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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012/13
Os imigrantes - 2012 [21 - Belgas]

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Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 7 de janeiro de 2013, na página A-8:


Imagem publicada com a matéria

Belgas na região. Entre diferenças e saudades

O belga Frans Constant Beeck encontrou aqui uma razão maior para viver: Wilma Aparecida Spirandelli. O amor o trouxe a Santos, mas o país de origem não foi esquecido. Nem alguns dos orgulhos da terra natal, como as batatas fritas, que garante: foram inventadas na Bélgica. Ele é um dos 22 belgas que moram na região - nove em Santos.

Unidos por diferenças e saudade

Das batatas fritas ao costume de carregar somente o necessário, alguns orgulhos da Bélgica. Voltar para lá? Bem, isso não

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Tomem-se do inglês as french fries (fritas francesas, em tradução livre). Aos belgas, o nome com que as batatas fritas se tornaram mundialmente conhecidas tem o sabor de sacrilégio: eles batem no peito e reclamam para si a invenção da iguaria. "Como aqui tem barraca de churros em cada esquina, lá é de batata frita", diz Frans Constant Beeck, de 63 anos. Elas vêm sempre acompanhadas de algum molho, dos triviais ketchup e maionese ao bernaise, não tão conhecido no Brasil. A coqueluche batateira (frita) é tão grande que, em 2008, a cidade de Bruges inaugurou um museu dedicado ao tema.

Pelo que se dá a entender, pode-se afirmar que as batatas fritas são um ponto de convergência nacional, em um país dividido em três regiões, com três línguas distintas (todas oficiais) e que até 1830 não constituía um território independente. O exemplo das barraquinhas de rua das batatas fritas, mencionadas por Frans, é emblemático: dependendo da cidade, elas podem se chamar frietkot, em flamenco, ou friterie, em francês, duas das línguas oficiais do país – a terceira é a alemã. Mas, seja onde for, a batata frita será rigorosamente a mesma.

Frans é de um vilarejo nos arredores de Antuérpia – a maior cidade da região de Flandres, de influência dos Países Baixos. Portanto, ele fala flamenco. Relata um curioso costume regional, de abolir os sobrenomes. Até épocas bem recentes, na informalidade das ruas, as pessoas eram reconhecidas por sua procedência. Assim, ele nunca soube direito o nome inteiro de sua mãe, popularmente conhecida como Maria von Edward von Tist den Brawer. Traduzindo: Maria do Eduardo de Tist o Cervejeiro, referências ao nome do pai, ao lugar de nascimento e à profissão. Por falar em profissão, cervejeiro é o que não falta na Bélgica. Toda cidade que se preze tem pelo menos uma marca, grande ou pequena.

Driblando a saudade - Frans está no Brasil por causa de Wilma Aparecida Spirandelli, de 61 anos. A história do casal beira a ficção (veja ao lado). Mas, na realidade, a convivência de ambos também é com diferenças que surpreendem, encantam, desiludem. Aposentados – ela é professora, ele, bancário –, vivem parte do tempo aqui e a outra parte lá.

Para Frans, é curioso que ela faça questão de falar com os filhos e familiares todos os dias, quando estão na Bélgica. Wilma se defende, afirmando que os belgas conseguem "driblar a saudade da família" de uma maneira impossível ao brasileiro. Ao que Frans justifica: "Sem notícias é que eu dou a notícia. Se ninguém chama para falar, é porque está tudo bem. Me preocupo com minha mãe lá, mas não vou ligar a cada dia. Acho bom ser assim. Cada um constrói sua vida. É mais desligado, não distante".

Faz sentido. E chega-se à conclusão de que não se pode descartar a geometria das relações entre culturas: o que existe é a mesma figura, sob ângulos diferentes.

"É ruim, mas é bom" - Antes de chegar ao Brasil, há quase dois anos, Valèry de Breucker nunca imaginou que alguém pudesse transportar um armário em uma motocicleta, como foi testemunha. Essa criatividade é de certa forma o lado positivo do pintor que contratou para renovar a cor de seu apartamento, mas que realizou o serviço sem cobrir os móveis.

"O jeitinho brasileiro é ruim, mas é bom", é levado a afirmar. Mesmo assim, ele não pretende retornar à Bruxelas, ou à Bélgica, para fixar residência. E isso apesar dos apelos da mulher brasileira e do seu próprio apelo calado – ele teme a violência no Brasil – materializado na filha de 1 ano e sete meses. "O belga nunca está feliz. Tem sempre alguma coisa errada na vida", é o resumo do que o motiva a permanecer por aqui.

À primeira vista, pode-se pensar que Valèry não nutre grande simpatia por seu país e seus conterrâneos. Mas não é bem assim. Como é de se esperar, ele sabe reconhecer e tem orgulho de vários pontos. "Um belga não carrega mais do que precisa" é um dos pontos, enaltecendo um sentido prático que lhe é caro.

Também os descreve como bon vivants, amigáveis, festeiros, mas reclamões. Vivem em uma monarquia, embora não se preocupem tanto com isso, como em outros países da Europa. "Eles não estão nem aí para a família real".

Das saudades que carrega, os mariscos fritos – outro prato tradicional –, os queijos e os frios estão no topo da lista. A lembrança do presunto, especialmente, lhe enche os olhos de brilho e a boca de saliva. Também, pudera: lá, a iguaria não é processada; parece mais um pernil, defumado ou cozido.

Uma típica casa belga teria um pouco de tudo isso, além de uma frigideira, para fritar as batatas, claro, da indefectível cerveja e de uma boa dose de sinceridade. "No Brasil, você tem que passar creme para falar não. Minha esposa diz que eu tenho que tomar cuidado". Uma situação concreta aconteceu durante uma churrascada no prédio em que mora. Ao ser perguntado sobre a cerveja brasileira, Valèry não teve pudores para responder na bucha que não gosta muito. "Ficou um silêncio", ri.

O Brasil já está escolhido e sacramentado por ele para ser o lugar que abrigará o restante de sua vida. Mesmo assim, é impossível se desvencilhar do passado. Pode ser um gosto, um perfume, uma cena. "Para mim, não tem melhor atmosfera do que na Bélgica, no verão, quando está quente. A energia das pessoas é outra. O problema é que quase nunca está quente", sorri.


Frans Constant Beeck e Wilma Aparecida Spirandelli: da troca de cartas na juventude à primeira vez que se viram, passaram-se mais de três décadas. Do encontro, resultou um casamento. Eles dividem suas vidas e seu tempo nos dois países, Bélgica e Brasil
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Das cartas ao encontro - Nem o Brasil nem a Bélgica são lá muito conhecidos pelos contos de fadas. Mas as circunstâncias que uniram Wilma e Frans têm todos os elementos das melhores histórias dos Irmãos Grimm, de Hans Christian Andersen ou, vá lá, das recentes adaptações da Disney para tudo isso. E o melhor: tudo aconteceu de verdade. Começou quando um jovem Frans de 15 anos folheou, em seu livro de inglês, uma seção de endereços para correspondência com o exterior.

Escolheu o de Wilma, que tempos antes seu tio havia pedido não sabia para quê. No final de 1964, quando a primeira carta dele chegou, surpresa, ela descobriu onde seu endereço tinha ido parar. Começou uma profícua correspondência que não cessou nem em 1971, quando Frans se casou. Mas, quando Wilma também se casou, três anos depois, os dois amigos se distanciaram. Além das cartas, tudo o que eles tinham um do outro era uma fotografia de adolescência, ainda das primeiras correspondências.

Seguiram suas vidas, tiveram filhos. Em 2000, Frans ficou viúvo. Quando Wilma perdeu o marido, um ano depois, resolveu reencontrar o velho amigo. Já com o precioso auxílio da internet, a tarefa foi mais fácil do que imaginou. Ainda em 2003, os dois se encontraram ao vivo pela primeira vez – e não se separaram mais.


Muito antes de Napoleão - Curiosamente, uma das mais conhecidas passagens da História belga tem mais a ver com a França do que com a própria Bélgica. Mas a batalha de Waterloo, em que Napoleão foi derrotado em sua sede expansionista, também dá uma boa medida do que passou esse pequeno país do Centro-Norte europeu: ao longo dos séculos, foi pródigo em sofrer invasões. A começar pelos romanos, com Júlio César, em 50 a.C. O nome Bélgica, inclusive, vem de Gallia Belgica, o nome latino da província então anexada pelo império, que abrangia o Norte da França, a atual Bélgica, a Holanda e um pedaço da Suíça.

Com o império romano enfraquecido, no século 5 foi a vez dos francos invadirem o território, que foi dividido em duas partes: uma, a Leste, do lado germânico; outra, a Oeste, onde seria a França. Do século 16 ao 18, o país esteve sob domínios sucessivos, do espanhol ao austríaco, e sofreu a invasão napoleônica. Com a derrota do francês, os acordos do pós-guerra fixaram a Bélgica católica como parte do território holandês, protestante. Assim, pesaram as discrepâncias religiosas, e os belgas clamaram por mais autonomia. Que veio com a independência, em julho de 1830.

Stella e outras - Ela é loira, nascida na cidade de Leuven, famosa, mas não é uma atriz de cinema: Stella é a mais badalada das cerca de 1.500 marcas de cerveja da Bélgica. Como a maioria delas, sua linhagem remonta à Idade Média, mais precisamente a 1366, quando já existia em Leuven uma cervejaria chamada Den Horen (O Chifre), adquirida no início do século 18 por Sebastien Artois. Assim, em 1717 nascia, cheia de saúde, a Stella que se conhece até hoje.

A história da cerveja na Bélgica não seria a mesma, não fosse pelos monges, especialmente os trapistas. Foram eles que introduziram lá a produção. Tanto que, atualmente, dos 171 mosteiros dessa ordem no mundo, apenas sete têm autorização para produzir a bebida. Desses, seis ficam na Bélgica e um nos Países Baixos.


Foto: Shutterstock, publicada com a matéria

Chocolate - Na Bélgica, é uma tradição tão forte quanto na Suíça. Já no longínquo século 17, o País já possuía moinhos para processar o cacau trazido das Américas pelos espanhóis, preparando o chocolate com açúcar de cana, da Ilha da Madeira, Portugal. Posteriormente, com a colonização do Congo, o cacau passou a vir diretamente da África – facilitando a produção em alto nível e as novas descobertas.

Aliás, foi o belga Jean Neuhaus, da fábrica homônima, fundada em 1857, que criou, em 1912, a casca de chocolate. Com isso, abriu caminho para uma delícia tão corriqueira hoje em dia: o bombom. Em média, os belgas consomem sete quilos de chocolate por ano. Mas a produção, imensa, também é exportada mundo afora, gerando uma receita de US$ 2 bilhões anuais.


Foto: Shutterstock, publicada com a matéria

Encontro europeu - Abrigando praticamente todo o corpo administrativo da União Europeia (UE), embora extraoficialmente, a cidade de Bruxelas é considerada a capital da UE (não há uma capital formalizada). A escolha da Bélgica para sediar a maioria das instituições da UE não foi por acaso: deveu-se à posição geográfica central no continente. Bruxelas tem pouco mais de 1 milhão de habitantes.

Reino da Bélgica
Koninkrijk Belgie (neerlandês)
Royame de Belgique (francês)
Königreich Belgien (alemão)

Capital - Bruxelas

População - 10.438.353 (estimativa, 2012)

Línguas oficiais - neerlandês (60%), francês (40%) e alemão (menos de 1%)

PIB - US$ 513,4 bilhões (2011)

Renda per Capita - US$ 38.200 (2010)

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) - 0,867 (muito elevado, 2010)

Datas nacionais - 4 de outubro (independência dos Países Baixos, 1830) e 21 de julho (dia da ascensão do rei Leopoldo I ao trono, em 1831)

A colônia - pelos registros do Consulado Geral da Bélgica em São Paulo, há 22 indivíduos na Baixada Santista, nove deles em Santos.

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