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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO
Caiubura e Caruara (1)

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Publicado em 17/3/1983 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)

Antes da abertura da Rio-Santos, atravessar as águas do Canal de Bertioga 
era a única opção para se chegar a Caruara

Banhar-se em cachoeiras ou lagos de águas cristalinas, pescar e observar a diversidade da fauna e da flora são algumas das opções que se apresentam para os visitantes de Caruara. O núcleo fica às margens do Canal de Bertioga e é mais movimentado que Caiubura, o lugarejo vizinho. Umas 100 famílias vivem lá - a maioria de aposentados e caseiros -, em meio a um sossego que só se altera nos fins de semana, com a chegada de turistas.

Um número cada vez maior de pessoas procura o lugar, as terras sofrem uma valorização crescente e já se fala em progresso. Progresso que poderá resultar na derrubada das matas, aterro de córregos e extinção de espécies animais e vegetais raras.

Seu Gregório, o mais antigo do lugar

Bate o bumbo. 
Bate com taquara. 
Este ano eu vou 
brincar no Caruara

          Bate, bate o bumbo
          Na luz da lua clara
          Carnaval é no Caruara

Caruara não dispõe de luz elétrica e nem de água encanada, mas, este ano (N.E.: 1983), já sacolejou ao ritmo das batucadas típicas do carnaval. Numa iniciativa do Ditinho, comerciante do lugar e autor dos versos transcritos acima, o lugarejo, pela primeira vez, não ficou por fora das folias de Momo. Ditinho cantava, os filhos tocavam e umas duas mil pessoas se sacudiam no salão. Mais: houve desfile de fantasias e eleição do rei e da rainha do carnaval.

Quem diria, carnaval no Caruara? A verdade é que mais cedo ou mais tarde, isso aconteceria nesse núcleo encravado entre o Canal de Bertioga e a serra, e cortado pela Rodovia Rio-Santos. Nos fins de semana, o lugar perde o seu tradicional sossego porque muita gente aparece por lá. Gente que de boba não tem nada e tem oportunidade de escolher entre algumas das opções que o lugar oferece: pescar nos rios ou no braço de mar; catar frutas no mato ou observar pássaros raros; tomar banho de cachoeira ou mergulhar nos lagos de águas transparentes. Que tal?

Uma comunidade perdida na mata, onde se fala em velho refúgio de piratas - Lá na Amazônia, caruara significa mal ou enfermidade causada por feitiço, quebranto ou mau-olhado. Entre os alagoanos, designa um vento que sopra, trazendo chuvas e trovoadas. Mas aqui nós vamos falar do Caruara com letra maiúscula. O Caruara que, apesar de conhecido por muitos turistas de longe, permanece praticamente ignorado pelos santistas, que não sabem o que a cidade oferece de bom lá para os lados do Distrito de Bertioga.

Quem segue pela Rio-Santos nem imagina que existe alguma coisa por trás daquele mato cerrado que beira a estrada. Mas depois de 16 quilômetros de viagem, a partir da Estrada Piaçagüera-Guarujá, uma plaqueta de madeira, simples de tudo, anuncia: Caruara. Está-se chegando ao reduto de cerca de 100 famílias e ao refúgio de centenas de pessoas que querem esquecer o barulho e o corre-corre das cidades.

Uma estradinha esburacada e pedregulhenta, aberta no meio da mata e ladeada por enormes palmeiras imperiais, é a principal via de Caruara. Diga-se mais: é a Avenida Alonso Soares, que concentra quase todas (entre as poucas) casas comerciais e sai direto no Canal de Bertioga.

Nela se começa a sentir um pouco da vida que leva o lugar: um menino passa distraído, arrastando um carretel de linha nas águas da vala (um barquinho?); a garotinha loira, sem blusa, carinha encardida, belisca um pedaço de pão e olha meio desconfiada; seu Gregório caminha devagar, apoiado na bengala; no Bar do Ceará, alguns velhinhos conversam animadamente.

São cenas comuns, de um dia comum desse lugar de terra fértil, dividido em 142 chácaras há muitos anos. Antes, aquilo tudo pertencia aos Alonso Soares, mas tudo indica que a história da ocupação do lugar remonta a séculos passados. Restos de construções continuam à espera dos pesquisadores e, enquanto eles não aparecem, muitas versões correm de boca em boca. Uns falam em um antigo convento, outros em edificações de jesuítas. E não falta quem se refira a refúgios de piratas com seus tesouros. Caruara guarda mistérios para serem desvendados.

Alambique, olaria e uma terra fértil onde dá de tudo - Quem pode dizer algo mais exato sobre o passado do lugar é seu Gregório, que vive por aqueles lados desde 1930. Mudou-se rapazola, para trabalhar de enxada e foice na mão. Lá se produzia muita banana e, como não poderia deixar de ser, um alambique garantia o santo remédio para aqueles homens, lavradores valentes que não tinham com o que se distrair.

Seu Gregório também se lembra da olaria do seu Machado, no sítio vizinho, o Iriri. Não é difícil encontrar, semi-enterrados no meio da mata, tijolos grandes, do tempo do Machado. Este também trabalhava duro, até que um dia acordou e deparou com o seu chatão, carregadinho de tijolos, no fundo. Ficou desacorçoado e nunca mais quis saber de tijolos.

Há uns 20 anos, seu Gregório dividia a imensidão do Caruara com cerca de 10 famílias. Mas, dessa época para cá, um número cada vez maior de pessoas descobriu Caruara, adquiriu chácaras e construiu casas. Também, além da riqueza da fauna e da flora, em se plantando naquelas terras, tudo dá: pimentão, mandioca, abacaxi, milho, abóbora, banana, cana, jaca, inhame, mamão, mexerica e muito mais. Sem contar que a carqueja, planta medicinal tão apreciada, se multiplica feito mato, a exemplo de tantas outras ervas ditas milagrosas.

Pelos mais de 700 mil metros quadrados de Caruara estão espalhadas umas 250 a 300 moradias, que vão aos poucos sendo descobertas, à medida que se caminha pelas infindáveis picadas. Vias abertas mesmo só existem quatro: a já citada Avenida Alonso Soares e mais as ruas Xavantes, Caramuru e Tamoio. E, se antigamente só havia chalés, hoje eles quase perdem em número para as casas de alvenaria. A primeira delas foi construída pelo Emiry Felício, que há 15 anos iniciou no Caruara a feitura artesanal de blocos. Atualmente, ele fabrica uma média de 200 mil blocos por mês.


Quando cai a noite, moradores conversam nos barzinhos, sob a luz de candeeiros

A valorização crescente das terras e a ameaça de progresso e devastação - Se a tranqüilidade reina durante a semana, aos sábados, domingos e feriados as poucas ruas ficam entupidas de carros e umas 1.500 pessoas desfrutam as coisas boas que Caruara oferece. Por isso mesmo, vem aumentando o número de estabelecimentos comerciais: já funcionam seis barzinhos, dois deles anexos a armazéns de secos e molhados.

E como todo núcleo populacional que se preza, tratou de criar uma agremiação esportiva - o Estrela do Caruara Futebol Clube. Para fazer jus a nome tão pomposo, o time de futebol dispõe de uma imensa lista de craques. Aí vão alguns: Pedrinho, Dito, Jaime, Mariano, Ivanzinho, Taíde, Antônio e Armindo.

Pois é. As coisas vão mudando por lá. Para se ter uma idéia da valorização que as terras sofreram, um sítio que faz divisa com o mangue e há oito anos custava Cr$ 3 mil, hoje vale Cr$ 1 milhão e 200 mil. Outro, de seis mil metros quadrados, que há 17 anos custou ao Emiry Cr$ 600,00, está avaliado em Cr$ 4 milhões.

Atualmente, o metro quadrado de terra em Caruara custa, em média, Cr$ 1 mil. E os preços na certa multiplicarão com o término da ponte sobre o Rio Itapanhaú e da Rodovia Rio-Santos. Algumas chácaras vêm sendo divididas em lotes e não demora muito o progresso bate por lá, derrubando a mata virgem, aterrando córregos, eliminando a incrível variedade de plantas e flores e afastando os pássaros para bem longe.

Veja a parte [2] desta matéria
Veja Bairros/Caruara

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