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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANAIS - BIBLIOTECA NM
Posicionamento da Prefeitura - 25


Clique na imagem para voltar ao índice do livroA polêmica acirrada entre o idealizador do sistema de canais para Santos e os vereadores santistas, que marcou o início do século XX, levou o jornalista Alberto Sousa a escrever o livro A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento, publicado em 1914 pelas Officinas Graphicas do Bureau Central, em Santos, em que polemiza com o engenheiro Saturnino de Brito.

O exemplar, com 257 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 207 a 213):

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A Municipalidade de Santos perante

a Comissão de Saneamento

Alberto Sousa

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PARTE II - DOCUMENTAÇÂO
VII - Parecer do dr. Nilo Costa, advogado e consultor jurídico da Municipalidade

Exmo. sr. prefeito municipal - Dando cumprimento ao que me foi por v. exa. determinado, venho apresentar o resultado do estudo que fiz, relativamente a uma série de artigos, sob a epígrafe A planta de Santos, publicados na Seção Livre d'O Estado de S. Paulo e firmados pelo dr. Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, chefe da Comissão de Saneamento desta cidade.

A referida planta foi apresentada à Câmara Municipal em 1910 e, como não tivesse sido aprovada, conforme as reiteradas solicitações do seu elaborador, vem ele, como molestado na sua autoridade profissional, verberar, pelas colunas daquele jornal, o procedimento da nossa Edilidade, sem querer absolutamente atender as razões contidas no Parecer da mesma sobre o assunto.

Deixando de lado o merecimento técnico da aludida planta, cuja apreciação escapa às minhas atribuições, para só encarar as questões de direito que ela envolve, tenho a dizer que a sua aprovação por parte da Câmara seria, sem dúvida, um ato de temeridade e irreflexão administrativa, cujas conseqüências não poderiam ir buscar uma justificativa na ignorância e inconsciência da corporação a que está confiada a gestão política dos negócios municipais.

Se o signatário dos artigos em questão tivesse uma compreensão mais nítida da situação jurídica em que ficaria colocada a Municipalidade, aceitando e aprovando imediatamente o seu trabalho, certamente não se lhe afiguraria tão fácil a questão a resolver.

Entende ele que o seu plano de melhoramentos desta cidade é perfeitamente exeqüível e para a sua realização duas soluções oferece. Conforme a primeira, a aprovação da planta terá como conseqüência a declaração de utilidade pública dos terrenos necessários às praças e ruas, a permissão, para serem exploradas, nestas faixas, benfeitorias de caráter transitório, estabelecendo-se legislação especial para edificações aí feitas; a isenção de impostos sobre a frente ou superfície de tais terrenos a desapropriar, não se exigindo que sejam murados na largura prefixada para as ruas. Quanto à segunda, consiste esta na expropriação dos eixos das futuras ruas, e aplicar ao caso as posturas que estabelecem o recuo de um certo número de metros de cada lado do eixo, para todas as edificações marginais.

Por mais eficientes que sejam essas soluções, a aplicação delas teria de fatalmente violar o direito da propriedade, constitucionalmente garantido, a não ser que a Câmara se achasse atualmente em condições econômicas tais que pudesse arcar com a enormíssima indenização de todas as propriedades que, de conformidade com a planta, ficam sujeitas à desapropriação, o que, porém, não acontece.

Ora, não havendo recursos capazes de comportar tamanho encargo, que seria uma conseqüência imediata do ato aprobatório da planta, restaria à Câmara o expediente de aplicar à viação urbana o que dispõe a lei n. 1.855 sobre a viação férrea, isto é, APROVADA UMA PLANTA DE MELHORAMENTOS, ESTÃO, IPSO FACTO, DECLARADOS DE UTILIDADE PÚBLICA TODOS OS TERRENOS NELA DEMARCADOS PARA A SUA REALIZAÇÃO E, CONSEGUINTEMENTE, AS BENFEITORIAS ULTERIORES NÃO ONERARÃO A DESAPROPRIAÇÃO A FAZER "EM QUALQUER TEMPO".

Mas, neste caso, entendo que ainda que a Municipalidade tivesse competência para utilizar-se desta medida, aplicando à sua viação urbana as disposições daquela lei, elas, entretanto, atentam contra o direito de propriedade, pois, apesar de ser declarado de utilidade pública um terreno, a desapropriação só se dá por efetuada depois que o seu dono recebe o preço da indenização e, assim, enquanto isso não acontece, pode ele continuar a exercer sobre o mesmo todos os seus direitos, como legítimo titular que é, inclusive o de estabelecer nele as benfeitorias que entender.

Impedir, pois, que as faça ou de contemplá-los na futura indenização, é isso uma violação positiva do direito patrimonial que a administração deve respeitar.

Concluindo os seus artigos, o digno chefe da Comissão de Saneamento de Santos lembra ao Estado a necessidade de tomar, quanto antes, a iniciativa de modificar e ampliar as leis vigentes relativas à expropriação por utilidade pública, conforme as exigências do progresso quanto aos melhoramentos públicos, especialmente aos planos de saneamento.

Entende ainda que o Estado deve criar legislação nova no sentido de garantir a execução de tais planos nas cidades onde os tenha de fazer.

Mas, como a intervenção do Estado no empreendimento e execução de obras de tal natureza terá lugar em qualquer das seguintes hipóteses: ou a Câmara de uma localidade tem os necessários recursos para levá-las a efeito e entretanto não o faz por descurar criminosamente das atividades públicas, ou ela absolutamente não os tem; segue-se daí que, neste último caso, o Estado, na impossibilidade econômica de exigir ao município o ônus da realização integral do plano de melhoramentos que lhe impõe, deve por ele responder, mas isso sem detrimento da autonomia municipal, que é um princípio constitucional.

Mais claro e aplicando ao nosso caso: a Câmara não pode de nenhum modo assumir as conseqüências do ato da reclamada aprovação; ora, se o Estado, de acordo com a teoria do absolutismo administrativo que o dr. Saturnino de Brito parece defender, considera uma necessidade inadiável e suprema a adoção da planta em questão, é imperioso que chame a si a iniciativa de quanto haja de fazer para garantir a execução de seus trabalhos, e aí ficarão também o ônus e a responsabilidade das indispensáveis desapropriações.

Antes de concluir, ainda algumas considerações do instituto da desapropriação, para acentuar melhor a evidência da impraticabilidade do plano de melhoramentos elaborado pelo dr. Saturnino de Brito.

Não é indispensável aqui indagar do fundamento, da natureza do direito de desapropriação por necessidade ou utilidade pública.

De quantas teorias se tenham arquitetado a respeito, a mais lógica e a mais jurídica, para explicar a razão fundamental desse direito, é a que só vê no exercício do mesmo aplicações concretas do grande princípio de que ao Estado compete, no interesse público, impor à integridade do domínio as limitações DEFINITIVAS OU TEMPORÁRIAS, RESTRITAS OU AMPLÍSSIMAS, conforme o caso exige, sujeitas todas à condição primordial da indenização pela privação, que ao proprietário advém, do seu direito.

Com ela se harmoniza, como diz L. de Almeida (Desapropriação por utilidade pública, Rev. Predial, vol. 1, fasc. 1) o magno princípio dominante em toda a matéria de Direito Público, na moderna teoria do Estado da ordem jurídica - de que o direito de Estado na desapropriação vai até onde legitimamente chega a necessidade ou utilidade pública a que a desapropriação vai servir.

Segundo nos ensina a história, esse direito excepcional do Estado a nenhuma das idades civilizadas foi estranho.

Assim é que não poucos textos, que dele dão testemunho, encontramos em escritores tanto da Antiguidade como da Idade Média.

De existência precária, sem dúvida, pois que não se achava consagrado de um modo claro e positivo nos momentos legislativos de então. Entretanto, no seu exercício, salvo casos de prepotência que se repetem em todos os tempos, era normalmente respeitada e guardada a inviolabilidade do direito da desapropriação privada.

Pelo que, o conceito da desapropriação, seja ela considerada "um ato de soberania, uma restrição do domínio, uma venda obrigatória etc.", implica o da indenização.

A indenização, porém, deve ser justa (Cód. de Napoleão, art. 545); e assim se entende, diz o conselheiro Ferreira Vianna, no seu parecer impugnando a lei n. 1.020, de 26 de agosto de 1903, "quando ela é determinada na razão composta do valor dos bens desapropriados e do prejuízo resultante da desapropriação, da depreciação da propriedade que continua em poder do desapropriado e dos trabalhos que ele será obrigado a fazer".

Neste particular não há divergência na legislação dos povos cultos e na jurisprudência geral.

Assim se acha a indenização compreendida nos textos das nossas leis sobre o assunto e mais explicitamente no art. 26 do dec. n. 353, de 12 de julho de 1845, e no art. n. 12, parág. n. 4º, do dec. n. 1.664, 27 de outubro de 1855, expedido para a execução do dec. 816, de 1º de julho do mesmo ano.

Mas a indenização deve, além de justa, ser prévia, conforme já se encontra entendida na lei de 9 de setembro de 1826, que a nossa Constituição (art. 72, § 17) mantém como garantia absoluta assegurada ao expropriado, aliás reproduzindo a Constituição Monárquica (art. 179, § 22): "...Se o bem público legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele PREVIAMENTE INDENIZADO do valor dela".

Deste modo, se a plenitude do direito de propriedade apenas sofre a única restrição do bem público, a prévia indenização é um preceito absoluto; e, qualquer que seja o caso de desapropriação, não se efetuando ela senão depois de devidamente indenizado o expropriado, este, enquanto o não é, continua na posse de sua propriedade, da qual só poderia ser privado por um ato de prepotência.

É o meu parecer, que submeto ao dos doutos.

Santos, 15 de maio de 1914. - Nilo Costa, advogado.

Imagem: reprodução parcial da obra de Alberto Sousa (página 213)