre nova.

Nunca há de faltar quem lhe dê rasgos de dedicação. Por isso, o Clube XV chegou ao centenário. Vai adiante!


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