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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Do elefante e outros causos (2)

As muitas histórias da vida no porto santista

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São mesmo muitas as histórias que surgem no cotidiano de um porto com doze quilômetros de extensão, movimentando todo tipo de produto, de e para lugares do mundo inteiro, com milhares de trabalhadores das mais diversas especialidades. Eis mais algumas dels, também publicadas em diversas edições do Jornal do Porto de Santos, publicado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), na coluna Folclore Portuário, assinada por Rubens Fortes (ilustrações originais).

Em novembro de 1982:

Folclore Portuário

Rubens Fortes

A grande dificuldade para o trabalho do escafandrista do porto sempre foi a total falta de visibilidade. Depois dos demorados preparativos para vestir o escafandro - contava um deles -, chegava ao fundo e não conseguia enxergar absolutamente nada, por causa do lodo em suspensão. Tinham que trabalhar movendo-se vagarosamente e procurando pelo tato os objetos perdidos.

Foi assim que, uma tarde, o escafandrista desceu junto ao cais do Saboó para amarrar um guindaste que tinha sido derrubado ao mar por um raro ciclone, passou lá embaixo toda uma hora de procura e subiu sem conseguir ao menos localizar o guindaste no meio da lama. Mas trazia nas mãos uma colher e um garfo, do mesmo jogo, com o nome do mesmo navio gravado no cabo.

Apareceu um comerciante de São Paulo na Boca, procurando contatos para comprar uísque contrabandeado. No encontro com os malandros foi logo dizendo que não era trouxa, queria mercadoria legítima, fazia questão de ir buscá-la a bordo do navio. Não tinha problema, acertaram o negócio, na mesma madrugada foram todos de catraia, sorrateiramente, até o costado do Hamilton Lake, navio que ficou durante algum tempo fundeado no canal do estuário, deserto, só com as luzes de segurança da navegação acesas.

Ali, na catraia, o sabido comerciante pagou à vista e recebeu, feliz, seu lote de uísque legítimo, descido diretamente de bordo. Descido ali, mas desembarcado pelo outro lado do navio, de outra catraia, que trazia a beberagem do alambique em Vicente de Carvalho, pouco tempo depois fechado pela polícia.

Há pouco tempo, um conferente de agência ganhou o apelido de Gás Neon. É dessas pessoas que vivem sempre se queixando de alguma dor, alguma doença, alguma indisposição. Uma noite, no início do trabalho, queixou-se a um colega de que estava com uma terrível dor de cabeça; o outro não teve dúvida, ofereceu-se para passar-lhe na testa um novo produto chinês, coisa fina, que havia acabado de ganhar. Espalhou na testa do dito cujo, friccionando levemente, a pasta milagrosa; o outro achou o remédio maravilhoso, passou a noitada alegre, livre das dores incômodas. E com a testa brilhando intensamente, com a tinta vermelha acrílica de pintar camisetas...

Houve um chefe, muitos anos atrás, que exagerava nas medidas de economia, a ponto de ter sobre a própria mesa pilhas enormes de papel de rascunho usado de um lado e que só permitia que fosse jogado fora depois de usado nos dois lados. Um dia, entrou no salão de um escritório; não se sabe como, conseguiu ver, na outra extremidade, um clipe de papel caído no chão. Atravessou todo o salão, apanhou o clipe do chão, mostrou triunfante ao datilógrafo que estava mais próximo: "É seu?". O datilógrafo pegou o clipe, sob a atenção de todos os colegas, olhou-o de um lado, virou-o do outro e respondeu com toda convicção: "Não senhor, esse não é meu!". E devolveu-o.

Em outubro de 1982:

Ainda existiam os bares e cabarés na Rua João Guerra, junto ao cais. Em um deles, a especialidade da casa era um aperitivo incrementado, verdadeira "paulada na moleira", coqueluche dos marinheiros estrangeiros e capaz de derrubar qualquer um ao menor vacilo, tanto que se chamava "Vacilo on the rocks". Mas que os gozadores chamavam de "Bacilo de Koch", porque era sempre servido com um beijo da garçonete...

O tipo deslumbrado, que compra tudo que aparece pela frente, existe em todo lugar. Um deles, do escritório de Operações, viu um colega de seção exibir uma ventarola de seda japonesa, realmente linda, que tinha comprado para dar de presente para a mãe. Quis logo saber onde tinha sido comprada, queria duas, uma para a mãe e outra para a namorada. Ensinaram, quem vendia era um camelô que fazia ponto perto do "Chave de Ouro", ali perto.

Na hora do almoço foi lá, pediu um par de ventarolas, custou para entender porque alguns colegas tiveram que segurar o camelô para impedir que fosse agredido. Afobado para comprar as ventarolas, nem tinha notado as enormes orelhas de abano do enfezado camelô. Que, aliás, virava uma verdadeira fera quando o chamavam pelo apelido...

De vez em quando um novato cai em alguma brincadeira. Uma ocasião apareceu um na oficina mecânica, simplório e incrivelmente ingênuo. Em pouco tempo, foi convencido a ir ao INPS - "para completar a ficha médica" - providenciar uma chapa dos ovários. Foi...

O eletricista novato dava seu primeiro plantão noturno na oficina. Recebeu a ordem de ir a um escritório, saiu logo, pouco tempo depois estava de volta. Dali a instantes reclamaram que o eletricista não tinha aparecido, o chefe estranhou: "Você não foi lá?". Ele, calmamente. "Fui. Mas não tinha mais ninguém lá: já estava tudo escuro".

Nem desconfiou que aquele era o problema.

Alta madrugada, o telefone da rede interna toca várias vezes, a voz que atende é sonolenta, arrastada. Do outro lado, com alegria: "Boa noite, colega! Finalmente achei alguém com quem bater um papinho amigo nesta madrugada... Faz quase meia hora que estou ligando a esmo, não achava ninguém. Com esse frio, eu estou sozinho aqui, me sinto abandonado. Dá até um medinho... E você, não sente isso aí? Qual é o teu trampo?"...

Do lado de cá, telefone na mão, semi-sentado na cama, o engenheiro-chefe de uma divisão contou até 10, acabou desligando sem se importar em saber quem estava do outro lado. De fato, a madrugada estava fria e chovia muito. No dia seguinte, trocou o número do telefone interno da sua residência.

Em novembro de 1985:

As duas desceram do navio, passageiras ou familiares de tripulantes. Atravessaram o cais, passaram o posto fiscal, caminharam sob a proteção da marquise do armazém, ali pelos lados do Macuco. As duas eram tipos nórdicos, altas, louríssimas e vestiam-se de acordo com o mais quente verão nas mais ousadas praias cariocas daqui a dois anos. Uma delas, para simplificar, comparada com a Cláudia Raia, era de fazer o lobisomem aparecer ao meio-dia.

O efeito de uma bomba não seria mais devastador. Deu correria no armazém, para dar uma olhadinha (quem viu e contou garante que essa olhadinha ninguém acharia faltosa). Tinha alguma coisa no ar, até o Fiel e o Ajudante vieram junto.

Aí, deu-se o azar. Extasiados com o panorama, não repararam no carro do Fiel Ajudante estacionado bem em frente ao armazém (lado de rua, claro). Dentro, a esposa, que chegara um pouco mais cedo e esperava para levá-lo para o almoço. E, como todos sabiam, ciumenta e brava.

A esposa desceu, caminhou até a porta, parou na frente dos dois e despejou furiosamente:

- "Bonito, hein!..."

E, aproveitando que o rapaz tinha sido recentemente promovido a Fiel Ajudante, sapecou a ironia em cima:

- "É assim que o senhor é fiel, é?..."

O colega, surpreendido em flagrante, embranqueceu. Olhos arregalados, mal conseguiu balbuciar a esfarrapada desculpa que até hoje os companheiros gozam:

- "Que é isso, beeemmm... Eu não sou Fiel, eu vim com ele porque eu sou ajudante dele..."

E, trêmulo, apontou para o Fiel.

Assombroso: 3 ventiladores pelo preço de um?! O cartaz da oferta, na loja, era chamativo e, do ônibus, o colega vibrou de alegria. Quando chegou na oficina, movimentou meio mundo, contando a novidade espetacular. Alguns duvidavam, mas ele logo encontrava explicação para tudo. O verão estava no fim e o estoque era muito grande, talvez o modelo fosse sair de linha, quem sabe a loja estivesse para mudar de ramo, vai ver faltava lugar para guardar, e se a loja tivesse que fazer caixa com urgência, enfim, várias desculpas. Tinha era que aproveitar logo a oferta.

Foi tão convincente e entusiasmado que alguns companheiros acabaram topando. Mal bateu a hora do almoço, voou para o Centro. Encostou no balcão pedindo logo meia dúzia de ventiladores. A vendedora, toda sorrisos, mandou escolher as cores e - imaginem - ainda foi tentar um descontinho com o gerente. O colega não cabia em si de contentamento.

Na hora de preencher a nota fiscal, quando a moça escreveu o total, gelou. O valor era incrivelmente maior. Amarelo, balbuciou uma reclamação, mal conseguia falar, já desconfiando de que tinha quebrado a cara.

E tinha. O cartaz dizia "3 x 70.000". Em lugar de um ventilador em 3 prestações de 70.000 cada uma, tinha entendido 3 ventiladores por 70.000 cada um.

Lá pelos lados da "Elétrica" os colegas não perdem a oportunidade de lembrá-lo que o verão está chegando e os ventiladores vão ser uma beleza...

Em dezembro de 1985:

Em um escritório da Avenida Rodrigues Alves, a turma da gozação inventou o "Burundanga", um quadro onde aparecem misteriosamente as mancadas que se cometem no dia-a-dia. Ali, o bom humor e o espírito esportivo mandam, porque a lei é clara: bobeou, entrou...

Em homenageam ao primeiro aniversário do "Burundanga", aqui vai uma seleção dos "melhores" escorregões do pessoal da redondeza.

Para começar, o escriturário distraído que chegou de calça novinha em folha, todo orgulhoso, e perguntou se o pessoal tinha gostado da "calcinha" nova... Imaginem se tivesse sido ele o mesmo que deu este outro escorregão feio, quando um colega antigo perguntou se ainda fazia o mesmo serviço, e ele respondeu que "não, esse serviço agora é com a outra menina"...

Além dos distraídos, há os mal informados. Apareceu um que queria saber se a Alemoa era no Tecon ou no Tefer. Há um outro que para colaborar com o hospital de São Vicente, faz questão de comprar sempre o "umbingo" do São José (Empatou com o Sílvio Santos, da TV, que um dia desses, num jogo de letras do próprio programa, finalmente descobriu, espantado, que era umbigo e não imbigo).

Outro colaborador desinformado contou alegremente que tinha comprado o disco da "U.S.A. SOCORRO", referindo-se à música "We are the World". Vai ver, tinha tomado muita cerveja que um outro vendeu na seção como sendo muito boa: a "Chrysler" (apesar de todo o dinheiro que a Kaiser gasta na TV...)

Está no caso daquele que comprou um aparelho "Mitibiti"; de um que admirou o corte da barba do colega, no estilo "Xixis-cã" (se o Gengis Khan está por perto, corta-lhe a cabeça...), de um outro, bem politizado, que admira demais o ministro Paizanotto. Ou seriam todos a mesma pessoa?

Há os criativos. Um que virou a esquina e topou com determinada personalidade "em carne e pessoa". Outro que comprou barato uma caixa de latas de "óleo de azeite"; um admirador do Fiori (Fioro o quê mesmo? Gilioti? Giulioti? Assim quem vai pro Burundanga sou eu) que gosta de repetir a célebre frase, "Abrem-se as cortinas e termina o espetáculo"...

Um presenciou a cena e narrou sem titubear: "O bombeiro se jogou na água e resgatou o cadáver do defunto!" (Estaria morto?...). Deve ter sido a emoção. Ainda um outro deu azar na visita ao sítio de um parente: foi "mordido" por um "cardume" de abelhas... (Mereceu!)

Há os prestativos. Um ensinou direitinho a arte de fazer um útil calço para a porta usando uma "taubinha" de madeira.

Houve um descrente da tecnologia. Ensinou o colega a completar a ligação telefônica para Itatinga e aconselhou: "Quando for falar, grite bem alto..."

E para finalizar (qualquer dia tem mais), o "democrático" colega que ensinava o serviço a um novato (novato sempre entra bem) e calmamente deixou-o à vontade:

- "Primeiro eu falo. Depois, você ouve".

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