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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - NAVIO SINISTRADO
Ais, ais... uma novela de 38 anos (2)

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Um dos maiores exemplos de como a burocracia e a negligência das autoridades podem manter uma situação de risco permanente até mesmo durante décadas, o navio sinistrado Ais Georgius permanece semi-submerso junto ao canal de navegação do porto santista, mesmo diante dos grandes riscos que isso representa para o porto e a comunidade, e dos constantes protestos contra essa situação.


O navio em chamas, já rebocado para o meio do Estuário, em 9 de janeiro de 1974
Foto: arquivo do editor de Novo Milênio

O pais mudou... mas o Ais Georgius não...

Carlos Pimentel Mendes (*)

É mais fácil acabar com uma ditadura, mudar a Constituição, derrubar um presidente da República, alterar o sistema de governo, implantar planos econômicos, trocar várias vezes de moeda nacional, substituir o cheiro de cavalo pelo cheiro do pão-de-queijo, dançar no cargo ao som do "Besame Mucho" em Paris e voltar ao Brasil para um tratamento dentário, tudo isso junto, que tirar do estuário do porto de Santos o casco semi-submerso do cargueiro sinistrado Ais Georgius!

A constatação é fácil, bastando lembrar tudo o que ocorreu no país desde o fatídico 8 de janeiro de 1974, quando - num incêndio que quase levou consigo o porto de Santos inteiro -, o cargueiro grego foi destruído. Rebocado para o meio do estuário do porto, para proteger as instalações do cais, afundou. Reflutuado anos depois, e levado para novo local junto ao canal de navegação (no mesmo estuário), voltou a afundar, por falhas na amarração. E lá está até hoje. Dezenove anos depois.

Enquanto a briga pelo direito de resgatar o casco semi-submerso prossegue, vale recordar que a embarcação afundou ainda com o país sob o governo do general Emílio Garrastazu Medici, e no mesmo mês em que foi inaugurada a usina hidrelétrica de Ilha Solteira, no rio Paraná (em 16/1/1974) e do trecho Itaituba-Humaitá da rodovia Transamazônica (31/1/1974).

Selinho publicado em Marinha Mercante/O Estado de São Paulo em 12/1/1993

'Selinho' publicado em 'Marinha Mercante/O Estado de São Paulo' em 12/1/1993Enquanto o Ais Georgius permanecia submerso em Santos, assumiam o governo o general Ernesto Geisel (de 15/3/74 a 15/3/79) e o general João Baptista de Oliveira Figueiredo (de 15/3/79 a 15/3/85); Tancredo Neves era eleito e morria antes de assumir o cargo; José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, também conhecido como José Sarney, governava em seu lugar (de 15/3/1985 a 15/3/1990); Fernando Affonso Collor de Mello assumia em seguida, com poderes que lhe valeram alguns recordes na edição de 1993 do Guiness, mas insuficientes para evitar o impedimento (aliás, detalhe, impeachment é palavra estrangeira que, constitucionalmente, não poderia figurar nos documentos do processo de impedimento, pois nosso idioma oficial é o Português...). Assumiu seu vice, Itamar Augusto Cantiero Franco, nos últimos dias do ano passado.

Continuando portanto o parágrafo inicial, nestes 19 anos acabou a ditadura militar; tivemos as moedas cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro (em breve, possivelmente, o cruzeiro novo...); quatro planos econômicos no Governo Sarney e o plano recordista do governo Collor, que acabou ao som do tango entre os ministros da Economia e da Justiça; o país ganhou a Constituição de 1988; ficou para trás o gosto por cheiro de cavalo do general Figueiredo, surgiu Itamar com sua receita mineira de pão-de-queijo. E o Ais Georgius, nada... ATÉ QUANDO?!?

(*) Carlos Pimentel Mendes era - na ocasião em que foi publicado este editorial, dia 12 de janeiro de 1993 - o jornalista responsável pelo caderno semanal Marinha Mercante em Todo o Mundo, publicado no jornal O Estado de São Paulo.

Na noite de 8/1/74, um dos piores incêndios já registrados no porto...
Foto publicada com a matéria em A Tribuna, em 1/2/1979

Ais Georgius vai ser retirado

Carlos Pimentel Mendes (*)

Dentro de 40 dias, o navio grego que se incendiou no porto (em janeiro de 1974) será retirado do meio do estuário por um rebocador, após ser colocado em condições de flutuação. O Ais Georgius será então desmontado no estaleiro da empresa Jommag, em Vicente de Carvalho, a mesma firma que atualmente está concluindo o trabalho de desmonte do cruzador Almirante Barroso, nesse mesmo estaleiro.

Rinaldo Balzon Filho, sócio-gerente da Jommag Administração, Participações e Comércio Ltda., explicou que atualmente a empresa está desmontando o cruzador, que comprou de outra empresa do ramo, a Inconaviex, para terminar o desmonte. Por inabilidade dos desmontadores que antes trabalhavam nesse cruzador, pela outra empresa, este veio a afundar no estaleiro. Agora, com o auxílio da firma Hidromar Operações Submarinas, a carcaça do Almirante Barroso voltou a flutuar, em dezembro, e vem sendo puxada (e simultaneamente desmontada) para terra, no estaleiro da Jommag.

Essa foi uma das causas do atraso nas operações com o Ais Georgius, pois a Jommag não tinha espaço em seu estaleiro para recebê-lo. Mas agora isso já é possível e, por esse motivo, já está sendo preparado todo o equipamento para fazer a carcaça deste navio grego voltar a flutuar totalmente (pois no momento a água cobre mais da metade da altura total do navio). Esse equipamento compõe-se de oito bombas de 8 polegadas e uma cábrea flutuante de 20 a 30 toneladas. Com o auxílio dos especialistas da Hidromar, dentro de 10 a 15 dias esse material será levado para junto do Ais Georgius, e menos de um mês depois a carcaça estará novamente flutuando, sendo imediatamente levada para o estaleiro.

A partir daí, a Jommag atuará em duas frentes de trabalho, uma no cruzador e outra, com um sistema de cabo aéreo para o transporte dos materiais do navio ao estaleiro, no Ais Georgius.

Segundo Rinaldo, este cargueiro foi comprado, após o incêndio, pela empresa Lavre-Guarulhos S/A Ind. e Com. de Ferro e Aço, de São Paulo. A empresa não teve condições de operar o desmonte, e no ano passado o cargueiro foi vendido à Jommag por Cr$ 3,5 milhões (a Jommag, entretanto, já calculou um valor bruto de venda de Cr$ 8 a 9 milhões, a ser obtido em 10 meses, com o desmonte e a venda das partes do navio, a uma base de 80 por cento para relaminação e 20 por cento como sucata). Aliás, Rinaldo curiosamente lembrou que, para a firma, a atuação do fogo sobre o metal do navio foi benéfica, porque tornou-o mais consistente, conservando-o. Assim, este é considerado como um dos melhores navios já surgidos, em termos de corte de sucata.

Segundo a capitania dos Portos do Estado, atualmente está vencendo o segundo prazo concedido para a retirada do navio sinistrado. Mas os atuais responsáveis pelo mesmo (a Jommag) já foram chamados, e deverá ser concedido um prazo final de 3 a 6 meses para a retirada. Considera a Capitania que a empresa tem condições de fazer o serviço rapidamente, pois foi definida como impressionante a rapidez com que o cruzador Almirante Barroso voltou a flutuar - 28 dias apenas - em condições operacionais mais difíceis que as do Ais Georgius.

Uma das preocupações a Capitania dos Portos, além da própria questão estética, é a possibilidade de o cargueiro se desprender do banco de areia, durante uma tempestade ou furacão, e causar um acidente. Mas o representante da Jommag garante ser isso impossível, por vários motivos: o navio está fundeado a cinco metros do canal de navegação (área livre por onde circulam os navios, sem perigo de atolarem, pois a profundidade é maior) que existe no Estuário, e está com grande peso - não só o proporcionado pela grande quantidade de água existente em seu interior, mas também pelo próprio peso do navio (4.700 toneladas) e de parte da carga existente em seu interior. Assim lastreado, o vento Sudoeste não tem qualquer possibilidade de deslocar o navio.

Nos próximos dias, enquanto inicia os preparativos para a retirada da carcaça incendiada, a Jommag vai gestionar junto à Capitania e à Portobrás, para tentar obter uma área melhor para os trabalhos de desmonte, uma vez que a área onde atualmente operam oferece um calado muito pequeno, dificultando os trabalhos.

Quanto à Capitania, esta já informou que, vencendo os prazos concedidos, se a retirada do navio for protelada, será levada em consideração uma lei pela qual o proprietário perde o direito de posse, e os restos do navio serão leiloados pela Capitania, para que outra empresa faça a retirada.

O incêndio - "Fogo no Porto. Navio grego totalmente destruído" - assim este jornal anunciava, dia 9 de janeiro de 1974, a destruição do Ais Georgius por um incêndio, na noite anterior. O navio estava atracado no cais entre os armazéns 30 e 31, desembarcando 1.200 sacas de nitrito de sódio, produto químico altamente inflamável, quando em contato com produtos orgânicos, normalmente empregado pelas indústrias como solvente plástico. O fogo começou na galera número 40 da Companhia Docas, que operava junto ao costado da embarcação, para receber a carga.

O vagão foi parcialmente destruído, mas a ação de equipes de bombeiros não evitou o aquecimento do casco do navio.

O incêndio começou às 21h55 do dia 8, e a rápida propagação das chamas, seguida de violentas explosões do nitrato de sódio e outras cargas altamente inflamáveis, eliminou qualquer possibilidade de controle da situação, e o navio passou a ameaçar a segurança das instalações portuárias e de três outros cargueiros próximos do local. Os responsáveis pelo Plano de Auxílio Mútuo (PAM) decidiram rebocá-lo para o meio do estuário, onde o combate às chamas seria tentado por meio de esguichos de água lançados por rebocadores.

No interior do barco grego havia três pessoas: um bombeiro, um estivador e um auxiliar da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) da CDS, Marcelo Martins Vicente. Ao chegar ao meio do Estuário, os três tentaram alcançar um dos rebocadores, com o uso de cordas, mas Marcelo não teve sorte. Quando iniciava a descida, ouviram-se explosões mais violentas, que o obrigaram a jogar-se ao mar, onde desapareceu.

O incêndio durou até a noite do dia 9, destruindo inteiramente a embarcação, que sofreu também o rompimento do casco a bombordo e a boreste. O naufrágio foi evitado pela maré vazante, que arrastou o cargueiro até o encalhe, a 100 metros da margem esquerda do Estuário, defronte do Armazém 25 da Cia. Docas.

O Ais Georgius, de 139 metros de comprimento, 24 pés de calado, 2.992 toneladas brutas e 1.646 líquidas, chegou à Barra dia 27 de dezembro de 1973, iniciando a descarga de um total de 4.227 toneladas de carga que aqui ficariam, se não tivesse irrompido o incêndio, na metade do serviço. Incêndio que na época foi considerado como o maior já registrado neste porto, e que, segundo se dizia então, chegou a ameaçar a segurança da própria cidade, devido às inúmeras toneladas de material inflamável existentes no navio.

(*) Publicado em 1º de fevereiro de 1979 no caderno Porto & Mar do jornal santista A Tribuna, então editado interinamente pelo atual editor de Novo Milênio.


...destruiu o Ais Georgius, que a maré fez encalhar num banco de areia do estuário,
de onde agora vai ser retirado
Foto publicada com a matéria em A Tribuna, em 1/2/1979

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