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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BOLSA DO CAFÉ
Um palácio para o Rei Café (1)

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Da mesma forma como a capital do Amazonas, Manaus, tem a sua principal edificação (o Teatro Amazonas) vinculada a um produto de origem vegetal (a borracha das seringueiras), Santos também tem um prédio que simboliza o principal produto agrícola movimentado por essa cidade portuária em todos os tempos: o café.


Início das obras no local onde seria erguida a Bolsa do Café
Foto: autor desconhecido

Pioneira no Brasil e uma das primeiras do mundo (pois a Bolsa de Nova Iorque foi criada em 1881), a Bolsa do Café de Santos começou a ser idealizada em 1903 e foi instituída oficialmente em 1914, pelo decreto 1.416, mas com a eclosão da Primeira Guerra Mundial só foi instalada em 2 de maio de 1917. Para a construção do prédio, foi estabelecida uma taxa de vinte réis por saca de café vendida a termo.


Solenidade de inauguração das instalações da Bolsa do Café, em 7/9/1922
Foto: autor desconhecido

O prédio - considerado um dos mais belos de Santos - resultou de um projeto francês, inspirado no renascimento italiano, que venceu o Salão de Arquitetura de Paris, na primeira década do século XX. A execução das obras começou em 1920 e a inauguração ocorreu em 7 de setembro de 1922, como parte das comemorações do Centenário da Independência.

Bolsa do Café, restaurada como Museu do Café
Foto: Prefeitura Municipal de Santos

A construção monumental é em estilo neoclássico, com três fachadas independentes: Rua Frei Gaspar, torre voltada para a Praça Azevedo Júnior e pórtico da entrada principal na Rua XV de Novembro. Com mais de 200 portas e janelas, em cerca de seis mil metros de área construída, foi criado para abrigar a principal Bolsa de Café e Mercadorias do mundo, pois na época Santos era a maior praça cafeeira do planeta. A obra é marcada pela diversidade de origem do material de construção, com cimento e ferros da Inglaterra, telhas e pisos da França, mármores da Itália, Espanha e Grécia e ladrilhos da Alemanha. O interior do prédio também é luxuoso e requintado: cristais belgas, bronzes franceses, mármores italianos.

A grandiosa sala dos pregões tem no teto o vitral "A visão de Anhangüera", desenhado pelo pintor Benedito Calixto. Três imensos painéis, do mesmo pintor, enfeitam a parede do fundo: o maior, central, tem 153 figuras, representando a Elevação de Santos a Vila, de forma onírica, com a parte real nítida e o sonho do progresso no futuro, esfumado. Os painéis laterais, menores, mostram a concepção do artista sobre a paisagem de Santos em 1822 e 1922. Nos quatro cantos de cada obra, Calixto pintou brasões alusivos ao Brasil Colônia, Brasil Império e Brasil República, e nas molduras retratou a fauna brasileira.

Sala dos Pregões e seu vitral, em 1999
Foto: Prefeitura Municipal de Santos
A Bolsa Oficial de Café e Mercadorias (nova designação definida pelo decreto-lei 12.930, de setembro de 1924) teve seu auge entre 1917 e 1929, sentindo bastante os efeitos da crise econômica mundial iniciada com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, que levou à queda gradual nas atividades da bolsa santista. Em 1937, foi fechada por tempo indeterminado e algum tempo depois foi reaberta, porém a decadência no comércio do café continuou se acentuando. Com o encerramento dos pregões em fins da década de 1970, o prédio foi ocupado parcialmente por repartições estaduais, pois seu estado de abandono impedia a ocupação plena.

No primeiro andar do prédio, ainda por muitos anos após o encerramento dos pregões, funcionou até o final da década de 1970 um requintado restaurante, onde eram comuns as reuniões periódicas de diversos clubes santistas, como o 21 Irmãos Amigos e o Rotary Club de Santos.

Em 22 de setembro de 1981, o prédio da Bolsa foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), garantindo oficialmente sua preservação. Restaurado a partir de 1996, num trabalho que demorou 14 meses, atualmente funciona como o primeiro Museu do Café Brasileiro, mantido pela pela Associação Amigos do Museu do Café.

Este artigo do pesquisador da história regional J. Muniz Jr. foi publicado na edição de 22 de agosto de 1982 (página 10) do antigo jornal Cidade de Santos, antes da criação do Museu do Café:


Uma torre se eleva no canto da praça Azevedo Júnior, em frente ao porto
Foto publicada com a matéria

No Palácio da Bolsa, a epopéia do café

Pela sua magnificente beleza arquitetural, o antigo palácio da Bolsa Oficial de Café é um dos mais belos edifícios da cidade. De fato, o monumental edifício que vai da praça Azevedo Júnior até a rua XV de Novembro, ladeado pela Rua Frei Gaspar, foi construído na chamada época de ouro do café, para servir de sede da Bolsa Oficial de Café, que havia sido criada pela lei nº 1.416, de 14 de julho de 1914, através de proposta apresentada no Congresso Legislativo Estadual pelo deputado João Pedro da Veiga.

A princípio, a Bolsa de Café passou a funcionar num prédio que ficava na esquina das ruas do Comércio e XV de Novembro, até que, em 1917, foi cogitada a construção de uma sede própria. Tal edifício, de acordo com a influência recebida de Paris na época, pela aristocracia do mundo cafeeiro que levaria a cabo o empreendimento, deveria ter dignidade, luxo e requinte, bem no estilo eclético.

Assim é que, uma vez contratada a conceituada Companhia Construtora de Santos, para realizar a obra, verificou-se o lançamento da Pedra Fundamental do suntuoso palácio no dia 27 de abril de 1920, a cargo do então presidente do Estado de São Paulo, Altino Arantes, contando ainda com a presença de inúmeras outras autoridades e de altos representantes da praça cafeeira.

Sua construção durou cerca de dois anos e a sua inauguração veio a ocorrer no dia 7 de setembro de 1922, dentro das comemorações do Centenário da Independência, que foram levadas a efeito na cidade, juntamente com outras inaugurações como a estátua do padre Bartolomeu de Gusmão, no antigo Largo do Rosário (depois Praça Rui Barbosa) e o monumento dos Andradas, na Praça da Independência.

Cabe observar que foi grande o número de pessoas que afluiu à Rua XV de Novembro, esquina da Rua Frei Gaspar, para ver a inauguração e admirar a grandiosa obra, cuja solenidade teve lugar no amplo salão do prédio, onde foi instalada a mesa de honra, em cujo centro tomou assento o presidente do Estado, Washington Luís Pereira de Souza, ladeado pelo presidente da Bolsa Oficial de Café, Gabriel Orlando Teixeira Junqueira e do secretário da Fazenda, Rocha Azevedo, além de outros secretários de Estado, autoridades da cidade, corretores de café, pessoas gradas e representantes de diversas instituições, inclusive da imprensa.


A Bolsa Oficial de Café, em 1922
Foto: cartão postal da Cia. Melhoramentos de Papel e Celulose, distribuído em 2004 em Santos

O festivo acontecimento foi iniciado pelo presidente da Bolsa, que proferiu um eloqüente discurso, assim se expressando num determinado trecho: "Sobre esse terreno semi-abandonado, permitiu-me a expressão, revolvido e cavado bem profundamente pelas picaretas acionadas pelos braços fortes daqueles honrados operários que nos cercam, levantou-se este belíssimo Palácio que hoje se inaugura, com instalações perfeitas, completas e definitivas de tudo quanto é necessário para o bom funcionamento da Bolsa Oficial de Café do Estado de São Paulo.

"Bendito povo, sr. presidente e meus senhores, aquele que transformou e continua a transformar as matas virgens de seus sertões em belíssimos cafezais e esplêndidas vivendas para a grandeza da pátria e conforto de suas famílias. Beneméritos os seus dirigentes que, com inteligente previsão, organizaram metodicamente a introdução do braço livre para o amplo cultivo de suas terras.

"Beneméritos têm sido e continuam a ser todos os governos deste modelar Estado da Federação Brasileira que, com seus estudos e amparo, direta ou indiretamente, o enriqueceram de vias de fácil comunicação para a exportação dos produtos de sua lavoura, indústria e comércio.

"Beneméritos, meus senhores, são também todos aqueles que, aos primeiros reunidos, concorreram de uma forma ou de outra para a construção deste suntuosíssimo palácio. Refiro-me, com a alma cheia de afeto, ao comércio de Santos, a este inteligente, nobre e esforçado comércio de inúmeras tradições. Foi com a pequenina taxa de 20 réis, paga por saca de café vendida a termo, por esse laborioso comércio, que sobre ruínas e ou destroços de prédios dos tempos coloniais, se edificou, de cimento armado, granito róseo e mármore, este Palácio, no valor de mais de 5 mil contos de réis. É incontestavelmente uma obra de muito merecimento e de grande valor artístico...".

E mais adiante: "No número desses beneméritos, seja-me permitido mencionar especialmente os nomes de meus distintos amigos, srs. deputados Azevedo Júnior e dr. Roberto Simonsen. O primeiro, meu antigo companheiro na diretoria da Associação Comercial de Santos; e o segundo, superintendente da Cia. Construtora, encarregada da construção deste edifício. Foi com o poderosíssimo concurso destes dois amigos, os quais sempre me acompanharam em diversas viagens a São Paulo, que conseguimos do Governo do Estado, ordem e apoio para a sua construção, bem como os necessários recursos pecuniários, garantidos com a taxa de 20 réis, contraídos pelo empréstimo suplementar ao saldo que a Bolsa possuía em Caixa. Eu praticaria, neste momento, um ato de feia ingratidão se não aproveitasse esta solenidade para fazer uma menção honrosa ao diretor e corpo de engenheiros da Cia. Construtora pelos seus denodados esforços, competência, técnica, segurança, capricho e beleza artística com que edificaram e emolduraram este Palácio".

"Mas, meus senhores - acentuou ainda - esta inauguração tem uma significação mais ampla. Não representa apenas a prosperidade material de uma civilização embrionária, como a de então. A inauguração deste edifício atesta a importância e a prosperidade do primeiro Estado da União, a grandeza de sua lavoura inteligentemente organizada, de suas bem distribuídas vias de comunicação, de suas indústrias e de seu comércio. Atesta a belíssima administração do Estado de São Paulo, a alta concepção do poder legislativo do Estado e de seu Governo, regulamentando, organizando e providenciando os meios para tornar esta instituição útil ao Estado e a todos que se dedicam ao comércio do café. Atesta a sua grande prosperidade e grau de civilização a que atingiu...".

Após as palavras do orador, o presidente do Estado declarou inaugurada a Bolsa Oficial de Café e assinou a ata da sessão inaugural do suntuoso palácio, tendo sido registrada a presença das seguintes autoridades ao festivo acontecimento: Washington Luís Pereira de Souza, presidente do Estado; Álvaro Gomes da Rocha Azevedo, secretário de Estado da Fazenda e do Tesouro; coronel Joaquim Montenegro, prefeito municipal de Santos; deputado A.S.Azevedo Júnior, João Galeão Carvalhal, Benedito de Moura Ribeiro, Carlos Luiz Afonseca, Roberto Cochrane Simonsen e inúmeras outras autoridades, representantes do corpo consular, vereadores e convidados.


Pórtico monumental da entrada do palácio pelas ruas Frei Gaspar e XV de Novembro,
com oito colunas e um frontão
Foto publicada com a matéria

Características do palácio - Segundo descrição da época de sua inauguração, o monumental edifício da Bolsa Oficial de Café - cuja entrada principal é um prolongamento da Rua XV de Novembro, também é assinalada por um pórtico dórico romano - destinado a grande parte das transações de café. Possui as seguintes características: hall de conversação logo à entrada, com um sistema completo de informações comerciais, contidas em quadros apropriados, circundado de dependências indispensáveis, como salas para correspondência, telefones, correios e telégrafos, vestiário e instalações sanitárias, recebendo luz pelas aberturas da fachada e por um jogo de vitrôs, que o separa de uma área interior.

À direita do hall de conversação, fica a sala destinada ao funcionamento da Câmara Sindical de Fundos Públicos e, à esquerda, o grande salão da Bolsa de Café, para a realização das sessões, com o presidente bem visível ao centro, e onde os corretores instalados podem ver-se mutuamente e receber as ordens dos negociantes que se espalham pela ampla galeria, que envolve a parte que lhes é reservada. O ambiente do salão é propício ao desenvolvimento e à magnitude dos negócios a serem realizados, sendo que no fundo, à esquerda, está a sala destinada ao funcionamento da Câmara Sindical dos Corretores de Café, permitindo reuniões com todos os seus membros comodamente.

No pavimento térreo está localizada ainda a secretaria geral da Bolsa, possuindo comunicação para o exterior, pela entrada do prédio sob a torre da praça Azevedo Júnior, local de acesso do pessoal e de entrega das amostras do café. Pelo mesmo pórtico, sob a torre, fica a entrada da Caixa de Liquidação, inclusive das pessoas que procuram o presidente durante o expediente. Todos os departamentos têm gabinetes sanitários em números suficientes e três escadas e igual número de ascensores dão acesso aos pavimentos superiores.

Sobre o Salão da Bolsa - correspondente ao pórtico monumental da Rua Frei Gaspar -, no primeiro andar, está localizada uma galeria que se presta admiravelmente para instalações de um museu comercial, onde também haverá reuniões. O restante do pavimento foi dividido em salas e salões que se prestam para dependências da Caixa de Liquidação, Câmara Sindical de Fundos Públicos e para sede de firmas comerciais.

A grande sala de classificação está situada no segundo andar, em local isolado, ligada à secretaria por um elevador especial, para amostras de café. Quanto ao resto do segundo pavimento, está destinado especialmente para sedes de firmas e exportadoras, isso devido às clarabóias especiais para a classificação do café.

Projetado especialmente para escritórios de intermediários, o terceiro andar pode dispor de mais de trinta compartimentos, sendo que a maior parte da fachada desse pavimento está recuada da fachada principal do edifício. Das fachadas ao terraço, se desfrutam golpes de vista admiráveis sobre a cidade e sobre o porto.

Museu/Bolsa do Café, ano 2000
Foto: Carlos Pimentel Mendes, 11/7/2000
Inspirada no Renascimento Italiano, a arquitetura exterior da construção está tratada de um modo severo e rico, ao mesmo tempo, com o objetivo de dar ao edifício todo o caráter da importância que convém a um Templo do Comércio, em uma cidade próspera, cuja potência comercial se impõe cada vez mais perante todo o mundo.

Uma torre de quarenta metros de altura que, elevada ao canto da Praça Azevedo Júnior e da Rua Frei Gaspar, em frente ao porto, chama a atenção dos viajantes que demandarem no porto e "afirmará orgulhosamente toda, prosperidade alcançada pela cultura e pelo comércio de café".

A torre é encimada por um belvedere ornado de quatro gênios, simbolizando a Indústria, o Comércio, a Lavoura e a Navegação, tendo nas suas quatro faces um grande mostrador, indicando a hora oficial a uma grande parte da cidade e do porto. Sobre a cúpula, coberta de folhas de cobre, ergue-se um mastro destinado ao hasteamento do Pavilhão Nacional.

Como o campo de vista que oferecem as ruas Frei Gaspar e XV de Novembro é muito pequeno, o problema foi sanado com a criação do pórtico monumental no ângulo Frei Gaspar e XV de Novembro. De fato, o grandioso pórtico da entrada da Bolsa chamará a atenção de todos. Construído inteiramente em granito, ornado de oito colunas dóricas e de um entablamento, é encimado por um frontão flanqueado de duas estátuas deitadas, representando Mercúrio, Deus do Comércio, e Ceres, Deusa da Agricultura, simbolizando a riqueza e a fecundidade de nossa terra.

A importância do edifício é reafirmada ainda pela presença do peristilo circular à cúpula de cobre, a cavaleiro da citada entrada e que serve de abrigo coberto aos terraços superiores. Com sua majestosa arquitetura ricamente característica, na parte central da Rua Frei Gaspar, aparecem arcadas abundantemente decoradas de guirlandas de folhas e grãos de rubiácea, traduzindo a importância do intenso movimento das transações de café. No frontão, a significação se completa com os atributos ali esculturados, simbolizando a cultura, a colheita e a venda do precioso produto.

O outrora movimentado Palácio da Bolsa encontra-se atualmente em silêncio, com as suas portas fechadas, uma vez que, embora tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), acabou abandonado e esquecido pelas autoridades. Trata-se de um dos mais belos monumentos arquitetônicos da cidade e que por isso precisa ser preservado, para que não acabe desmoronando, a exemplo do que vem ocorrendo com outros prédios históricos locais, que são verdadeiras relíquias do passado.

Pesquisa e texto de J. Muniz Jr.


O projeto do palácio, conforme foto reproduzida da revista Miscelânea pelo autor do artigo
Foto publicada com a matéria

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