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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012
Os imigrantes - 2012 [3 - Japoneses]

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Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 27 de agosto de 2012, na página A-8:


Imagem publicada com a matéria

A fina arte do equilíbrio

Os japoneses conseguiram harmonizar a preservação de sua cultura milenar e a integração na nova pátria

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Sushi, sashimi, ikebana, tempurá. As palavras não negam a origem: todas são japonesas. E todas estão nos dicionários… de português.

Em Santos, o dicionário ganha vida: está estampado em restaurantes, faixas, monumentos, placas de rua. Dentre as cidades brasileiras de porte similar, aqui talvez seja o lugar em que as sementes da imigração japonesa mais floresceram. Além do porto, que lhes abriu as portas do País, a razão disso seria um equilíbrio entre a integração e a preservação culturais, especialmente entre as novas gerações.

É o caso da família Norifumi e a religião. Na sala de estar do apartamento, destaca-se um altar dedicado ao xintoísmo, a mais antiga religião japonesa, com raízes que remontam a 2 mil anos. Não está ali por acaso: o altar deve ser colocado no cômodo mais nobre da casa, com a fronte voltada ao Leste. No Brasil, bem como no Japão, o cômodo mais nobre geralmente é a sala de estar.

"Nas famílias mais tradicionais, o pai presenteia os filhos homens, quando saem de casa para constituir a sua própria família, co um altar do tipo. Este está comigo há uns 34 anos", conta o patriarca Sérgio Norifumi Doi, atual presidente da Associação Japonesa de Santos.

A religião xintoísta deriva de relatos históricos e mitológicos japoneses, compilados nos livros Kojiki, do ano 712, e Nihon Shoki, de 720. No primeiro, conta-se dos kami, deuses primordiais. Cada um deles refere-se a um aspecto da vida e da natureza. "Você tem até o deus para o telhado de uma casa. Se você for mexer no telhado, pede ajuda ao deus correspondente", ensina Norifumi.

Veneração aos antepassados – Muda o ambiente, surge uma nova religião. Da sala de estar à cozinha dos Norifumi, uma porta separa o xintoísmo do budismo. Em um canto da mesa, está o altar, preto e dourado – na verdade, uma casinhola, onde ficam as fotos dos antepassados e descendentes falecidos.

O budismo nasceu na Índia e chegou à Terra do Sol Nascente pela China. No Japão moderno, há quatro grandes correntes: Zen, Terra Pura, Xingom e Nichiren – a praticada por Sérgio, a esposa e o filho. E, em sua prática, incluem a oferenda diária, ao pé do altar, antes das refeições: pode ser chá, na hora do café da manhã; ou arroz, no almoço. Ou, ainda, algo de que os familiares lembrados ali apreciavam em vida.

Na cultura japonesa, a veneração aos antepassados transpõe a religião e o círculo familiar. Estende-se também aos anciãos, verdadeiramente respeitados e cultuados por sua jornada de vida. "Não é porque fiz pós-graduação que sei mais. Sei apenas em um campo estreito. Mas, na experiência de vida, quem nasceu antes sabe mais", explica Norifumi.

Por isso, a Associação Japonesa de Santos promove anualmente, entre setembro e outubro, o Keiro-Kai (Encontro dos Idosos), um almoço com apresentações artísticas, oferecido aos anciãos da colônia com mais de 80 anos. A época não foi escolhida por acaso: no Japão, o Keiro No Hi (Dia do Respeito aos Idosos) é comemorado sempre na terceira segunda-feira de setembro.

Ao Keiro-Kai, justapõe-se o Undo-Kai (Encontro Esportivo), um dia aberto à comunidade toda, cuja tônica são as gincanas esportivas. Não fossem alguns toques típicos – como servir o mandyu, doce à base de feijão – o Undo-kai em nada lembraria uma cultura tão distante. Realizado sempre em 1º de maio, já está na 34ª edição em Santos. A inspiração eram as gincanas realizadas no Japão para comemorar o nascimento do imperador Showa (29 de abril ), mais conhecido como Hirohito. Ele foi o imperador japonês de mais longo reinado: de 1926 até o ano de sua morte, em 1989. "As gincanas pretendem mostrar o conceito de equipe, de que uma sociedade se constrói na colaboração".

Natal e Ano-Novo – Aos 78 anos de idade, dos quais 47 em Santos, o português de Hiroshi Endo ainda é claudicante. "Não tinha tempo de ir na escola, ?", diz, com um sorriso. Ele é um exemplo da última leva de imigrantes japoneses que chegou ao Brasil logo depois do trauma e da crise econômica que se seguiram à Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Endo é da região de Fukushima, aquela que sofreu um desastre nuclear em 2011, na esteira do tsunami que atingiu o Sul do país. Aportou aqui em meados dos anos 60, após viver algum tempo na Bolívia. Em Santos, trabalhou no extinto Banco América do Sul – pertencente a japoneses.

Formou-se então um caldo cultural mais grosso do que o da feijoada que aprendeu a apreciar. Embora budista, nunca ignorou os natais cristãos dos trópicos. Comemorava em família – ele, a mulher e os três filhos – à moda ibérica: com um assado, geralmente porco ou frango, como prato principal.

Mas os anos-novos nunca deixaram de ser à moda japonesa. A celebração dura de três a quatro dias. Na mesa, não podem faltar o moti, um bolinho de arroz amassado, e o ozouni, a sopa desse bolinho de arroz. O altar budista não é negligenciado: são ofertados dois bolinhos de arroz, um em cima do outro, acompanhados de uma laranja e uma dose de saquê – a aguardente japonesa, destilada do arroz. Tudo isso para que o novo ano traga saúde e felicidade, caso a presença de um já não implique a do outro.

Hiroshi nunca pensou em retornar de vez à terra natal – "japonês olha para a frente; quando sai, não volta", diz. A rigidez sinalizada na frase é eco de profundos traços japoneses; indiretamente, é a voz da ordem, do cada coisa em seu lugar tão nipônicos. Talvez Hiroshi nem perceba, mas carrega consigo um paradoxo, já que, no Brasil, sua admiração recai justamente sobre o desprendimento.

"Lá (no Japão), as festas têm hora para acabar. O convite já vem com a hora do início e do fim. No melhor da festa, chega o anfitrião e termina tudo", conta. "Aqui, não. Os brasileiros são mais simples".


Norifumi e o altar xintoísta na sala de estar: veneração cruza as gerações e é uma das marcas da cultura japonesa em Santos

Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria

Dicionário cultural

Artes Marciais – embora também presentes no Ocidente, são uma tradição asiática. No Japão, existem dezenas. As mais difundidas são o sumô, o kendô, o caratê e o judô.

Gueixas – são japonesas que estudam as artes milenares da sedução, dança e canto. Ao contrário da crença, o ser gueixa é uma tradição cultural sem vínculo com a prostituição.

O ABC do sushi – A habilidade com a faca nas mãos parece a de um praticante do kendô. Mas Márcio Okumura, de 40 anos, é apenas um sushiman – como se isso fosse pouco. À frente da Okumura Temakeria e do restaurante do Estrela E.C. – outro reduto nipônico em Santos -, ele ensina como se faz bons sushis e sashimis, as duas estrelas da gastronomia japonesa.

O segredo, claro, está no peixe. "Há toda uma técnica de limpeza, de retirar as vísceras sem macular a carne, nem ficar dando marteladas no peixe ou jogando água, como a gente vê por aí. Aliás, jogar água estraga a carne. Se você notar, o peixe nas casas de sushi não tem cheiro, como em supermercados", explica.

Oriundo de uma família de pescadores – muitos dos primeiros japoneses radicados em Santos eram pescadores e se fixaram na Ponta da Praia -, Okumura começa esse processo ainda na compra do pescado. No barco, usa uma espécie de furador de inox para fazer uma incisão no peixe e verificar a carne por dentro. Assim, escolhe os mais frescos. "O atum é um mistério. Ele chega lindo, mas o estado da carne vai depender do jeito que ele morreu".

Com o peixe fresco e limpo, o corte da carne para sushi e sashimi tem de ser cirúrgico. Para o sushi, por exemplo, um atum de quase 30 quilos exige incisões de quatro dedos, ao longo do comprimento, de cima a baixo. Esses blocos, depois, são cortados no sentido contrário ao das fibras aparentes. "É para ele ficar macio e desmanchar na boca, como na carne de boi".

Embora os peixes mais conhecidos sejam salmão, atum e tilápia, Okumura garante que não há limite de espécie para se fazer sushi ou sashimi. Eles podem ser preparados até com a espinhosa sardinha. "Puxo a espinha do rabo para a cabeça, ela sai quase inteira. O pouco que sobra é pinçado".

A origem do sushi e do sashimi se perde na noite dos tempos. Mas sabe-se que o processo e o gosto mudaram muito. A palavra sushi, por exemplo, significa é azedo, uma referência à forma tradicional, em que o peixe, na verdade, era fermentado a partir do arroz – sendo ambos conservados em sal. Naquela época remota, o arroz era descartado após a fermentação.

O sushi atual nasceu no século 19, por obra do cozinheiro Hanaya Yohei. Era uma forma primitiva de fast food, já que o consumo se dava em qualquer parte e logo após o preparo – sem aguardar a até então tradicional fermentação do peixe.


Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria


Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria


Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria

Tsunodaro – é uma espécie de tonel, utilizado para servir o saquê em dias solenes. São usados em dias de festa. Se pretos ou cinzas, nos casos de funerais.
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
Japão (Nippon-koku)

Capital - Tóquio

População -127.076 milhões (2009)

Língua oficial - japonês

PIB -US$ 5,85 trilhões (2011)

Renda per Capita -US$ 45.774 (2011)

IDH -0,91 (2008) (muito elevado)

Datas nacionais -11 de fevereiro (Dia da Fundação Nacional), 3 de maio (Dia da Constituição).

Colônia na região – no primeiro navio com imigrantes japoneses que aportou na Cidade, o Kasato Maru, em 1908, havia 781 japoneses, contratados pela Companhia Imperial de Imigração. Outros vapores aportavam periodicamente, com mais imigrantes. Até a Segunda Guerra, a Associação Japonesa de Santos guardava os registros do número de japoneses na Cidade. Durante o conflito, com as restrições à língua e aos costumes japoneses em Santos, muitos deles migraram para o Interior do Estado e esse registro se perdeu. Depois da guerra, nenhum levantamento foi feito. Portanto, não há registro anual do número de japoneses e descendentes, na região. As principais entidades surgidas da colônia são Associação Japonesa de Santos, Associação Atlética Atlanta e Estrela de Ouro Futebol Clube.

 
 

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