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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012
Os imigrantes - 2012 [4 - Italianos]

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Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 3 de setembro de 2012, na página A-8:


Imagem publicada com a matéria

Um país chamado esperança

Como no século 19, os imigrantes italianos pós-Segunda Guerra buscam no Brasil a chance de uma nova vida

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Avenida Bernardino de Campos, primeira metade dos anos 60. Acenos na sacada de um sobrado, respondidos com sorrisos no ponto de ônibus em frente, selaram duas vidas e evitaram grandes incertezas. Pois, para uma imigrante italiana, unir-se a outro imigrante italiano era uma questão de segurança. Se casasse com um brasileiro, seria mais difícil convencer o marido nativo a se mudar em definitivo à Itália – um sonho difuso que não era descartado por muitos italiani, nos primeiros anos na nova terra.

Assim, quando Lívia Ferrante, manhã após manhã, levantava o braço e cumprimentava Domenico Antonio Di Iorio, não via somente um italianinho simpático. Enxergava alguém com uma vida parecida com a sua. Um roteiro que começara na pequena cidade de Colletorto, no centro da Itália – de onde ambos são oriundos -, e acabara em Santos.

"Tem 3 mil habitantes lá. Mas se calcula que existam 8 mil pessoas de Colletorto pelo mundo", comenta Domenico. E o mundo é grande. Tão grande que o Brasil figurava tímido no mapa das preferências dos imigrantes italianos do pós-guerra – a maioria, jovens com poucas perspectivas de sobrevivência. Os destinos prediletos desse contingente eram os Estados Unidos e a Argentina.

Lívia e Domenico, com 65 e 77 anos, respectivamente, já tinham família por aqui e foram exceções. Aliás, não fosse Domenico ir todo dia ao Centro almoçar no então tradicional Restaurante Roma, na Rua Frei Gaspar, de propriedade de sua tia, ele não pegaria o ônibus. Portanto, os sorrisos de um e os acenos da outra não teriam saído do reino da fantasia. Com isso, tampouco existiriam as duas filhas e os quatro netos do casal – os seus maiores tesouros, como cabe a toda famiglia italiana.


As bandeiras dividem o coração. Mas o nó na garganta vem na hora do futebol: "Quando joga o Brasil, torço para o Brasil; quando joga a Itália, torço para a Itália; quando jogam Brasil e Itália, saio da sala", brinca Domenico. A seu lado, a mulher, Lívia

Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Na alma, a dupla cidadania – Os olhos de Lívia brilham ao descrever a neta de 6 anos querendo ajudar a nonnina (vovozinha) a preparar a massa dos taglierinis, lasagnes, cannellonis, rondellis, tudo sempre fresco. A tradição cruza as gerações. Um dia, a neta também saberá preparar o molho – de tomates maduros, pimenta-do-reino branca, alho, cebola e manjericão. Herança da mãe, que Lívia trouxe consigo no navio Eugenio C, quando imigrou, em 1960.

A família era de agricultores. Ela acabara de perder o pai. Aos 13 anos, partiu com uma irmã mais velha, para encontrar outra irmã, mais velha ainda, que já tinha uma vida estabelecida em Santos. Lívia veio, não voltou tão cedo. E nunca mais viu a mãe. Enquanto o símbolo de sua origem era engolido pelo passado, o Brasil despontava no horizonte. Do País, o primeiro vislumbre veio na forma de confete e serpentina, ainda na segunda classe do navio. Era época de Carnaval e a festa continuou depois do desembarque, já na casa da irmã – a da Bernardino de Campos. "Os blocos passavam na porta", relembra.

Domenico veio só, seis anos antes, em 1954. Chegou sem Carnaval ou pompa, em maio. Três meses depois, assistiu ao suicídio de Getúlio Vargas. "Pensei em ir embora", mas, como já estava empregado na afamada alfaiataria de Urbano Ferrari (italiano), na Av. Senador Feijó, ficou.

A esse emprego somou-se outro, no Banco Lavoura de Minas Gerais, na Praça Rui Barbosa. Aliás, a Rui Barbosa era um ponto de encontro dos italianos, para um dedo de prosa, ao longo do dia. Quando não era isso, nas folgas, Domenico dava um pulinho no Cinema Paramount, ao lado da Igreja do Rosário. Sua casa? Já foi um quarto alugado, na Rua Carlos Gomes, no Campo Grande – o bairro que congregava a maior parte da colônia, nessa época. Outra parte se fixou na Ponta da Praia.

Hoje, Domenico se dedica integralmente ao Patronato ACLI (Associação Cristã dos Trabalhadores Italianos), de assistência social a compatriotas. Também é presidente da Società Italiana di Santos. De uma intensa atuação na colônia, Domenico desfrutou de momentos ímpares, que talvez lhe fossem vedados se nunca houvesse deixado a Itália. Afinal, o encontro com a atriz Gina Lollobrigida, em visita a Santos, em 1995, é algo impagável. E o que representa, para um italiano apaixonado por futebol, passear pelo gramado da Vila Belmiro com Paolo Rossi, como ocorreu em 1989?

Mas futebol não se restringe ao estádio. É uma metáfora da vida. Domenico, torcedor do Nápoli, exibe orgulhoso a camisa do Santos e fotos com Pelé. Pois se o sangue é italiano, do coração já não sabe a nacionalidade. "Estou há muitos anos aqui. Já me considero brasileira", diz Lívia. É a dupla cidadania, impressa na alma.


Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Vesúvio e Etna – Na foto, pedaços de magma resfriado, trazidos da Itália por Domenico, de dois dos vulcões mais famosos do mundo: o Etna e o Vesúvio. O primeiro fica na Ilha da Sicília e é o mais alto da Europa, com 3.340 metros. Já o Vesúvio, no Golfo de Nápoles, foi o protagonista de uma tragédia sem pré nem sucedentes. Em 79 d.c., uma erupção cobriu de lava as cidades de Pompéia e Herculano, no Sul da península itálica – na época, o coração do Império Romano.

A língua – O português e o italiano são duas línguas com uma raiz em comum – o latim. Portanto, bem parecidas. Justamente por isso, são um prato cheio para mal-entendidos frequentes e hilários. Por exemplo, Domenico indo à padaria e pedindo dez panos (dez pães). Por sorte, não se vendia material de limpeza nessa padaria, e o balconista entendeu o pedido. Em outro caso, uma italiana perguntou ao açougueiro se tinha juízo (miolos de boi). Não só disse que tinha, como ofereceu à italiana dez quilos. E de graça.

O nome não esconde – Os italianos – assim como todos os grandes contingentes de imigrantes – marcaram a Cidade. E os nomes revelam onde, quando e em que foi a influência. De João Éboli, que introduziu os bondes a tração de burro, ao xará João Fracarolli, que fez do antigo Parque Balneário Hotel referência internacional, há um dedo italiano em todas as esferas da vida santista.

Parte se deve a um viés cultural: imigrantes prezavam que os filhos aprendessem uma profissão e chegavam a pagar para os jovens frequentarem oficinas. Assim, foram surgindo grandes profissionais, como carpinteiros, pescadores, marceneiros, sapateiros, alfaiates, músicos e barbeiros.


Cláudio Capurso, em seu escritório no Centro de Santos. Nos objetos, um pouco da sua Itália natal. A seu lado, a cadeira de madeira maciça, pesadíssima, um presente do Consulado Geral de São Paulo, que recebeu o conjunto completo (seis cadeiras e uma mesa) de Edda Ciano Mussolini, filha de Benito Mussolini. Ao fundo, a bandeira da Marinha Italiana, com os brasões das então repúblicas marítimas – Amalfi, Pisa, Gênova e Veneza.

Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Malandragem – Dar nó em pingo d'água não é especialidade brasileira. Para o ex-cônsul Cláudio Capurso, a malandragem de lá é parelha com a de cá. Nesse aspecto, o jogo de cartas scopone scientifico pode ser um bom exemplo. Febre entre os italianos da antiga, é um puro exercício de argúcia, à medida que o afã de amealhar as melhores cartas leva à subversão de algumas regras. Do baralho ao jogo da vida, o próprio Capurso foi vítima dessa malandragem, que nada tem a ver com o crime, mas com criatividade, segundo ele

Tendo chegado ao Brasil em 1951, na companhia dos pais, quando completou 18 voltou à Itália para servir o exército. E acabaria ficando por lá, não fosse um comunicado da mãe, de que estaria às portas da morte. Ele voltou correndo, apenas para encontrá-la sã e corada. "Morreu 50 anos depois", sorri, ao lembrar do artifício da mãe para impor o seu desejo.

"É uma característica latina, de não se apertar diante de uma dificuldade". Só não encontrou uma solução para o acanhamento da colônia italiana, que ele credita à perda dos laços, nas novas gerações. "Fazíamos festas para 400 pessoas. Hoje, não conseguimos reunir 50".

Capurso foi cônsul da Itália em Santos de 1977 a 2002. Também foi presidente da Società Italiana de Santos. Advogado, hoje trabalha, principalmente, em processos de dupla cidadania para descendentes.

Reppublica Italiana (República Italiana)

Capital - Roma

População - 57.110.144 (2011)

PIB - US$ 2,24 bilhões (2011)

Renda per Capita - US$ 37.046 (2011)

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) - 0,842 (muito elevado)

Colônia em Santos - entre 100 e 200 nativos. Mais de 30 mil descendentes. A estimativa é do ex-cônsul Cláudio Capurso.

Datas Nacionais - 2 de junho (fundação da República) e 17 de março (Dia da Unificação do país, em 1861)

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