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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - RADIOFONIA
O pessoal que fazia rádio em Santos (2)

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Um dos mais conhecidos personagens do rádio santista nas décadas finais do século XX foi Rui Pantera, destacado em reportagem do jornal santista A Tribuna, publicada em 21 de maio de 2011, páginas A-1, D-1 e D-4:


AS MUITAS GARRAS DO PANTERA – A voz e as boas histórias de Rui Pantera nas ondas do rádio regional

Foto: reprodução, publicada com a matéria, na primeira página

Sua majestade do rádio, Rui Pantera

Verdadeira lenda viva, Rui Pantera deixou sua marca – de competência, alegria (e altas doses de loucura do bem) – nas emissoras por onde passou

José Luiz Araújo

Da Redação

Quem conviveu com Rui Braz – ainda que por poucas horas – há de entender a relação. Esse maringaense de 52 anos, cidadão santista por espontânea simbiose, muito se assemelha ao saudoso Tim Maia. Não na capacidade de compor letras, mas na fina ironia, rapidez de raciocínio nas respostas, voz grave e potente e como guardião de um baú repleto de histórias e confusões. Mas é na essência que ele é bem mais parecido com o músico carioca: um maluco do bem.

Conhecido pelo apelido, Rui Pantera por 20 anos foi locutor nas principais rádios da região. Por onde passava sua figura magra e o sorriso largo enchiam a noite de alegria.

Irreverente, criativo. Louco! Amado pelos amigos e adorado pelos ouvintes, não era unanimidade entre os patrões, que deixava sempre de cabelos em pé devido às constantes travessuras e problemas. Rui era exemplo para o bem e o mal.

Histórias tão absurdamente hilárias como sérias acompanham sua trajetória profissional. Algumas mais leves os amigos contam na outra página. Também há quem se negue a revelar o que viu e ouviu.

Garantido o anonimato, alguns deram canjas. Era comum, por exemplo, Rui mostrar o traseiro para as funcionárias. Saía correndo atrás das faxineiras feito louco berrando e fingindo que babava. Chutou e quebrou uma porta de vidro. Por vezes (depois de tomar umas na rua) dormia no chão do estúdio horas antes de entrar no ar, o que fazia depois, justiça seja feita, com maestria.

"Tenho enorme carinho e admiração pelas famílias Santini (Robertinho) e Mansur (Gil e Beto), proprietárias de duas das rádios em que trabalhei. Eles sempre foram meus fiadores quando eu alugava imóvel. Eu era largadão, mas pagava direitinho. E tenho saudade do velho Giusfredo Santini que, com 80 anos, gostava de mim e dava muita risada comigo. Ele me achava desencanado. Sem preocupações", defende-se o locutor.

Chama o padre – Era comum, também distante do microfone, protagonizar cenas madrugada afora. Algumas reais, outras nem tanto. E, certa ocasião, a notícia correu: Rui Pantera passou dessa para melhor. Comoção, choro, ligações para as rádios e algumas risadas, ainda que nervosas, já que dele se esperava tudo. Até mesmo que, com sua lábia macia e sorriso, conseguisse ludibriar a morte.

Maringá, 1995. Altas horas da noite. Atropelado, ele foi lançado a mais de três metros de altura. Fraturou a coluna cervical (por centímetros não foi seccionada), recebeu 185 pontos e passou por três cirurgias faciais reparadoras. Morou 62 dias na UTI, 22 deles respirando por meio de aparelhos. Desenganado.

"Chamaram até um padre para me dar a unção dos enfermos. Alguns amigos em Santos souberam e pediram, via rádio, orações para meu restabelecimento. Horas depois, na rádio-peão, me mataram! Em outras ocasiões houve mais boatos de que morri. Nada! Jamais topei com algum marido traído".

O locutor lembra que havia três tipos de Marias: a chuteira (no futebol), a batalhão (nos quartéis) e a microfone (nas rádios). O imaginário coletivo, diz e ri muito, era fantástico. As pessoas ouviam a voz do locutor e formavam mentalmente o físico: quanto mais potente, mais belo e musculoso.

"Quando me conheciam, perguntavam com cara de decepção e reprovação: Você é o Rui Pantera? Por vezes saía: Até que você é bonitinho. Galãs e muito paquerados eram o Zerri e o Tony Lamers".

Romances não faltaram. Fora as namoradas oficiais e casos eventuais, casou por duas vezes. A prole é formada por cinco herdeiros com idade de 18 a 23 anos, com a qual, jura, mantém sempre contato. "Estou aberto a pedidos de exame de DNA. Devo ter mais por aí".

Certa ocasião, pensaram que ele tinha pirado de vez. Foram cinco internações em clínicas, uma delas psiquiátrica. Outro virtual encontro seu com a soturna figura da foice muito comentado devido ao alcoolismo. Tivera cirrose e morrera em Maringá. Bateu na trave.

Ele retornou em 2000 à sua cidade natal porque o pai adoeceu e em três meses, morreu. Sempre chegado ao copo, mas de cerveja, vodca e conhaque em barzinhos, shows e baladas, com a perda paterna, Rui caiu em tristeza profunda. Na cachaça encontrou consolo.

"Não justifica, foi um adendo. Sempre fui alcoólatra, só não sabia. Começa tolamente com uma cerveja e vai embora. Perdi a vesícula e tive outros sérios problemas que até hoje me prejudicam. Há anos não bebo, mas saio com os amigos, jogo sinuca, vou a shows. Quem é meu amigo de verdade não oferece".

Rui tem uma teoria: alcoolismo é doença, obviamente, mas existem só três tipos de alcoólatras: o que bebe, o em tratamento e o recuperado. "Meu caso. Não existe alcoólatra curado. Se eu tomar um gole, recaio. Você é alcoólatra até o último suspiro de vida".

Testemunha – Pantera é apontado como uma lenda no rádio e faz parte da história do veículo. Participou da chegada da FM a Santos. A pioneira foi a Tribuna FM e, na seqüência, vieram Cultura e as demais. O locutor também foi testemunha ocular e oral dos períodos mais criativos da música, principalmente do rock, do final dos anos 1970 aos anos 1980.

Como locutor, apresentava os shows promovidos pelas rádios e foram raras as bandas que não deram aqui os primeiros passos sem que se soubesse no que se transformariam. Alguns exemplos: Kid Abelha, Camisa de Vênus, Capital Inicial, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Cazuza, Barão Vermelho, Nenhum de Nós, Ira, Heróis da Resistência, Blitz, Ultraje a Rigor, Rádio Taxi e RPM.

"Conheci todos os caras, ficava com eles no camarim conversando e bebendo. Havia muito assédio das fãs e loucura, coisas que não são contadas. Fazem parte do pacto do silêncio".

Na visão do locutor, Santos sempre foi uma cidade muito musical. As pessoas adoravam cantar, dançar, as rádios recebiam os fãs, cartas e telefonemas pedindo músicas. E havia casas noturnas como Pirata, Blitz, Zoom, Lofty, Heavy Metal, Caiçara Music Hall. Neste, as bandas chegaram a gravar discos ao vivo. "Graças ao olhar sempre lá na frente do empresário Toninho Campos. O rock, no Brasil, deve muito a ele".

Para encontrar o Pantera, em Santos, bastava ir ao sebo de discos que ele e o Johnny Hansen mantinham em uma galeria da Avenida Floriano Peixoto.

"Era uma espelunca, mas apropriada para o que a gente queria: o pessoal do rock e não os mauricinhos que freqüentavam o shopping. A molecada (alguns viraram jornalistas) encostava a magrela na porta e ninguém furtava. A gente tinha LPs importados e pirateados e fazia altos rolos, trocas. Era a época do heavy metal, Iron Maiden e o caramba".

Rui mora, hoje, em sua cidade natal, a paranaense Maringá, e pretende criar uma web rádio

Foto: reprodução, publicada com a matéria

Da rádio latinha em Maringá ao reinado na Pink Panther

Antes de desembarcar em Santos, Rui trabalhou em grandes rádios da Capital e do Rio

José Luiz Araújo

Da Redação

A paranaense Maringá, na infância de Rui, era uma cidade pequena. Não havia sistema encanado de água e esgoto e nem luz elétrica para todos. Conquistas que vieram aos poucos.

Aos 6 anos, o menino usava uma latinha de extrato de tomate com linha de pesca para fazer locuções e entrevistar os amigos.

Era costume, aos 10, ficar pregado no orelhão para pedir músicas aos locutores da AM. De tão conhecido, ganhou emprego de office-boy. Absorveu o que via e ouvia, tornou-se sonoplasta. Quatro anos mais tarde, tinha diante de si o sagrado microfone dos deuses da voz.

A cidade não poderia mais segurá-lo. Rui desembarcou em São Paulo, onde trabalhou em rádios importantes, como a Globo, na condição de locutor-noticiarista. Pela emissora surgiu a oportunidade de conhecer a Cidade Maravilhosa.

"Pela primeira vez andei de avião. A gente veio com as passagens pagas. Descemos em São Paulo e fomos de buzão para Santos. Quando estávamos na linha da máquina, pedi para o motorista parar e desci sem a bagagem. Simples assim. O Torquato não entendeu e seguiu. Queria ver a Cidade. Fui andando e perguntando onde ficava a Praça Independência. Eu não conhecia nada".

O salário era dos mais polpudos. Ao receber o primeiro, cada um comprou uma moto para pagar em apenas três parcelas. Isso sem falar na fama, poder de comunicação, contato direto com as pessoas e o sempre presente assédio feminino.

O apelido, conta Rui, foi dado pelo amigo Torquato. "Talvez porque eu sempre ia ao Pink Panther, uma boate com as melhores mulheres de aluguel da Cidade. Eu com aquele sotaque, caipirão, grana no bolso, ficava deslumbrado com a vida noturna em Santos".

Não havia como não ficar conhecido. Rui passou pelas rádios Cultura, Tri FM, 95 Rádio Rock, 98 FM e Enseada. "Trabalhei com Marcelo Petito, Tony Lamers, Beto Zarife, Zerri, Pedro Luiz, Torquato, Júlio Mazzei, Beto Rivera, Cleber Celino. A Inês Bari, que me ensinou muito de rádio. A Isabel Machado, que me agüentou, coitada! São tantas pessoas importantes que sei que esqueci de citar algumas".

Ao analisar o modo de fazer rádio na Cidade, Rui é imperativo. Valia como uma boa graduação. "Você podia até fazer o curso do Senac, mas é no ar, ao vivo, na real, que aprende, porque a cobrança do ouvinte é enorme. Você é obrigado a ser bem informado, alegre, carinhoso. E o clima ajudava. Eu saía para trabalhar, via o sol, a praia, os jardins, as mulheres. Não havia como chegar triste, desmotivado. Ser locutor é transmitir o que você vivencia nas ruas. Uma boa rádio jamais segura um mau locutor, mas um bom locutor consegue melhorar uma rádio ruim".

Foto: reprodução de foto (detalhe publicado com a matéria)

Rui Pantera segundo Zerri

Arrotos e Anãobolizantes - Zerri, muito conhecido em Santos, conta essas. A Pepsi fechou um grande contrato publicitário com a rádio. O locutor tinha que soltar a gravação do som de uma garrafa abrindo, o líquido caindo no copo e falar: Pepsi, o sabor da nova geração. O Rui seguiu o texto e soltou um estrondoso arroto para dar realismo. A Pepsi cancelou o contrato e retirou o freezer de latinhas de cortesia. O Rui disse na maior cara lavada: "todo mundo que toma refrigerante arrota".

Ele leu no ar uma notícia sobre o papa João Paulo II, que viajaria ao Hawaí e à Polinésia, e emendou: "O papa viaja de graça pra caramba! Que empregão, hein meu?" O arcebispo de Santos ligou para reclamar a falta de compostura.

O Rui apresentou um concurso de uma famosa marca de jeans na época e foi pago com cheque sem fundos. Na rádio, detonou o cara no ar. Era época do doping do Ben Johnson nas Olimpíadas e ele fez uma analogia, porque o caloteiro era baixinho: "Aquele baixinho pilantra! Se o Ben tomou anabolizante, ele deve ter tomado anãobolizante".

Rui Pantera segundo Torquato

Ingresso para 1º de abril – "Sempre que o Rui estava por perto, era a certeza de algo inusitado. Fomos tomar café no bar embaixo da rádio, e perguntou se a gente duvidava que ele tomasse de graça. Duvidamos. Na porta do bar, o Rui fingiu que estava se sentindo mal, caiu no chão e causou pavor. Ele falou baixinho, como que fraco: um café, por favor! Uma pessoa, então, pagou e entregou a ele. O cara de pau agradeceu e deu uma piscada para nós.

No auge da banda Titãs, que viria no Caiçara Music Hall, o Rui resolveu fazer uma promoção. Disse que os 200 primeiros que viessem à rádio ganhariam ingresso. Em pouco tempo, havia uma multidão. Gente que veio a pé, de bicicleta de São Vicente, uma loucura. Cada um que entrava e pedia o ingresso, o Rui falava: "1º de abril". E era. Revolta e ameaça de depredação. Ele teve que fugir e relembra: "Fui para a garagem e saí deitado no banco de trás da Caravan do Pedro Luiz. No dia seguinte, na rádio, o chefe disse que eu estava suspenso por três dias. Perguntei: 'dei a maior audiência à rádio em tempo recorde e sou suspenso?'"

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"Algumas fãs são loucas para conhecer os locutores. Ouvem a voz e imaginam um sujeito belo e musculoso. Quando me conheciam, perguntavam com cara de decepção: 'você é o Rui Pantera?'"

"Sempre fui alcoólatra, só não sabia. Começa tolamente, com uma cerveja, e vai embora. Há anos que não bebo, mas não me isolo. Saio, jogo sinuca, vou a shows. Quem é amigo de verdade não oferece".

 

"Até os cachorros vadios me conheciam"

A distância de Santos é encurtada via Internet e as redes sociais. "Fico triste porque aumentou a criminalidade aí. Mataram um cara na Rua Pindorama, onde morei! Eu era maluco, mas do bem, e andava direto na madrugada. Fui assaltado duas vezes, uma por dois pivetes. Queriam o walkman".

Quando Rui revelou quem era, a dupla livrou sua cara sem prejuízo. "A força do rádio era imensa. Na madrugada até os cachorros e gatos vadios me conheciam e latiam e miavam me cumprimentando. Por vezes eu comprava pão e leite para os mendigos. E como eu adorava A Tribuna, no domingo de manhã eu furtava o exemplar na porta de alguma casa e ia para a praia. Sentava em um banco e lia o jornal. Amo Santos (e as pessoas da cidade), minha segunda casa. Não coloco os pés aí desde 2006. Mas vou no fim do ano".

Os xodós – Em Maringá, Rui Pantera divide o tempo entre o cuidado especial com a mãe (que sofre de Alzheimer, Mal de Parkinson e diabetes) e o trabalho em casa, como narrador para produtoras. "Ela, apesar do bom humor, está com a memória afetada. Trabalhei três vezes na Maringá FM, a mais popular daqui, tenho convite para voltar, mas não posso ficar cinco horas preso. Estou montando um estúdio profissional e até o fim do ano quero ter uma rádio via Internet".

Apesar da saúde um pouco debilitada, nada faz Rui Pantera esconder os dentes. Sarcástico, bem-humorado, está mais vivo do que nunca. Credita o fato à teimosia, ao amor aos amigos, e à profissão e à fé em Deus, ao seu modo. A morte não o assombra, até porque, confessa-se atraído pelo desconhecido. Quer saber o que há (ou não) do outro lado.

"Na UTI via orgias, fogo, gente queimada, cabeças decepadas. Alucinações devido à medicação. Não vi túnel, luz, anjo, Deus. Mas fiquem tranqüilos, quando eu chegar lá, descolo um microfone, faço uma entrevista com Jesus Cristo, baixo em uma sessão espírita para transmiti-la, e contar como é morar no céu. Fique ligado", brinca.

Pelo que se vê na vida do locutor, o poeta italiano Ugo Foscolo, vivo fosse, teria encontrado na autenticidade de Rui a personificação de sua frase: "Ria com abundância, pois a seriedade sempre foi uma característica dos impostores".

Rui em sua cidade natal, Maringá, onde começou e para onde voltou

Foto: reprodução, publicada com a matéria

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