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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
A estrada dos carros de eixo móvel

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Texto de Francisco Martins dos Santos, extraído do livro História de Santos, de autoria desse pesquisador, republicado em 1996 junto com a Poliantéia Santista de Fernando Martins Lichti, pela Editora Caudex Ltda., de São Vicente-SP, primeiro volume:

Francisco Martins dos Santos

Ao findar aquele ano de 1844, já os carros de eixo móvel transitavam na Serra da Maioridade. O transporte pessoal era feito pelos banguês, traquitandas e diligências. Ao iniciar-se o ano de 1845, esse transporte de grandes pesos e volumes pelos carros de eixo móvel era intenso. Começava a declinar o regime das tropas arreadas, podendo-se dizer que aqui terminava o "ciclo de transporte em tropas de muares" iniciado em 1757.

Em 1846 D. Pedro II subiu a Serra, vindo de Santos para São Paulo (1). Em 1848 dava-se nova regulamentação às barreiras de Cubatão, estabelecidas pela Lei de 1835.

Em 1848, o presidente Pires da Mota informava à Assembléia que na Estrada da Maioridade subiam e desciam, para Santos, carros pesadamente carregados.

Pico da Serra, monumento erigido no ponto mais alto da Calçada do Lorena

Cinco anos antes, em 1841, Francisco de Assis Vieira Bueno, conforme relatou em sua Autobiografia, ainda desceu a serra pela estrada antiga, mas na volta subiu pela picada da Estrada da Maioridade, e disse naquele livro:

Então, quando por alguma aberta da estrada avistava algum trecho da calçada da Estrada Velha (do Lorena), parecia-me um paredão a pique, tão íngreme era ela.

A mesma comparação foi feita alguns anos depois, pelo conselheiro Albino José Barbosa de Oliveira, ao obter o favor de passar pela Estrada da Maioridade (em 1847) - quando decerto esteve fechada ao público -, observando:

Foi grande favor, porque a serra velha era um abismo.

É possível que a viajante Ida Pfeiffe - que fez a viagem de Santos a S. Paulo em 1846 - tenha subido a serra ainda pelo caminho antigo, porque disse:

Caminho horrível, escarpado, cheio de caldeirões, fendas, atoleiros, nos quais os nossos pobres bichos afundavam freqüentemente até acima dos joelhos.

Todavia, no ano seguinte, um viajante americano que subiu de Santos para S.Paulo - Samuel Greene Arnold - parece não ter reconhecido vantagens muito positivas na picada aberta pelo brigadeiro Tobias, e continuada pelos outros:

Na subida da serra havia árvores caídas sobre o caminho, a terra desmoronada atalhava o passo dos animais, e barrancos profundos com torrentes, como rios, tornavam perigosa a passagem.

Arnold achou que o caminho antigo, totalmente pavimentado, era até melhor para o tempo chuvoso, apesar de ser muito empinado.

O novo - o da Maioridade - era pavimentado em alguns trechos, e em outros macadamizado. Era mais largo e menos empinado que a estrada velha, mas estava terrivelmente destroçado pelas chuvas.

Há trechos interessantes no diário de Samuel Arnold, publicado em livro, sob o título Viagem pela América do Sul. Um deles, é quando confessa o seu encanto e o da sua comitiva ante a beleza das matas que se via ao subir a serra, os pássaros que ouvia e os panoramas santistas que contemplava à distância:

Uma das espessas selvas virgens do Brasil cobre as faldas da serra. Encontramos árvores gigantescas e denso matagal, arbustos abertos em flores, palmeiras, bananeiras e grande número de vegetais para mim desconhecidos. A mata estava cheia de pássaros cantadores, alguns entoavam vozes muito melodiosas. Faço esta observação porque dizem que não são comuns nos trópicos os pássaros canoros. Descortinava-se da serra um belíssimo panorama lá embaixo: a rica planície pantanosa recortada de rios. Santos ao longe e, mais além, o mar.

Era a mais poética das descrições feitas por viajantes estrangeiros, da travessia do Caminho do Mar, abrangendo a visão magnífica, que ainda hoje se desfruta e sempre com o mesmo encanto (talvez mais bela ou mais completa agora), em toda a subida daquelas serras.

Pouso de Paranapiacaba, no Caminho do Mar, em foto de fins do século XX

Arnold levou doze horas na ida a S. Paulo e apenas seis horas e meia "de longa e trabalhosa peregrinação" na volta, e que nos dispensamos de transcrever.

De qualquer modo - apesar desses defeitos- parecem ter sido melhoradas notavelmente, então, as condições de comunicação de São Paulo com a marinha, depois dos trabalhos de que resultara a picada da Maioridade. O Relatório da Presidência da Província, em 1844, já citado anteriormente, não escondia as suas deficiências, mas declarava as razões: "metade da serra, com pequena diferença, está irregularmente aberta, tendo a largura de vinte a trinta palmos na parte superior, e apenas quinze a vinte na inferior, sendo ainda menor sua largura nas pedreiras, em razão da falta de pólvora para arrebentá-las".

Mas, com todas as suas deficiências, era enfim um caminho carroçável, e o relatório do presidente Pires da Mota (Padre Vicente Pires da Mota), reconhecido em 1850: "A Estrada da Maioridade, esta obra para nós gigantesca (do brigadeiro Tobias), oferece trânsito fácil e cômodo e por ela sobem e descem carros pesadamente carregados".

Importantíssima, sem dúvida, esta fase do Velho Caminho do Mar, permitindo a modificação do sistema de transportes e o início das linhas de diligências para passageiros, precursoras e predecessoras das grandes empresas rodoviárias de hoje, com seus moderníssimos e confortáveis ônibus.

Rancho da Maioridade no Caminho do Mar, em foto de fins do século XX

O grande papel econômico da última fase daquele Caminho, situada entre 1829 e 1867, manifestava-se, principalmente, pela grande importação do homem branco e livre, que devia dilatar e engrandecer a economia paulista.

Todos os inúmeros (milhares) colonos e agricultores estrangeiros trazidos por Nicolau Vergueiro, para Ibicaba e Santo Amaro, e em seguida para as novas colônias agrícolas, como a Colônia Vergueiro, a Sete Quedas e Tapera em Campinas; a Morro Grande em Jundiaí; a Santa Bárbara e Morro Azul em Limeira; a São Lourenço e a Santo Antônio em Constituição; a Novais em Lorena; a Varador em Santa Isabel; a Lagoa Nova em Limeira; a São Joaquim em Jundiaí; a Morro Grande em Rio Claro; e as demais situadas naquele período, como Boa Vista, Santo Antonio, São José, Tatu, Dores, Cresciumal, Cauvitinga, Florence, Nova Granada, Getubá, Independência, Pouso Alegre, Angélica, Boa Esperança, Laranjal, Capitão Diniz, Nova Louzã, totalizando mais de 60.000 colonos, respondendo pela formação de novas cidades e municípios e pela nova riqueza paulista, passaram por ali, por aquele Caminho do Mar, a pé, em lombo de bestas e finalmente em carroças, naquela fase da Serra da Maioridade, e suas impressões e emoções daquela travessia, que nunca foram escritas, estão reproduzidas, por analogia expressional, nestes depoimentos diversos que desdobramos diante do leitor de hoje.

São Paulo despertava para o progresso, pelo sangue novo carreado por aquela grande artéria. Em 1835, as fazendas de café já eram em número de 1.212, os engenhos de açúcar, 576, e as fazendas de criação, 456. A abertura constante de grandes fazendas, nas zonas de Campinas, de Itu, de Limeira, de Tietê, de Rio Claro, e outras, deram origem, antes do advento da Estrada Inglesa (inaugurada em 1867) às próprias estradas de ferro do Interior como a Paulista, a Mogiana, a Ituana, e a Estrada S.Paulo Rio de Janeiro (hoje tronco da Central do Brasil), todas resultantes de iniciativas e impulsos criadores de paulistas que sentiam a força dos novos surtos provinciais.

Em 1870, como resultado desta fase de renovação agrícola, já São Paulo produzia 437.580 sacas de café (16% da produção nacional). A receita da Província beneficiava-se com a movimentação de novos capitais, de novas gentes e novas atividades comerciais e industriais, passando dos 248:215$000 de 1835, para 437:922$000 em 1850, 1.122:540$000 em 1860, e perto de 2.500:000$000 em 1870.

Campinas, que era vila desde 1797, já em 1842 era elevada à categoria de cidade. O mesmo aconteceria com Santos, que elevada a Vila entre 1546/1547, via-se promovida a cidade em 1839, ambas articuladas como bases do movimento renovador, proporcionado pelo aperfeiçoamento do Caminho do Mar e pela imigração intensificada.

Pobres Tropeiros de SãoPaulo, 1823, aquarela de Jean-Baptiste Debret

Imagem: Iconografia Paulistana do Séc. XIX, 1998, Metalivros/BMeF, SP/SP

Em Santos, tudo ia crescendo, a renda da Alfândega, a renda municipal, a população e o número de prédios. Em 1840, o café já era o primeiro produto de exportação, com 110.000 arrobas (em números redondos).

Em 1854, a população de Santos, que em 1830 era de 5.500 habitantes, passara a quase oito mil (7.855), em 1871 subiria a 9.191, notando-se o extraordinário decréscimo da porcentagem escrava (45% naqueles anos citados - e apenas 22% neste último ano).

Dispunha assim, a Província, em meados do século XIX, para comunicação entre a capital e interior e o porto de Santos, de um caminho que era sensivelmente superior às picadas e veredas dos primeiros tempos e às estradas anteriores, incluindo a última e mais famosa - a do Lorena - mas que, ainda assim, não satisfaria totalmente, sobretudo em face da necessidade de descida das várias zonas que se abriam no hinterland para o lagamar santista, em proporções cada vez maiores, das cargas de café e outros produtos.

Rancho da Maioridade no Caminho do Mar, em foto de fins do século XX

A confissão contida no Relatório do presidente Nabuco de Araújo, em 1852, parecia resumir e colocar em seus termos exatos a importante questão:

O Caminho da Maioridade ou de Cubatão, ao cume da serra, jamais será uma estrada normal e própria para a viação de rodagem, se a deixarem em seu rumo atual.

Preparava-se, ao que sabemos hoje, na intimidade dos conciliábulos políticos e administrativos, o melhor advento imperial da velha estrada, conhecida depois como Estrada do Vergueiro.

NOTA DO AUTOR:

[1] O capitão Antônio Martins dos Santos, nosso avô, ex-deputado à Constituinte Paulista e às primeiras legislaturas, conselheiro provincial, era presidente da Câmara de Santos em 1846, por ocasião da primeira visita de D. Pedro II à cidade, cabendo-lhe, por isso, chefiar a comitiva de autoridades e pessoas gradas que foi a Cubatão e à raiz da Serra da Maioridade, acompanhando o Imperador. Antônio Martins dos Santos era o recebedor ou administrador das rendas da Província e do Império em sua terra, sendo em conseqüência a autoridade maior da própria Barreira Fiscal do Cubatão, muito importante na época, que pertencia, hierarquicamente, à Recebedoria de Santos.

Nessa ocasião, ele ofereceu ao Imperador tacharas de prata para as suas refeições, e colhedores de água para a travessia da serra, feitos de coco lavrado, com longo cabo de prata e rebordos do mesmo metal.

Pelos serviços então prestados a si e à sua comitiva, quis D. Pedro agraciá-lo com o título de Barão de Santos, e Antônio Martins dos Santos pediu licença a S. Majestade para não aceitar tal título, que era contrário aos seus princípios. Ofereceu-lhe então D. Pedro o Hábito de Cristo, no grau de Comendador da respectiva Ordem, e mais o título único - que não seria repetido - de Guarda ou Guarda-mor da Serra da Maioridade, mais uma espingarda simbólica, chapeada a ouro e cravejada de pedras preciosas, onde se lia a inscrição (sobre o dorso): "Arma de caça de S. Majestade D. Pedro II". Foi ele o único Guarda ou Guarda-mor da Serra da Maioridade, ou do célebre Caminho do Mar.

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