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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANAIS - BIBLIOTECA NM
Posicionamento da Prefeitura - 08


Clique na imagem para voltar ao índice do livroA polêmica acirrada entre o idealizador do sistema de canais para Santos e os vereadores santistas, que marcou o início do século XX, levou o jornalista Alberto Sousa a escrever o livro A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento, publicado em 1914 pelas Officinas Graphicas do Bureau Central, em Santos, em que polemiza com o engenheiro Saturnino de Brito.

O exemplar, com 257 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 50 a 56):

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A Municipalidade de Santos perante

a Comissão de Saneamento

Alberto Sousa

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PARTE I - EXPOSIÇÃO E DEBATE
VII - Incoerências e contradições

Antes de prosseguirmos em nossos reparos à resposta ao Parecer, seja-nos lícito chamar a atenção dos nossos leitores para este outro gesto de charlatão de má fé, contido no trecho seguinte, que somos forçados a trasladar para estas colunas, em sua íntegra, aumentando, a contragosto, a extensão de nossos artigos:

"O sr. Descroix, em um artigo escrito em 1911 na revista L'Eau, de Paris, diz que o prefeito eleito é 'um prisioneiro do seu partido em proveito do qual ele governa e administra contra os seus inimigos políticos'; por outro lado, o que queira fazer de bom é prejudicado pela oposição política, conforme observa o sr. Aug. Rey, o célebre arquiteto. E, então, lembra as discussões violentas nas folhas locais sobre os atos das municipalidades; diz que esse regime se resume em três termos: incompetência, arbitrariedade, instabilidade".

O trecho supra contém dois períodos. No primeiro, o sr. Saturnino de Brito afirma, por conta e sob a responsabilidade do sr. Descroix, que o prefeito eleito é um prisioneiro de seu partido, com quem governa contra seus inimigos. Isto, a propósito dos prefeitos municipais do Brasil.

Ora, o sr. Descroix, escrevendo para o povo de França, e numa revista parisiense, não podia ter avançado aquela proposição, com referência aos governos municipais. Em França os prefeitos não são municipais: são departamentais; e os departamentos, pela sua extensão territorial e pela sua organização política e administrativa, correspondem às nossas antigas províncias do tempo do Império. Os prefeitos têm funções equivalentes às dos presidentes de província do regime extinto entre nós.

A crítica de Descroix não se entende, pois, como arteiramente pretende insinuar o sr. Saturnino de Brito, com as administrações municipais, e sim, com as administrações departamentais. Ora, não podemos acreditar que a aplicação dos conceitos do cientista francês, feita pelo sr. Saturnino ao caso santista, se originasse na sua ignorância a respeito da organização administrativa da França. S.s., viajado e algo instruído, não pode ignorar uma coisa que todo o mundo sabe, sem esforço. A sua aplicação foi, pois, feita propositalmente de má fé, para embair o povo de Santos e o povo paulista, confiando demais na tão falada falta de cultura das nossas populações.

Assim também, não é por ignorância, mas por espírito de má fé, premeditado e proposital, que s.s. se refere ao prefeito eleito. Se lá não há prefeitos municipais, mas prefeitos departamentais, conforme já dissemos - também a verdade é que estes funcionários não são eleitos; são nomeados pelo Governo da República, porquanto o regime político francês é unitarista.

Os prefeitos representam nos departamentos o pensamento, a vontade e a orientação do governo que os nomeou, e é naturalmente por isso que o sr. Descroix os considera prisioneiros do seu partido, agindo em proveito destes, e contra seus adversários políticos. A sua opinião, portanto, é diametralmente contrária à que o sr. Saturnino de Brito advoga pelo Estado.

E ninguém poderá negar que o sr. Descroix tenha razão. Imaginemos que a sua opinião se refere não aos departamentos franceses, mas aos municípios paulistas. Suponhamos, por exemplo, que o prefeito de Santos seria nomeado pelo Governo do Estado. Quem seria o escolhido? Um membro do partido oficial, um soldado incondicional das hostes cesaristas (N.E.: referência ao partido Republicano, alcunhado como Cesarista, por ser encabeçado pelo jornalista e deputado estadual José Cesário da Silva Bastos, que em 1913 disputou e perdeu para o Partido Municipal as eleições em Santos), que seria um prisioneiro do seu chefe, agindo por conta dele contra os seus adversários políticos, que são, em resumo, a quase totalidade da população de Santos.

Nas condições atuais, em que o prefeito é escolhido pela confiança dos que, com ele, surgiram vitoriosos na luta eleitoral - aquele funcionário não representa estreitamente o seu partido, e sim a opinião pública que prestigiou nas urnas, com seus sufrágios, os nomes que a maioria da população reputou capazes de exercer o mandato administrativo. O prefeito nomeado é, sempre, um mandatário do partido que está no governo; o prefeito eleito é o representante do sentimento e da vontade popular, expressa pelo voto direto ou, indiretamente, por intermédio da Câmara.

Vê-se, portanto, que a opinião de Descroix, citada, com visível falsidade, pelo sr. Saturnino de Brito, conclui decisivamente em favor da nossa argumentação e contra a sua.

Ainda no primeiro período do trecho transcrito, o sr. Saturnino de Brito apóia-se na opinião do arquiteto Augusto Rey, quando afirma que o prefeito é prejudicado pela oposição política naquilo que queira fazer de bom.

Esta opinião é a contra-prova de que não se trata, de fato, de prefeitos eleitos pelo povo, mas de prefeitos nomeados pelo poder central. Pode, realmente, acontecer que o corpo legislativo, originado do sufrágio eleitoral, seja composto de elementos contrários ao governo. O prefeito nomeado por este encontraria, forçosamente, embaraços formidáveis por parte da assembléia eleita.

É o que se daria fatalmente em Santos, se o governo estadual impusesse ao Município um prefeito cesarista. A Câmara, apoiada na força popular, oporia à estreiteza partidarista o mais porfiado combate. O mesmo não acontece, entretanto, com um poder executivo e um poder legislativo surgidos fraternalmente da mesma origem comum.

O segundo período, pela obscuridade e confusão com que está redigido, consigna uma opinião que não sabemos a quem atribuir: se a Descroix, se a Augusto Rey. Mas, que seja de um ou de outro, nele se afirma que "esse regime das municipalidades se resume em três termos: incompetência, arbitrariedade, instabilidade".

Ora, se a opinião expressa no segundo período se refere ao regime municipal, tratando-se de autores franceses, os prefeitos nada têm que ver com isso e entraram na discussão a chamado do sr. Saturnino de Brito, que viu, aterrado, o chão abrir-se-lhe aos pés para tragá-lo, com toda a sua fama, competência e autoridade. Se, porém, os prefeitos do primeiro período foram, de fato, citados por Descroix, então, o comentário do segundo período não se refere às municipalidades e sim aos departamentos. Deste dilema é que o sr. engenheiro-chefe não conseguirá escapar-se. Voltemos, todavia, à sua resposta ao Parecer.

O sr. Saturnino de Brito duvida que a Municipalidade pudesse, em qualquer tempo, executar os esgotos, e as galerias pluviais, necessárias ao saneamento. Pois, podia, sim senhor; não na época de pânico em que o Estado precisava, com a maior presteza, sanear nossa terra para salvar S. Paulo, e quando a nossa Municipalidade mal tinha saído da acanhada organização provinda do Império.

Anos depois, com as suas rendas bem discriminadas, bem estabelecidas e bem arrecadadas; com a sua autonomia perfeitamente constituída; e com o seu funcionamento normalmente regularizado, sob o sistema republicano, não lhe faltariam os capitais precisos, a juro módico e prazo longo, para realizar aquelas obras, por administração, e com o vagar compatível com os seus recursos e com as necessidades higiênicas do momento.

Censura o sr. Saturnino de Brito a nossa Municipalidade, porque, tendo, por insistência de s.s., conseguido que o Estado construísse, com seus capitais, vários serviços pluviais básicos, quis que as restantes galerias fossem também construídas pelo Estado. O sr. Saturnino opôs-se terminantemente a essa desarrazoada pretensão. Por quê? Explica-nos s.s.: porque, se a Câmara teima em afirmar que a execução dos outros serviços lhe compete, compete-lhe também a execução complementar das obras de saneamento.

Mas o abalizado engenheiro se esquece de que s.s. proclama que o serviço de saneamento é "TOTALMENTE municipal, devia ser executado pela Câmara e esta NADA podia fazer". Ora, se o Estado, apesar do serviço ser totalmente municipal, chamou-o a si, é lógico que ele deve executá-lo totalmente, e não deixá-lo em meio, como quer o sr. engenheiro-chefe.

Além disso, se s.s. confessa e proclama que o Estado chamou a si as obras, visto como a Municipalidade nada podia fazer, por que estranho processo de lógica contraditória, quer que ela execute as obras complementares?

A Câmara o que não permite apenas é que, a pretexto de saneamento, o sr. Saturnino de Brito, em nome do Estado, queira desapropriar, à custa dos cofres municipais, grandes extensões de terras particulares, para nelas edificar uma Santos futura, traçada inesteticamente em longas e monótonas retas quase intermináveis, pelo sistema de xadrez, com a sua massa considerável de casas, aglomeradas em quarteirões maciços, fatigando a vista e pervertendo o senso artístico do nosso povo.

É insólita a insistência, a fixidez monomaníaca com que o sr. engenheiro-chefe afirma que a Municipalidade quis que o Estado, com seus capitais, construísse as tais galerias. O que s.s. chama capitais do Estado é a nossa renda municipal de esgotos, com que o Governo se vai cobrando, anualmente, das despesas feitas em Santos para salvar S. Paulo, ameaçado de peste, fome, penúria e descrédito.

Não admira que quem assim pensa, tenha também imaginado incorporar ao patrimônio público, mediante desapropriação a título gratuito, vastas zonas de terra pertencentes a particulares!

Opondo reparos ao serviço de águas que, segundo a sua opinião, a Municipalidade não fez, mas devia ter feito, assevera que o Parecer se queixa até de que o tesouro local pague a água consumida em chafarizes. O contrato foi feito em 1897, quando o Estado já tinha dado começo às obras do saneamento. Ora, não se pode sanear, a sério, cidade alguma, sem água abundante para lavagens de esgotos, lavagens de ruas e higiene doméstica. O provimento de água é parte substancial de um plano completo de saneamento. O Estado, chamando-o a si, cumpriu o seu dever.

E nem ao menos é exato que o Parecer se queixe do pagamento pela água dada ao consumo público. O que ele pretende é, restabelecendo a verdade, mostrar que a Municipalidade não foi ouvida na novação do contrato de abastecimento, mas foi onerada com o pagamento da água canalizada para os chafarizes públicos e ate PARA AS REPARTIÇÕES DO ESTADO. O que se quis dizer é que, embora não consultada a respeito, é ela que paga o consumo que nesta cidade o Estado faz do precioso líquido.

Imagem: reprodução parcial da obra de Alberto Sousa (página 56)