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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PROCISSÕES - 16
Procissão de N. S. de Fátima da Catedral

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Para homenagear seu orago, a igreja de Santo Antonio do Valongo promove em junho uma série de festejos, que culminam no dia 13 de junho, com procissão, trezena, quermesse e vários atrativos para a população. O assunto foi tratado, em tom de reminiscências, pelo professor e pesquisador de História Francisco Carballa, em artigo enviado a Novo Milênio em 11 de maio de 2013:


Festa de Nossa Senhora de Fátima na Catedral de Santos, em 14 de maio de 1995
Foto: acervo de Francisco Carballa

 

Procissão de Nossa Senhora de Fátima da Catedral

Terceiro domingo de maio

A Confraria de Nossa Senhora de Fátima da Catedral de Santos foi ereta em 1946 pela grande quantidade de portugueses existentes na cidade. Até a reforma do calendário brasileiro, o dia 13 de maio era feriado. Assim, a procissão de Nossa Senhora de Fátima da Catedral era muito tradicional na cidade de Santos, havendo um tríduo e no dia principal a festa.

Nossa Senhora era colocada em uma carrocinha dessas que ainda hoje se usam no ferro velho. Havia uma espécie de base colocada no carrinho, sobre a qual a Virgem ficava em seu arco de luz, o andor ricamente adornado com flores do tipo mosquito, crisântemos delicados e rosas e palmas cor-de-rosa; duas fitas enormes de tafetá chamalote na cor azul pendiam da Virgem até o povo, que as beijava com devoção. Ficava em frente à capela onde a Senhora fica o ano inteiro esperando para atender as orações dos filhos de Deus; no dia da festa, Nossa Senhora usava em suas mãos um rosário de ouro e outro de prata e, no lugar da coroa de filigrana portuguesa feita de prata, usava uma coroa de ouro, guardada pelo provedor, o senhor Vicente Mateus, natural de Portugal.

Ocorria um tríduo antes do dia da festa; depois de cada dia de oração, era servido um lanche à moda antiga para os devotos, no consistório da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, com salgadinhos, doces, refrescos e copinhos com vinho do Porto para os adultos.

 

No dia da festa, depois da missa das 18 horas, saía o cortejo esperado pela população, que aguardava sentada nas escadarias do Fórum e na Rua Braz Cubas, totalmente iluminadas por cordões de lâmpadas dos dois lados e repletas de cristãos.

 

A Banda Carlos Gomes, ao ouvir os sinos da Catedral, começava a executar o hino Ave da Azinheira. Logo o senhor Basílio (apelidado de Turco) começava a cantar a música em seu tradicional megafone, carregado por três pessoas; diante da procissão ia o cruciferário ladeado por duas lanternas de procissão, sendo todos confrades com suas opas brancas; seguia-se a fila de homens e mulheres portando os veleiros processionais na cor branca, que era a oficial da Confraria de Nossa Senhora de Fátima da Catedral de Santos.

 

Vinham então o grande estandarte e o Rancho Português do Verde Gaio (do Centro Português de Santos), tendo seus componentes vestidos à moda de Viana do Castelo (as mulheres com seus trajes coloridos e floridos e os homens com camisas bordadas em ponto cruz, colete, terno e chapéu lusitano); o clero com o bispo dom David Picão vestindo sua capa de asperge, na frente da carrocinha que, para descer as escadarias do templo, era sustentada por uma leva de senhores que ajudavam a baixá-la sobre duas ripas de madeira nos degraus. A banda fechava a procissão, seguida pelo povo.

 

O percurso tradicional era Praça José Bonifácio, Avenida São Francisco (de Paula), Avenida Conselheiro Nébias, canal dos Campos Sales, Avenida Senador Feijó ladeando a Praça e voltando à Catedral, onde era recebida pelo repicar festivo dos sinos. Em meados dos anos 1970, a procissão passou a seguir pela Rua Marechal Pêgo Júnior para encurtar o percurso, e no nº 125, onde havia uma antiga residência com a frente reconstruída desde a explosão do gasômetro, estava sempre um lindo tapete de flores feito com pétalas brancas, rosas e palmas brancas esperando a passagem da Virgem Maria, preparado pela família do senhor Américo, que ali residia.

 

Com o fim do feriado do dia 13 de maio, a procissão passou a ser feita no domingo mais próximo do dia, mas aos poucos foi deixado o uso da carrocinha, dos veleiros, da banda e finalmente ficou muito simplificada, bem mais ao gosto minimalista de algumas pessoas. Vale recordar que quando recebemos a visita de Nossa Senhora vinda de Portugal, a imagem lusitana ficou no altar de Nossa Senhora do Amparo ocupando o nicho central, sendo colocada na famosa carrocinha para sair na procissão; naquele dia, os vários grupos folclóricos ficaram ali ostentando flâmulas e bandeiras, entre elas as de Portugal e do Brasil; após a procissão, a enorme fita de tafetá chamalote azul era esticada e as pessoas beijavam a mesma, sem poder se achegar ao andor.

No dia 14 de maio, todas as flores do andor eram retiradas, após uma missa da confraria pela manhã, sendo distribuídas aos devotos. A imagem da Senhora era retirada com muita cautela e solenidade e recolocada no nicho do altar, onde ficaria até o ano seguinte. Contavam os confrades que o andor teria pertencido à Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, e talvez isso explique o seu formato característico do século XIX, com seus artísticos entalhes.

Havia uma missa compromissal pelas manhãs de todo dia 13 de cada mês nessa capela, para os confrades e devotos.

Já nos últimos anos, o andor de Santo António de Pádua passou a fazer parte da procissão e a Virgem não foi mais levada em sua carrocinha e sim em uma caminhonete, quando não no carro de bombeiros, e finalmente nos ombros dos seus devotos. Devido à decadência do bairro, as pessoas preferem acompanhar essa festa no Bairro do Santa Maria, onde existe uma igreja dedicada à Senhora, na paróquia de Nossa Senhora Aparecida, com a festa dos romeiros do cais do porto de Santos ou em outras igrejas que realizam a festa, o que vem determinando o fim da festa da Catedral.

 


Festa de Nossa Senhora de Fátima na Catedral de Santos, em 14 de maio de 1995
Foto: acervo de Francisco Carballa

 

Personagens

 

A Confraria de Fátima que reunia pessoas com características muito particulares:

Dona Maria Paiva – senhora de estatura baixa, santista da gema, com cabelos brancos, de falar baixo e lento, com sua opa da confraria de Fátima, e igualmente com a mesma insígnia religiosa sua inseparável amiga dona Conceição, branca, alta e esbelta. Elas vendiam - no lado direito da entrada da igreja, em uma mesa improvisada - terços, santinhos e velas para o veleiro da Catedral e para a procissão no dia de Nossa Senhora de Fátima, até a saída da procissão, quando tomavam seus lugares na fila de veleiros dos confrades.

 

Até a construção da Rodoviária, dona Maria residia na casa que havia na esquina da Praça dos Andradas com a Rua Visconde do Embaré, e que foi desapropriada; com o dinheiro comprou outra casa na travessa particular que existe da Rua Pérsio de Queiroz Filho, 72 (ou 70), para a Avenida Washington Luiz, e ali sempre reclamou das festas do Atlético, que avançavam noite adentro, tirando-lhe o sono, assim como a todos os moradores desse imenso corredor.

Dona Felizbela ou Belinha – portuguesa corpulenta, branca, cabelo de bom porte, óculos, falar arrastado e afinado; era responsável pelo roupeiro da Catedral, angariando roupas e objetos para o mesmo. Ativa participante na Confraria de Fátima e devota rezadora de terços, cuidava do teatro que encenava as peças na Semana Santa e outras festividades.

Senhor Américo – Cruciferário oficial da Confraria, viria a ser o provedor, substituindo o sr. Vicente.

Dona Conceição - era brasileira e residia na Avenida São Francisco nº 277; até o fim de sua vida foi da dita confraria.

Dona Albertina - era portuguesa de nascimento, com seu falar arrastado. Residia na Rua Amador Bueno, 303. Recordo que em um ano, estando muito enferma, ao se deitar fez encomenda de sua alma a Deus e vestiu a opa da confraria; naquele domingo, a procissão passou por sua porta e ela se levantou tão feliz que da enfermidade nada restara. Era conhecida por regular as roupas das moças na Catedral, exigindo que as saias fossem um palmo abaixo do joelho, por respeito a Nosso Senhor, era uma das corajosas mulheres que ia à casa das meretrizes levarem o auxilio cristão, dizendo para as outras: "São mulheres como eu e filhas de Nosso Senhor!". Era a sacristã da capela do Senhor do Bom Fim do Paquetá. Muito idosa, foi viver no Morro São Bento.

Dona Maria Holinda - era uma negra de idade avançada, corpulenta, de pano na cabeça e sempre alegre, pronta pra ajudar qualquer pessoa que precisasse dela. Residia no reduto das beatas que existia na Avenida São Francisco nº 258, onde mantinham uma imagem do Sagrado Coração de Jesus acima da porta, iluminado dia e noite por uma lâmpada vermelha - alvo de chacotas maldosas da molecada. No fundo, em uma edícula da casa, morava a menina negra Sandra, que depois seria enfermeira da Santa Casa de Santos; sua mãe tinha os cabelos longos, com uma mancha branca, e estes, ao ficarem soltos, mostravam aquela longa estrela, como ela dizia.

Curiosamente, ao lado dessa casa, no nº 256, havia a casa do senhor Tabajara, que mantinha um centro de umbanda; rivalizando com as beatas, ele colocou um chifre de boi, um vaso enorme com lanças e espadas-de-São-Jorge e pés de comigo-ninguém-pode, além de uma imagem do seu Zé Pilintra e de uma Pomba Gira igualmente iluminados por uma lâmpada vermelha. Havia certa pendenga entre os moradores das duas casas, por motivos óbvios.

Dona Rosário - era uma portuguesa baixa e idosa, conhecida pelos seus óculos e as imensas tranças de cabelo grisalho, sempre colocadas de maneira que eram enroladas uma de cada lado da cabeça. Residia no mesmo reduto das beatas. Era vista com frequência usando suas eternas roupas negras, com o véu cinza muito grande semelhante a uma mantilha na cabeça e a bandeja de prata para esmolas com uma toalha de renda muito branca, batendo nas portas e pedindo doações para a Catedral; assim auxiliou na sua reforma dos anos 1970. Tinha o curioso habito de comer bananada que ela fazia ao anoitecer, dizendo que isso era saudável e motivo de sua longa idade. Seu quarto era uma antiga sala, dividida por uma porta com vidros coloridos franceses.

Senhor Pedro - provedor da Irmandade do Santíssimo, participava ativamente da festa da Senhora de Fátima, arranjando uma banqueta que havia para suportar o estandarte da Virgem Maria. Auxiliava em todos os dias de tríduo preparatório, como cristão devoto e provedor da Irmandade, da qual foi fiel zelador até os dias de seu passamento.

Dona Matilde das Neves - moradora na Rua da Constituição nº 195, até o seu passamento em 1999 era frequentadora assídua da Catedral, assim como o foi toda sua família. No ano em que seu irmão esteve enfermo, quando a procissão passou pela sua porta ela abriu a janela, colocou rapidamente uma linda toalha, acendeu uma vela e fez suas preces.

Senhor Batista – senhor de origem nordestina, amorenado, magro, com óculos enormes; era o zelador do prédio ainda hoje existente na esquina da Avenida São Francisco com a Rua Dom Idílio. Mantinha uma criação de pombos, e quando havia a festa de Corpus Chisti ele os afugentava para fazerem uma revoada sobre a praça. Cantava no Coral da Catedral com a gente, fazendo parte do grupo paroquial. Dançava igualmente a quadrilha na Casa João Paulo II durante os festejos juninos, e nesse prédio ele trabalhou até o dia de seu falecimento.

Senhor Cyro - sacristão desde os anos 1960 ou antes ainda, era um homem magro, calvo, de óculos grandes e falar áspero. Uma vez, havendo uma corrida de carros que passava em frente à Catedral, lá pelo início da década de 1970, afirmou que "O povo gosta de tudo o que traz sangue ou acidentes, nada mudou!". Sempre cuidou de todos os detalhes da Catedral, nos dias de festa e nos dias comuns, vigiando o veleiro que antes ficava dentro da capela de Nossa Senhora de Fátima, retirando as velas de maço para não causar incêndios e limpando as coisas; ao falecer, foi substituído por dona Yraides.

Dona Yraides – senhora branca e muito esbelta, de cabelo liso, branco e curto, óculos e falar calmo, fora a secretária da Catedral de Santos por mais de 20 anos; era casada com o senhor António, homem esbelto, alto e de falar grave, que trabalhava na igreja fazendo serviços gerais, sempre atendendo os fiéis, encaminhando-os para os sacerdotes de plantão, marcando casamentos, batizados e vendendo as lembranças da Catedral. Era comum que na hora da missa ficasse sobre o arco da porta da sacristia para atender quem precisasse ir ao toalete, ou atender às pressas o telefone quando este tocasse, pois a sacristia não parava. Igualmente era comum vê-la rezando com as mãos postas quando entrava o Santo das procissões, entre elas a da padroeira. Ao ser retirada da sacristia pelo pároco novo, que não a conhecia e nem procurou conhecer suas habilidades, ela não resistiu a essa perda e logo faleceu - e, como sempre, as más línguas culparam o padre.

 

Uma vez entraram ladrões na sacristia da Catedral, durante a noite, e no armário ali existente estavam guardadas as coroas do Menino Jesus e da Senhora do Monte Serrat, assim como seu manto bordado com pedras semipreciosas encastoadas com ouro, tão bem embrulhadas que os ladrões julgaram ser falsas; assim, ela salvou todo esse material. Foi telefonista da Companhia Telefônica Brasileira (CTB) e lastimava muito o dia em que seu supervisor a chamou para transmitir uma ordem e ela tinha se atrasado - o único atraso em toda sua carreira na empresa até se aposentar. Era uma pessoa muito emotiva e, quando havia algum acidente ou desastre natural, ficava rezando seu terço pelos falecidos e lastimando o ocorrido.

FVC
(N. E.: o autor deste artigo) – era o estandartista oficial da Confraria, me dividindo entre a enorme bandeira e os sinos, que passei a tocar na Catedral junto com o confrade Waldemar T. Jr. Esses sinos são bimbalhados e não repicados, o meu favorito era o que tem o nome Jesus Eucarístico (o maior de todos): para conseguir mover aquela almanjarra tinha que me pendurar na alça do mesmo e fazer força com o corpo, para que ele pudesse começar a se movimentar, de forma que - indo e vindo - o badalo atingisse os dois lados do sino, criando o som característico do mesmo. Os outros sineiros começavam sempre que o meu dava dois toques, ou seja, no lado direito e esquerdo, sendo a vez do outro iniciar o toque do seu sino; assim, os seis sinos bimbalhavam compassadamente, menos o de nome Nossa Senhora do Rosário (o segundo em tamanho e ordem de importância), por não ter badalo. Meu único problema eram as baratas cor-de-lacre, que às centenas habitavam a escadaria caracol situada acima do batistério, cujo acesso é por uma pequena porta lateral do coro; por ela se chega até a grande escadaria do campanário, com acesso aos sinos.

Algumas senhoras negras e morenas da confraria participaram da Segunda Grande Guerra, motivo pelo qual desfilavam com orgulho no dia 7 de setembro naquele grupo e também na Escola de Samba X9 na ala das baianas; não eram de falar muito, ficavam separadas em grupo, sérias na igreja e sempre rezando seus terços.

Cantavam rindo uma curiosa paródia do Hino Nacional: “Laranja da china, laranja da china, laranja da china,/ caqui abacate abacaxi, /quando eu morrer me enterre numa cova bem funda,/ pro urubu não vir bicar a minha...........” e assim ia o hino, só não sei se o aprenderam na Itália ou no Brasil.
 

Festa de Nossa Senhora de Fátima na Catedral de Santos, em 14 de maio de 1995
Foto: acervo de Francisco Carballa

 

Hino de Nossa Senhora de Fátima
 

A treze de maio;
Na cova da Iría;
Do céu aparece;
A Virgem Maria.

Ave, Ave, Ave Maria,

Ave, Ave, Ave Maria.

A três pastorinhos;
Cercada de luz;
Visita Maria;
A Mãe de Jesus.

Ave........

A luz lhes parece;
Um sinal de trovão;
E junto ao rebanho;
Pra casa se vão.

Ave........

De agreste Azinheira;
A Virgem falou;
E os três a Senhora;
Serenos tornou.

Ave........

Os três se assustaram;
Ao verem tal luz;
Mas logo a Senhora;
A paz os conduz.

Ave........

Então perguntaram;
Que nome era o seu;
A Virgem lhes disse;
A Mãe ser do céu.

Ave........

Das mãos lhe pendiam;
Continhas de luz;
Assim era o terço;
Da mãe de Jesus.

Ave........

A Virgem lhes manda;
As contas rezar;
Assim diz meus filhos;
Voz eis de salvar.

Ave........

A vir os convida;
Seis meses ali;
E os três pastorinhos;
O cumprem assim.

Ave........

Fazei penitência;
De tanto pecar;
Falou a Senhora;
Pra guerra acabar.

Ave........

Do vício da carne;
Nos manda conter;
Que faz dentre todos;
Mais almas perder.

Ave........

Fugi das vaidades;
Das culpas carnais;
Que as festas produzem;
Em seus arraiais.
Ave........

Vesti com modéstia;
Com muito pudor;
Olhai como veste;
A Mãe do Senhor.

Ave........

São estes cuidados;
Cuidados de Mãe;
Que aos filhos queridos;
Salvar assim vem.

Ave........

A treze de outubro;
Aos três disse adeus;
E a Virgem Maria;
Voltou para os céus

Ave........

De seu Santuário;
Na cova da Íria;
Pras almas do mundo;
A luz irradia.

Ave........

De Fátima a Virgem;
O mundo correu;
E a todos foi dando;
As graças de DEUS.

Ave........

Os céus e a terra;
Entoam louvor;
A virgem bendita;
Por seu grande amor.

Ave........

 


Festa de Nossa Senhora de Fátima na Catedral de Santos, em 14 de maio de 1995
Fotos: acervo de Francisco Carballa

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