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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - TEATROS
Memórias do Teatro de Santos (18)


Clique na imagem para voltar ao índice da obraComo em muitas outras cidades brasileiras, a memória do teatro santista raramente é registrada de modo ordenado que permita acompanhar sua história e evolução, bem como avaliar a importância dos artistas no contexto nacional, rememorando as grandes atuações, as principais montagens etc.

Uma tentativa neste sentido foi feita na década de 1990 pela crítica teatral santista Carmelinda Guimarães, que compilou depoimentos escritos e orais, documentos e outros registros, nas Memórias do Teatro de Santos - livro publicado pela Prefeitura de Santos em 1996, com produção de Marcelo Di Renzo, capa de Mônica Mathias, foto digitalizada por Roberto Konda. A impressão foi da Prodesan Gráfica.

Esta primeira edição digital em Novo Milênio foi autorizada pela autora, Carmelinda Guimarães, em 6 de janeiro de 2011. O exemplar aqui utilizado foi cedido pelo ator santista Osvaldo de Araujo:

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Memórias do Teatro de Santos

Carmelinda Guimarães

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Na boca, o teatro de cabaré

Depoimento de Bandeira Júnior,

cronista da Boca em A Tribuna, nos anos 60

Nos anos 20, o ângulo reto, formado pelas vias públicas João Otávio e General Câmara, sofria lenta mudança arquitetônica: a substituição de velhas residências por lojas e armazéns adaptados ao novo comércio diuturno, ali florescente, graças à passagem de bondes e táxis que percorriam toda a extensão do cais, do Valongo aos Outeirinhos, ou melhor, do armazém um ao vinte e cinco, que era, na época, o último da Companhia Docas de Santos.

O pioneiro, parece ter sido o Restaurante Chave de Ouro, prédio do decênio anterior, que, reformado em estilo art nouveau, foi reaberto em 12 de fevereiro de 1921, pela firma Gastânero & Peres.

O novo estabelecimento – served by girl – como seriam todos nesse nascente bairro noturno – britanizou o nome para Golden Key com música de quarteto de cordas.

Depois deste, o mais antigo da Boca seria o American Star Bar, que existe até hoje. Nessa mesma rua, surgiram e desapareceram spots lights registrados com estes nomes: Bar ABC, La Barca (antiga Padaria Marítima), Pan Americano, Bataan, Night an Day, Zanzi Bar, Oslo, Santa Magdalena, Tropicália, Bear House, Bergen e Papa Jimmy's.

Na General Câmara: Samba Danças, Bar de Paris, Simphony, Cha-cha-chá, Galo de Ouro, A Boneca, os eletrônicos Patsa, Akrópolis, Zorba e Hella's, e, na efervescente última quadra: Sweden, Seamen's House, Hamburg, Drink's 490, Love Story, Casablanca (do filme homônimo), Monte Carlo (num sobrado), Amsterdan, My Love (o mais novo), Tatooing (de tatuagem), Buomi, El Moroco (depois Flamingo), Scandinavia e, do outro lado da rua, o Bar Porto Rico.

Nas vias adjacentes funcionaram: Vagalume e Coruja, na Rua Aguiar de Andrade; O Fugitivo e Marron Glacê, na Rua João Pessoa, e a Travessa Dona Adelina recebeu o Île de France, que mr. Rudolf de Montmorency transferiu do Gonzaguinha (São Vicente) para a trepidante Boca, vizinho do Las Vegas, da dupla Abel-Julinho.

Durante o dia, a chamada Boca era prosaica, porém à noite a metamorfose fazia esse trecho urbano explodir em luzes e letreiros coloridos a gás neon e ao som de muitas orquestras.

Entre os anos 60/7 esta zona popular atingiu seu apogeu. Nesse período de ouro, turistas da Capital e do Interior e mesmo pessoas da sociedade da Baixada iam assistir os excelentes shows dessas casas noturnas.

Pelas ruas asfaltadas deslizavam carros de todos os tipos, de jipes a Galaxes; e, nas calçadas, desfilava verdadeiro caleidoscópio humano de atmosfera feliniana.

Os aplausos começaram no velho Night and Day, com espetáculos comandados por Carlan que, se tivesse capital, seria um Carlos Machado. No Casablanca, a atração foi durante algum tempo o grupo Les Girls, sob a liderança de Carlos Gil (hoje, costureiro da TV Globo); houve também longa temporada com o Caribe Steel Band, cujos componentes acabaram morando na Baixada. A Orquestra Ramon Torrera (ex-bandoneon de Francisco Canaro) e Tobias Troisi, sem dúvida o melhor violinista brasileiro, eram o ponto alto do Las Vegas, juntamente com o tangueiro Galhardo.

No Île de France, além de Cléia Maria – a melhor cantora da Orla -, apresentava-se a dupla apache Margot Gisper-Angel Del Rio.

O endereço mais concorrido era o Flamingo, do espanhol Jesus de Castro Duran, a começar pela música de Elvira and Her Golden Girls, o melhor conjunto feminino do País, os balés de Guacy Mahu e Jussara Lins, números de strip-tease, e a presença (semanal) dos maiores intérpretes da M.P.B. e artistas internacionais como o flamenco Carlos Molina, a cubana Flor de Lótus (atualmente nos Estados Unidos) e "el rey del bolero" Gregório Barrios.

O Flamingo fechou em 1971. Oscar Guerra, considerado o Rei da Noite, inaugurou o Love Story e o My Love, complexo semelhante ao Love Story (bar esplanada, restaurante e duas boates), porém sem mais requinte.

O gentlemen da Boca, Custódio Gomes Martins, e seus sobrinhos Aurélio, Augusto e Alberto, abriram o ABC House Night Club, na esquina da Rua João Otávio e travessa Dona Adelina.

(Depoimento de Bandeira Júnior,

cronista da Boca em A Tribuna, nos anos 60).

A chamada Boca em minha época de jovem, nos idos de 1953 até 1960, marcou uma fase magnífica da noite santista. A cidade vivia bons momentos com pujança do café e uma economia crescente em todos os segmentos como o comércio em geral, Alfândega, despachantes aduaneiros etc. Os navios aportavam aqui e seus marinheiros a freqüentavam procurando uma distração após longos dias no mar. A juventude santista de todas as classes também comparecia.

Minhas preferências recaíam no El Moroco, Night and Day e Samba-Danças e explico porque. No Samba-Danças tocava uma grande orquestra, havia bailarinas e se apresentavam grandes cantores como Jamelão. No fim da noite, o famoso cachorro-quente vendido em frente era "de lei", como se dizia na época, e depois a corrida para pegar o último bonde noturno para o regresso, porque normalmente o dinheiro tinha acabado.

No Night and Day e principalmente no El Morocco, onde esta grande figura da noite, o Julinho, se fazia presente. Eram casas sensacionais. Tive oportunidade de assistir vários shows internacionais e nacionais de altíssimo nível e que em minha opinião superavam os espetáculos da capital. O show apresentado por Carlan, cantor e produtor, era deslumbrante. O Caribe Steel Band, novidade na época, marcou uma geração que gostava de música. As apresentações da orquestra de Ramon Torrera, com Carlos Galhardo, grande cantor, eram um sucesso. Nesta orquestra, inclusive, às 4 horas da manhã, quando do encerramento, o falecido Peirão de Castro recebia uma canja da orquestra e dava o seu recado. Era sem dúvida um bom cantor.

Quando o dinheiro não faltava, a janta normalmente era no chave de Ouro, famosíssimo. Na década de 60 novas casas foram surgindo, grandes transformações se observavam na cidade, mas a noite continuava brilhante e várias vezes frequentei-a já com minha mulher e casais amigos e muitas vezes jantávamos no famoso Almeida, que apesar de não ser na Boca, era um ponto de encontro e fazia (como até hoje) um tradicional caldo verde.

Florival Amado Barletta.

Elenco de Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues. Sentado, Juarez Semog

Foto publicada com o texto