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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BAIRROS DE SANTOS - SÉCULO XXI - [35]
São Bento

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Publicado em 9/8/2010 no jornal A Tribuna de Santos, página A-3


ELAS BORDAM O MORRO CONTRA A VIOLÊNCIA - Um dos bairros mais antigos e tradicionais de Santos, o São Bento luta contra o aumento da violência e da criminalidade. A comunidade aposta em sua história para reverter esse quadro. E as bordadeiras fazem parte da tradição do morro. A maioria delas vem de Portugal e a arte de bordar é aprendida em família. As peças, verdadeiras raridades, atravessam continentes.

Augusta Fernandes criou os seus nove filhos com a arte do bordado

Imagem: reprodução parcial da primeira página de A Tribuna de 9/8/2010. Foto de Walter Mello

Tradição é aposta da comunidade

Comunidade local se une para mudar imagem de bairro violento, que se acentuou nas últimas três décadas

Luiz Gomes Otero

Da Redação

Um dos bairros mais antigos e tradicionais de Santos, o Morro São Bento luta para se livrar do estigma do aumento da violência e da criminalidade, que se criou nas últimas três décadas.

E aposta justamente em sua história para reverter esse quadro, incentivando as visitações de turistas através da linha de ônibus Conheça Santos, difundindo a sua cultura local e criando equipamentos públicos para atender a população local.

E o interessante é o paradoxo que essa situação criou. Muito embora quem more no morro não questione a existência de problemas com a segurança, ao mesmo tempo, garante que vive em um núcleo de forma pacífica. E não trocaria sua casa por nenhum outro lugar da Cidade.

São pessoas que residem há mais de 40 anos na área. E hoje em dia contam com uma série de serviços que no início da ocupação sequer imaginavam conseguir.

Comerciante há nada menos que cinco décadas no morro, Alzira de Jesus Gomes, de 77 anos, é um símbolo da evolução do bairro. No Armazém Jardim, um bar e mercearia localizado na Rua Assunção de Nossa Senhora de Assunção, que inaugurou ao lado do marido, já falecido, ela viu o desenvolvimento do bairro como poucos.

"No começo, nós não tínhamos nada aqui. Nem asfalto na rua. Hoje a quantidade de carros que passa por aqui é muito grande. E o número de casas aumentou muito mesmo", sentenciou a comerciante.

No início, ela conta que o pão e o leite servidos no local eram fornecidos por uma padaria da Vila Mathias. "Meu marido ia buscar a pé com um cesto. Lembro que dava para contar nos dedos o número de casas erguidas no local naquela época".

A construção do Centro Turístico, Esportivo e Cultural (Cetec) do Morro São Bento, inaugurado em 2008, serviu não só para aproximar a população de serviços como aulas de informática, dança e prática de esportes, além de uma biblioteca.

Concentração

8.117 habitantes

é a população estimada do Morro de Sâo Bento, com base no Censo do IBGE de 2000

 


Quantidade de carros nas ruas e o crescente número de residências atestam os avanços que o local alcançou ao longo das últimas décadas

Foto: Walter Mello, publicada com a matéria

Localizado na Rua São Luís, o Cetec é um espaço utilizado pelas secretarias municipais de Educação, Esportes e Cultura, que também tem como objetivo promover a divulgação do Rancho Folclórico Madeirense, um grupo formado por descendentes e imigrantes da região da Ilha da Madeira.

O grupo hoje é presidido por Claudete Pereira de Sousa, filha de imigrantes portugueses. Ela cuida pessoalmente da confecção das roupas, que buscam retratar fielmente a cultura da região de origem dos seus pais.

"Para mim é motivo de orgulho poder ajudar a preservar a tradição do morro como ponto de ocupação desse povo que tem uma história muito rica e bonita", assinalou.

Muros de arrimo - Desde 2005, as obras de drenagem e alargamento realizadas pela Prefeitura beneficiaram as ruas Santa Izabel e Santo Alexandre, que também teve a escadaria recuperada. Já as ruas São Miguel, Santa Valéria e Santa Clara foram pavimentadas e muros de arrimo foram construídos nas ruas São João, Santa Margarida, Santa Luzia, Santa Tereza e São Silvestre, que também recebeu impermeabilização.

Segundo o secretário municipal de Desenvolvimento e Assuntos Estratégicos, Márcio Lara, o Programa Santos Novos Tempos prevê novas ações no Morro São Bento. "Os próximos passos serão atualizar os riscos geológicos e priorizar as intervenções, elaborando um cronograma de serviço".


Museu de Arte Sacra de Santos tem acervo com cerca de 600 peças

Foto: Walter Mello, publicada com a matéria

Museu é referência no morro

Ponto de referência do Morro do São Bento, o Museu de Arte Sacra de Santos (Mass) foi inaugurado em 1981, no antigo Mosteiro de São Bento, cujas instalações dispõe de acervo com cerca de 600 peças, das quais mais de 400 estão expostas.

Inicialmente, o local chamava-se Morro do Desterro por causa da Capela de Nossa Senhora do Desterro, construída em 1631. Em 1650, a área foi doada aos beneditinos, que ali inauguraram o mosteiro, em 1725.

Durante a Segunda Guerra Mundial, este serviu de colégio para filhos de refugiados russos. Uma imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, existente no museu, atesta o agradecimento do povo russo.

A sala principal conta com a imagem mais antiga de Santa Catgarina de Alexandria, de 1540. Ali se destacam as imagens de Santana Mestra, avó de Nossa Senhora e padroeira dos professores; Nossa Senhora das Dores, com cabelo humano; Santa Escolástica, que era irmã de São Bento e fundou a primeira irmandade religiosa feminina; São Bento, com o Livro de Regra, que contém as normas da Ordem Beneditina.

A Anunciação e a Visita a Santa Isabel são dois quadros, dos sete em que Silva Manso retratou a vida de Maria. O autor inovou a técnica de pintura sobre madeira ao utilizar uma fenda para o ar circular e não dilatar a peça, evitando rachaduras.

Na sala das pratarias, a toalha da Santa Ceia, de Benedito Calixto, em o nome dos 12 apóstolos.

A Sala dos Bispos reverencia todos os bispos da diocese, enquanto a Sala dos Crucifixos tem 23 peças em prata, madeira, marfim e osso de baleia. Também conta com uma coleção de paulistinhas, imagens de até 50 centímetros que eram levadas nas expedições, pelos bandeirantes. A Sala Frei Gaspar expõe obras e objetos do padre que foi um dos maiores historiadores do País.

Ao lado, em cela gradeada, é guardada a imagem barroca de Nossa Senhora da Conceição (de 1560), de João Gonçalo, mestre comparável ao Aleijadinho. O museu conta ainda com sacrários, oratórios, entre outros móveis antigos.


Augusta Fernandes vive há mais de meio século no São Bento

Foto: Walter Mello, publicada com a matéria

Tradição do bordado ainda resiste

Com 73 anos de idade, 52 dos quais vividos no Morro de São Bento, Augusta Fernandes se tornou referência como bordadeira. Sua arte é conhecida não só pelo cidadão santista como também já atravessou continentes, indo parar no interior de casas em países do exterior.

De família originária da Ilha da Madeira, em Portugal, como tantas outras que ainda permanecem no local, Augusta foi uma das imigrantes que ajudaram a construir a história do morro." Lembro que quando vim para cá não existia praticamente nada. Havia poucas casas e poucos serviços públicos".

A arte de Augusta, que foi aprendida em família e por conta própria, é traduzida em peças bordadas pacientemente à mão, de forma artesanal. E é nítida a diferença entre sus peças e as que são produzidas de forma fria, em alta escala industrial.

Peças de roupa de cama, como lençóis e fronhas, e centros de mesa, ganham detalhes que chamam a atenção. Formam figuras como borboletas, flores, entre outros adereços. As bordas são geralmente feitas de cores vivas, embora sejam confeccionadas conforme o gosto da pessoa solicitante.

São peças trabalhosas. Um centro de mesa, por exemplo, leva de cinco a 10 dias para ser concluído.

"Quem compra sabe que estará levando um material que fará a diferença ao colocar em uma mesa de sala de estar. Há uma beleza sem igual, que dá gosto de colocar exposto em casa", disse a experiente bordadeira.

Ela chegou a participar do grupo de bordadeiras portuguesas do Morro. Mas teve que optar em ficar no grupo ou atender uma loja da Capital, que até hoje ainda faz pedidos. "O volume de encomendas começou a ficar muito grande. Não deu para conciliar as duas coisas".

Hoje em dia, ela conta que o maior orgulho foi ter conseguido encaminhar os nove filhos na vida. "Todos seguiram seus rumos, construíram suas próprias famílias. E tudo foi conseguido através das linhas e agulhas usadas nas peças que bordei ao longo de minha vida".

Personagens

Alzira de Jesus Gomes - 77 anos


A trajetória de Alzira se confunde com a formação do núcleo do Morro São Bento. Além de manter o comércio aberto há cinco décadas, ela também acompanhou a evolução do bairro, como a vinda do asfalto para as principais vias e a expansão do comércio local. "Eu fiz uma vida inteira aqui. Não me vejo morando ou trabalhando em outro lugar. O visual do morro é muito bonito"

Foto: Walter Nogueira, publicada com a matéria

Claudete Pereira de Sousa - 62 anos


Filha de imigrantes portugueses da Ilha da Madeira, Claudete sempre esteve próxima da cultura do país de origem dos pais. Mas nunca imaginou que um dia iria presidir o grupo de Rancho Folclórico Madeirense. "Nosso trabalho vai muito além de fazer apresentações de danças típicas. O Morro São Bento é um grande reduto de imigrantes e não podemos perder essa essência"

Foto: Walter Nogueira, publicada com a matéria

Veja o bairro em 1983
Veja Bairros/Morro e Vila São Bento

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