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Publicado em 11 e 12/7/1982 no jornal A Tribuna de Santos
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES
A colônia italiana (2)

Beth Capelache de Carvalho (texto). Ademir Henrique e Arquivo de A Tribuna (fotos)


Na Societá Italiana, as festas típicas lembradas pela colônia

Societá Italiana

Para auxiliar o grande número de imigrantes que chegaram a Santos em fins do século passado [N.E.: século XIX], foi criada, a 22 de agosto de 1897, a Societá Italiana di Beneficenza. O grupo de fundadores era liderado por Paolo Santucci e o principal objetivo da entidade era prestar todo tipo de socorro ao imigrante recém-chegado ao Brasil. Suas cores seriam o vermelho, o branco e o azul e seu símbolo, a "Loba Romana".

Inicialmente instalada na Rua do Rosário (atual João pessoa), a Societá Italiana foi mais tarde transferida para a Rua Eduardo Ferreira, no local onde hoje se encontra a sede do Sindicato dos Estivadores. Ali permaneceu durante muitos anos e depois de várias mudanças foi construído o prédio da Av. Ana Costa, onde a "Loba" está até hoje, e onde teve o nome mudado para Societá Italiana di Santos. O primeiro presidente foi Silvério Maimone.

Durante a Segunda Guerra, a Societá Italiana foi ocupada e boa parte de seus arquivos se perdeu. Mas ainda existem relíquias como uma arca de madeira, vinda da Itália e doada pelas mães dos associados que morreram durante a Primeira Guerra Mundial.

Além da ocupação de sua sociedade, os italianos sofreram, durante a Segunda Guerra, a ameaça de terem de sair da Cidade, como os japoneses e os alemães. Mas isso não aconteceu, embora houvesse muitos simpatizantes do Eixo e até alguns balilas, alunos da escola italiana que usavam a camisa preta da juventude fascista. As discussões sobre a guerra eram feitas em torno do Fanfula, jornal em italiano, editado no Brasil, que trazia as notícias da Europa.

San Lucido - Conta a lenda que no ano 700 d.C. uma embarcação sarracena que passava ao largo da Cidade de San Lucido, movida pela possibilidade de saquear o povoado, e pelos rumores da existência de uma mulher belíssima nos arredores, desembarcou na parte baixa da cidade, disposta ao ataque. Os habitantes, que ainda eram pagãos, recorreram, em seu desespero, a um santo cristão, e prometeram consagrar-lhe a cidade, se a livrasse dos invasores.

Quando tudo parecia perdido, o mar começou a refletir os raios do sol tão fortemente que os sarracenos ficaram quase cegos, e foram repelidos rapidamente. San Giovanni Batista, o autor do milagre, foi aclamado padroeiro da cidade, que se chamou San Lucido porque o reflexo do sol na água, em italiano, é luciare.

San Lucido, pequena colônia pesqueira da Grécia, mais tarde colônia romana, situa-se logo após o Golfo de Policastro e é banhada pelas águas limpas e azuladas do Mar Tirreno. Considerada a pérola da Calábria, é a cidade de origem da maior parte das famílias italianas que residem em Santos.

Até hoje, o povo de San Lucido comemora, todos os anos, no dia de San Giovanni (São João), a vitória sobre os sarracenos. Em Santos, a colônia relembra esta data durante a maior festa promovida durante o ano pela Societá Italiana: a Noite Calabrese, em homenagem a San Lucido, com jantar típico, baile e show. Há também apresentação de um conjunto folclórico com danças típicas da região, dirigido pelo maestro Gilberto Lasso.

Além da festa de San Lucido, a Societá Italiana prmove também outras comemorações, como a Páscoa, o Dia das Mães, a Festa Delle Regioni, em homenagem a todas as regiões italianas, e a Festa Della Befana, com sorteio de brinquedos, distribuição de doces aos filhos, netos e sobrinhos dos associados.

Na Societá Italiana também são promovidos cursos de língua italiana e balé e, para agosto, está programada uma solenidade comemorativa do centenário de Giusepe Garibaldi. Além disso, a Societá está sempre aberta para as necessidades santistas, tendo sido, durante mais de 20 anos, a sede da APEE e durante 10 anos, a sede do Mobral (N.E.: o antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização).

O Vice-cônsul da Itália em Santos, Paolo Leone, cita entre os mais importantes representantes da colônia em Santos alguns ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial, todos agraciados com o título de Cavaliere di Vottorio Veneto, além de medalha de ouro comemorativa. São eles: Bruno Eugênio, Gio Carlo di San Pancrazio, Augusto di Marchi, Solferino di Piero, Santo Franzese, Francesco Lambertini, Gennaro Lorusso, Antonio Merola, Domênico Portolense, Hugo Romiti, Domênico Russo, Sebastiano Vincenzo e Veltri Antonio.


Os salões do Parque Balneário Hotel, que se tornou famoso graças à família Fracarolli, de Valdiero

Os Gerbi, de Florença e Pisa

Nona Minerva nasceu no Brasil, e seus pais não vieram propriamente como imigrantes, mas por conta própria. Eram toscanos: a mãe, de Florença, a cidade das flores; o pai, de Pisa. Mesmo assim, ela é a matriarca de uma das poucas famílias de ascendência italiana em Santos que ainda conservam os costumes trazidos pelos imigrantes.

Em torno de nona Minerva se reúnem os nove filhos, genros e noras, netos e bisnetos, nos feriados, dias santos e também nas festas familiares. Sempre há alguma coisa para comemorar, e pelo menos uma vez por semana a família Santos (Gerbi é o sobrenome italiano de dona Minerva) se encontra em autêntico estilo italiano, muito barulhento e alegre.

Uma tradição que começou em 1890, quando a família Gerbi chegou ao Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro. Depois de passar por Juiz de Fora, Ribeirão Preto, Batatais e São Paulo, eles vieram para Santos, onde José Gerbi, irmão de nona Minerva, iria exercer o ofício com o qual se tornaria famoso entre os construtores da época: os acabamentos artísticos em gesso.

A arte dos Gerbi embelezou a Bolsa do Café, onde fizeram todos os estuques, florões e acabamentos em gesso; também a Alfândega foi "arrematada" por eles, assim como a Fonte Luminosa do Gonzaga, e o prédio do antigo Ao Preço Fixo, hoje demolido. São obras de José Gerbi o Relógio de Sol que funcionava no Boqueirão, as maquetes da Bolsa do Café e do Santos Futebol Clube; a parte artística, em gesso, da biquinha velha de São Vicente; os acabamentos em gesso do Atlântico Hotel e os arremates artísticos das casas mais bonitas de Santos construídas pelos anos 20.

Funcionário da Companhia Construtora Santista, José Gerbi tornou-se amigo de Martins Fontes, que era o médico da empresa e também atendia os doentes da família. Nona Minerva acaba falando mais sobre o irmão - o Pepino (diminutivo de Giuseppe) -, que na sua opinião foi a pessoa mais importante da família, já que ajudou a Cidade a tornar mais belas as suas construções.

Em casa da família Gerbi, não se comia arroz com feijão. O prato forte de todo o dia era o bordo - caldo de carne com macarrão feito em casa - seguido de brocholi, frango ou peixe. O bordo podia ser substituído pelo minestroni, sopa de caldo de feijão com toda qualidade de verduras, lingüiça e carne de porco.

A festa mais comemorada era o Natal, mas não se costumava trocar presentes. A família toda comprava roupas novas, e a cena (ceia) tinha panetone, leitão ou cabrito, castanhacho (doce feito de farinha de castanhas), além de outros pratos, sempre regados com muito vinho.

No dia 6 de janeiro, as crianças esperavam a Befana, uma velhinha que anda a cavalo (dizem que é a mulher do Papai Noel) e traz doces para os que ficaram bonzinhos. Ao lado da cama, o menino deve deixar um pé de meia e um pouco de capim para o cavalo. Porém, se ele não se comportou direito, está arriscado a receber, em vez de doces, um chuchu, um tomate ou outro legume qualquer.

Um belo dia, junto com os doces, a Befana deixa um bilhetinho, dizendo que no ano que vem não virá mais. Isso é sinal de que o menino deixou de ser criança, e deve passar a agir como um adulto responsável.

Os netos e bisnetos de dona Minerva também esperam a Befana no dia 6 de janeiro, são capazes de brigar na rua para defender os irmãos e os primos, reúnem-se em festas barulhentíssimas, para as quais sempre é feita muita comida. A família está sempre muito unida, e esta, segundo a nona, é a maior vantagem de manter viva a melhor tradição de seus antepassados.


Estuques, florões e acabamentos em gesso da Bolsa do Café:
a arte dos Gerbi, uma família de imigrantes

Os Franzese, de San Lucido

Eraldo Aurélio Franzese, ex-secretário de Assuntos Jurídicos e Administrativos de Santos, e advogado dos mais procurados nos meios trabalhistas, também é italiano, de San Lucido. A família Franzese começou a emigrar para o Brasil em 1880, quando Nicola Franzese fez toda a viagem num barco a vela. Depois de trabalhar muito por aqui, ele voltou à Itália levando as livras esterlinas que economizara escondidas nas costuras do colete. Com elas, pôde comprar propriedades em sua terra, e não retornou ao Brasil.

Mas seu filho, Vicente Franzese, emigrou em 1908 e radicou-se em São Paulo, onde trabalhou como cobrador de bonde e apagador de lampiões, para a Companhia Light. Em 1910, chegou Ernesto Franzese, e, em 1926, Eraldo Franzese, que, como o irmão, foi trabalhar como cobrador de bonde e apagador de lampiões. O resto de sua família, inclusive Eraldo Aurélio, chegaria em 1932, a bordo do Princesa Maria.

De San Lucido, Eraldo lembra das montanhas e florestas, e da uva amassada com o pé. Da infância em Santos, lembra-se da adaptação difícil à língua brasileira, e o aprendizado do ofício de alfaiate. Aos 17 anos já estava montando a sua alfaiataria e, por influência dos amigos, foi estudar no Tarquínio Silva, onde foi presidente do diretório.

Estudou Contabilidade, formou-se em Ciências Econômicas, e depois cursou a Faculdade de Direito. Enquanto isso, fazia parte das diretorias do Centro dos Estudantes, do Diretório José Bonifácio e do Centro Acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas, além de ter sido vice-presidente da União dos Estudantes do Estado.

Para exercer a profissão de advogado, largou a alfaiataria e optou pela nacionalidade brasileira, à qual faz restrições, devido a algumas falhas importantes. Em 1964, com a Revolução, foi contratado por vários sindicatos, para defender os dirigentes que estavm sendo processados pelas auditorias militares, e para defesa dos trabalhadores que perderam os seus direitos devido aos excessos da Revolução.

Foi secretário de Assuntos Jurídicos, e depois acumulou a Secretaria de Assuntos Administrativos. Foi eleito Secretário do Ano, Homem Público do Ano, além de receber vários troféus por serviços prestados como secretário. Tem também o título de Homem Público do Ano, outorgado pelo Clube de Diretores Lojistas. Além disso, é presidente da Fundação Lusíada, e foi eleito pelo consulado de Portugal para representar a comunidade portuguesa de Santos em um congresso em Portugal.

Armador - Mas Eraldo não é o único Franzese importante na Cidade. Seguindo a tradição da gente de San Lucido, seu tio Francesco Franzese dedicou-se à pesca, e agora possui uma frota de seis barcos camaroneiros, e está construindo um estaleiro.

Francesco chegou ao Brasil em 1949, e começou vendendo peixe na rua e no Mercado Municipal, até entrar na indústria da pesca, há uns 15 anos. Hoje tem dois filhos, um brasileiro e outro italiano, que mora em Belo Horizonte.

Veja as partes [1] e [3] desta matéria