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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - TEATROS
Memórias do Teatro de Santos (20)


Clique na imagem para voltar ao índice da obraComo em muitas outras cidades brasileiras, a memória do teatro santista raramente é registrada de modo ordenado que permita acompanhar sua história e evolução, bem como avaliar a importância dos artistas no contexto nacional, rememorando as grandes atuações, as principais montagens etc.

Uma tentativa neste sentido foi feita na década de 1990 pela crítica teatral santista Carmelinda Guimarães, que compilou depoimentos escritos e orais, documentos e outros registros, nas Memórias do Teatro de Santos - livro publicado pela Prefeitura de Santos em 1996, com produção de Marcelo Di Renzo, capa de Mônica Mathias, foto digitalizada por Roberto Konda. A impressão foi da Prodesan Gráfica.

Esta primeira edição digital em Novo Milênio foi autorizada pela autora, Carmelinda Guimarães, em 6 de janeiro de 2011. O exemplar aqui utilizado foi cedido pelo ator santista Osvaldo de Araujo:

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Memórias do Teatro de Santos

Carmelinda Guimarães

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Plínio Marcos

Narradora – A cidade de Santos possui em sua trajetória política a marca da resistência. Foi assim com os tupinambás, com os degredados de Espanha e Portugal, que aqui chegaram, com Chaguinhas, com Quintino Lacerda e os abolicionistas, os que lutaram pela Independência e os republicanos. Ao ser dissolvida a Câmara Municipal em 1937, Plínio Marcos contava com 2 anos de idade. O golpe de estado de 1937 levaria Getúlio Vargas ao poder.

Plínio – "Quando eu era garoto não tinha ocorrido ainda a idéia de ser ator e o pesadelo já me atormentava. Eu não sabia explicar bem onde estava porque não tinha noção de teatro. Depois no meio da cena principal eu descubro que aquilo tudo é uma grande besteira, um troço sem nexo que não vai sacudir ninguém da platéia. Começo a ficar com vergonha, a vacilar, a esquecer o texto, a gaguejar. Percebo que estou apenas com um pé de sapato. Emudeço. Aos poucos a platéia é iluminada por refletores embaçados. Minha sombra, que devido ao jogo de luz se projetava sobre a platéia, aos poucos vai me envolvendo e quando vou sumir nessas trevas, acordo. Quando na adolescência larguei a segurança da minha casa, meu pai, minha mãe e os cinco irmãos, era porque eu queria ser ator. Minha família, nenhum conflito de convívio. O terror de levar uma existência pacata, com emprego fixo, burocracia e horário, eu queria ser artista. Eu fui para a trilha no tempo certo.

"Eu era o palhaço Frajola, me deram esse nome por causa de um gato que sempre queria roubar passarinho (N.E.: desenho animado popular no cinema e na televisão, Frajola e Piu-piu). Aprendi os segredos do duro ofício que havia escolhido. Ao mesmo tempo, sonhava com a glória, que se resumia em ter sempre a casa cheia de público e poder trabalhar em noite de chuva, coisa que era impossível naquele pavilhãozinho de zinco. Nunca me havia ocorrido a idéia de escrever uma peça, eu nem sabia escrever direito. Tirei o diploma do primário, Deus sabe como. Porém (sempre tem um porém) houve um caso em Santos de um garoto que devido a uma baderna de botequim ou coisa parecida foi recolhido ao xadrez com a malandragem da pesada. Penou bastante para ficar picado de raiva e saindo de lá se armar e matar todos que o barbarizaram no xadrez. Imaginei o que se passara no xadrez antes, durante e depois do garoto entrar. Dei o nome de Barrela, que na gíria significa Curra.

"Os companheiros de circo acharam que eu havia enlouquecido. Jamais encenariam  uma peça com aquela linguagem. Nunca havia suposto que houvesse peças de linguagem livre. Conhecia as peças que eram apresentadas no Pavilhão da Liberdade, como Paixão de Cristo, O mundo não me quis, Rancho Fundo, O Ébrio e Onde Canta o Sabiá, todas elas em linguagem convencional.

"A peça Pluft o Fantasminha estava sendo ensaiada com o grupo do Grêmio da Caldeiraria das Docas sob a direção do Vasco Oscar Nunes. O Paulo de Lara, que me conhecia de vista, me convidou para quebrar um galho. Eu fui. Lá no Grêmio conheci uma mulher maravilhosa, a Patrícia Galvão. Logo fiquei amigo dela. Ela amava o teatro. Estava traduzindo Fando e Liz do Arrabal, autor que ela conhecera na França. Ela curtia outro tipo de teatro. Mostrei a minha peça Barrela. Ela ficou vidrada, falou que meu diálogo era tão vigoroso quanto o de Nelson Rodrigues. Pagu, nas tardes de domingo, fazia o Mestre Geraldo Ferraz (autor de Doramundo) ler Esperando Godot para nós. Ele achava inútil, mas fazia a vontade de sua adorada Pagu.

"Convivi com Oscar e Gilberta von Pfuhl, Myrta Rosato, Gilberto Mendes, tanta gente me empurrando e eu ia aprendendo a arte dos atores".

Narradora – Em 1958 o Departamento Cultural de A Tribuna promoveu vários cursos, entre eles Arte Teatral. Em conjunto com a Comissão Municipal de Cultura e Comissão Estadual de Teatro, resolveram promover o I Festival Regional de Teatro Amador. O objetivo principal era a divulgação da cultura através do teatro, como também estabelecer um balanço dos grupos existentes.

De 1 a 20 de dezembro de 1958 apresentaram-se o Geti – Grupo Experimental de Teatro Infantil, com Menina sem Nome, de Guilherme Figueiredo; Irene, de Pedro Bloch, com o grupo Corpo Cênico da Arte Portuguesa; A Farsa dos Meninos Bonitos, de Evêncio Martins da Quinta Filho, com o o grupo Os Independentes; Chuvas de Verão de Luiz Iglezias, com Conjunto Teatral São José; As Árvores Morrem de Pé, de Alejando Casona, tradução de Waldemar Oliveira, com o Grupo de Teatro do Sírio Libanês; O Senhor Ventura, de Arnaldo Leite e Campos Monteiro, com o grupo Corporação Cênica do Centro Português; Manhã de Sol, de Serafim e Joaquim Quintero; e Auto de Fé, de Tennessee Williams, pelo Clube de Arte de Santos; e Fim de Penitência e a Mentira, de Marcelino Mesquita, pelo Teatro Comerciário do Sesc-Senac. Após o festival, Patrícia Galvão, fazendo jus ao seu prestígio de animadora cultural, funda uma associação com a participação dos grupos existentes e outros recém-criados.

"Nessa época eu ia aprendendo com muita gente que transava a cultura, mas continuava no circo. Até que o Paschoal Carlos Magno resolveu realizar em Santos o Festival Nacional de Teatro do Estudante, justamente porque havia a Patrícia Galvão e o mestre Geraldo Ferraz, que era secretário do jornal A Tribuna, e que botaram tudo na parada. A Pagu mostrou a minha peça Barrela pro Paschoal. No final do festival ele fez um estardalhaço. Disse que fazia questão que os estudantes de Santos a montassem. O presidente do Centro dos Estudantes, Osvaldo Leituga, topou. Para que a peça pudesse estrear no segundo Festival Regional de Teatro Amador em Santos, foi preciso a autorização com o timbre do Juscelino Kubitschek. Com muita onda a peça estreou no Centro Português, onde eu assinava a direção e fazia o papel do Garoto. Todos aplaudiram de pé. Platéia e elenco chorando junto. Jamais em minha vida se repetirá uma noite como aquela".

Narradora – No Festival de 1959 Plínio Marcos dirigiu mais dois espetáculos: Verinha e o Lobo, de Oscar von Pfuhl, para o Corpo Cênico do Clube de Arte, e Triângulo Escaleno, de Silveira Santes, para o Teatro Estudantil de Vanguarda. Nesse festival participaram também Os Independentes com A Demissão, de Evêncio Martins da Quinta Filho e O Rústico, de Tchecov, com tradução de Evêncio; o Corpo Cênico do Grêmio Teatral Anchieta com Lua Nova, de Enzo Poggiani, Salmo 89, de José Castellar, direção de Alcyr Viana no Centro Português, como também Os Cegos, de Michael Ghelderolde, tradução de Aníbal Machado, direção Vasco Nunes; e finalmente Fando e Liz, de Arrabal, direção de Patrícia Galvão e Paulo Lara com o Corpo Cênico do Geti no Teatro Independência. No programa, os organizadores convidam os participantes a se empenharem na luta para a construção do Teatro Municipal de Santos.

"Um dia após o Festival, só se falava na minha peça Barrela. Fui tachado de gênio pelos amigos e de comunista pelos invejosos. Os inimigos espalhavam que o sucesso era fabricado pelo Partido Comunista, que pretendia inventar um autor do povo. Eu estava no meio de tudo sem saber nada. De tanto me encherem, escrevi outra peça sem ter absolutamente nada pra dizer. Fui massacrado, tachado de analfabeto que esperava outro milagre de circo na página de artes do jornal A Tribuna. A barra pesou, tachado de analfabeto e comunista, foi dose pra leão".

NarradoraJânio Quadros renunciou e João Goulart, seu vice, assume o poder em 1963. uma mobilização encabeçada pelo empresariado conservador e setores médios da sociedade se alia aos militares que temem o fim da hierarquia e a reforma agrária. É dado o golpe de estado em 1964. Na época, Santos representou a vanguarda do sindicalismo brasileiro. Acontecimentos políticos e trabalhistas reuniam a maioria da população nas ruas. Os articuladores do golpe de 64 já vendiam a imagem de que Santos, a Cidade Vermelha, e os sindicatos, preparavam uma revolução socialista. Paralelamente, é realizada uma expurgação em todos os setores sociais importantes. Como as Forças Armadas, os serviços públicos, o magistério, os jornais e rádios. Há perseguições contra atividades culturais, censurava-se jornais, peças de teatro e filmes. Muitos artistas e políticos são expulsos do país. Quem não se recorda do navio-presídio Raul Soares?

Transferidos dos presídios e quartéis para o navio fundeado sobre um banco de areia no canal do estuário, ao largo da Ilha de Barnabé, muitos presos contraíram doenças sérias ou morreram sob tortura. Os sobreviventes preferem não lembrar o desrespeito aos direitos humanos. Castelo Branco, com o discurso de estabelecer a ordem, a paz e o progresso, apóia o capitalismo privado. Punições de todos os tipos são impostas, como as cassações e suspensões de direitos políticos. Em Santos, cassou-se o prefeito José Gomes e nomeou-se como interventor um capitão da Marinha.

Em 1967, Costa e Silva pregava o retorno à democracia. Os fatos ocorridos em seu governo provaram que a prática não era compatível com o discurso. Estudantes, com apoio de políticos, intelectuais, artistas, operários e religiosos, passaram a revolta contida para o grito em grandes passeatas. A Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro em 1968 permanece viva na lembrança de todos. Enquanto se preparavam as eleições municipais em quase todas as cidades brasileiras, a repressão continua envergonhando e amedrontando a população.

Em 1968, Esmeraldo Tarquínio é o primeiro negro eleito para o Poder Executivo em Santos. No início de 1969, antes de assumir a Prefeitura, tem seu mandato de deputado cassado. A pena se aplica a muitos democratas em todo o país. Seu vice, Osvaldo Justo, renuncia e através da intervenção federal um general assume a prefeitura. Santos é declarada área de segurança nacional, segundo eles, devido ao Porto. A Câmara Municipal permanece fechada por sete meses. As campanhas em favor da anistia e pela democracia fazem com que a população passe a aderir à frase "Autonomia para Santos". Esmeraldo Tarquínio Filho morre antes de 1984, época em que Santos elege Osvaldo Justo e seu filho Tarquínio Neto para vice. No dia 7 de fevereiro de 91, uma greve paralisa o país, é a chamada greve dos portuários. Uma greve de 24 horas, convocada pelo Fórum Sindical, paralisa a cidade, com apoio do comércio. Em 28 de fevereiro, Jarbas Passarinho cancela as 5.372 demissões e a data é oficialmente reconhecida como o Dia da Resistência Portuária.

Em 1994, Santos está no segundo governo democrático popular devido à coligação com partidos de esquerda, segundo a maioria. Plínio Marcos, de cabelos e barba grisalhos, vende seus livros nas praças:

- Olha o livro, é barato. Útil para presentear inimigos no Natal.

É o mesmo Plínio Marcos que ministra um Curso de Tarô na Oficina Cultural Pagu. Nos intervalos entre as suas oficinas, tira um cochilo em uma das celas. Um de seus livros, talvez o único de bolso, Prisioneiro de Uma Canção, escrito em 1976, nos mostra um pouco de seu mundo e sua trajetória de vida. Uma rápida pesquisa em jornais me dá subsídios para um esboço do genial dramaturgo.

Em 1962 integra a Cia. Cacilda Becker. Atuou em Cesar e Cleópatra, O Santo Milagroso e Onde Canta o Sabiá. Permanece lá um ano, mas continua a manter contato com a atriz. Para Cacilda Becker, Plínio mostrava suas peças em primeira mão. Ela dizia que com vinte palavrões e vinte palavras ele conseguia escrever uma obra-prima. Ao ler Dois Perdidos Numa Noite Suja, em 1966, temia que Plínio fosse malhado em praça pública. Acompanhava-o nas passeatas, liderou o movimento para libertação na censura de Navalha na Carne.

Cedeu sua residência para que os intelectuais pudessem assistir a leitura da peça. Ficou especialista em tirar Plínio da cadeia. Ao saber que o dramaturgo estava preso sob suspeita de assaltar um banco, enfrentou o general Silvio Andrade, afirmando que Plínio escrevia peças e que contra isso os canhões dele de nada adiantariam. Na Cia. de Cacilda conheceu Valderez de Barros, com que contraiu matrimônio, e teve Cacilda como madrinha.

Na apostila História do Teatro Brasileiro, Carmelinda Guimarães o considerou um dos autores mais importantes que surgiu no período da ditadura militar. Parecer da jornalista e crítica teatral: "Plínio Marcos levou à cena situações do submundo. Seus personagens são lumes massacrados pelas engrenagens de uma sociedade desumana, alheia aos direitos civis e à ética".

Plínio Marcos , depois de escrever Barrela em 1958, escreve Dois Perdidos Numa Noite Suja, Navalha na Carne, Homens de Papel, Quando as Máquinas Param, A Jornada de Um Imbecil até o Entendimento, Abajour Lilás, A Mancha Roxa, Uma Reportagem Maldita (Querô), Oração para um Pé de Chinelo, Na Barra do Catimbó, Histórias das Quebradas do Mundaréu, Na Aldeia do Desconsolo, Novas Histórias na Barra do Catimbó, como também o livro de bolso Prisioneiro de Uma Canção.

"Eu escrevo sobre prostitutas, homossexuais, gigolôs. Sou repórter de um tempo mau. Relato as misérias humanas e às vezes as grandezas".

Narradora – Nelson Rodrigues em entrevistas à TV Cultura prenuncia em Plínio seu sucessor.

Marco Antonio Rodrigues, diretor de teatro, o considera o maior representante da cultura popular que a cultura elitizada teima em não aceitar.

Quem é afinal Plínio Marcos?

- "Quem sou eu? Sou apenas um saltimbanco canastrão, cheio de ranço, vaidade, melindres, besteiras, tradições, invejas, rancores, ciúmes, experiência de vida, afirmações doentias. De dia sou tudo isso e ainda torço pelo Jabaquara".

Pesquisa de Urivani Rodrigues de Carvalho.

Terezinha Tadeu em Sang City, de Neri Maria, direção de Emílio Di Biasi

Foto publicada com o texto