Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0150o1.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 09/17/12 12:06:46
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012
Os imigrantes - 2012 [1 - Portugueses]

Leva para a página anterior

Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 13 de agosto de 2012, na página A-8:


Imagem publicada com a matéria

A dança de uma cultura

Preservação, adaptação: nas asas do tempo, ranchos folclóricos contam a história de como vive um povo, lá e cá

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

As imagens dos santos disputam o espaço exíguo na estante da sala. Tem São Francisco, São Judas, São José e duas de Nossa Senhora - de Fátima e Aparecida. E mais uma meia dúzia de imagens, grandes e pequenas. Mas é a figura do galo de Barcelos, em papelão mesmo, espremida entre a imponência dos santos de gesso, que dirime qualquer dúvida: trata-se de uma casa portuguesa, com certeza.

Maria das Dores Rodrigues de Almeida, de 59 anos, é a dona dessa casa e faz questão de que seja assim. Senão, por que as rabanadas e o pão-de-ló com calda de limão, na mesa posta para receber os jornalistas?

Ela nasceu em Viseu, distrito do centro-norte português, em uma família de agricultores. Tinha oito irmãos. Ironia do destino, insensata lógica da vida. Chame-se como quiser, uma coisa era certa: nos anos 60 e início dos 70, alguém de sua origem passaria muita dificuldade em Portugal. O país emergia da ditadura de quatro décadas de António de Oliveira Salazar, que deixara o país estagnado. A zona rural, em particular, sofrera demais: nessa época, era como se o tempo estivesse parado há um ou dois séculos.

No sofá da sala, sob o olhar vigilante dos santos na estante, está Antonio Fernandes de Almeida, de 67 anos, o marido de dona Maria, e outro de uma corrente de desterros.

Como a mulher, a família de seu Antonio também era agrária - e da mesma região. Além de sofrer o aperto da fome, um homem jovem como ele era poderia acabar seus dias nas então províncias de Moçambique, Angola ou Guiné-Bissau. Eram os tempos das guerras coloniais portuguesas, ou de independência, para esses países africanos. Os jovens portugueses eram então enviados ao front para abafar a insurgência. Se e como voltariam era outra história.

Seu Antonio e dona Maria são dois exemplos típicos dos imigrantes portugueses da onda mais recente, ocorrida entre 40 e 50 anos atrás. Chegaram jovens e com disposição ao trabalho. A qualquer trabalho. Dessa leva, faz parte também o empresário e atual cônsul português em Santos, Armênio Mendes. "Tinha 18 anos. A minha razão (para imigrar) foi a mesma de todos: o Exército e para ter uma condição melhor".

Mas os portugueses existem aqui desde sempre: são um dos pilares da identidade brasileira. Em Santos, sua marca é antiga e profunda. De Martim Afonso e Braz Cubas aos abastados comerciantes do final do século 19 - cujo melhor extrato talvez seja o comendador Manuel Joaquim Ferreira Netto, idealizador dos badalados casarões do Valongo, futuro Museu Pelé -, sua presença na Cidade é visível e, invariavelmente, leva o nome da colônia.

Assim, não é obra do acaso que a Beneficência seja portuguesa, por exemplo. Ou que a segunda agremiação futebolística de Santos também. E que as cores de ambas representem as da bandeira de Portugal.

Mas, se permanecem os símbolos, esvaem-se os significados. É uma regra do tempo que se aplica a tudo - inclusive aos imigrantes. Mudam as tradições, os costumes. Vive-se em uma corda bamba entre preservação e adaptação.

"É doloroso, no início. Depois, você se apaixona. Passa a gostar do Santos F. C., o time da terra, por exemplo. Esquece um pouco dos gostos portugueses", diz Armênio, que na terra natal é torcedor do Sporting.

Em relação a isso, seu Antonio e dona Maria passam por situação singular: de seus três filhos, uma jamais se interessou em mergulhar a fundo na cultura de seus pais. "Mas os outros dois estão desde pequeninos participando dos ranchos", diz dona Maria, em um indefectível sotaque lusitano.

As danças da vida - Na região, segundo o consulado geral de Santos, são sete ranchos, ou grupos, folclóricos - seis em Santos, um em Praia Grande. Os filhos de seu Antonio e dona Maria estão mergulhados em dois deles: o da Associação Atlética Portuguesa, em Santos, e o da Casa de Portugal, em Praia Grande.

Os ranchos reproduzem a vida na dança, para melhor entendê-la. Muito além da diversão, as roupas e os passos já tão familiares aos brasileiros - afinal, quem não conhece o Vira? - reúnem fragmentos do cotidiano rural português de há muitos séculos.

"Na época da vindima ou de uma colheita de milho, as pessoas convidavam os vizinhos para ajudar", explica o filho Antonio Carlos Rodrigues de Almeida, que toca concertina - espécie de acordeão - no rancho da Casa de Portugal e integra o grupo de música portuguesa Filhos da Tradição.

"Chegavam de manhã, tomavam café e iam para o trabalho no campo. No fim do dia, se reuniam para confraternizar, com comida, música e dança".

O costume era reproduzir o que se tocava e cantava na corte. Mas os passos e a temática incorporavam o próprio trabalho na roça. O desfolhar do milho, por exemplo. Depois de colhida, separava-se a espiga das ramas que a envolvem. Vez ou outra, do meio das espigas amarelinhas, surgia uma vermelha - o milho-rei. Rezava o costume que quem o encontrasse podia beijar quem quisesse.

As desfolhadas praticamente não existem mais em Portugal. Mas a tradição persiste na dança. A hora do Xi-Coração (em que os participantes se abraçam), no Vira da Desfolhada, relembra justamente o beijo permitido.

Os trajes tão característicos também reproduzem o cotidiano rural. Há o de trabalho - "feio, folgado e ferrado", como diz Antonio -, cujo avental, pesando quase um quilo, nasce no tear; também há o traje de domingo, fino, com detalhes bordados. E não se pode esquecer dos socos. Sim, os tamancos portugueses existem e são em couro, madeira e tachas.

"Quando estão vestidas a caráter, as mulheres não podem fumar nem beber, pois no passado não era permitido que elas fizessem essas coisas", explica a filha Ana Luiza Rodrigues de Almeida, coreógrafa do rancho da Portuguesa.


A família Almeida: Maria das Dores e Antônio Carlos (em cima); Ana Luiza e Antônio (embaixo)
Foto: Vanessa Rodrigues, publicada com a matéria

Nova imigração

Há em curso uma nova onda imigratória de Portugal para o Brasil. E ela tem a cara da imigração brasileira para Portugal, nos anos 90: gente com qualificação, que não consegue inserção satisfatória no mercado em seu país. Embora nascida no Brasil e de pais portugueses, a arquiteta e engenheira Rosemeire Fernandes Nunes Ali, de 46 anos, morou 14 anos em Leiria, antes de retornar, há um ano e meio.

"Trabalhava com obras públicas, que começaram a rarear, com a crise. Meu marido, arquiteto, tinha aceitado uma proposta e já estava aqui. Então, voltei". Não é um caso isolado e nem se restringe à construção civil: uma filha de Rosemeire se casou recentemente em Portugal, mas o genro, da área de informática, não consegue trabalho. "Ele está desesperado, pensando em migrar".

Desde que chegou, Rose está em São Paulo e trabalhando na sua área - ao contrário dos brasileiros imigrantes de então, que deixavam de lado a qualificação e abraçavam o que viesse, pela sobrevivência.

Foto: Vanessa Rodrigues, publicada com a matéria

Galo de Barcelos - O famoso galinho português foi popularizado nas casas brasileiras, nos anos 80, como galo do tempo - aquele que mudava de cor conforme as variações da umidade do ar. Mas a lenda do galo original é fantástica e bela. Aconteceu há muito tempo na cidade de Barcelos, no distrito de Braga, de um homem acusado de homicídio ser condenado à forca, apesar de jurar inocência. Antes da execução, pediu para ser levado à presença do juiz que decretara a sentença. Chegou na hora em que o magistrado se banqueteava com alguns amigos.

O condenado, então, proclamou ser tão certa a sua inocência quanto o galo do banquete levantar e dançar, durante o enforcamento. O juiz ignorou o apelo. Mas, instantes depois, no momento em que o homem era enforcado, o galo se levantou e dançou. O juiz percebeu o erro, correu até a forca e constatou que o condenado foi salvo graças a um nó mal feito na corda.

Fado

A palavra diz tudo: do latim fatum, destino. Seria como o destino da nação portuguesa, onde quer que ela esteja. Destino que se desenrola a partir da melancolia das notas musicais da guitarra portuguesa - por excelência, um dos dois instrumentos do fado. O outro é o lamento da voz humana.

A origem do fado é incerta no tempo e no espaço. Acredita-se que o fado lisboeta derive diretamente dos cânticos muçulmanos: outras teorias sugerem até que seja brasileiro, com raízes no lundum, música dos escravos. Os temas recorrentes do fado são o amor, a tragédia, as dificuldades da vida e a saudade.

Dois nomes se destacam no imaginário fadista português: o de Maria Severa (1820-1846) e o da mundialmente conhecida Amália Rodrigues (1920-1999).


Foto: Vanessa Rodrigues, publicada com a matéria

Na cozinha - Dizer que a culinária brasileira tem uma base portuguesa é chover no molhado. Mas daí a afirmar que "tudo é igual" vai um abismo. Na simbiose das duas cozinhas, as grandes diferenças estão nos detalhes.

"O bacalhau, assado no forno, lá é com azeite e temperos, apenas. No Brasil, já se coloca batata, cebola, pimentão", compara José Paiva, oriundo do Porto, no Brasil desde 1985 e proprietário do restaurante Quinta da XV. E ele vai além dos exemplos: o caldo verde brasileiro recebeu um pedaço de linguiça ou de costela. O português se contenta com uma rodela de salpicão.

E, quem diria, a dobradinha típica teria nascido das Tripas à Moda do Porto, um prato com duas origens históricas presumíveis, ambas envolvendo escassez e guerra - daí o uso das tripas de porco. Já o bolinho de bacalhau, em Portugal, é como a vingança: um prato servido frio. "Quando está quente, as papilas gustativas não conseguem discernir os temperos", explica Paiva.

Do bacalhau à feijoada: a versão mais difundida dá conta de que teria nascido na senzala, a partir dos restos da carne da casa grande. Ledo engano. A feijoada - mistura de feijões e carne de porco - é um prato típico não só português, mas presente em vários países da Europa. A diferença, no Brasil, é prepará-lo com o feijão preto, oriundo das Américas.

Portugal (República Portuguesa)

Capital: Lisboa

População: 10.516.614 (2011)

Língua oficial: português

PIB: US$ 229,3 bilhões (2010)

Renda per Capita: US$ 21.558 (2010)

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): 0,809 (2011), muito elevado.

Datas nacionais: 25 de abril (celebração da Revolução dos Cravos), 10 de junho (Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas), 8 de dezembro (Dia da Imaculada Conceição, padroeira de Portugal).

Colônia na região: cerca de 38 mil pessoas registradas, na Baixada Santista e no Vale do Ribeira, com estimativa de 90 mil, caso os descendentes obtenham dupla cidadania. Proporcionalmente à população geral, é a maior colônia portuguesa do Brasil. A predominância é de imigrantes oriundos da Ilha da Madeira e do Concelho de Arouca. As principais entidades surgidas a partir da presença portuguesa incluem o Centro Cultural Português, a Beneficência Portuguesa e a Associação Atlética Portuguesa.

Leva para a página seguinte da série