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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
Uma saga em um porto do Atlântico (10)

Em 1994, durante a gestão do prefeito David Capistrano, do Partido dosClique nesta imagem para ir ao índice da obra Trabalhadores, diversas publicações foram produzidas pela Prefeitura Municipal, resgatando a história de Santos e especialmente a sua atividade sindical. Uma dessas obras é o livro Caixeiro, Conferente, Tally Clerk - Uma saga em um porto do Atlântico, dos jornalistas Paulo Matos e Carlos Mauri Alexandrino, aqui reproduzido integralmente a partir de sua edição única, de março de 1996.

Com 144 páginas e ilustrações (registros CDD - 331.879816 - M433c), o livro inclui ainda textos de Marcos Augusto Ferreira e fotos de Carlos Nogueira, dos arquivos do Sindicato dos Conferentes de Santos e do Departamento de Comunicação da Prefeitura. Esta primeira edição digital, por Novo Milênio, foi autorizada em 19/2/2010 por Paulo Matos. Veja:

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Caixeiro - Conferente - Tally Clerk

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 Uma saga em um porto do Atlântico


Recriação em line-art digital de detalhe de foto do retorno dos trabalhadores demitidos do porto, no dia 28 de fevereiro de 1991, depois de uma greve geral na Cidade

Imagem: reprodução parcial da página 95

 

Capítulo V - Os novos tempos

Os desafios adquirem uma nova face, e, mais que nunca, a ameaça ao sistema de trabalho nos portos se coloca como dramática realidade

"Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem? Os sindicatos fazem greve porque ninguém é consultado. Tem de virar óleo pra máquina do estado. Quem quer manter a ordem?".

Os versos do rock anos 80 dos Titãs apontavam as contradições de um período híbrido, de titubeios e vacilações.

No limiar dos novos tempos, em 1984, após duas décadas de ditadura militar, os brasileiros finalmente desembarcam da espera constante pela democratização do País.

O sonho de eleger um presidente é frustrado pelos acertos inerentes à transição do momento. Mas temos um presidente civil e isso nos traz a sensação de estarmos novamente em uma rota para o futuro.

O Congresso Nacional elege Tancredo Neves contra os resquícios do regime militar. Mas o destino nos elege para cúmplices e, abatido por uma diverticulite aguda, conforme o boletim oficial, Tancredo morre antes mesmo da posse, deixando-nos seu vice, José Sarney, homem ligado ao período ditatorial. Acentua-se nossa ansiedade pelo momento final da chamada transição democrática. Pressionados por aquela que será a maior crise econômica que o país enfrentaria, alternamos instantes da alegria de um gol com o desespero de um pênalti aos 44 minutos do segundo tempo, a favor do adversário.

Para os trabalhadores dos portos, as incertezas da transição tornam-se apenas mais um item na batalha, pois as tentativas de desorganizar os avulsos prosseguem.

Tanto que a Federação Nacional dos Portuários e 22 sindicatos haviam entregue, em dezembro de 84, um documento ao então candidato Tancredo Neves, com reivindicações básicas.

Entre os itens, o temor diante da ameaça da criação precipitada das empresas estivadoras.

Reeleito para mais um mandato à frente do Sindicato dos Conferentes, de 85 a 88, José Bartolomeu realiza estudo apontando a queda da participação dos armadores brasileiros na navegação de longo curso: 13,9%, de janeiro a agosto de 85. Isso apesar das facilidades criadas nos últimos 18 anos, permitindo à navegação nacional se equipar com dispêndio mínimo, afirma Bartolomeu, revelando que os programas de subsídios e complementações governamentais aos armadores resultaram em escândalos financeiros, envolvendo os próprios empresários, estaleiros e a Superintendência Nacional da Marinha Mercante, a Sunamam.

Os trabalhadores continuavam tendo que demonstrar que não eram os culpados pelas deficiências dos portos. Foram transformados em bodes expiatórios, como tantas vezes na longa história do trabalho nos portos, e a proposta dos terminais privativos é adotada como solução à necessidade de ampliação do sistema portuário brasileiro. A justificativa era de que o governo não tem recursos para investir no setor.

"Sem novas áreas para expansão, as áreas nobres têm sido arrendadas à iniciativa privada a preços subsidiados, ao mesmo tempo em que as administrações portuárias se propõem a gastar vultosas quantias, para ampliação do cais e retaguarda", aponta o trabalho realizado pelos Conferentes.

Os terminais acabam concorrendo com o próprio porto, num jogo injusto. Transferem para si movimentações de carga, levando ao abandono o porto público, que apesar de ganhar cada vez menos, nem por isso deixa de arcar com as despesas de serviços gerais e de manutenção da infra-estrutura.

Em abril de 86, a manchete do jornal da nossa categoria, O Conferente, informa que o Supremo Tribunal Federal havia confirmado a exclusividade dos trabalhadores avulsos. Por unanimidade, o STF decidira pela constitucionalidade da lei estadual nº 3.767, de 83, que estabelecia a prioridade dos avulsos nas contratações dos serviços do porto. Era uma vitória importante a ser comemorada. Em setembro/86, outra boa notícia do jornal: a conquista do repouso semanal remunerado. Ganhávamos algumas batalhas, mas a guerra estava longe de ser encerrada.

A partir de 87, a Assembléia Nacional Constituinte torna-se o novo cenário da nossa luta. Para nós, uma oportunidade de assegurar e reforçar direitos reivindicados. Para aqueles que viam em nós um obstáculo ao ideal de modernização, era a chance de instituírem o projeto de desenvolvimento que tinham em mente.

A história parece repetir-se. Velhas fórmulas entram em cena. Custo alto, falta de operacionalidade, baixa produtividade... Os chavões estão novamente no centro dos debates e os patronos do projeto vendido à nação como desenvolvimentista já haviam definido os culpados por todo o atraso: os trabalhadores avulsos, é claro.

Não havia estudos ou base técnica que comprovasse a teoria. Nem mesmo levava-se em conta que Santos, o maior porto do País e da América Latina, era um cemitério de equipamentos obsoletos e deteriorados, originado pelos próprios defensores da modernização, que nele não investiram um centavo ao longo de muitos anos.

Os problemas são muitos. No porto operam guindastes instalados no início do século; quase uma centena de vagões ferroviários apodrecem nos pátios; obras faraônicas e de prioridade duvidosa têm início e são interrompidas, num exercício típico de falta de planejamento e desperdício.

E mais: há vários terminais inativos por falta de condições operacionais; armazéns sem condições de uso; berços de atracação são desativados por problemas estruturais. O porto de Santos não utiliza 50% de sua capacidade física.

Em 1º de outubro de 1988, os conferentes têm um novo dirigente no sindicato. Mas a eleição de Ricardo Wagner Vilarinho, em substituição a José Bartolomeu, não altera a rotina das nossas batalhas.

Já no dia 3 daquele mês, sofremos mais um ataque. O presidente José Sarney e seu ministro dos Transportes, Reinaldo Tavares, assinam decreto-lei com o número 96.910, pretendendo transformar as administrações dos portos em entidades estivadoras, com poderes extraordinários.

A medida vem se juntar a outra, de mesmo calibre, o decreto 96.909, que criava Conselhos Especiais de Usuários, com amplos poderes de decisão; limitava em apenas dois o número de representantes dos trabalhadores nos órgãos, um dos empregados do porto e outro dos avulsos.

Os trabalhadores eram, mais uma vez, pegos de surpresa, pois haviam lançado, em setembro daquele ano, o movimento "O Porto é Nosso", com participação de representantes de várias categorias, além de lideranças sindicais, empresários e políticos. Pretendiam discutir formas viáveis de transferir a administração dos portos para os próprios trabalhadores.

Sarney e seu ministro enfrentam uma reação em cadeia dos sindicatos da orla marítima de todo o país e das agências prejudicadas. Uma greve nacional de advertência estoura no dia 17 de outubro. O governo recua.

Continuamos remando firme contra a maré fatalista e a falta de diálogo de governantes e empresários. Por isso, em novembro, os conferentes lançam a proposta de estadualização do porto. A campanha adentra 1989, ano novo que traz de volta a esperança de consolidação da democracia. Após 25 anos, o país finalmente preparava-se para escolher o novo presidente da República.

Naquele mesmo ano, com a eleição da prefeita Telma de Souza, os portuários haviam recebido um sinal de que a administração municipal estava disposta a estreitar os laços com o porto e a entrar na briga pela inclusão do poder público, juntamente com trabalhadores e empresários, nas decisões sobre o futuro do setor.

Em 1990, a Prefeitura realiza um encontro com empresários e sindicalistas portuários e põe em discussão a gestão tripartite para o porto. A questão se tornaria rapidamente uma bandeira para outros portos do país. Na Baixada Santista, a proposta recebeu apoio dos prefeitos da região.

No entanto, encontramos mais uma pedra no caminho. Já tínhamos um novo presidente da República, agora eleito pelo povo. Fernando Collor de Mello vencera as eleições sustentando-se no velho discurso desenvolvimentista travestido agora de liberalismo, da abertura de mercado e das privatizações a qualquer preço, seguindo o cardápio da nova ordem mundial que se instalava.

Amparado na teoria neo-liberal, Collor promete levar o país ao primeiro mundo e os portos, responsáveis por 98% das importações e exportações do Brasil, tinham que se adaptar à nova ordem econômica que se traçava.

Para o presidente do Sindicato dos Conferentes, Ricardo Vilarinho, o que pretendiam implantar aqui era um pool de empresas internacionais, ou joint-ventures, "com poder de fogo para eliminar do mercado pequenos e médios empresários sem condições de enfrentar a concorrência".

Mas como os tempos eram de democracia plena, esperava-se que, no mínimo, os trabalhadores fossem ouvidos, pois já havia demonstrado que não eram contra a evolução dos portos. Desde março de 90 fazíamos contatos com o governo federal, através do Ministério da Infra-estrutura, para discutir a questão do sistema portuário nacional; uma comissão havia sido proposta e aceita pelo próprio governo.

Qual o quê! Em maio, somos surpreendidos pela divulgação de um anteprojeto de lei e de uma medida provisória tratando da privatização dos portos, com a liquidação dos trabalhadores avulsos. Paralisam-se as atividades novamente. A campanha de mídia patrocinada pelos empresários é avassaladora e busca convencer o País de que éramos os vilões dos portos.

Nesta época, eram finalizados estudos, levantamentos e documentos para demonstrar o peso real da mão-de-obra nas operações portuárias, desfazendo mitos e mentiras. Para isso, os sindicatos dos avulsos de Santos tinham contratados técnicos da Universidade de São Paulo, para estudar os custos dos portos.

A constatação de que no primeiro semestre daquele ano o porto de Santos havia arrecadado 1,5 bilhão de cruzeiros de Adicional de Tarifa Portuária, sem que um só centavo voltasse para a cidade, reconfirmava o que o Sindicato vinha denunciando há muito. O Adicional fazia fundo de caixa do governo federal e não era investido no porto, apesar do sistema estar carente de obras e máquinas.

Em 18 de fevereiro de 91, o governo federal envia ao Congresso o Projeto de lei nº 8, o PL-8, que prevê a desregulamentação das atividades dos portos.

Em nome da modernização, nove dias depois, 5.370 empregados da Codesp são demitidos, com uma penada de Collor, provocando a reação imediata dos trabalhadores do setor e da Prefeitura, que apóia a greve geral na cidade, deflagrada em 28 de fevereiro.

Santos parou em solidariedade aos trabalhadores de seu porto, resgatando a tradição de vanguarda sindical. Desde o governo de João Goulart, na década de 60, não ocorria um movimento de tal envergadura: os noticiários davam conta de que mais de 10 mil pessoas compareceram à manifestação no centro da cidade. Uma vitória histórica. O governo recua.

Mas o PL-8 prossegue sua trajetória na Câmara dos Deputados. É analisado pelas comissões de Trabalho, Justiça e Transportes. Recebe emendas.

Os trabalhadores acompanham passo a passo este caminho. Com o surgimento do PL-8, a gestão de Ricardo Vilarinho no nosso sindicato vai alcançar seu ponto alto. É ele quem inicia a luta contra a tal de modernização nos moldes pretendidos pelo projeto do governo.

Aproveitando a mobilização da categoria, Vilarinho articula uma chapa para concorrer à eleição, em agosto de 91. Contrário à reeleição, ele então indica Ademir Soares Silva, que se desatacava nas negociações sobre o PL-8. Ricardo Vilarinho seria o secretário na chapa. Em troca do seu apoio, queria escolher o tesoureiro para o novo mandato. Era uma maneira de manter o controle da entidade.

Ademir Soares não aceitou a tutela e retirou-se de cena. A chapa desfez-se. Como Vilarinho recusou-se a formar outra, o sindicato corria o risco de ficar sem direção, justamente quando não só os conferentes, mas todos os trabalhadores avulsos, estavam ameaçados de extinção, em função do PL-8.

Para evitar este vácuo na direção sindical, foi aberto um novo prazo para inscrições de novas chapas, pois outros concorrentes também haviam desfeito suas composições anteriores, para se juntar a Vilarinho e Ademir Soares.

Apenas uma chapa se inscreve para concorrer à direção do sindicato e seu coordenador recebe grande apoio da categoria. Por isso, a partir de outubro de 91, é José Tarciso Florentino da Silva que irá guiar os conferentes neste percurso. É ele que vai acompanhar, no Congresso, a tramitação do projeto.

Mais uma vez nos deparamos com José Reinaldo Tavares, ex-ministro do governo de José Sarney, que em maio de 92, na função de relator de uma comissão especial da Câmara dos Deputados, apresenta um substitutivo ao PL-8 que não contém as propostas dos trabalhadores.

Foi quase um passe de mágica. Em poucos segundos, por manobra do então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, é aprovado um substitutivo que não era o que os dirigentes sindicais negociavam desde a noite anterior e que deveriam prosseguir na manhã daquele dia surpreendente. O documento é encaminhado ao Senado, debaixo de protestos e paralisação dos portuários.

Os senadores passam a ser o novo alvo das nossas reivindicações e, através da Comissão de Justiça da Casa, modifica-se 33 artigos do projeto, mantendo a exclusividade da distribuição de mão-de-obra avulsa com os sindicatos, que também teriam paridade no Órgão Gestor de Mão-de-Obra previsto no projeto. Os sindicatos também apresentam emendas para serem discutidas pelos senadores: 30 destas propostas passam a ter prioridade. Propõe-se, inclusive, que o PL-8 fosse substituído pelo Contrato Coletivo de Trabalho.

Conseguimos mais uma vitória parcial em janeiro de 93, quando lideranças partidárias no Senado aprovam o PL-8 com a paridade entre trabalhadores e empresários no Órgão Gestor e criam o Contrato Coletivo de Trabalho. Na verdade, estabelece mesmo uma dependência da implantação do Órgão Gestor ao estabelecimento do Contrato Coletivo, onde estariam os parâmetros mínimos para a organização do trabalho.

Mas a alegria é passageira. No mesmo mês de janeiro, a Câmara aprova o projeto de lei, só que sem as emendas propostas pelo Senado. Em fevereiro, o PL-8 transforma-se na lei 8.630, que segue para ser sancionada pelo presidente Itamar Franco.

A cidade mobiliza-se contra a nova lei. O Fórum Sindical de Debates, a União Municipal dos Estudantes Secundaristas, o Centro dos Estudantes de Santos, a Liga Universitária Santista de Esporte, Prefeitura e sindicatos pressionam para que os pontos polêmicos da lei sejam vetados pelo presidente. "Acorda Santos" é o slogan da campanha.

A data limite para que Itamar decida sobre o futuro dos portos é 25 de fevereiro, quando os trabalhadores decidem parar as atividades à espera do resultado que sairia do Planalto.

E chegam as notícias, em parte, boas novas. Itamar Franco sancionaria a lei, mas com vetos. Detectara "ausência de equilíbrio" no projeto: "Beneficia demais os empresários, na mesma proporção que a anterior favorecia os portuários".

Do outro lado, as entidades empresariais também pressionavam, argumentando que só a sanção sem vetos garantiria a modernização.

Ao poder econômico das empresas diretamente interessadas juntaram-se, no processo, esforços de outros setores ligados à exportação e importação e os próprios deputados admitem jamais ter visto tão abrangente e poderoso lobby em ação no Congresso.

Estávamos em meio ao tiroteio, novamente. Mas o presidente da República parece demonstrar boa vontade. Itamar convida o prefeito santista, David Capistrano Filho, para debater a questão com os ministros Walter Barelli (do Trabalho) e Alberto Goldman (dos Transportes). Capistrano pede que seja vetado o artigo 18, que cria o Órgão Gestor de Mão-de-Obra, alegando que este poderia trazer desemprego.

Goldman diz que a redução do número de empregos "será momentânea", podendo ser aproveitada em outros segmentos da economia. Estávamos novamente diante da promessa eterna de crescimento econômico, estabilização etc.

Na noite de 25 de fevereiro de 1993, Itamar Franco veta quatro artigos da lei: 46 (dragagem pela União, sem ônus para as empresas), o 7 (dispensava de taxas e tarifas adicionais as instalações portuárias que ficassem fora da área dos portos), o 67 (tratava dos empréstimos para formar o FUndo de Indenização) e o 72 (igualava os trabalhadores de capatazia com vínculo empregatício e avulsos). Não atendera a reivindicação de Santos.

Numa tentativa de acalmar os ânimos, surgem os paliativos. O presidente concorda em criar uma Câmara Setorial dos Portos, para debater a questão; o ministro do Trabalho fala em convênio com a Prefeitura santista, para instalação de uma escola de reciclagem dos trabalhadores portuários. De repente, parecia que os homens estavam dispostos a despejar uma tonelada de boas ações sobre nossas cabeças.

Em seminário organizado pela Prefeitura, o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Privativos, Vilen Mantelli, afirmara que com a sanção da lei de modernização dos portos, a receita das exportações brasileiras deveria aumentar de 30 para 50 bilhões de dólares, em cinco anos. Em função disso, o empresariado estaria disposto a destinar 90 milhões para o Fundo de Indenização para o Trabalhador Portuário Avulso. A quantia era suficiente para indenizar 6 mil trabalhadores em todo o Brasil, com o cancelamento das matrículas sindicais feitas até 31 de dezembro de 89.

Pela proposta, permaneceriam atuando cerca de 14 mil avulsos, além dos 20 mil portuários empregados na administração. "Os trabalhadores portuários serão prejudicados, se não for fechado em três meses o contrato coletivo, apressou-se em dizer o ministro do Trabalho, Walter Barelli.

No entanto, o Órgão Gestor de Mão-de-Obra entraria em vigor naquele mesmo mês de fevereiro. Não interessava aos empresários gastar energia com o Contrato Coletivo. Para quê? No Órgão Gestor eles teriam a maioria e dariam as cartas, tudo isso graças à "boa ação" de alguns deputados. Diante dos fatos, o jogo estava trucado, outra vez. A lei da modernização dos portos não se estabelecia na prática.

Inicia-se um processo de negociações visando a um pacto entre as partes envolvidas. A Associação do Comércio Exterior do Brasil cria um Comitê de Portos, com empresários encarregados de negociar com trabalhadores e governo. Em Brasília, sindicalistas representantes dos avulsos discutem a questão. Na capital paulista, o jornal Gazeta Mercantil prepara um fórum nacional de debate, enquanto encontros regionais vão se sucedendo.


A crítica aguda do cartunista Lauro Freire, em O Conferente de abril de 92

Imagem publicada com o texto

Chegamos a abril de 93 e, após 22 reuniões entre trabalhadores e empregadores, o impasse permanecia.  Há um prazo para implantação do Contrato Coletivo: 27 de maio. "Os empresários estão protelando", denuncia o presidente da Federação Nacional dos Estivadores, Luiz Braga. Surge, então, mais um órgão para tentar acelerar a implantação da lei, a Câmara Setorial. Há, ainda, uma Sociedade Privada para o Desenvolvimento do Completo Portuário Paulista.

O jogo não se altera. Em suas organizações, os empresários insistem em culpar os trabalhadores por todos os males que abatem os portos. Megalomaníacos, sugerem grandes investimentos no porto de São Sebastião e a construção de um complexo portuário em Cubatão. O seminário da Gazeta Mercantil serviria de palco para todas estas "boas intenções". Não passa, claro, de jogo de cena. Se o porto de Santos pudesse ser substituído como principal porto paulista isso já teria acontecido há muito.

Que espécie de interesse pela Nação é este? Com o País em crise, sem dinheiro para investir, e eles falando em grandes obras? Por que não aproveitar a infra-estrutura já existente? O presidente do Sindicato dos Conferentes, José Tarciso, levantava estas e outras perguntas, colocando em dúvida a dimensão real do interesse empresarial pelo Brasil, por Santos e seu porto.

O que era mais barato: investir em Cubatão e São Sebastião ou em guindastes para o porto de Santos? Por que não priorizar o porto santista, usando totalmente este espaço que tem 54 berços, aumentando a rotatividade de navios?

Com problemas de acesso rodoviário e ferroviário e sem espaço para as atividades de retroporto, São Sebastião só tinha como vantagem o fato de ser um porto de canal, sem problemas de dragagem. Mas será que a dragagem tem um custo tão alto que não possa ser realizada em Santos, como investimento para acabar com a ociosidade do porto?

Com relação a Cubatão é a mesma coisa. Seria necessário aterrar o mangue, com prejuízos para o meio-ambiente. Por que não investir na construção, sem maracutaias, do cais do Valongo/Paquetá? Seria um novo porto, mas numa área onde há três rodovias, duas ferrovias e estrutura retroportuária. Era só construir o píer.

Bem, as propostas vindas dos trabalhadores eram muitas, demonstrando que não eram o bicho-papão, como queriam fazer parecer os empresários.

Se o exemplo a ser seguido era o do primeiro mundo, os trabalhadores lá estavam para conhecer a realidade. Em São Francisco (Estados Unidos), Mário Teixeira e Luiz Braga, respectivamente presidentes das federações dos avulsos e dos estivadores, participam, em abril, da Conferência dos Trabalhadores Portuários da Costa do Pacífico, além de visitarem o porto local. Constatam a predominância do sistema de trabalho avulso e do contrato coletivo. Lá, a modernidade tecnológica convive com justiça social. Há paridade na direção dos portos.

Aqui no Brasil os trabalhadores buscam este caminho, mas o impasse continua. Após terem perdido a paridade no Órgão Gestor, a instalação do Conselho de Administração Portuária, previsto na Lei 8.630, torna-se a chance da participação de todos os interessados na direção dos portos.

Em Santos, este Conselho é empossado em 21 de julho, quando representantes dos trabalhadores, empresários e poder público (União, Estado e Município) firmam um acordo para traçar o futuro do porto. No entanto, os empresários continuam emperrando o Contrato Coletivo.

Nosso presidente, José Tarciso, integra o Conselho como representante dos trabalhadores avulsos e também a comissão que negocia o acordo coletivo nacional, que servirá de base para a elaboração dos acordos regionais posteriores.

Os debates agora centram-se em questões diferentes, como produtividade, novas tecnologias, e nossa maior moeda de troca é o preparo para enfrentarmos esse novo período.

O ano de 1994 terminou com o porto e Santos marcando um recorde histórico de movimentação, com mais de 34 milhões de toneladas. A produtividade dos trabalhadores alcança níveis inesperados pelos adversários.

Ganham força nossos argumentos de que o gargalo produtivo está nos equipamentos, métodos administrativos, sistemas de movimentação de cargas.

Duas eleições importantes para os conferentes aconteceriam naquele ano. A primeira, do presidente da República; a segunda, da direção do nosso Sindicato.

Desde julho, a economia do País estava relativamente equilibrada e a inflação desabara para níveis suportáveis com o Plano Real, elaborado sob o comando do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.

Isso facilita sua vitória, já no primeiro turno, reafirmando o caminho que vinha sendo adotado - entre outros está o compromisso de colocar em prática a lei dos portos. O futuro é incerto.

No Sindicato, são necessários dois turnos, com quatro chapas competindo. Vence o próprio José Tarciso, reeleito para um período que, de antemão, já se afigurava tenso e complicado. Desde a aprovação da lei 8.630, a rigor, os trabalhadores avulsos já não estavam amparados por qualquer legislação - o texto da própria lei dos portos revogava as leis especiais de proteção, caso da Lei dos Conferentes, nossa velha "carta de alforria". Evidente o risco de voltarmos ao passado de um "exército de mão-de-obra fora da lei".

1995 principia sob o signo da dúvida e de um endurecimento sensível em relação ao movimento sindical.

Em relação aos portos, as ações são inesperadas em vários casos. Por exemplo, quando o governo federal muda seus representantes nos principais Conselhos de Autoridade Portuária - CAPs -, entre eles, o de Santos. Nomeia, em cada um deles, o capitão dos portos local que, conforme define a lei, passa a presidir o Conselho.

Cria ainda um Grupo Executivo de Modernização dos Portos - Gempo, com a finalidade de acelerar a implantação da lei. Coloca a secretaria executiva do Grupo nas mãos do contra-almirante José Ribamar Miranda Dias.

Argumenta, frente ao espanto causado pelo que parece ser a entrega da questão aos militares, que foi essa a forma encontrada para evitar que qualquer dos lados em conflito, trabalhadores ou empresários, tivesse prevalência nas decisões.

Uma portaria, a de nº 95, do Ministério dos Transportes, altera os limites do porto organizado de Santos, o que significou, na prática, a liberação dos terminais privativos da Cosipa e da Ultrafértil, há pouco privatizados, para operação com cargas diversas, sem atender os requisitos estabelecidos das relações de trabalho. E mais uma ameaça que permanece pairando sobre a cabeça dos avulsos.

O Órgão Gestor de Mão-de-Obra - OGMO - de Santos é instalado, sob protesto dos estivadores e avulsos e dos setores sociais que se preocupam com a possibilidade do desemprego e da crise social.

Durante todo o período, também para os patrões as coisas mudaram. O Sindicato Nacional que os representa é virtualmente desmontado, para surgirem sindicatos estaduais, reunidos agora na Federação Nacional dos Operadores Portuários - Fenop.

É com base na legislação sindical, que exige autorização dos sindicatos regionais para que a Federação possa negociar em seu nome, que os operadores portuários escusam-se de negociar nacionalmente o acordo de garantias mínimas previstas na própria lei. "Não temos autorização dos sindicatos para negociar", sustenta a Fenop.

Uma greve nacional de dois dias, em março, consegue paralisar totalmente todos os portos brasileiros, exigindo a abertura de negociações nacionais, mas não resolve o impasse. Mostra força do movimento dos trabalhadores dos portos, mas é só isso.

O caso vai parar no Tribunal Superior do Trabalho - TST -, que vinha tendendo a sentenças políticas cada vez mais freqüentes. Sua sentença, declarando-se incompetente para decidir a questão, sinaliza por entendimentos regionais.

Dentro da própria categoria há divergências. Um grupo de 144 conferentes havia ingressado com uma ação no Supremo Tribunal Federal - STF -, pedindo a declaração de inconstitucionalidade da lei 8.630; há discordâncias quanto ao termo a ser empregado em relação às negociações de garantias mínimas - segundo essa visão, a figura do "Contrato Coletivo de Trabalho" não teria amparo legal, o que facilitaria a supressão de direitos adquiridos.

O STF arquiva a ação, mas em sua sentença reconhece a existência de direitos adquiridos.

Na prática, entretanto, uma Medida Provisória, a de número 1.053, estabelece a desindexação dos salários e revoga artigos da lei 8.542, que desde 1992 previa que os itens da convenção ou acordo coletivo vigente seriam os patamares para a celebração do acordo ou convenção seguinte.

Isso significava, apesar dos protestos gerais, que, a cada acordo, tudo teria de ser novamente discutido e confirmado. Ou seja, estavam equiparados acordos, convenções ou contratos coletivos. A regra tornara-se única.

Em julho, os conferentes tomam uma decisão audaciosa: aprovam em assembléia a abertura de negociações regionais com o Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo - Sopesp. Aprovam na condição de que sejam discutidos itens que não interfiram na negociação de garantias mínimas nacionais para as categorias avulsas.

O presidente José Tarciso já trabalhava nesta perspectiva há alguns meses, entendendo que seria esse o caminho a ser adotado.

Durante um seminário promovido pela Prefeitura de Santos, num painel sobre a questão trabalhista, defende o caminho regional e, em sua conferência, lança as bases do que seria necessário estabelecer através de negociações.

As dúvidas ainda eram muitas naquele final de julho, quando iniciamos as conversações. O Porto de Santos estava sob intenso questionamento de sua qualidade e custos - sobre as costas dos trabalhadores, mais uma vez, lançava-se o peso da ineficiência.

O grande escândalo das empreiteiras

Apesar do reconhecido sucateamento dos equipamentos portuários, com guindastes que datam das primeiras décadas do século (N.E.: século XX), provocando acidentes e reduzindo a produtividade, não foi esta a prioridade do governo em relação ao porto. Em agosto de 1986, a Portobrás anunciava para breve o início das obras de ampliação do trecho do cais Paquetá-Valongo, entre os armazéns 1 e 12. Alegava que a obra era "de grande prioridade para a economia do Estado e de todo o País".

Segundo o então presidente do Sindicato dos Conferentes, José Bartolomeu, a um custo de 300 milhões de dólares, era um projeto faraônico, feito pelas próprias empreiteiras, de olho nos resultados financeiros. "Custaria 15 vezes o valor do Terminal de Contêineres, que custou 20 milhões de dólares; o terminal da Cutrale custou 25 milhões", afirma José Bartolomeu.

Queriam aumentar fisicamente o porto, como se não existisse espaço ocioso, enquanto o problema principal era a falta de equipamentos.

"Cerca de dois milhões de toneladas anuais de soja em grãos e de pellets agrícolas deixaram de sair por Santos, por incapacidade técnica. A movimentação de contêineres na margem direita é prejudicada pela falta de equipamentos. Um porto desequipado. E desejam injetar 300 milhões de dólares para ampliá-lo, não tecnicamente, mas fisicamente", denuncia Bartolomeu.

A questão tem repercussão na Câmara, que encaminha telegrama para o presidente José Sarney, pedindo o reestudo do projeto Valongo-Paquetá. O Legislativo santista destaca que três das quatro empreiteiras que haviam formado um consórcio para a obra estavam envolvidas no escândalo do superfaturamento da construção da ferrovia Norte-Sul. A Christian-Nielsen era a única que estava limpa; as demais, Constram, CBPO e Mendes Jr., não só haviam superfaturado a obra, como ganharam a concorrência antes dela acontecer.

Em Santos, as empresas também não perderam tempo. Antes mesmo dos contratos serem assinados, já haviam iniciado as obras nos 2.250 metros de cais previstos para o Valongo-Paquetá.

Foi através do jornal O Conferente que a questão ganhou expressão. A obra foi cancelada, mas, antes disso, 70 milhões de dólares foram enterrados.

A travessia do Plano Collor

Foi a antipatia pelo Latim que trouxe Ricardo Wagner Vilarinho para o cais, em 1969. Caso contrário, ele seria advogado, para o que se preparava no início dos anos 60. Seguindo os passos do pai, Hermínio Vilarinho, que fora diretor do Sindicato dos Estivadores, Vilarinho começou sua vida sindical em 1973, participando em chapas encabeçadas por amigos. Sua eleição só aconteceu mesmo quando ele resolveu ser o candidato principal de uma chapa.

Sucedendo José Bartolomeu, Ricardo Vilarinho dirigiu o Sindicato dos Conferentes entre 1988 e 1991. Em sua gestão, multiplicaram-se as ações trabalhistas contra agências: foram mais de 200. Foi também quando se conseguiu a atualização das importâncias pagas ao sindicato (13º salário, férias e devolução do excesso de contribuição à previdência).

Mais importante: o primeiro acordo coletivo direto com os patrões, cujo dissídio havia sido iniciado no final da gestão Bartolomeu. O que era da Superintendência Nacional da Marinha mercante, extinta, tivemos que fazer diretamente.

Pelo acordo feito, aos conferentes recuperaram as perdas e receberam um aumento real de mais de 11%. O acordo amenizou o choque com a chegada do Plano Collor, em fevereiro de 1990, quando os salários em geral perdem cerca de 84% com a inflação que desapareceu em meio às contas da ministra Zélia Cardoso de Melo.

Com o fortalecimento financeiro do Sindicato, inicia-se uma fase de aumento dos bens patrimoniais. Resgatamos o direito, adquirido em 1967, de receber o pagamento em 24 horas depois do trabalho. Acontecia que o dinheiro ficava, em média, 45 dias nas mãos do empregador, o que em tempos inflacionários causava uma tremenda corrosão salarial. Eles pagavam só com o rendimento do capital. Nós então aprovamos em assembléia que iríamos pegar esta rentabilidade, aplicando-a em bens de uso comum.

Foi também o momento do início da luta contra o Projeto de Lei nº 8, que pregava a modernização dos portos através do desemprego e da extinção dos avulsos.


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A luta contra o PL/8 chega às ruas de Santos e torna-se uma questão política e social explosiva

O ano de 1990 foi tenso para os conferentes e todos os demais trabalhadores dos portos de todo o País. Em Santos as manifestações contra as propostas desregulamentadoras, afinal sintetizadas no Projeto de Lei nº 8, unificaram a luta de avulsos e portuários.

Ninguém é contra a modernização dos portos e atividades de movimentação de cargas. Pelo contrário, os próprios trabalhadores exigiam mudanças já há vários anos. Mas a maneira como se procurou realizar as mudanças, sem participação, sem diálogo, sem preocupação com os que mantinham a movimentação apesar do sucateamento, não podia ser aceita.


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A jornada da modernização

Nascido em Ribeirão Preto, em 1947, José Tarciso Florentino da Silva ingressou na categoria no concurso de 1973, no grupo dos Campineiros. Ele vinha realmente de Campinas para Santos, na ocasião, como militantes do Partido Comunista. As primeiras leituras de teoria marxista fez na Escola Preparatória de Cadetes do r, escola da Aeronáutica de Barbacena (MG). Havia abandonado a Faculdade de Engenharia de Alimentos, na Unicamp, quando prestou o concurso para Conferente.

O início da sua participação sindical se deu nos grupos de oposição que levariam à renovação da direção da entidade, em 1982. Chegaria à presidência em 1991, num momento especialmente difícil. COmeçava a definição sobre a Lei dos Portos e anunciava-se com turbulento período de mudanças dramáticas.

Os trabalhadores dos portos, especialmente os avulsos, foram apontados como os principais responsáveis pela ineficiência e custos elevados. Seriam, então, os inimigos da modernização dos portos, de eficiência e baixos custos.

A Lei 8.630, a Lei dos Portos, acabaria aprovada garantindo que as relações de trabalho passariam a ser disciplinadas por um acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho. Não saiu da maneira como pretendiam os interessados em tornarem-se operadores portuários.

Reeleito em 1994, as dificuldades enfrentadas neste novo período têm um novo caráter. Agora é o jogo dúbio dos operadores, que sempre se recusam a negociar o documento que criará os parâmetros para as relações de trabalho; a ausência de projetos claros para o Porto de Santos e de políticas para os trabalhadores que deixarem o cais.

Tarciso diz que tem se empenhado em demonstrar que não se poderá realizar nada duradouro e realmente importante para o País, se as mudanças não forem economicamente viáveis e socialmente justas. "É o mesmo tom que tenho mantido desde a época da tramitação da lei dos portos. E continuarei mantendo, apesar de algumas incompreensões".


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Os trabalhadores buscaram fazer do diálogo um antídoto às pressões do poderoso lobby empresarial

As discussões em torno do chamado "projeto de modernização dos portos" consomem redobrados esforços nas mesas de negociação que, além do Congresso envolvem diretamente o governo, através do ministro do Trabalho, Walter Barelli.

A maior parte dos grandes meios de comunicação apóia as pressões empresariais por uma reformulação selvagem da política de emprego dos portos. Utilizam espaços imensos para tentar demonstrar que o salário dos trabalhadores avulsos seriam os responsáveis pelas dificuldades dos setores exportadores e importadores de mercadorias.

Fizemos do diálogo o anteparo a essas pressões, mas é indiscutível que, naquele momento, perdemos a batalha da comunicação. Congressistas dóceis às intenções empresariais apressam-se em definir a questão, mas a lei não sai como pretendiam.

Abrem-se brechas importantes que se tornam o novo campo de batalha desses novos tempos. Resistência e perseverança são palavras-chave.


Nosso presidente José Tarciso fala na tribuna do Senado

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Flagrantes das negociações feitas diretamente com o governo federal

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Barbaridades superam as do período militar

Amigo Orlando, surpreso com teu interesse em entender o que está acontecendo, concluí que estava completamente desatualizado. Acreditei que, tendo terminado o ciclo de ditaduras militares, iniciado em março de 1964, com o poder sendo exercido pelos civis, os direitos dos cidadãos seriam respeitados e poderia, tranqüilamente, gozar minha aposentadoria. O teu pedido me alertou a ponto de concluir que os militares foram mais gente, mais humanos e respeitosos que os civis.

Pelo que passei com o regime militar, esta minha afirmação colocou tua cabeça rodando no espaço. Desculpe. Permita, como justificativa, uma explicação.

Em 1964 os sindicatos ficaram sob o comando de representantes dos militares, foram cometidas as maiores barbaridades. Na CDS, um tal de "Mão no Bolso" colocou na rua mais de uma centena de trabalhadores. Em contrapartida, o capitão-de-mar-e-guerra Júlio de Sá Bierrenbach, como capitão dos portos e delegado do Trabalho Marítimo, não cancelou matrícula dos avulsos, nem mesmo daqueles que eram seus prisioneiros no navio Raul Soares. Resistiu a todas as pressões dos interventores civis, como os do nosso sindicato, que forçaram para que a minha matrícula e a de Aldo Ripassarti fossem canceladas. Não faltaram, na época, apelos para que os sindicatos de Avulsos e Portuários fossem extintos. Os militares não cederam.

Calma, amigo, sei que você quer que eu lhe fale da modernização dos portos, esse termo empregado para tornar conhecido o PL-8, hoje lei 8.630. A "modernização" foi instilada no povo brasileiro por uma lavagem cerebral, que consumiu milhões de dólares, para beneficiar alguns usuários do porto, predominantemente multinacionais.

(...) Não houve, Orlando, a tal modernização dos portos, esqueça. Houve, sim, modernização do capital dos portos. (...) Mas ainda teremos mais eleições e, com elas, a possibilidade de trocarmos de traidores. O medo e a covardia tornam alguns homens vitoriosos. Os vencidos, com honra e dignidade, perpetuam o direito de sempre relembrar a verdade.


Trecho de uma das Cartas ao amigo Orlando, de Orlando dos Santos, em O Conferente, de fev./93