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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PROCISSÕES - 19
Procissão de Nossa Senhora do Carmo

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Em 16 de julho é comemorado o dia de Nossa Senhora do Carmo, quando uma procissão promovida pela igreja do Carmo sai pelas ruas do centro de Santos. As fotos de várias dessas procissões foram enviadas a Novo Milênio pelo professor e pesquisador de História Francisco Carballa, que em 7 de julho de 2013 encaminhou também esta descrição daquele evento:


Procissão de Nossa Senhora do Carmo de 16 de julho de 1989, na Praça da República. Na segunda foto, frei Raphael ao centro, ladeado por frei Jadeval; na terceira imagem, o provedor da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte, sr. Machado, é visto em primeiro plano
Fotos: acervo de Francisco Carballa

 

Festa do Convento do Carmo
16 de julho


A devoção a Virgem Senhora do Monte Carmelo de Israel
[01], já era celebrada em Santos, tão logo os Carmelitas aqui chegaram e se instalaram na capelinha de Nossa Senhora da Graça em 1589 [02]. Por esse motivo, ainda hoje mantêm no Convento do Carmo de Santo a imagem da Senhora sob o título e iconografia da Graça; essa devoção era conhecida em Lisboa por um convento com esse nome, antes do terremoto de 1755.

Houve uma pausa na celebração da procissão devido à saúde de frei Mário Bastos O.C.
[03]; frei Rafael M. Marinho O.C. retomou a devoção a pedido dos fiéis em 1977.

O andor da Virgem Maria ficava em uma grande mesa com uma colcha napolitana de fios de seda coloridos, na frente de dois castiçais com velas acesas, nos altares a melhor toalha do convento. Nessa época, frei Rafael usava umas ânforas gigantes de porcelana branca com enfeites azuis adornando o altar mor, pois dizia que tinha que ser tudo diferente e mais bonito para Nosso Senhor, motivo pela qual as guardava e só as usava na hora santa do dia 31 de dezembro.

Essa festa é precedida de uma novena que começa no dia 7 de julho e acaba no dia 15, sempre tendo início com a benção do Santíssimo Sacramento
[04], seguida do hino Tantum Ergo, novena e missa, culminando com a festa no dia 16 de julho, sendo um dia de muita atividade.

Naqueles anos que já ficaram longe, era celebrada a missa por frei Rafael, o coral tomava seu lugar no antigo coro acima da entrada da porta principal para distribuir bem o som. O frei era acompanhado por outros carmelitas, que vinham do Convento da Capital para auxiliar nas confissões, imposição dos escapulários, distribuição da eucaristia e tudo o que faz parte do apoio espiritual cristão.

 

Igualmente participavam as irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte, Ordem Terceira do Carmo, teresitas, Apostolado da Oração e os integrantes da Adoração Perpétua [05] formando o cortejo que, ao toque de sinos, saía para dar a volta à Praça Barão do Rio Branco, limitando-se a esse percurso a procissão.

Como sempre ocorreu um problema com o estacionamento de veículos, nesse dia era colocado na porta um cavalete emprestado
[06]. A Virgem Maria era precedida da cruz processional pesada e antiga da Ordem Terceira, ladeada por duas lanternas, vindo os irmãos terceiros em duas filas com veleiros nas mãos, o estandarte da Virgem levado pela irmã terceira dona Bernadete.

Finalmente, vinham as demais instituições e irmandades, sendo o andor ladeado por quatro lanternas de procissão e o povo cantando os hinos do Congresso Carmelitano e Flor do Carmelo, terminando a procissão dentro do templo: o povo recebia a benção final e muitos devotos disputavam as flores do andor, ao que frei Rafael, ao tentarem impedir, falava: "Deixem levar, é um favor que me fazem!"
[07] - e assim acabava o dia com tudo em ordem e acontecendo de forma correta.

Por vezes, a Banda Carlos Gomes acompanhava a procissão, por outras ao perguntarem da mesma, respondia frei Rafael: "Tem a banda do Basílio
[08]".

Em 1989, a pedidos insistentes de beatas rezadeiras, a procissão passou a ir até a Praça da República e ali fazer o retorno, para dar ainda a volta à Praça Barão do Rio Branco e entrar no templo, e durante todo o percurso os sinos ficavam bimbalhando, para alegria de quem aprecia o seu som
[09].

Hinos cantados nas festividades
 

Tantum Ergo – (Trecho do Pange Língua)

Tantum ergo Sacramentum
Veneremur cernui:
Et antiquum documentum
Novo cedat ritui:
Praestet fides supplementum
Sensuum defectui.

Genitori, Genitoque
Laus et jubilatio,
Salus, honor, virtus quoque
Sit et benedictio:
Procedenti ab utroque
Compar sit laudatio.
Amen.

V. Panem de caelis praestitisti eis.(T.P. Alleluja)

R. Omne delectamentum in se habentem.(T.P. Alleluja)

Oremus: Deus, qui nobis sub sacramento mirabili, passionis tuae memoriam reliquisti: tribue, quaesumus, ita nos corporis et sanguinis tui sacra mysteria venerari, ut redemptionis tuae fructum in nobis iugiter sentiamus. Qui vivis et regnas in saecula saeculorum.

R. Amen.


Hino do Congresso Carmelitano

I
Ó vinde cristãos;
Louvar a Maria;
Com um hino singelo;
E terna Alegria.

Flor do Carmelo;
Nossa alegria;
Salve, salve Maria!
Salve, salve Maria!

II
Foi lá no Carmelo;
Que a Virgem surgiu;
Do mar numa nuvem;
Elias a viu.

Flor do Carmelo;...

III
Em chuvas de graças;
A mãe se mostrou;
E todo o Carmelo;
Feliz exaltou.

Flor do Carmelo;...

IV
Mil anos passados;
De novo eis Maria;
Aos filhos queridos;
Mais bênçãos trazia.

Flor do Carmelo;...

V
A Pedro Tomaz
A mãe de clemência;
Pra ordem promete;
Eterna assistência.

Flor do Carmelo;...

VI
O santo bentinho;
Lhe pende da mão;
Que rindo bondosa;
Entrega a Simão.

Flor do Carmelo;...

VII
Voz todos que aflitos;
E tristes vivei;
Na Virgem do Carmo;
Consolo achareis.

Flor do Carmelo;...

VIII
Com o santo bentinho;
Que Salve Maria;
Os filhos queridos;
De sua mãe pia.


Personalidades

Dona Rosinha - era uma senhora baixinha, forte, com cabelos curtos e olhos claros, falar delicado e muito educado, era da irmandade conhecida por terezitas por devoção a Santa Teresa de Lisieux, era a responsável por preparar o café da manhã da Ordem Terceira do Carmo e para isso recebia um pagamento. Vivia em um porão direito com seu irmão que era guarda noturno e a sobrinha, em uma casa muito antiga na Rua Nabuco de Araujo nº 78. Ganhava sua vida limpando campas no cemitério do Paquetá. No final de sua vida, após o falecimento de sua sobrinha, da qual era inseparável, decidiu ir para o Asilo de São Vicente de Paula, onde trabalhava na cozinha como voluntária, e assim se ocupou como sempre o fez.

Dona Beríla - enfermeira tipo Ana Néry da Santa Casa e devota de São José, falecida aproximadamente em 2002. Devota do patriarca, rezava em frente a uma imagem que havia na enfermaria e acabou por se casar com um enfermo do qual gostou muito. Enviuvou e, já nonagenária, caiu em seu banheiro, fraturando em três partes a bacia e o fêmur, assim deixou este mundo.

Dona Lourenço - senhor esbelto, cabelos brancos, falar envelhecido e calmo, enfermeira da Santa Casa que chegou a usar o Ana Nery, que mostrou, velhinho e amarelado, com orgulho. Conhecia muito bem aos mais velhos e as histórias da Ordem Terceira do Carmo, mas era limitada no falar.

Dona Nena - senhora de cabelos brancos, olhos azuis, temperamento espanhol da qual descendia e falar calmo, irmã de Dona Dolores. Faleceu aproximadamente em outubro de 2011. As irmãs, idosas, foram vítimas do golpe de um advogado, que conseguiu pegar um dos apartamentos do qual tiravam sustento com os aluguéis. A situação revertida pelos filhos de dona Nena, mas ela, debilitada, faleceu internada na casa de repouso São Judas Tadeu, na Rua Carvalho de Mendonça.

Dona Lígia - irmã terceira e irmã do político Esmeraldo Tarquínio, era uma senhora negra, de voz soprano, que cantava no coral do Carmo. Sempre participou das festas na igreja, viva em uma casa comprada com sacrifício pelo irmão na Rua João Guerra nº 103.

Dona Adelaide - senhora nordestina, farta de enchimentos, devota, cabelo branco no tradicional birote, muito devota e rezadeira, sempre em oração, chamando a todos que entravam para se juntar a ela na prece.

Dona Carolina - espanhola galega devota de Santa Generosa que, em seu falar de sotaque carregado, participava de toda vida religiosa do Carmo. Faleceu em um dia 8 de setembro, e ao percebemos sua falta na missa, demos por sua ida para Deus.

Dona Mariazinha - irmã terceira e terezita, senhora corcunda apelidada sem ela saber de caroço e jacá, motivo pelo qual nunca casou, divulgava a devoção de Nossa Senhora da Cabeça e dizia que ela existira na Igreja do Rosário de Santos, onde realmente está uma antiga imagem dessa devoção, ficou por muito tempo, guardada na torre. Ela residia na Av. Conselheiro Nébias nº 426 e desde o tempo do bonde usava a linha 4 para ir para o Convento.

Dona Avelina (falecida em 2002) - esposa do senhor Manuel de Sousa (muito amigo do saudoso Benevenuto Madureira), vindo de Portugal, homem branco, calvo, com seu terno cinza e guarda-chuva. Além das balas que distribuía para os amigos, o casal tinha forte característica lusitana no modo de agir e vestir, sempre educados e unidos; seu marido segue na fé.

Dona Julia Lourenço Iannes - galega gordinha, igualmente de sotaque carregado no falar e devota, fora com suas duas amigas atropelada na Quarta Feira de Cinzas, quando vinham da missa na Igreja São José do Macuco. Ocuparam portanto as páginas dos jornais na quinta-feira como reportagem. As três se recuperaram e continuaram amigas e devotas até o fim.

Dona Elza - senhora idosa, branca, esbelta, com todos os anéis possíveis relacionados a diplomas de música, era a organista oficial do Convento, fora seu avô o guardião da Igreja de São Francisco, situada no bairro desse nome em São Sebastião. Dizia ela que ele estaria enterrado ou na entrada da sacristia ou na entrada do convento; por isso desejava ir até lá. Era uma eximia organista, tocava qualquer partitura, sendo sua predileta a do Santíssimo Sacramento o Tantum Ergo. No Natal, fazia um verdadeiro concerto que a todos encantava.

 

Fato interessante envolvendo ela e a outra organista da Ordem Terceira (a irmã dona Zuleica), foi levado ao bispo dom David Picão, que encerrou a questão resolvendo que não havia concorrência entre elas, e sim o serviço de música para Deus.

Dona Zuleica - que fora priora da Ordem Terceira do Carmo, organista muito dedicada da Ordem, tocava na Ordem Primeira do Carmo quando dona Elza não podia ir, e assim se viu envolvida na discussão ocorrida.

Senhor Luiz - cantor do coral, mulato forte, com voz de tenor, devoto de São Luiz Gonzaga, era tapeceiro, trabalhando e morando em Itapema, mas frequentava o Convento e cantava, com seu terno azul marinho.

Senhor Roberto - irmão terceiro, senhor branco de óculos e calvo, falar culto de professor, sério, sempre sendo o leitor nas missas, dizia que perdera a chance de ser um jogador de basquete famoso por não se converter a uma religião protestante que o apoiaria se assim o fizesse. Fama de bom falador, no seu velório (que ocorreu na igreja) teve sua boca fechada com fitas de esparadrapo em forma de X, o que causou certas chacotas com o falecido.

Dona Conceição - membro da Adoração Perpétua, senhora portuguesa baixinha de óculos, cabelos brancos e falar calmo, estando a cumprir suas orações (e seu horário) um dia, no convento, ouviu uma voz que lhe disse por duas vezes: "Eu quero ir lá para baixo!". Verificando a igreja, concluiu que estava sozinha e aquela voz não era conhecida, ao que, fitando a imagem do Senhor dos Passos que ficava no coro, a voz saiu dele e disse mais uma vez: "Eu quero ir lá para baixo!". Imediatamente começou a fazer muito alarde do ocorrido, acordando os frades que a acudiram e lhes contando a história. Teve a ideia e custeou a capela que hoje existe na porta lateral esquerda, sendo essa a origem daquele lugar de orações.

Senhor Fralklin - natural da Polônia, tinha forte sotaque; baixinho, risonho, de óculos e calvo, rezava todos os dias o terço às 17h30 antes do início da benção do Santíssimo (que era diária por ser a igreja a Sede da Adoração Perpétua em Santos). Reclamava da falta de fé das pessoas que sendo um país livre, não frequentavam a igreja enquanto que em sua terra natal - então sob o governo comunista - as igrejas estavam cheias... sempre puxando a sardinha para a Virgem de Shestocova. Tão logo acabava a missa ela saia disparado para casa e nem conversava com os demais.

Dona Lourdes Abrantes - devota que fora curada de um câncer. Portuguesa, com a voz típica carregada de sotaque, mulher de meia estatura, branca e sempre com o terço em mãos, que muitas vezes o rezava com o grupo antes da benção do Santíssimo, fazendo sol ou chuva participava da missa de domingo sempre às 18h00. Era irmã do senhor Carlos, que organiza desde 1966 a procissão dos Peregrinos de Nossa Senhora de Fátima do cais do Porto.

 


Procissão de Nossa Senhora do Carmo de 16 de julho de 1994, na Praça da República e no interior da igreja do Carmo. Na foto inferior, dona Bernardete leva o estandarte da santa
Fotos: acervo de Francisco Carballa


[01] Os escapulários são feitos de um pano marrom que, caído sobre os ombros ou escápulas, foi assim apelidado. Já os bentinhos são apenas dois quadrados de tecido unidos por um cordão, usados da mesma forma e, por serem mais simples, acessíveis a todos, já eram conhecidos dos navegantes e dos colonos como um sacramental e objeto de devoção, sendo usados pela população; possivelmente seriam trazidos do Convento do Carmo de Lisboa, o mesmo que seria destruído por um terremoto em 1755.

[02] Ali instalados, logo subiram a serra para fundar igual convento em São Paulo do Piratininga, conseguindo frei António de São Paulo a licença para construí-lo em 1594, e passaram a celebrar a festa de Nossa Senhora do Carmo no seu dia, nos dois lugares.

[03] Muito idoso, ficara em condição de cadeirante.

[04] É o hino para a benção do Santíssimo Sacramento conhecido como Tantum Ergo, que são as duas ultimas estrofes do hino conhecido como Pange Língua. Por preferência de frei Rafael, era cantado em latim, sempre conhecendo o povo bem a letra, tradução e várias melodias distintas. Só em raros casos era cantado em português. Ele dava a benção todos os dias às 18h00, seguindo-se a missa, por ser o Convento do Carmo a sede da Adoração Perpétua em Santos.

[05] Essas instituições religiosas sediadas no Convento Santista se confraternizavam com um gostoso café, após o festejo.

[06] Esse cavalete me era emprestado, pois ficava na Rua XV com a Rua Frei Gaspar Para tanto eu o pegava às 24h00 e o levava até a igreja e de lá o retirava para a saída da procissão, ficando atravessado para avisar que havia reserva no local, assim o mesmo era devolvido lá pelas 22h00 quando tudo era deixado em ordem no templo.

[07] Perguntando sobre isso, ele me disse: "Meu filho me dá pena jogar as flores de Nossa Senhora fora depois que estão murchas, quem as leva, é por devoção e carinho com Ela; por isso vão cuidar delas e ainda ficam felizes, as flores já cumpriram sua missão".

 

Sobrava para mim por muitos anos desmontar o andor e limpar a igreja, com senhoras devotas, o que fazíamos por devoção e estima para com o frade carmelita. Uma curiosidade é que sua imagem votiva de Nossa Senhora do Carmo, de aproximadamente uns 60 cm de altura, em estilo barroco mas fundida em gesso, depois de seu passamento (em 1998) foi escolhida para peregrinar por todo o Brasil e assim foi, de cidade em cidade, inclusive passando por Santos.

[08] Era o Senhor Basili Onsi mais conhecido como Basílio ou simplesmente "o Turco", um sírio católico fervoroso que, em todas procissões que pudesse acompanhar, levava seu par de alto-falantes para puxar as orações e cantava os hinos do local. Quando a banda acompanhava, era comum ouvirmos: "Senhor Maestro", como sinal para começar a tocar as músicas.

[09] Os sinos eram acionados por um equipamento elétrico, mas, ao ocorrer um acidente em que o badalo do sino maior foi parar no meio da rua, frei Rafael - temendo que alguém pudesse se ferir - preferiu retirar os equipamentos que os acionavam em 1990.

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