Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0076g.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 06/06/10 22:56:09
Clique na imagem para voltar à página principal

HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANAIS
Uma paisagem canalizada (7)

Leva para a página anterior
Em meio aos preparativos para a comemoração em 2007 do centenário dos canais de Santos, foi criado em 2006 um site Web especial, depois descontinuado (em http://www.canaisdesantos.com.br/). Além de reproduzir parcialmente o livro A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento, e apresentar depoimentos e outros trabahos, o site publicou este trabalho do especialista José Marques Carriço, a seguir reproduzido:


Figura 1 – Plano de Saturnino de Brito para Santos (1898). Fonte: Brito (1943)

O Plano de Saturnino de Brito para Santos: urbanismo e planejamento urbano entre o discurso e a prática

Autor: José Marques Carriço

Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Introdução

A instalação do regime republicano impulsionou a inserção do Brasil na economia capitalista, assentada na exportação de café, que se desenvolveu na segunda metade do século XIX, com a ocupação do centro-oeste paulista.

Este processo ocorreu a partir da articulação de interesses econômicos por parte da elite brasileira, comerciantes e financiadores estrangeiros, sobretudo ingleses, possibilitado pela introdução paulatina da força de trabalho assalariada.

Assim, este esquema de expatriação de excedentes deu-se pela incorporação dos trabalhadores ao mercado de consumo, em condições precárias de reprodução, viabilizando a acumulação de capital necessária à formação de uma sociedade de elite, como apontou Fernandes (1981).

Uma das conseqüências mais marcantes deste processo foi a urbanização, fenômeno essencial para o desenvolvimento do sistema, que provocou grande crescimento demográfico nas principais cidades brasileiras, em condições sócio-ambientais inadequadas, que contraditoriamente vieram a se transformar em obstáculo à manutenção dos níveis de acumulação requeridos pelo novo regime.

Milhares de emigrantes europeus, trazidos para o trabalho nas lavouras, migrantes nordestinos e escravos libertos, fixaram-se nas grandes cidades, em busca de melhores oportunidades de trabalho, criadas pela nascente economia urbana.

Este processo fez com que a cidade de Santos, principal porto de exportação do café, já no final do século XIX, tivesse sua população multiplicada exponencialmente, como demonstraram Andrade (1989), Lanna (1996) e Gitahy (1992).

Num sítio físico impróprio à ocupação, sem a realização de obras de saneamento, as últimas décadas daquele século, nesta cidade, foram marcadas por uma série de epidemias que dizimaram parcela significativa da população, impedindo o pleno funcionamento do porto e o desenvolvimento da economia cafeeira.

Neste contexto, a ação estatal foi essencial para remover os impedimentos à reprodução e ampliação do capital relativo à atividade exportadora do café. Porém, esta ação atendeu também à convergência de interesses entre distintos circuitos de acumulação de capital.

Após uma sucessão de planos e projetos, elaborados durante a década de 1890, em 1905, o governo de São Paulo contratou como chefe da Comissão de Saneamento do Estado, o engenheiro sanitarista fluminense Francisco Saturnino de Brito, para complementar o plano de saneamento de Santos, iniciado na década anterior.

Com experiência acumulada em trabalhos semelhantes em muitas outras cidades brasileiras, Brito já vinha estudando o caso de Santos desde 1898 (BERNARDINI, 2003), quando o serviço de saneamento da cidade já havia sido encampado pelo estado.

Contudo, Brito não se limitou ao saneamento, apresentando, também, proposta de plano urbanístico, de caráter geral, baseado nos princípios de higiene e embelezamento das cidades, que segundo Andrade (1991), apoiava-se no pensamento do urbanista austríaco Camilo Sitte. Este plano, denominado a Planta de Santos, foi apresentado à Câmara Municipal em 1910, por iniciativa do próprio engenheiro [1].

No entanto, o desenho elaborado por Brito e sua proposta de aprovação de leis urbanísticas, anexa ao plano, contrariavam interesses de promotores imobiliários locais, que a este se opuseram radicalmente, provocando sérias desavenças entre o sanitarista e a municipalidade, resultando em sua demissão da Comissão de Saneamento e na rejeição parcial do projeto.

Este processo conflituoso, exposto detalhadamente em Souza (1914) e Brito (1943), como também demonstrou Bernardini (2003), tinha como pano de fundo disputas políticas e econômicas que articulavam interesses locais aos grandes capitais comerciais que se formavam com o processo de urbanização da capital paulista.

Desta forma, já no início do século XX, a atividade de planejamento urbano e urbanismo, em seu momento inicial, estava mergulhada no impasse entre discurso e prática, que iria se reproduzir ao longo de todo este século, conforme foi apontado em Villaça (1999), para o caso da maioria das metrópoles brasileiras.

Desta forma, este trabalho pretende discutir, no caso de Santos, as contradições entre discurso e prática, no âmbito das atividades de planejamento urbano e urbanismo, no contexto dos conflitos de interesses entre distintos circuitos de acumulação capitalista, de forma a identificar no processo de exploração do potencial imobiliário urbano, os limites à atuação dos profissionais destas disciplinas.

Figura 2 – Plano de Expansão da cidade, de José Brant de Carvalho (1896). Fonte: Brito (1915)

O processo de urbanização de Santos e os obstáculos à acumulação capitalista

A república garantiu o impulso necessário ao desenvolvimento do modo de produção capitalista, estendendo-o, progressivamente, a todas as áreas da economia, unificando o mercado nacional, que até então era fragmentado. Isto foi possível graças à subordinação gradativa ao assalariamento, fazendo desaparecer formas de trabalho não assalariado, como meeiros nas fazendas, locais de produção familiar, áreas de produção independente, a prática do escambo e grandes áreas de plantações de subsistência.

Estas modalidades de trabalho foram paulatinamente substituídas pelo trabalho assalariado, que se estendeu a todo o território nacional, dando um grande salto após a assunção de Getúlio Vargas, ao poder, em 1930.

Neste processo, foi central o papel do Estado brasileiro, garantindo investimentos e todo o arcabouço regulatório, desde a promulgação da lei de Terras, em 1850, que possibilitou a vinda da força de trabalho estrangeira, para trabalhar nas lavouras e a supressão paulatina e quase total do escravismo, de forma a incorporar milhares de trabalhadores ao mercado.

No mesmo período, com a possibilidade de registro das terras, estas ganharam status de mercadoria, substituindo, pouco a pouco, os escravos, na composição da riqueza da elite brasileira. Contudo, a forma como este processo ocorreu, foi marcada por características bem próprias da sociedade brasileira.

Tanto no final do século XIX, como após 1930, quando ganhou impulso a industrialização, o nível de reprodução da força de trabalho manteve-se atrofiado, de forma a possibilitar os níveis de acumulação de capital necessários à reprodução de uma sociedade de elite, profundamente injusta e desigual, que se mantém até os dias de hoje.

Portanto, o processo brasileiro de urbanização, iniciado na segunda metade do século XIX, foi impulsionado sobre relações sociais perversas, acarretando um quadro de crescente segregação espacial em nossas principais cidades.

Como neste período Santos já era o principal porto de exportação de café [2], foi natural que nesta cidade tenham se fixado milhares de trabalhadores atraídos pelas obras e serviços de infra-estrutura, como a ferrovia São Paulo Railway Company e a construção do primeiro porto organizado, pela Companhia Docas de Santos (CDS), detentora de concessão federal [3].

Esta força de trabalho, formada, sobretudo por imigrantes do sul da Europa ocidental, migrantes do nordeste e escravos recém libertos [4], fixou-se na cidade em condições de remuneração convenientemente baixas, de forma a garantir a acumulação de capital necessária à reprodução da elite cafeeira.

Assim, a possibilidade de habitar em locais minimamente adequados, do ponto de vista sanitário, era reduzida. Como apontam Lanna (1996) e Andrade (1989), nas últimas décadas do século XIX, a habitação típica dos trabalhadores santistas eram os cortiços que se generalizaram no então limitado território da cidade, que hoje corresponde à sua área central [5], ou até mesmo nas cocheiras adaptadas para moradia. Os cortiços, barracos construídos nos quintais dos casarões ou subdivisões em seus porões, além de alternativa habitacional para a população de baixa renda, constituíam-se num novo segmento da economia, alavancando um mercado imobiliário rentista na área urbana.

O binômio porto-ferrovia impulsionou o desenvolvimento do estado e da região de Santos, que teve grande crescimento [6]. Ao final do século XIX, os limites da cidade ultrapassaram sua atual área central [7].

O súbito adensamento populacional acelerou a propagação de várias moléstias transmissíveis. Santos, desde sua fundação era alvo de epidemias, em função de possuir clima quente e úmido, e de seu sítio natural ser alagadiço, o que a tornava susceptível a vetores de várias doenças.

Com o processo de crescimento demográfico, sem condições adequadas de urbanização, a cidade passou a ser local, mais freqüentemente, de graves enfermidades, que neste período dizimaram grande parte da população (ANDRADE, 1989; GITAHY, 1992; LANNA, 1996).

Andrade (1989: 75) apresenta amplo levantamento das principais moléstias que dizimaram grande parte da população de Santos. Dentre estas, as mais importantes foram febre amarela, tuberculose, varíola e impaludismo (malária). Conforme Lanna (1996: 69), a primeira epidemia de febre amarela ocorreu em 1844, portanto, antes do surto imigratório.

Contudo, em 1889 a doença vitimou 4% da população. A mesma fonte revela que, entre 1890 e 1900, morreram 22.588 habitantes de Santos, correspondendo a metade da população da cidade [8]. Segundo Gitahy (1992: 35), o ano de 1892, o mesmo em que foi inaugurado o primeiro trecho de cais, foi o pior em número de óbitos, tendo falecido 4.173 pessoas, sobretudo por febre amarela e varíola.

Andrade (1989: 70), reproduz o seguinte relato de viajante alemão, de 1887: "Da cidade em si, a única coisa interessante que há a dizer é que, a partir do mês de novembro até fins de abril, transforma-se em vasto cemitério internacional". Segundo a mesma fonte, a epidemia de febre amarela, de 1873, chegava por navio. Como conseqüência, o governo provincial impôs às tripulações quarentena na barra, o que causou enormes prejuízos à economia cafeeira. Alguns armadores passaram a alugar propriedades distantes de Santos para acomodar as tripulações.

Logo o porto santista passou a ter notória má fama, em portos estrangeiros. Esta situação precipitou a decisão de promover a reforma total do porto, formado, então, por pontes e trapiches de propriedade da ferrovia e de empresários locais. Neste contexto, a concessão do porto à CDS, por seu caráter monopolista, resultou em graves conflitos entre a companhia e proprietários de trapiches, no episódio conhecido como "Guerra dos Trapiches".

Conforme Gitahy (1992: 77), em 1888, quando a CDS iniciou a construção do cais, havia 23 pontes e trapiches, construídos por exportadores e importadores santistas. Embora o contrato inicial de concessão não previsse o monopólio, na prática as obras no porto implicaram na remoção destas antigas estruturas, contrariando interesses locais, em benefício dos interesses do grande capital cafeeiro. A Câmara Municipal defendia o ponto de vista dos comerciantes locais, mas apesar do grave litígio, a posição do governo central prevaleceu e a CDS teve seu contrato de concessão ampliado para 90 anos.

As obras de implantação do porto organizado contribuíram para o saneamento de parte da cidade, e mais tarde, ampliaram a área urbanizada, no sentido sudeste. Contudo, as intervenções limitavam-se ao espaço portuário, tornando-se necessário que o Poder Público ficasse responsável pelo saneamento do restante do sítio urbano. A princípio, a municipalidade procurou incumbir-se desta tarefa, por meio da concessão dos serviços de esgotos à Companhia de Melhoramentos, e do abastecimento de água à Companhia City of Santos Improvements.

Contudo, a atuação de ambas as empresas foi extremamente deficiente, gerando sucessivas crises na operação destes serviços, processo descrito detalhadamente em Bernardini (2003).

As epidemias que assolavam Santos penetravam o território paulista e o governo estadual viu-se obrigado a adotar medidas gerais de controle da situação. Como conseqüência, na década de 1890, foi criado o Serviço Sanitário do Estado, vinculado à Secretaria dos Negócios do Interior.

Com o desenvolvimento do processo de urbanização tornou-se importante estabelecer uma regulação, que permitisse o controle da qualidade sanitária das construções. Assim, em 1894, foi sancionado o Código Sanitário do Estado, inspirado na legislação higienista francesa.

Portanto, a preocupação com as repercussões das epidemias, que reprimiam a imigração européia, fundamental para a política de subsídio ao fornecimento de mão-de-obra barata às lavouras cafeeiras, aliou-se à evolução da técnica, trazendo mais atenção a fatores como insolação e ventilação das construções. Esta atenção explicitou-se em códigos municipais, fazendo com que as restrições edilícias fossem grandes em territórios habitados pela burguesia, ao passo que as áreas onde passou a se fixar a população de baixos rendimentos, não mereciam a mesma atenção. Este fator acabou por provocar um grave quadro de segregação espacial nas principais cidades brasileiras, que vai se manter e ampliar até o presente.

Em 1892, foi implantada a Comissão Sanitária de Santos, também vinculada à Secretaria do Interior e chefiada pelo médico Guilherme Álvaro, com poder de erradicar cortiços, em processo violento que marcou a história do município. Em seguida foi criada a Comissão de Saneamento, vinculada à Secretaria de Agricultura. Em 1896, Alfredo Lisboa assume a chefia da Comissão de Saneamento e um ano mais tarde o estado encampa os serviços de abastecimento de água e de esgotos de Santos, então alvos de severas críticas por parte da população.

Contudo, conforme Bernardini (2003: 202), o governo estadual não realizou prontamente as obras necessárias à melhoria do abastecimento e à implantação da rede de esgotos, limitando-se à manutenção da rede existente e à elaboração de projetos de um coletor de esgotos e de um incinerador de lixo, semelhante ao proposto por Estevan Fuertes [9], anos antes.

Segundo este autor (2003: 197), a pressão do estado sobre a Companhia de Melhoramentos foi superior à atuação sobre a Companhia City. A primeira, de capital local, ao contrário da segunda, não possuía vínculos com o grande capital, que tinha ligações com o aparelho de Estado.

Portanto, da mesma forma que no episódio dos trapiches, a relação do estado com o município, no tocante ao desenvolvimento do saneamento, era entremeada por um conflito de interesses entre distintas esferas de acumulação, aspecto que será explorado mais adiante.

No entanto, o processo de encampação, previsto em lei federal, não resultou em prejuízos à Companhia de Melhoramentos, a despeito da péssima administração que fazia do sistema de esgotos. Pelo acordo celebrado entre o estado e a Câmara, esta última que já havia obtido recursos estaduais para iniciar a implantação do sistema, viu-se obrigada a indenizar a empresa concessionária, sem penalizá-la pela má execução do contrato.

Em 1895, a Comissão de Saneamento, então chefiada pelo engenheiro José Rebouças, passou ao comando do engenheiro Ignácio Wallace da Gama Cochrane, que exerceu sua chefia até 1897, quando passou a ocupar a superintendência de Obras Públicas.

Cochrane, filho do fundador da Companhia City of Santos Improvements [10], era formado no Rio de Janeiro e monarquista, tendo sido vereador em Santos. Em 1896, Cochrane, de sólida formação científica, apresentou detalhado relatório sobre os serviços de esgotos em Santos, apontando os principais problemas encontrados e as principais obras necessárias. Apesar da falta de sintonia com o governo republicano, sua posição foi fundamental para a decisão de encampar os serviços.

Conforme Bernardini (2003: 197), no mesmo ano, Cochrane esteve em Santos acompanhado de Rebouças, então chefe da superintendência de Obras Públicas, visando detalhar as obras necessárias, que seriam iniciadas anos mais tarde por este último. Segundo a mesma fonte (2003: 198), Cochrane propunha uma abordagem mais centrada nas obras de prevenção das epidemias, enquanto Fuertes, além desses aspectos, ocupava-se de questões comportamentais da população e da profilaxia médica. Foi o relatório de Cochrane o primeiro a enfatizar a necessidade de um sistema de separação absoluta, entre águas servidas e pluviais, adotado anos mais tarde por Saturnino de Brito.

Um aspecto central, que será abordado detalhadamente adiante, foi o lapso de tempo decorrido entre os estudos de Fuertes e Cochrane, até que, a partir de 1905, Brito iniciasse as obras de implantação do sistema de esgotos e de drenagem, apoiado em um plano geral [Figura 1], que possibilitou a expansão da cidade até a orla marítima, localizada ao sul. A face mais visível dessas redes foram os canais de drenagem, que alteraram profundamente a fisionomia da cidade e até hoje marcam sua paisagem.

O processo de conflito de interesses, que permeou toda a discussão sobre o saneamento de Santos, acabou aflorando mais tarde e fazendo com que o plano de Saturnino fosse totalmente desfigurado, evidenciando, desde cedo, os limites da atuação da atividade de planejamento urbano e urbanismo no Brasil.

Figura 3 – Perímetros da Cidade de Santos. Fonte: Carriço (2002).

O sanitarismo e o planejamento da cidade de Santos na aurora do século XX

O agravamento das epidemias, que passaram a obstaculizar o comércio cafeeiro, tornou necessário controlar o processo de produção do espaço e a vida cotidiana no sítio urbano, por meio da legislação e de intervenções no meio físico. As alterações de 1857, no primeiro Código de Posturas de Santos, aprovado dez anos antes, não ofereciam instrumentos ao combate à série de moléstias que passaram a ocorrer nas décadas seguintes, nem foram capazes de impedir o surgimento do grande número de edificações precárias no sítio urbano. Assim, fazia-se necessário alterar a legislação e adotar outras medidas capazes de combater as epidemias.

Com a proclamação da República, Santos teve nova Câmara empossada em 1897. No mesmo ano foi sancionado novo Código de Posturas, de caráter higienista, estabelecendo normas visando combater as graves condições sanitárias. Esse Código tratava de assuntos variados, mas um dos mais privilegiados foi a fixação de dispositivos para construção e localização de atividades econômicas e equipamentos públicos.

Os capítulos que dispunham das normas edilícias tratavam do alinhamento das ruas, edificações e asseio, com especial preocupação em romper a ordem colonial, implantando-se outra, de concepção moderna e européia. O embelezamento da cidade foi ponto crucial deste Código, como no Rio de Janeiro, com o plano de Pereira Passos (Villaça, 1999).

Assim dispunha o artigo XIX do Código: "[...] higiene, solidez, simetria e elegância, não sendo admitidas as construções, que por seu mau aspecto ou forma de arquitetura prejudiquem o embelezamento da cidade". Proibia-se construções rústicas "dentro do perímetro da cidade, assim como a construção de sacadas de ferro ou madeira nos prédios assobradados", o que junto à vedação ao uso de argamassa de barro e beirais sobre passeios, foi definitivo para suprimir a arquitetura colonial, encarecendo-se as construções no perímetro "burguês" e segregando trabalhadores, fazendo surgir cortiços em áreas pericentrais.

Por outro lado, o Código dispôs da construção de "familistérios", solução habitacional preconizada pelos higienistas, indicando que já se percebia a falta de condições adequadas de moradia para trabalhadores. Em dispositivo inegavelmente segregacionista, previa-se que essas edificações deveriam ser construídas em lugar designado pela Câmara.

Assim, no final do século XIX, tentava-se equacionar a questão de moradias populares, mas, como apontou Lanna (1996), ao se procurar conferir padrões de salubridade a essas moradias, o nível elevado de exigências edilícias aumentou o custo das edificações, induzindo a ocupação de áreas ambientalmente frágeis, na periferia da época.

Por outro lado, embora se tenham estabelecido critérios de localização de fábricas e atividades comerciais, criando melhores condições para que a burguesia pudesse usufruir um espaço "higienizado", esta começou a abandonar o centro, no início do século XX, rumo à orla já saneada pelo plano de Saturnino de Brito.

Outras leis objetivaram a manutenção da cidade "higienizada", definindo novos limites, à medida em que esta crescia, o que foi essencial para a política de segregação. No início do século XX, o perímetro urbano era formado pelo centro, parte da atual zona leste e dos morros, no centro da área insular. Porém, as áreas fora do centro, onde a princípio a burguesia não se estabeleceu, na prática não foram alvo do mesmo rigor na fiscalização de construções precárias.

Ao mesmo tempo, a legislação visou transformar cortiços em "casas higiênicas", o que permitiu à polícia sanitária efetuar demolições no centro, em processo extremamente violento, conforme Lanna (1996). Procurava-se, também, dar alternativa aos trabalhadores, com construção de vilas operárias, sem sucesso devido aos custos inacessíveis. Na verdade, as alternativas habitacionais para a classe operária foram cortiços, e mais tarde, "chalés" de madeira, que segundo Caldatto (1998) eram a moradia popular típica em Santos na primeira metade do século XX [11].

Leis posteriores ampliaram dispositivos mais adequados aos novos padrões de higiene da cidade que crescia em direção à orla, introduzindo a exigência de recuo mínimo, primeiramente nas vias mais importantes abertas em direção ao mar e à própria avenida da Praia da Barra, reduzindo-se o aproveitamento dos lotes e restringindo-se o acesso dos trabalhadores a imóveis construídos nesses locais.

Com a queda do preço do café no mercado internacional, fazendeiros passaram a investir em imóveis urbanos, nascendo a crença de que este negócio era seguro, o que, conforme Rolnik (1997: 25), permaneceu imutável no século XX. A legislação urbanística interferia no valor da terra, e como localização e vizinhança passaram a ter importância, surgiu a preocupação com sua elaboração.

Mas como só a elite estava apta a votar na Primeira República, a democracia nas câmaras era frágil e o primeiro objetivo das legislações municipais, além de redesenhar as ruas centrais, foi eliminar certas formas de ocupação nessas áreas, o que convergia com o higienismo, no alvorecer do uso da regulamentação urbanística em benefício da segregação espacial. Em Santos, demarcaram-se territórios de excelência sanitária e como resultado, aos trabalhadores não restou alternativa de moradia além dos cortiços ou "chalés". Segundo Rolnik:

Esse tipo de intervenção no território popular complementava o projeto urbanístico municipal de construção de uma nova imagem pública para a cidade, aquela de um cenário limpo e ordenado que correspondia à respeitabilidade burguesa com a qual a elite do café se identificava. (ROLNIK, 1997: 37)

Outra transformação resultou de investimentos públicos em infra-estrutura, nas áreas centrais e de expansão da cidade, provocando a intensificação da atividade imobiliária, estabelecendo-se polêmica entre os que defendiam o sanitarismo radical e os que defendiam a verticalização das construções. Conforme Rolnik (1997: 44), o Model Housing Law, do urbanismo americano, contrapôs-se ao Zoning de Frankfurt e ao higienismo francês.

A tese era de que reduzir pés direitos e construir mais pisos diminuiria o custo das construções, beneficiando o trabalhador, mas que o controle do adensamento não se daria por meio da legislação urbanística, devendo ser tarefa das autoridades sanitárias. Como as teses não eram inteiramente opostas, o centro das grandes cidades pouco a pouco verticalizou-se, suprimindo a arquitetura colonial e, posteriormente, parte da arquitetura eclética do início do século XX.

Em Santos, o processo de higienização, deflagrado a partir da criação das comissões Sanitária e de Saneamento, também provocou a supressão quase total da arquitetura colonial. O sítio urbano da virada do século sofreu uma série de intervenções e a legislação urbanística garantiu a substituição das tipologias utilizadas pelos construtores, impondo a adoção de novos modelos europeus.

A transformação da antiga cidade colonial em uma cidade moderna, capaz de garantir a reprodução do sistema capitalista nascente, ainda que não explicitamente, estava contida nos planos apresentados ao longo da década de 1890. Em todos estes planos a expansão da cidade, sobretudo em direção à orla, era um aspecto essencial, pois garantiria o desadensamento do limitado núcleo colonial.

Ainda que de forma não articulada a um plano global, a própria Câmara Municipal já vinha promovendo o prolongamento das duas principais artérias viárias da cidade, as avenidas Conselheiro Nébias e Ana Costa, havia vários anos [12]. A abertura destas avenidas sinalizava o desejo de expandir a urbanização no vetor sul, até a praia, promovendo a incorporação à área urbana, de uma porção equivalente a mais de seis vezes a dimensão do núcleo central.

O primeiro plano elaborado nos anos 1890 foi o de Estevan Fuertes, contratado em 1892, pela Secretaria do Interior, cujo titular era o poeta e político santista Vicente de Carvalho. A ação de Carvalho foi fator fundamental para a decisão de planejar o saneamento de Santos. Fuertes inicia seus estudos sobre a cidade no auge das epidemias, no mesmo ano em que é inaugurado o cais do porto e é criada a Comissão de Saneamento.

Esta comissão era chefiada pelo engenheiro João Pereira Ferraz, que possuía propostas para o caso de Santos. Segundo Bernardini (2003: 101), ao delegar a Fuertes a elaboração de um plano, revela-se a intenção, por parte do governo do estado em planejar as obras de saneamento. Este autor aponta, ainda, a existência de um tensionamento entre interesses dos grupos políticos hegemônicos nas esferas federal e estadual, o que poderia ter levado o estado a escolher Fuertes como condutor dos estudos para Santos.

Em 1894, Fuertes conclui seu plano para a cidade, com caráter estritamente sanitário (BERNARDINI, 2003: 181). Conforme a mesma fonte (2003: 181), este plano "traduzia bem a aplicação de capital em larga escala para promover a infra-estrutura urbana, dirigida pela associação entre governo e elite capitalista". Contudo, embora suas propostas tenham sido consideradas nos estudos que se sucederam, o plano de Fuertes não seria realizado em sua maior parte.

Conforme Bernardini (2003: 210), Fuertes planejou a captação e a rede de abastecimento de água implantada a partir de 1897, executada pelo estado, por meio de novo contrato com a Companhia City. Quanto aos esgotos, o engenheiro produziu uma série de propostas, que podem ter sido consideradas, anos mais tarde por Brito, na execução de seu plano de saneamento. Um aspecto que pode explicar a execução apenas parcial das propostas de Fuertes encontra-se na posição de Ferraz, que as considerava de alto custo para implementação.

Em 1896, a Câmara Municipal contratou o engenheiro José Brant de Carvalho para chefiar o Setor de Obras Públicas e elaborar um plano de expansão para a cidade. Enquanto os estudos e propostas de Fuertes não eram implementadas pelo estado, a municipalidade sinalizava claramente que não estava disposta a esperar pelo saneamento para estender a malha urbana.

As obras das avenidas Conselheiro Nébias e Ana Costa [13] já estavam avançadas, ao passo que o serviço de bondes, tracionados por animais, constituía-se em grande estímulo aos loteamentos que começavam a ser executados na área externa ao núcleo central. Não por acaso, proprietários de terrenos e loteadores faziam-se representar na Câmara, tendo como maior liderança Belmiro Ribeiro [14]. Desta forma, havia claro interesse comum entre os concessionários dos serviços de bondes e loteadores, que em alguns casos confundiam-se na mesma figura.

O projeto de Brant estabeleceu traçado de novo arruamento [Figura 2], com desenho típico das cidades dos Estados Unidos da América (BERNARDINI, 2003). Segundo esta fonte (2003: 218-233), tratava-se mais de um projeto de orientação da expansão da cidade, do que propriamente um plano urbanístico.

Acerca desta proposta, que consistia num desenho reticulado e monótono, antevia-se a expansão do núcleo central até a barra, sem que fossem respeitadas hidrologia e topografia. Brito (apud Andrade, 1991: 62) assim se referiu, acerca da proposta: "o projeto não respeitava nada, tanto ação humana quanto natureza". No entanto, o desenho apresentado por Brant, previa a construção de praças, mercados, moradias econômicas para os operários e adicionalmente, previa a elaboração de um novo Código de Posturas, efetivamente sancionado um ano mais tarde.

Bernardini (2003: 220) revela que Brant possuía interesse em associar-se a outros empresários, com a finalidade de construir as obras previstas pelo plano e implantar o serviço de esgotos. De fato, Brant demitiu-se ainda em 1896 da Seção de Obras e quatro anos mais tarde participaria, junto com os engenheiros João Pereira Ferraz e Augusto da Silva Telles, de concorrência pública estadual para construção e exploração dos serviços de saneamento da cidade.

Em 1897 a Câmara aprovou o plano de Brant, que se transformou na Lei n° 94, estabelecendo diretrizes viárias, a serem seguidas para a abertura de ruas dentro e fora do perímetro urbano. Desta forma, o plano atendia os interesses dos loteadores e empresários de transportes, não sendo necessária sua realização plena. Por outro lado, a implantação das moradias para operários não se tornou realidade, por evidente desinteresse da Câmara Municipal.

Na realidade, a partir de 1894, como desdobramento do Código Sanitário sancionado naquele ano e do novo Código de Posturas de Santos, uma série de leis foi aprovada pela Câmara, no sentido de garantir o desenvolvimento de uma cidade moderna e higienizada, na qual os trabalhadores de baixa renda não tinham espaço para habitar (CARRIÇO, 2002).

A municipalidade passou a utilizar a prática, aperfeiçoada no primeiro Código de Construções da cidade, que data de 1922, de demarcar o perímetro urbano para segregar [Figura 3] [15]. Enquanto os espaços dentro deste perímetro passaram a ser regulados pela legislação urbanística extremamente rigorosa, que resultou na elevação do valor imobiliário, as áreas fora do perímetro não continham o mesmo nível de restrições, possibilitando assim, convenientemente, que os trabalhadores expulsos da área urbana higienizada, naquelas se estabelecessem, nos chalés de madeira, a nova forma de moradia popular.

Em 1898, a Comissão de Saneamento foi extinta, sendo criadas as repartições de Águas e Esgotos da capital e Técnica de Águas e Esgotos do estado. No mesmo ano, ambas foram unificadas na Repartição de Águas e Esgotos, sob a chefia do engenheiro sanitarista baiano, Theodoro Sampaio (COSTA, 2001).

Sampaio chefiou esta unidade até 1903, ano em que se demitiu, após desgastante conflito com o governo estadual. O engenheiro, desde que assumiu o comando da Repartição criticava a atuação do estado na condução das obras de saneamento de Santos, embora reconhecesse as dificuldades financeiras.

Sampaio era crítico especialmente da forma desarticulada como as ações eram empreendidas e da ausência de um sistema de separação entre esgotos e drenagem. Tal como Fuertes, Sampaio defendia a adoção de um plano sistemático para o desenvolvimento do saneamento na cidade.

Nos últimos anos da década, embora grandes obras não tivessem sido executadas, a implantação de rede de esgotos na área central, com apoio em financiamento federal e a simples manutenção do que fora feito resultou no arrefecimento das epidemias. Sampaio iniciou a canalização do córrego Dois Rios, na orla e implantou tanques de lavagem dos esgotos.

Em 1899, o engenheiro passou a contribuir com o estudo de nova concessão dos serviços de esgoto em Santos. O edital, publicado pelo governo estadual, sob influência de Sampaio era tecnicamente baseado nos estudos de Fuertes, que previam a divisão da cidade em subdistritos, mais tarde adotada por Brito, em suas obras, mas não previa a realização de obras de drenagem. No entanto, o edital era extremamente liberal para com a empresa vencedora, pois não estabelecia limites de prazo ou de taxa a ser cobrada da população, pela execução dos serviços. Além disso, a empresa vencedora gozaria de monopólio, podendo livremente desapropriar os terrenos necessários à implantação das obras.

Em um processo tumultuado, descrito detalhadamente em Costa (2001), habilitou-se para assumir a concessão uma empresa formada pelos engenheiros José Brant de Carvalho, João Pereira Ferraz e Augusto Silva Telles, todos com passagens por órgãos das administrações municipal e estadual. Em 1901, por influência de Sampaio, que criticou a proposta apresentada pela referida empresa, sua contratação foi recusada. Em seguida, a Comissão de Saneamento foi reorganizada, de forma a executar as obras de maneira paulatina, com recursos estaduais.

Porém, em 1902, Bernardino José de Campos Jr., do Partido Republicano, assumira seu segundo mandato como governador de São Paulo, alterando o panorama político e resultando na nomeação do engenheiro José Pereira Rebouças, como chefe desta Comissão.

Como apontou Bernardini (2003: 245), Brant e Ferraz possuíam ligações com o grupo político do governador e após sua posse entraram com ação indenizatória, "por prejuízos causados pela desistência do contrato", por parte do governo estadual. Por outro lado, Rebouças passou a ocupar-se do saneamento de Santos, defendendo a utilização de manilhas de cimento armado, para a construção da rede de esgotos. Esta solução, pelo seu custo, foi frontalmente criticada por Sampaio, resultando em ruptura com o governo estadual e seu retorno à Bahia (COSTA, 2001).

Na realidade, o grupo político de Campos possuía ligações com importadores de materiais de construção e empresários da nascente indústria cimenteira e da construção civil. O emprego do cimento armado, que tomou impulso na primeira década do século XX, já vinha ocorrendo nas obras do porto. Sampaio era um crítico contumaz de sua utilização, preferindo a solução apontada por Fuertes, que defendia o revestimento com cimento, de galerias construídas com tijolos.

Rebouças, pertencente a uma família de engenheiros com larga tradição em obras públicas no século XIX, assumira as obras de saneamento de Santos, sem, contudo possuir um plano sistemático. O engenheiro, como revelou Bernardini (2003: 249), atuava articuladamente aos interesses da Companhia Mecânica e Importadora, que trouxe da Europa, um equipamento para fabricação de manilhas de concreto.

Estas manilhas foram utilizadas nos trabalhos desenvolvidos por Rebouças, no curto período que se seguiu, mas seu emprego e a forma com que a intervenção era feita foram fortemente criticados por Sampaio e Brito, pois se tratavam de intervenções pontuais, de alto custo e que não estavam apoiadas em um plano geral.

Rebouças passou a implantar um coletor de grandes dimensões, com as manilhas de concreto, visando afastar os esgotos da região central da nova área de expansão da cidade, correndo paralelamente ao traçado depois utilizado pela estrada de ferro Sorocabana, em direção ao bairro José Menino, na orla marítima, próximo à divisa com São Vicente. Este traçado era oblíquo ao das avenidas Ana Costa e Conselheiro Nébias, área onde ocorria mais rapidamente o desenvolvimento de novos loteamentos. Contudo, os gastos com a empreitada foram excessivos e a obra não chegava a termo.

Saturnino de Brito, que assumiu em 1905 a Chefia da Comissão de Saneamento a convite do novo presidente do estado, Jorge Tibiriçá, embora viesse a adotar o concreto, apontou várias falhas nos trabalhos executados por Rebouças, sobretudo pela ausência de um plano geral, pela utilização do sistema separador parcial, pela limitada abrangência das obras e por seu custo elevado.

Este engenheiro, que já vinha trabalhando em várias outras cidades brasileiras e possuía formação positivista. Já tendo estudado o caso de Santos, no final da década anterior, Brito assume a condução dos serviços de saneamento de Santos com um plano geral para a cidade. A partir deste momento, as obras ganham ritmo acelerado, permitindo a ocupação paulatina de toda a zona leste da ilha de São Vicente.

É efetivamente o trabalho de Brito que vai possibilitar o desenvolvimento de Santos, apoiado em um moderno traçado, que respeitava sua topografia e hidrologia, evitando obras desnecessárias e conferindo à cidade, nas décadas que se sucederam uma qualidade de vida incomparavelmente melhor do que aquela do final do século XIX.

A polêmica entre Saturnino de Brito e a Câmara Municipal

Brito apresentou seu plano para o saneamento de Santos em 1905. Seria adotado o sistema de separação absoluta, com a execução de uma extensa rede de canais de drenagem e galerias de esgotos, ao mesmo tempo em que o abastecimento de água se expandia. A Santos moderna, já nascia apoiada em uma rede de infra-estrutura suficiente para suportar o adensamento populacional da primeira metade do século XX. Segundo Andrade,

Sem dúvida, com o plano de saneamento, melhoramentos e extensão que Saturnino de Brito elabora e implanta em Santos, mesmo não tendo sido realizado em todos os seus aspectos, não apenas temos a construção de uma cidade moderna, mas também a aplicação de princípios urbanísticos revolucionários para a época, onde o passado colonial da cidade desaparece em nome de um futuro marcado pela higiene e progresso, que influenciará decisivamente o desenvolvimento do planejamento urbano no Brasil. (ANDRADE: 1991: 63)

Ao contrário dos planos elaborados anteriormente para Santos, Brito previa a descarga dos esgotos em local afastado, para isso sendo construída a ponte Pênsil em São Vicente, permitindo que estes fossem lançados na ponta do Itaipu, atualmente no município de Praia Grande.

O plano previa a adoção de subdistritos, como Fuertes já havia preconizado, implantando-se uma série de estações elevatórias, que permitiram a redução dos custos das obras. Uma rede de canais foi desenhada e executada aos poucos. Os canais foram ladeados por avenidas que estruturaram em definitivo o desenho urbano de Santos, transformando-se em seus mais expressivos referenciais.

O plano de Brito foi de fato uma das mais completas contribuições ao planejamento urbano nacional, até então realizadas. Embora Villaça (1999) considere o sanitarismo categoria de urbanismo à parte, não há como não identificar na proposta de Brito elementos de embelezamento que caracterizavam esta fase do urbanismo e em muito transcendiam à necessidade de erradicar as epidemias.

Tratava-se de um projeto extremamente detalhado, ocupando-se desde a largura das vias, estabelecendo recuos e desenhando os equipamentos sanitários internos aos imóveis. Como ressalta Serrano (2005), "Aproveitando-se dos levantamentos de Fuertes e mantendo o sistema separador absoluto, [Brito] iniciou as obras de construção dos canais. Estudou o volume e a periodicidade das precipitações pluviométricas em Santos. O regime das águas das chuvas e das marés. A topografia e as calhas naturais de drenagem da ilha de São Vicente".

Contudo, a face mais marcante do projeto foram os canais de drenagem, que garantiram a extensão da cidade sobre uma área particularmente frágil, do ponto de vista ambiental, evidenciando o uso da tecnologia pelo homem para adaptar o espaço natural, e pela complexidade exigida pela crescente interferência das esferas de governo nesse processo.

O primeiro canal de drenagem inaugurado por Brito, foi na verdade o prolongamento da obra de retificação do Ribeirão dos Soldados, em 1907. O Ribeirão situava-se na área pericentral, junto ao loteamento de Mathias Costa, hoje bairro Vila Mathias, sendo a primeira fronteira de expansão da cidade. Esta obra já havia sido iniciada pela própria municipalidade, porém Brito adotou o revestimento interno da calha do canal com concreto, solução inovadora para a época e que seria empregada na construção dos demais canais [16].

As obras dos canais contemplavam os interesses de um dos circuitos locais de acumulação, formado por construtores e loteadores. Porém, em 1903, a Companhia City que já operava o abastecimento de água da cidade, com capital estrangeiro havia adquirido a concessão de todas as linhas de bondes de Santos, eletrificando o serviço em 1907. A empresa passou a atuar em consonância com os proprietários de terrenos na área de expansão da cidade.

Este binômio entre infra-estrutura e loteamento, com sólido apoio na Câmara Municipal, obteve enormes benefícios dos trabalhos empreendidos por Brito, nos primeiros anos de sua permanência na cidade, demonstrando que no início da atuação do engenheiro na chefia da Comissão de Saneamento, suas propostas amalgamavam os interesses de distintas esferas de acumulação de capital.

Contudo, as propostas de Brito não se limitaram ao plano de saneamento. Em 1910, o engenheiro encaminha à Câmara, a Planta de Santos [Figura 4], que consistia num completo plano urbanístico para a cidade de Santos, apoiado nas idéias de Camilo Sitte. Largas avenidas foram projetadas, com amplas áreas ajardinadas. Vários parques e equipamentos sociais e de lazer foram previstos, de forma a dotar a cidade de uma completa rede de serviços.

Se o plano de Brito era um plano de saneamento completo, em igual medida continha elementos dos planos de embelezamento em voga nas maiores cidades ocidentais e adotados parcialmente no Rio de Janeiro de Pereira Passos. De fato, a Planta de Santos era um plano completo, superior neste aspecto até mesmo ao de Belo Horizonte, apresentado por Aarão Reis em 1894 [17].

Segundo Serrano (2005), o plano de Reis fora muito criticado por Brito, que já havia se ocupado do saneamento daquela cidade, antes de voltar-se ao plano de Santos [18], pelo fato de não prever o sistema de saneamento.

Porém, as propostas de Brito para Santos não se limitaram ao desenho apresentado, prevendo, também, a aprovação de uma nova legislação urbanística, que em muitos aspectos feria os interesses dos proprietários de imóveis, ao procurar facilitar a desapropriação dos terrenos necessários às aberturas e alargamentos de vias, limitando o aproveitamento dos terrenos.

Conforme Andrade,

Quanto à legislação urbanística, Brito propõe diversos instrumentos jurídicos, formulando tanto uma legislação sobre vias particulares, como também disposições legislativas complementares às que regulavam as expropriações [...].(1991: 62)

Este conflito resultou na ruptura de Saturnino com a Câmara Municipal e com setores da imprensa que defendiam aqueles interesses. Na verdade, os proprietários de terrenos na área localizada entre o antigo centro e a praia, vislumbravam vantajosos negócios imobiliários, que se tornaram possíveis com a implantação do plano de saneamento e com a extensão do transporte por bondes, em direção à orla.

A proposta de Brito foi remetida à Comissão de Obras e Viação do município, que, coincidentemente, era chefiada pelo engenheiro Francisco da Silva Telles, filho de Augusto da Silva Telles, que uma década antes teve o contrato para a exploração dos serviços de esgoto, entre o estado e sua empresa, recusado por influência de Theodoro Sampaio. O parecer n° 288, exarado pela Comissão, em 1913, foi contundente, elencando uma série de irregularidades nas propostas de Brito e opinando pelo adiamento da aprovação da Planta, para melhor oportunidade.

Em seguida, dois outros pareceres sobre o projeto de Brito foram exarados. O primeiro, de ordem técnica, fora elaborado por Francisco da Silva Telles e o segundo, de natureza jurídica, elaborado pelo Dr. Nilo Costa, Consultor Jurídico da municipalidade. Os argumentos de ordem técnica procuravam evidenciar contradições entre as propostas de Brito e o pensamento de Camilo Sitte, enquanto os de natureza jurídica evidenciavam os riscos que o projeto representava ao direito de propriedade. Apoiada nestes documentos, a Câmara manifestou-se contrariamente à plena aprovação da proposta.

Diante da recusa da municipalidade, Brito reagiu contrariado, por meio de uma série de artigos publicados na imprensa da capital, pelos quais criticava abertamente os interesses representados na Câmara de Santos. A estes artigos seguiu-se uma polêmica intensa, narrada detalhadamente em Souza (1914) e Brito (1943). A primeira, escrita por encomenda da Câmara, fazia uma série de acusações a Brito, mas sobretudo criticava o desprezo do sanitarista, ao direito de propriedade.

Nesta polêmica subjaziam os conflitos políticos entre a Câmara Municipal dominada pelo Partido Municipal e o governo do estado, cuja hegemonia era do Partido Republicano. Este conflito transparece em Souza (1914: 12), que acusava Brito de ameaçar o município com "intervenção" estadual. Este autor enumerou uma série de razões de caráter "jurídico, econômico e técnico" para que as propostas de Brito fossem rejeitadas. Mas certamente o ponto mais duro da obra de Souza (1914: 13) foi considerar o engenheiro competente para projetar obras de saneamento, mas afirmar que este "nada entende da arte dificílima de projetar e construir cidades". Mais adiante (1914: 23), este autor qualifica o plano de Brito como "errado, destituído de estética e de conforto, e incompreensível, pela sua careza, com os recursos financeiros de nosso tesouro local".

Mas a tônica principal dos ataques de Souza, à Planta de Santos, era a defesa ao direito de propriedade, defendido várias vezes em sua obra. Assim, nas décadas seguintes, a Planta de Santos passou a ser implementada, com profundas modificações impostas pela Câmara, que descaracterizaram em grande parte o projeto inicial.

Contudo, o que foi efetivamente implementado marcou fortemente a fisionomia da cidade e tornou-se paradigma do urbanismo nacional da virada do século XX.

Em 1915, Brito, já trabalhando no plano de saneamento para Recife, reagiu ao livro de Souza e fez publicar uma detalhada exposição de motivos, defendendo seu plano para a cidade (BRITO, 1943). Neste trabalho, não se pretende detalhar novamente esta obra de Brito, já profundamente discutida por Andrade (1991, 1992a, 1992b).

Contudo, fica evidente que as propostas do engenheiro não contavam com o apoio total do governo estadual. Acerca deste ponto, Souza (1914) chamou atenção a um fator relevante. Para este autor, o que levou o estado a implementar as obras de saneamento em Santos foi o interesse em sua segurança, ou seja, a necessidade de desobstruir o caminho à acumulação agro exportadora. Segundo Souza,

[...] o que forçou o Governo do Estado a projetar o saneamento de Santos não foi nenhum motivo de ordem local: foi a defesa geral do território paulista e do nosso futuro econômico que se encontrava em perigo. (SOUZA, 1914: 17)

Como observa Schiffer (1989), em aprofundada discussão acerca do papel do Estado capitalista, este meramente reproduz os conflitos no seio da luta de classes. Apoiada em Marx, a autora relembra que o Estado viabiliza o processo de acumulação, segundo as relações de classe estabelecidas pelo capitalismo, reproduzindo a luta de classes. Schiffer, citando Chauí [19], afirma que o Estado representa a preservação dos interesses da classe dominante. Assim, o Estado exprime na esfera política, as relações de exploração que existem na esfera econômica (SCHIFFER, 1989: 21).

Portanto, o papel do Estado capitalista é o de organizar diversos interesses da classe dominante de forma a garantir a reprodução da acumulação capitalista. Esta perspectiva dá conta do processo em curso no Brasil, desde o princípio de sua inserção no modo capitalista de produção, na segunda metade do século XIX. Neste processo, o Estado é determinante na produção do espaço, pois implementa a infra-estrutura necessária à reprodução da acumulação capitalista.

Portanto, é necessário compreender a evolução da ação do Estado dentro dos distintos estágios de desenvolvimento capitalista no Brasil, para que se possa avaliar o processo de produção do espaço e perceber os limites à atuação dos profissionais do urbanismo e planejamento urbano no país. Sobretudo, é importante assinalar que em todos os estágios, o Estado garante a recriação sucessiva do espaço, segundo as necessidades de acumulação.

É nesse sentido que se deve compreender a implementação das obras de saneamento em Santos e o abandono parcial às propostas de Brito, apresentadas na Planta de Santos, confirmando as teses apresentadas em Villaça (1999) [20].

Neste aspecto, Bernardini dá contribuição essencial para a compreensão do processo ocorrido em Santos na virada do século XX. Para este autor,

Não há, portanto, como explicar o planejamento neste período apenas pelas razões sanitárias e de controle de epidemias. Bem mais do que isso, a própria difusão do embelezamento e a adoção de uma nova estética foram utilizadas mais como um arcabouço adequado às possibilidades de investimento de capitais do que como atitudes de promoção e qualificação social para uma nova vida moderna. (BERNARDINI, 2003: 312)

Um fato central a destacar, é que o episódio da Planta de Santos constitui-se no primeiro caso, ocorrido em Santos, de abandono, ainda que parcial, de um plano urbanístico. Processos correlatos ocorreriam com o Plano Regulador da Expansão e Desenvolvimento de Santos, elaborado por equipe coordenada pelo engenheiro e urbanista Francisco Prestes Maia, aprovado pela Lei N° 1.316, de 1951, e com os Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado de 1976 e 1978.

Estas experiências evidenciam que os planos são efetivados pelo Estado, sempre que são úteis à desobstrução dos obstáculos à acumulação capitalista. Contudo, quando os planos tornam-se eles mesmos obstáculos a esta acumulação, encontram sérias dificuldades para serem implantados, caracterizando o que Leme (1999: 21) denomina "descompasso entre o proposto e o realizado".

Por outro lado, a legislação urbanística que garantia o desenvolvimento do mercado imobiliário voltado à produção de unidades para alta e média rendas, não encontrou maiores dificuldades para ser aplicada, em toda a história do urbanismo e do planejamento urbano santista. Ao todo, podem ser relacionadas sete grandes instrumentos legais [21] que instituíram zoneamentos extremamente detalhados e exigentes, os quais, como demonstrado em Carriço (2002), contribuíram para o grave quadro de segregação sócio-espacial na cidade.

Figura 4 – Planta de Santos. Fonte: Brito (1915).

Conclusão

Em Santos, ao longo do século XX, enquanto o zoneamento foi sendo "aperfeiçoado", contribuindo para a segregação de atividades e classes sociais, os planos eram aplicados na medida dos interesses dos distintos circuitos de acumulação. Quando havia conflitos entre estes interesses, como no episódio da Guerra dos Trapiches, prevaleceram as necessidades de reprodução do grande capital, vinculado ao comércio exterior. Quando estes interesses convergiam para um objetivo comum, como no caso do emprego da tecnologia do concreto nas obras de saneamento de Santos, os obstáculos aos investimentos eram prontamente removidos, ainda que isto implicasse no alto endividamento do Estado.

Enquanto o instituto do zoneamento, sem grandes contestações, criou bairros predominantemente residenciais, habitados por população de média e alta rendas, por meio de complexas exigências urbanísticas, planos que apontavam para o equacionamento de outras questões, como controle da densidade populacional, melhoria da circulação, produção de áreas verdes e embelezamento da cidade, nunca saíram inteiramente do papel.

Portanto, no caso de Santos, resta inteiramente comprovada a tese de Villaça (1999), que evidencia a dicotomia entre o discurso dos planos e a prática do zoneamento, como limite à atuação dos profissionais de urbanismo e planejamento urbano. Como foi visto nas seções anteriores, os planos de saneamento para Santos tiveram imensas dificuldades para serem implementados. Porém, o plano de saneamento de Saturnino de Brito obteve sucesso inicial por satisfazer às necessidades da convergência de interesses de diferentes circuitos de acumulação de capital, orientados no sentido auferirem lucros elevados, por meio da produção de loteamentos e infra-estrutura urbana. Quando as propostas de Brito extrapolaram a agenda inicialmente proposta, passaram a ser rechaçadas e enfrentaram grandes dificuldades de implementação.


Referências

ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. A Peste e o Plano: o urbanismo sanitarista do Eng. Saturnino de Brito. 1992a. Dissertação (mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP, São Paulo.

_______________. De Viena a Santos: Camillo Sitte e Saturnino de Brito. In SITTE, Camillo. A Construção das Cidades Segundo Seus Princípios Artísticos. São Paulo: Ática, 1992b. p.206-234.

_______________. O Plano de Saturnino de Brito para Santos. Espaço e Debates, São Paulo, n. 34, p. 55-63, 1991.

ANDRADE, Wilma Therezinha Fernandes de, O Discurso do progresso: a evolução Urbana de Santos. 1870 – 1930. 1989. Tese (doutorado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo.

BERNARDINI, Sidney Piochi. Os Planos de Intervenção Urbana em Santos - de Estevan Fuertes a Saturnino de Brito - (1822-1910). 2003. Dissertação (mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP, São Paulo.

BRITO, Francisco Saturnino de. Projetos e Relatórios: Saneamento de Santos, Obras Completas, vol. VII. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional/Instituto Nacional do Livro, 1943.

_______________. A Planta de Santos. São Paulo: Brasil de Rothschild, 1915.

CALDATTO, Gino Barbosa. Chalé de Madeira: A moradia popular de Santos. 1998. Dissertação (mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP, São Paulo.

CARRIÇO, José Marques. Legislação urbanística e segregação espacial nos municípios centrais da Região Metropolitana da Baixada Santista. 2002. Dissertação (mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP, São Paulo.

COSTA, Luiz Augusto Maia. O ideário urbano brasileiro na virada do século. O engenheiro Theodoro Sampaio em São Paulo (1886-1903). 2001. Dissertação (mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP, São Paulo.

FERNANDES, Florestan. Classes sociais na América Latina. In FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. São Paulo: Zahar, 1981.

GITAHY, Maria Lúcia. Ventos do mar. São Paulo: UNESP e Prefeitura Municipal de Santos, 1992. 188 p.

LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma Cidade na Transição. Santos: 1870-1913. São Paulo, Santos: Hucitec, Prefeitura Municipal de Santos, 1996. 270 p.

LEMOS, Celina Borges. A Cidade Republicana. Belo Horizonte, 1897-1930. In CASTRIOLA, Leonardo Barci (org.). Arquitetura da Modernidade. Belo Horizonte: UFMG, 1998. p. 79-125.

LEME, Maria Cristina da Silva (coord.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel, Fupan, 1999. 600p.

ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: Legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1997. 242 p.

SANTOS (Câmara). Actas de 1910. Santos: A Tribuna, 1912. 329 p.

SCHIFFER, Sueli T. R. As políticas Nacionais e a Transformação do Estado Paulista. 1955-1980. Tese (doutorado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP. São Paulo: 1989.

SERRANO, Fábio Eduardo. Centenário dos Canais de Santos. Santos: 2005. Disponível em: http://www.canaisdesantos.com.br/artigos.asp?idart=155. Acesso em: 19 fev. 2006.

SOUZA, Alberto. A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento: Polêmica com o Dr. Saturnino de Brito. Santos: Bureau Central, 1914.

VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In DEÁK, Csaba e SCHIFFER, Sueli T. R. (orgs.). O Processo de Urbanização no Brasil. São Paulo: Edusp, 1999. p. 146-169.


Figuras

Figura 1 – Plano de Saturnino de Brito para Santos (1898). Fonte: Brito (1943).

Figura 2 – Plano de Expansão da cidade, de José Brant de Carvalho (1896). Fonte: Brito (1915).

Figura 3 – Perímetros da Cidade de Santos. Fonte: Carriço (2002).

Figura 4 – Planta de Santos. Fonte: Brito (1915).


Notas:

[1] Conforme Santos (1912: 503): "Oficio do Sr. Dr. Francisco Saturnino Rodrigues de Brito [À Comissão de Obras e Viação, ouvindo-se a Prefeitura], Engenheiro-Chefe da Comissão de Saneamento, expondo longamente um plano de melhoramentos a serem adotados nesta cidade, tais como alargamento de ruas existentes, aberturas de outras, traçados de novos quarteirões, etc., tudo de conformidade com uma planta levantada por aquela Comissão, e que deverá ser examinada e aprovada com as indicações que por ventura sejam apresentadas pela Prefeitura Municipal".

[2] Conforme Gitahy (1992: 24), entre 1903 e 1908, enquanto o porto do Rio de Janeiro exportou 16.413.200 sacas de café, o porto de Santos exportou 43.656.029 sacas do mesmo produto.

[3] A São Paulo Railway Company foi inaugurada em 1867 e os primeiros 260 m de cais do porto organizado de Santos, sob concessão da CDS, foram inaugurados em 1892.

[4] Segundo Lanna (1996: 169), o censo de Santos de 1913 apontou a existência de 39.809 imigrantes habitando a cidade, o que correspondia a 44,7% da população. Conforme a mesma fonte (idem: 185), no final do período da escravidão haviam se fixado em Santos, em função da existência do Quilombo do Jabaquara, entre 2 e 10 mil escravos fugitivos. Além destes, um número incerto de nordestinos foi arregimentado para as obras no porto.

[5] Em Lanna (idem: 122-123) apresenta-se cartograma com a disposição dos cortiços existentes na área urbana de Santos, entre 1880 e 1889.

[6] Conforme Álvaro (apud Gitahy, op. cit.: 36), a população santista saltou de 15.000 habitantes, em 1889, para 88.967, em 1913. Cf. ÁLVARO, Guilherme. A Campanha Sanitária de Santos. Suas causas e seus efeitos. São Paulo: Casa Duprat, 1919.

[7] Segundo Lanna (op. cit.: 120), o número de prédios, em Santos, saltou de 1.407, em 1872, para 10.578, em 1913.

[8] Conforme Álvaro (apud Lanna, idem: 1996: 36), o número de óbitos por febre amarela fora subestimado, em função do diagnóstico da doença não ser muito preciso.

[9] O Engenheiro porto-riquenho, professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, foi precursor do urban planning americano e fora contratado em 1892, pela Secretaria do Interior do estado, então chefiada pelo santista Vicente de Carvalho, com o objetivo de elaborar um plano de saneamento para Santos, como parte de uma série de projetos semelhantes a serem implantados em outras cidades do estado (BERNARDINI, idem: 202).

[10] A Companhia City foi vendida em 1870 a investidores ingleses. Portanto, quando Cochrane assumiu a Comissão de Saneamento, a empresa não era mais de propriedade da família.

[11] Os "chalés" de madeira, assim denominados pela população local, como referência a habitações da burguesia européia, eram construções muito simples e características de Santos e municípios vizinhos, com vedação executada com tábuas encaixadas ou com juntas sobrepostas, cuja origem está vinculada à imigração de portugueses, especialmente da Ilha da Madeira (CALDATTO, idem).

[12] A avenida Conselheiro Nébias, que corta a ilha de São Vicente de norte a sul, ligando o porto às praias, começou a ser construída ainda na década de 1860 e foi concluída em 1902, no mesmo ano que a avenida Ana Costa. Ambas as avenidas, executadas com recursos municipais, consumiram grande parte do orçamento municipal nos últimos anos do século XIX.

[13] O nome da avenida Ana Costa foi uma homenagem à esposa de Mathias Casemiro Alberto da Costa, loteador e dono da concessão do serviço de transporte por bondes tracionados por animais, em Santos, assassinado no final do século, em função de uma disputa por terrenos.

[14] Belmiro Ribeiro foi loteador e prefeito de Santos entre 1910 e 1914 e entre 1917 e 1920.

[15] O primeiro Código de Posturas de Santos já definia um perímetro urbano, dentro do qual algumas atividades não seriam mais admitidas. A Lei Nº 24, de 9 de junho de 1894 fixou novo perímetro, ampliando o anterior de forma a incorporar parte da zona leste da ilha de São Vicente. O Código de Posturas de 1897 utilizou esta delimitação para nela aprofundar as restrições edilícias e urbanísticas, demarcando socialmente o território higienizado da cidade (CARRIÇO, 2002).

[16] Ao todo, nove canais foram projetados por Brito, sendo o Canal 5 o último a ser inaugurado, em 1927, 17 anos após o engenheiro ter deixado a cidade.

[17] Segundo Lemos (1998: 81), "Enquanto São Paulo e Rio de Janeiro receberam planos mais abrangentes apenas neste século [XX], cidades como Belo Horizonte, Vitória e Santos, entre outras, constituíram-se alvos de intervenções do poder público, lideradas por engenheiros sanitaristas como Francisco Saturnino de Brito [...]".

[18] Cf. ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Saturnino de Brito. Um projetista de cidades. São Paulo: AU nº 72, jun/jul 1997, p.70.

[19] Cf. CHAUÍ, M. O que é ideologia. 18.ed. São Paulo, Brasiliense, 1985.

[20] A crítica que Villaça apresenta, por meio da análise da evolução da atividade planejadora no Brasil, coloca o urbanismo e o planejamento como atividades de discurso do Estado sobre o urbano, em que a "implementação" do plano surge como panacéia para os problemas da cidade, ocultando a ação direta do Estado. Assim, sua tese central é que, somente entendendo a atividade de planejamento urbano como ideologia, é possível compreender sua produção duradoura e sua sobrevivência até o presente.

[21] Os principais instrumentos legais que instituíram ou alteraram o zoneamento de uso e de ocupação do solo em Santos são os seguintes: Lei N° 675, Código de Construções (1922); Decreto-Lei N° 403 (1945); Lei N° 1.831 (1958); Lei N° 3.519, Plano Diretor Físico (1968); Leis N° 174 e 209 (1986) e Lei Complementar N° 312, Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo na Área Insular (1998). Por meio destes instrumentos, o coeficiente de aproveitamento dos lotes foi progressivamente ampliado, atualmente alcançando na prática cerca de nove vezes a área do lote, nas áreas em que o mercado imobiliário é mais ativo.