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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE!
Centenário de uma greve histórica

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Em 1908, uma greve por 27 dias dos carregadores de café foi considerada a mais violenta já registrada no porto santista, com oito mortos e cerca de cem feridos. Ao se completar 100 anos dessa paralisação, o jornal santista A Tribuna registrou, em 7 de setembro de 2008, na página A-17:


Defendendo a implantação do regime de oito horas de trabalho, os carregadores de café iniciaram uma greve que paralisou toda a cidade

Foto: Fundação Arquivo e Memória de Santos, publicada com a matéria original

MEMÓRIA

Os 100 anos de uma greve histórica

Paralisação iniciada pelos carregadores de café em 1908 é considerada a mais violenta já registrada no porto de Santos

Joaquim Ordonez

Editor de Sindical

Eles foram chegando sem grande alarde e atracaram como se fossem cargueiros comuns, trazendo, porém, o prenúncio de dias agitados no porto e na Cidade. Primeiro foi o cruzador Gustavo Sampaio. Depois, da mesma forma, aportaram os couraçados Deodoro, Floriano e Riachuelo, todos trazendo centenas de fuzileiros navais e praças de cavalaria, fortemente armados, prontos para entrar em ação. Tudo isso para controlar a rebeldia da classe operária naquela que é considerada até hoje a greve mais violenta da história do Porto de Santos. Foi há 100 anos, mais precisamente entre os dias 9 de setembro e 6 de outubro de 1908, período em que não apenas o complexo portuário, mas toda a Cidade ficou ameaçada.

Conforme os relatos da época, perenizados por historiadores em livros e outros documentos, o cenário no porto assemelhava-se ao de uma praça de guerra, de um estado de sítio ou qualquer outra situação nebulosa como as vividas no período da ditadura militar. Foram 27 dias de pura tensão que culminaram com pelo menos oito mortos e centenas de feridos nas várias batalhas de rua e com inúmeras prisões de trabalhadores que ousaram enfrentar a repressão.

Não foi a primeira greve no cais santista - houve duas antes, uma em 1897 e outra em 1904 - mas foi a mais violenta de todas. Foi também a primeira vez que o porto teve seu movimento comercial completamente paralisado, a ponto de ficar mais de 10 dias sem efetivar a venda de uma única saca de café.

A turbulência da greve afetou também A Tribuna, que teve sua impressão suspensa por um período de sete dias. Em sua edição do dia 15 de setembro de 1908, no noticiário a respeito do assunto, o jornal publicava um panorama da situação na cidade e defendia a reivindicação dos operários pela jornada de 8 horas diárias.

O texto dizia: "O dia esteve frio. Em diversas horas do dia houve correrias pela cidade provocadas pela polícia. Os operários continuam firmes, não cedendo diante da abominada atitude da Docas que lhes não quer conceder, como deveria, as oito horas de trabalho".

O movimento iniciado pelos carregadores contou com a solidariedade de várias categorias de trabalhadores, como carroceiros, estivadores, trabalhadores na construção civil, têxteis, funcionários do Moinho Santista e da limpeza pública, condutores e cobradores de bonde, empregados do matadouro e padeiros, entre outros. Segundo historiadores, as manifestações de rua reuniram mais de 7 mil pessoas.

Número

7 mil

 trabalhadores participaram das manifestações de rua

 

Oito horas - O principal motivo da greve foi a introdução do regime de oito horas de trabalho, já adotado em vários outros portos do exterior, mas não respeitado aqui. Os operários chegavam a trabalhar até 15 horas por dia e, por isso, a redução da jornada ficou sendo a bandeira de luta dos anarco-sindicalistas que atuavam no cais santista, onde, na época, predominava a exportação de café.

A Associação Comercial de Santos ainda tentou mediar, pedindo o restabelecimento dos serviços na estiva, mas já era tarde demais. A desordem já predominava na cidade. De acordo com os registros da entidade, paredistas atacaram armazéns, vaiaram a polícia, atravessaram cercas de arame nas ruas e atiraram duas bombas entre os armazéns 1 e 2 deixando pessoas feridas e provocando danos materiais.

Derrota - Muito se falou, durante esse período, em subversão da economia nacional, associando-se a questão das 8 horas de trabalho ao programa socialista que se pretendia instalar no País. A Companhia Docas de Santos (antecessora da Codesp na administração do porto), por sua vez, foi acusada de oprimir os trabalhadores e de atemorizar o povo com o enorme aparato policial militar montado para reprimir os manifestantes.

O fato é que, após 27 dias de incertezas, sacrifícios e tensão permanente, a greve foi encerrada com a fragorosa derrota dos trabalhadores, já totalmente fragilizados, que continuaram recebendo os mesmos 60 réis por saca de café carregada, durante 10 e até 15 horas diárias de serviço.

Apesar da união e do esforço incomum dos trabalhadores que ousaram enfrentar a poderosa Companhia Docas, as 8 horas não foram conseguidas com a greve daquele ano. Mas, a partir daí, a implantação do regime no País iria ser apenas uma questão de tempo.


Os carroceiros também participaram da batalha contra a Cia. Docas

Imagem: reprodução, publicada com a matéria original

Repressão espalha pânico na Cidade

Dois fatos são apontados como responsáveis diretos pelo acirramento dos ânimos durante o período da greve. Um deles, conforme relatam alguns historiadores, foi a intransigência da Companhia Docas de Santos, que chegou ao ponto de não reconhecer a existência do movimento, apesar do clima de tensão que havia se espalhado por toda a Cidade. O outro motivo, da mesma forma consistente, foi a chegada de um número expressivo de fura-greves, homens recrutados nas fazendas da Docas e do Rio de Janeiro, os quais, sob a proteção da força militar enviada pelo Governo Federal, assumiram o trabalho que era realizado pelos grevistas.

A revolta com essas atitudes da empresa foi geral e paralisou praticamente toda a Cidade, que ficou declaradamente a favor da greve.

A respeito do comportamento da Companhia Docas no episódio, a pesquisadora Maria Lúcia Caira Gitahy transcreve uma citação nada elogiável, em trecho de seu livro Ventos do Mar, que faz uma abordagem dos movimentos sociais e trabalhistas ocorridos na Cidade no início do século passado.

"A Cia. Docas gozava de grande antipatia em Santos. Seu apelido era O Polvo. Uma empresa que era a vida da Cidade, mas que tinha sua sede no Rio de Janeiro, junto aos corredores do palácio, não poderia ser bem vista. Pelo contrato de concessão, estava isenta de impostos".

A Tribuna, em seu noticiário do dia 11 de setembro de 1908, dizia: "Nesta questão da greve, a culpada é a Companhia Docas. Esta absolutamente não quer ceder. E, audaciosamente, diz que não admite pessoal estranho ao trabalho e que, garantindo-se com forças, normalizaria o serviço".

O noticiário, que também citava agressões a policiais com tiros e pedras na Rua Xavier da Silveira, com o conseqüente revide e a prisão dos agressores, era completado com a informação da chegada de reforço policial para conter as manifestações de rua.

O fato foi assim descrito: "Pelo primeiro trem da manhã chegou de São Paulo mais um reforço de 50 praças, devidamente municiados, sendo 30 de infantaria e 20 de cavalaria. Esses praças entraram logo em serviço, indo os de cavalaria patrulhar as ruas ao longo do cais e os da infantaria, guardar os armazéns das Docas, onde foram postados nas portas, de armas embaladas e de baioneta calada".

Polícia - A prepotência, a truculência e os excessos dos militares que vieram a Santos, para teoricamente garantir a ordem pública, também foram denunciados nas páginas de A Tribuna da época.

Sem meias palavras, o jornal relatou que a greve passaria por uma quase normalidade se o povo não vivesse a todo instante "corrido por uma soldadesca desbragada que espadeira e agita".

E citou que a situação chegou a tal ponto que a polícia teve "o desgosto de se ver ruidosamente vaiada na pessoa de um de seus oficiais que, na Rua XV, ordenava correrias".

A respeito das prisões, segundo o jornal, o abuso era ainda maior. "Prende-se a todo pretexto e até mesmo sem pretexto algum. Prende-se ara dar ao público a impressão de que a situação é grave e perigosa. A cadeia está abarrotada. Os presos vivem lá como se fossem galinhas em capoeiras, como sardinhas em lata".

O tema já havia sido abordado pelo semanário santista Jornal da Orla, na edição de 26 e 27 de julho de 2008:

27/07/2008
Porto-Cidade
Um centenário esquecido

Texto: Mauri Alexandrino / Fotos: reproduções de postais de Laire José Giraud

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Costuma-se dizer que a vitória tem muitos pais e a derrota é órfã, o que talvez explique o quase esquecimento do centenário da grande greve pela implantação das 8 horas de trabalho diárias, de 1908. Foi uma derrota fragorosa dos trabalhadores, frente a uma repressão desigual e a mais violenta da história santista. Mas o tempo e a continuidade das campanhas levaram às relações de trabalho que se instituíram depois. Como diz Chico Buarque, esqueceram uma semente nalgum canto do jardim. A história das conquistas sociais muitas vezes se dá assim.

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Foi em setembro de 1908, dia 9, que tudo começou. Não que não houvesse reivindicações de estabelecimento da jornada de 8 horas diárias, desde o início do século isso estava em pauta. Mas o movimento operário, segundo contam os historiadores, havia refluído muito nos grandes centros.

Já em Santos foi o ano do grande choque que repercutiu pela país inteiro. Não por acaso. A economia do Brasil era tocada a café, e café era com o Porto de Santos. Oito milhões de sacas foram embarcadas naquele ano — para se ter uma idéia, hoje, cem anos depois, o porto embarcará 14 milhões. Quando os carregadores do porto decidiram parar de trabalhar, pararam o motor do país.

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Foram 27 dias de greve, que se estendeu ao resto do porto, depois ao resto da cidade, depois... Uma armada inteira, com um cruzador e três couraçados, chegou ameaçadoramente a Santos e preparou-se mesmo para bombardear a cidade em caso de necessidade. Tropas, armas — a violência sem limites causou 8 mortes, mais de uma centena de feridos, 800 presos, trabalhadores estrangeiros deportados sob acusações vagas e sem defesa. Tudo em 17 enfrentamentos  de rua. As sedes das organizações operárias foram invadidas e ocupadas.

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Tão exagerada foi a ação do governo que mesmo os embaixadores de Portugal e Espanha postaram-se, por vários momentos, ao lado dos grevistas, através de protestos formais — enquanto manifestações de apoio ocorriam em São Paulo e, principalmente, no Rio de Janeiro, a greve de Santos virou um problema diplomático e passou a complicadas negociações que arrastaram para o centro do furacão, desde as entidades de classe até a Associação Comercial e toda a política da cidade.

Foi muito certamente, por exemplo, o único período em cem anos em que a impressão do jornal A Tribuna foi suspensa. Demorou 7 dias para voltar às ruas. O diário popular A Vanguarda praticamente foi parar na clandestinidade.

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Ao longo dos 27 dias, a greve foi o grande assunto brasileiro e a Federação Operária Local de Santos - FOLS -, uma espécie de central sindical da época, mais a Internacional, uma dissidência socialista da FOLS, tornaram-se siglas freqüentes nas conversas e nos despachos telegráficos que eram transmitidos ao Rio e a São Paulo. Foi a primeira greve a receber cobertura contínua e intensa da imprensa nacional.

Foi uma explosão. A questão da jornada de trabalho representou as angústias gerais. Os trabalhadores do porto viviam em condições miseráveis, morriam mais de varíola, tuberculose e malária que de velhice. A cidade tinha 60 mil habitantes e o analfabetismo imperava — ia além dos 70%, a pior do país na ocasião.
Dia 1º de outubro, derrotados, os trabalhadores voltaram ao cais do porto.

Talvez seja apenas a lógica da história, sempre contada pelos vencedores. Existem poucos estudos, embora valiosos, mesmo passado tanto tempo.

Não se conhece com certeza o nome dos caídos nessa greve ou dos deportados, eles não têm estátuas, nenhum monumento aos vencidos.

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