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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Melhor arroz do mundo...

Uma curiosa citação de Debret...

Está lá, na obra famosa do francês Jean Baptiste Debret, Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (Voyage pittoresque et historique au Brésil), no capítulo "Observações geográficas", o curioso elogio ao arroz santista, destacado no grifo nosso:

Província de São Paulo - Tem por limites: ao Norte Goiás e Minas; a Leste Minas Gerais, Rio de Janeiro e o oceano; ao Sul Santa Catarina e a Oeste Paraguai e Mato Grosso. São seus produtos principais o café, o vinho, a mandioca, o milho e tabaco; seus cavalos e mulas são muito procurados. Criam-se nos vastos campos de Curitiba e são objeto de importante comércio.

É sua capital a cidade de São Paulo, situada a 23º 33' de latitude e 3º 28' de longitude ocidental. Possui sede episcopal. A província divide-se em três comarcas.

A primeira compreende as cidades de São Paulo, Santos, que produz o arroz mais apreciado do Brasil e é o entreposto da província de São Paulo, e cujas comunicações com o planalto são favorecidas por uma magnífica estrada pavimentada, aberta na rocha viva, através da alta cadeia de montanhas chamada serra de Paranaguá. As outras cidades desta primeira comarca são: Itanhaém, São Sebastião, Cunha, Vila Bela da Princesa, Parnaíba, Ubatuba, Jundiaí, São Vicente, São João Atibaia, Nova Bragança, Jacareí, Lorena, São José Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Moji das Cruzes, Taubaté, São Miguel das Areias.

A segunda comarca, de Itu, compreende as cidades de Itapetininga, Sorocaba, Apiaí, São Carlos, Itapeva e Porto Feliz.

A terceira, de Paranaguá e Curitiba, compreende as cidades de Paranaguá, Iguape, Curitiba, São José, Guaratiba, Antonina, Castro, Cananéia, Vila Nova do Príncipe.

O relato, escrito no final do primeiro reinado (D. Pedro I), quando Debret freqüentou as Cortes cariocas, inclui o Paraná como parte da então província paulista, como de fato ocorria então, e coloca Iguape como parte da terceira comarca, formada por cidades do futuro estado vizinho e do extremo Sul litorâneo paulista.

A estranheza é que, embora Santos até contasse com algum cultivo de arroz - iniciado em 1536 por Braz Cubas (fundador de Santos) em suas terras na atual Ilha Barnabé, com grãos trazidos da ilha de Cabo Verde -, a rizicultura sempre foi tratada na região como atividade de subsistência, em pequena escala, já que em matéria agrícola eram bem mais importantes a cana-de-açúcar e a pecuária.

Nem mesmo o porto santista era tão influente então, que formasse um pólo de embarque dos produtos de outras comarcas. Iguape e Cananéia, por exemplo, contavam com embarcadouros próprios para o escoamento de suas produções destinadas ao Rio de Janeiro.

Entretanto, no Paicará, um arrabalde do então distrito santista do Guarujá, era em 1900 montado pelo empresário Hermano Backeuser um equipamento beneficiador de arroz, conforme registrou o antigo jornal Cidade de Santos, em 28 de julho de 1900:

Imagem: reprodução de notícia do jornal Cidade de Santos de 28/7/1900

Cabe por justiça a Iguape, já desde a época em que Debret esteve nestas terras tropicais, o título de melhor arroz não só do Brasil como do mundo. Essa Vila de Nossa Senhora das Neves de Iguape tem obscura história de fundação, nas primeiras décadas do século XVI, e seu primeiro ciclo econômico foi devido à mineração, que decaiu com a descoberta das Minas Gerais. Prossegue daqui o historiador local Roberto Fortes, citado de seu livro Iguape... Nossa História:

Somente em meados do século XVIII é que a Vila começa a se erguer economicamente, com o advento das atividades ligadas à construção naval, ocasião em que estabeleceram-se em Iguape muitos estaleiros, nos quais foram construídos inúmeros navios e barcaças, encomendados por importantes armadores de Santos e Rio de Janeiro.

Entre o final do século XVIII e início do século XIX, a Vila de Iguape conheceu o seu ciclo econômico mais importante e faustoso: o ciclo do arroz.

A elite agrária da Vila – constituída por muitos fidalgos portugueses e também por agricultores da terra, todos proprietários de numerosa escravatura e donos de imponentes palacetes – concentrou todo o seu capital na lavoura do arroz, cuja qualidade correu o mundo, assegurando à Iguape um lugar privilegiado na exportação desse produto, o que garantia aos abastados senhores, expressivos dividendos.

A era do arroz destacou a Vila de Iguape como uma das mais importantes do Império: seu porto, um dos principais do país; sua sociedade, elitizada e fina, comparada à da Corte do Rio de Janeiro.

Ruínas de um engenho de arroz de Iguape/SP

Foto: Câmara Municipal de Iguape

No entanto, em agosto de 1827 foi iniciada a abertura do Canal do Valo Grande. Até essa época, todo o transporte de sacas de arroz era feito em canoas até o Porto do Ribeira e dali eram transportadas em carroças até o Porto de Iguape (Porto Grande). Para facilitar o transporte das sacas e também reduzir as despesas com fretes, decidiram abrir esse canal que só foi totalmente terminado por volta de 1852, quando então possibilitava acesso a uma canoa por vez.

Com o tempo, a obra se revelou fatal para a economia iguapense, pois suas margens começaram a desbarrancar, devido à força das águas do Rio Ribeira que passaram a entrar pelo canal, e essa areia começou a ser depositada em frente ao Porto de Iguape, o que aos poucos, foi impedindo a entrada de navios.

Depois de muitos anos de lutas, o Valo Grande foi finalmente fechado em 3 de dezembro de 1978, pelo então governador Paulo Egydio Martins, com a construção de uma barragem nas imediações do Porto do Ribeira, o que hoje também acarreta problemas socioambientais, ligados à pesca e à agricultura.

Com a abertura do Valo Grande, a economia de Iguape foi enfraquecendo, retomando sua força a partir da segunda metade deste século (XX), com maiores investimentos no setor terciário, ou seja, no comércio e mais recentemente, na área do turismo e ecoturismo, estes considerados, atualmente, a base de sua economia.

Esse relato é complementado por outros, que relembram ser aquela uma região disputada por espanhóis e portugueses, em vista da falta de clareza na demarcação dos direitos relativos ao Tratado de Tordesilhas (de 1494), cuja linha de longitude por ali passa. A própria fundação de Iguape é datada oficialmente como em 3 de dezembro de 1538, embora já existissem referências da presença de espanhóis na região em 1498, antes mesmo da descoberta do Brasil por Cabral.

Em 1534, os habitantes espanhóis de Iguape (os "caparinos", devido à localização da vila defronte à Barra do Icapara) tomaram uma nau pirata francesa durante uma batalha e, com ela, se aventuraram numa investida contra São Vicente (onde residiam os portugueses, conhecidos como "vicentinos"). Perdeu-se nesse ataque a São Vicente o Livro do Tombo desta cidade, e com ele grande parte da história escrita do Brasil até então. No ano seguinte, os espanhóis de Iguape se retiraram para a Ilha de Santa Catarina.

Surgiu em 1577 a Freguesia de Nossa Senhora das Neves, que posteriormente, em data incerta, passou à categoria de vila e, pela lei provincial 17, de 3/4/1849, passou à categoria de cidade com o nome de Bom Jesus da Ribeira. Com os protestos da população, o governo provincial promulgou a lei nº 3, de 3/5/1850, mudando o nome da cidade para Bom Jesus de Iguape, tradicionalmente abreviado depois para Iguape.

Vista aérea da cidade de Iguape, em fins do século XX

Situada na foz do Rio Ribeira de Iguape, importante ponto de acesso ao interior brasileiro já no tempo de Martim Afonso, Iguape muito se beneficiou da descoberta de ouro na Serra de Paranapiacaba e do conseqüente trânsito fluvial para as cidades surgias ao longo desse rio (como Sete Barras, Juquiá, Registro, Jacupiranga, Apiaí, Pariquera-Açú e Iporanga e outras). Contam os historiadores locais que ali funcionou a primeira Casa da Moeda do Brasil, em 1630, em função do importante ciclo minerador na região (em cujo auge, conta-se, as mulheres usavam pó de ouro na maquiagem e para enfeitar os cabelos...).

Com a queda da mineração, surgiu o ciclo do arroz, que tornaria a pequena vila uma das localidades mais influentes do Império. O título de "melhor arroz do mundo" foi concedido em 1911, através de um Diploma de Honra na mostra "Exposizione Internacionale Delle Industrie e Del Lavoro", realizada na cidade italiana de Turim.

Conta a Associação Eco-Juréia em sua página Web sobre Iguape:

(...) desde o início do  século XVIII, os mangues, os charcos, as várzeas e os brejos, propícios ao cultivo do arroz, já vinham sendo utilizados em grandes plantações. Esse arroz produzido, de excelente qualidade, passou a ser intensamente comercializado em Iguape, com destino à Europa. O sucesso dessa exportação provocou, a partir de 1840, o renascimento de Iguape, iniciando um novo período de prosperidade, cujo apogeu econômico se estendeu por volta de 1900. Nesse período, pelo menos cinco beneficiadoras do produto trabalhavam com força máxima, chegando a lotar dez grandes navios, em média, por semana.

Na época, a sua importância como porto estava diretamente ligada ao Rio de Janeiro (capital do país) e não a São Paulo, que era a capital do Estado. E, mais uma vez, o Vale do Ribeira vai aproveitar os meios de comunicação que a natureza lhe proporcionou, ou seja, os rios.

Iguape, vista desde a Pedra Lisa, no Morro do Espia

Foto: site da Associação Eco Juréia

Isto incentivou o surgimento da navegação fluvial, com linhas freqüentes de barcos a vapor, para escoar a produção até a cidade, para a sua comercialização, beneficiamento e exportação pelo porto de Iguape. Como conseqüência, desenvolve-se a indústria da construção naval na região, com embarcações necessárias ao transporte do arroz.

O afamado "arroz de Iguape" era procurado em todos os centros consumidores. Para se ter uma idéia de sua importância, em meados do século XIX, dos 119 engenhos de beneficiamento existentes na Província de São Paulo, pelo menos 100 se localizavam no Vale do Ribeira.

Assim, Iguape se consagrou como pólo econômico mais importante da região, chegando a possuir seis jornais, uma escola agrícola (desde 1858), um Consulado Francês permanente (até 1905); para se ter uma idéia, a sua população estava acostumada a freqüentar espetáculos vindos diretamente da Europa.

Iguape possuía dois portos: um marítimo, no Mar Pequeno, e outro fluvial, no Rio Ribeira de Iguape, nas proximidades da cidade. Além do arroz, diversos produtos como milho, feijão, mandioca, aguardente e outros eram transportados por embarcações até o porto fluvial e de lá, por via terrestre, até o porto marítimo, onde eram embarcados em navios de grande calado. No sentido de facilitar o transporte, assim como baratear o preço dos produtos para exportação, foi solicitada a D. Pedro II a abertura de um canal que unisse o porto fluvial ao porto marítimo. Considerando a importância de Iguape, na época, nivelada a do Rio de Janeiro e mesmo de Salvador, não houve dificuldades para liberação daquela que seria considerada uma das primeiras e mais importante obra hidráulica do país: o Valo Grande.

Em 1855, estava concluído o canal de 4 m de largura e 2 km de extensão, ligando então o porto fluvial ao marítimo, criando uma ilha artificial (a Ilha de Iguape). Assim as água volumosas do rio, agora encontrando um caminho mais curto para o mar, passaram a entrar pelo canal, corroendo os barrancos e invadindo os terrenos ribeirinhos. A ação erosiva do Rio Ribeira sobre as margens do Valo Grande, colocou em perigo a própria segurança da cidade. Em menos de um século, a largura do canal passou de 4 para 300 metros. Os sedimentos carreados pelo rio foram se depositando no Mar Pequeno, promovendo o assoreamento do porto, de tal forma que, já no início do século XX acabou por impedir a aproximação de embarcações.

As dificuldades no atracamento dos navios, inviabilizando o porto, iniciam uma crise fatal que conduz à decadência econômica da região. Essa situação se concretiza com as medidas adotadas pelo governo para favorecer o porto de Santos, entre as quais, a construção da Estrada de Ferro Santos-Juquiá, em 1914. A região, com uma economia ativa nos séculos XVIII e XIX, foi praticamente abandonada no início do século XX, pelas dificuldades de acesso terrestre, pelas terras de baixa produtividade e pela mudança do eixo de exportação.

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