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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO/mapa
Vila Belmiro, onde o passado ainda resiste (3)

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Publicado em 15/7/1982 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)


Cortar o cabelo e fazer a barba de Pelé, um privilégio reservado ao barbeiro Didi

Vejam só o que o barbeiro de Pelé tem para contar

O Didi já cansou de insinuar que topete não está mais na moda. Mas o Pelé, por nada do mundo, se desfaz do seu, que cultiva com todo amor e carinho desde sabe-se lá quando. Dá charme, emoldura o rosto? O certo é que o Pelé que os torcedores conhecem sempre teve topete.

E o Didi, citado logo na primeira linha, tem muito a ver com essa história, porque é o barbeiro de Pelé desde que ele chegou, moleque ainda, à Vila Belmiro. De barbeiro a amigo foi um pulo, mas mesmo assim só depois de muito tempo conseguiu modernizar o penteado de Pelé. E esse modernizar significa que o tricampeão do mundo não raspa mais a cabeça com máquina. O topete continua, mas o segredo é que, com o cabelo mais cheio dos lados, "fica disfarçado".

"Tava muito fora. Há tempo eu achava que precisava mudar o corte", diz o Didi, apontando uma enorme foto de 1974, ano em que o Brasil conquistou a Jules Rimet, onde o rei ainda ostenta o corte de cabelo "tipo exército". Só um detalhe: ele mostra a foto e sorri satisfeito, pois o "amigo" Pelé a ofereceu ao "maior barbeiro do Brasil", como se lê claramente.

Para quem não sabe, Pelé só freqüenta esse barbeiro, simples de tudo, sem nada do sofisticado que caracteriza qualquer salão masculino hoje em dia. Um espelho grande, poucos móveis e os vidros de loções e cremes à mostra, como nos tradicionais salões em extinção. Didi, mais simples ainda, conta que aprendeu a cortar cabelo sozinho, observando muito o trabalho dos profissionais lá da sua cidade - Flórida Paulista - e fazendo "experiências" nos cabelos dos moleques da vizinhança. Tinha seus 12, 13 anos na época e, dois anos depois, já um tanto conhecido, passou a cortar cabelo de adultos. E a cobrar.

Quando surgiu a oportunidade de trabalhar como um barbeiro, não contou tempo. Lá aprendeu mais um pouco e, em 1962, veio para Santos. Desde então permanece no mesmo salãozinho em frente ao Estádio Urbano Caldeira, só que hoje é proprietário. Habilidade sempre teve, mas fez questão de se aperfeiçoar e hoje é sócio do Atelier Georges Hardy do Brasil, o que lhe garante a possibilidade de estagiar em qualquer parte do mundo. Aliás, com os cursos, conquistou o título de cabeleireiro masculino. Não é simplesmente um barbeiro.

Conversa vai, conversa vem, cita clientes famosos como Coutinho, Pepe, Mengalvo e Pagão, todos ex-craques do Santos, e acaba revelando algumas particularidade de Pelé. Diz, entre outras coisas, que o rei gosta muito de massagem no rosto e usa no cabelo quina-de-petróleo. Isso mesmo, esse produto que só os mais velhos conhecem.

Quando está em Santos, Pelé apara os cabelos uma vez por semana, para manter o corte. Vaidoso, não há dúvida, mas vá dizer isso para ele... Dia sim, dia não, aparece para fazer a barba e aquela massagem gostosa. Se está fora de Santos, Pelé não corta o cabelo e nem faz a barba em salões. Esse privilégio reserva para o Didi.

E o Didi, nascido João Araújo de nome, corresponde plenamente a essa "fidelidade". Além de todos os elogios que faz a Pelé, puxa das gavetas velhas revistas onde aparece ao seu lado. E faz isso como torcedor fanático e não como cabeleireiro que quer se valorizar. Parece não pedir mais nada da vida. Quer trabalhar sossegado e ver a molecada invadir seu salão sempre que o rei chega. Afirma que nunca viu Pelé jogar mal, dá um sorriso e resume sua admiração com essa frase: "Não é porque eu sou fã dele e ele meu fã. Ele é bom mesmo".


O salto característico de uma carreira só de glórias

A Vila onde eu nasci

O Gonzaga é muito mais rico e trepidante; os valentões habitavam - e certamente habitam, caso ainda existam valentões por aí - o Macuco; na Ponta da Praia moram os pescadores de fosforescentes cardumes de sardinhas. Enfim, cada bairro desta suave Cidade tem seus encantos populares, seu modo de ser e sua "cara" especial. Mas o mais famoso deles é certamente aquele onde eu nasci, não pelo fato de eu ter nascido nele, mas porque a algumas centenas de metros do ponto onde a cegonha me largou existia um campo com arquibancadas de madeira cujo dono, o Santos FC, de repente tomou conta do mundo. E não é que tu viraste substantivo, minha Vila?

Acho que é isto que torna a Vila Belmiro muito especial. O bairro não parece ter mudado muito, nestes anos todos em que o conheço. Continua com a cara dos anos 30. Saí de lá muito cedo mas todos os dias cruzo por ele quando retorno ao meu novo endereço. É um modo de rever a infância, pontilhada de recordações como toda infância que se preze; por exemplo, o terreno das carroças, assim chamado porque nele uma das últimas remanescentes da era dos transportes em carroça guardava ali seus veículos. E nós aproveitávamos o abandono geral para brincar nas aposentadas carroças e, ao subir da gangorra improvisada, eu via por cima do muro a casa onde nasci.

Não tem nada de especial esta casa e, certamente, não ocorrerá a nenhum governante transformá-la em museu só porque eu nasci nela. Provavelmente será demolida antes do ano 2000. É uma casa baixa, plana, elevada do solo por alguns degraus e não tem mesmo nada de notável, nenhuma história muito fascinante, salvo a de um assassinato ali ocorrido, quando então a casa ganhou uma guarda da Força Pública por alguns dias.

Mas o velho bairro continua firme. O Santos já não tem aquelas glórias, mas de vez em quando se ouve na televisão o nome mágico do bairro. É nestes momentos que eu me lembro que nasci naquelas paragens e também, com uma ponta de remorso, recordo que nunca mais voltei a ele, salvo de passagem, a caminho de outro destino. Mas, caminhar por aquelas ruazinhas meio tortas, há muito tempo que não faço.


Assinatura estilizada do Zêgo em suas colunas de A Tribuna

(N.E.: Zêgo era o pseudônimo do jornalista Evêncio Martins da Quinta Filho, ator, produtor e autor teatral, que durante 22 anos assinou assim sua coluna diária Pois é, como irreverente crítico de televisão, no jornal santista A Tribuna. Nascido em 21/11/1933, faleceu em 18/2/1991).


Pelé comemora mais um gol, ao lado de craques como Carlos Alberto, Toninho e Joel

Veja as partes [1], [2] e [4] desta matéria
Veja Bairros/Vila Belmiro

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