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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PIONEIROS DO AR - Santa Maria
A passagem do SM-55 Santa Maria em 1927-C

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Quando os italianos Francesco de Pinedo, Carlo del Prete e Vitale Zachetti passaram por Santos e São Paulo com seu hidroavião Savoia-Marchetti SM-55 batizado como Santa Maria, em 28 de fevereiro de 1927, ninguém poderia imaginar que pouco mais de um mês depois o aparelho seria destruído por um incêndio ao ser reabastecido, em 6 de abril de 1927, no lago artificial Roosevelt, situado em Phoenix (Arizona/EUA). Para completar seu reide aéreo ligando a Europa às Américas do Norte e do Sul, foi preciso que um novo aparelho lhe fosse remetido da Itália, e que ganhou o nome de Santa Maria II.

Esse reide aéreo foi intensamente acompanhado pelos jornais da época. A chegada a Santos foi assim descrita pelo jornal O Estado de São Paulo de 1º de março de 1927, na primeira página (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição - clique na imagem para ampliá-la):

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Imagem: reprodução de O Estado de S.Paulo de 1º de março de 1927, pág.3 (Acervo Estadão)

 

AS GLÓRIAS DA AVIAÇÃO

O aviador De Pinedo em São Paulo

A partida do Rio - A expectativa nesta capital - A chegada a Santo Amaro - O voo para Santos - Manifestações em São Paulo - A continuação do reide - De Santos a Buenos Aires num só voo

São Paulo teve ontem a alegria de assistir ao voo de De Pinedo e de aplaudir o grande navegador dos ares. Dizendo alegria, não usamos de uma fórmula banal. Tivemos a oportunidade de ver de perto o imenso movimento da população, motivado pela chegada matinal do Santa Maria: foi uma verdadeira festa, vibrante de espontânea jovialidade, que transparecia de todas as fisionomias, de todos os gestos, de todas as vozes. Era unânime o sentimento de satisfação, e só houve um impulso de entusiasmo sacudindo a cidade inteira.

É que São Paulo compreende perfeitamente a beleza destes grandes atos de moderno heroísmo pacífico, todo em proveito da civilização e do melhoramento humano; compreende da mesma forma o que representa o reide do Santa Maria como expressão das qualidades de inteligência, de energia organizadora e de audácia progressista, que residem,como em reservatório inesgotável, no seio dessa nação italiana à qual tanta simpatia e admiração tributamos.

O presente reide não é a primeira façanha, notável nos fastos da aviação, efetuada por De Pinedo. Todas as qualidades de um piloto completo já foram manifestadas por ele em anteriores proezas de que todo o mundo se recorda: qualidades físicas e técnicas, qualidades de temperamento, qualidades de caráter e de inteligência, amalgamadas num todo de admirável equilíbrio e miraculosa potencialidade realizadora.

Tudo são augúrios de feliz, inexcedível êxito para o imenso voo de 80 mil quilômetros que De Pinedo pretende concluir desta feita. Esses augúrios tirados da própria natureza das coisas coincidem, numa rara harmonia, com os que são formulados por todos os corações onde vibra uma centelha da religião universal do heroísmo, da beleza moral e da audácia benfeitora.

O Estado saúda cordialmente o grande az da aviação mundial, e tem o prazer de afirmar à forte e generosa colônia italiana aqui residente a sua afetuosa solidariedade nas manifestações do seu justo regozijo.

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O grande aviador em pose especial para o nosso fotógrafo

Imagem: reprodução de O Estado de S.Paulo (cor acrescentada por Novo Milênio)

Em Santos

Santos, 28 - ("Estado") - As notícias divulgadas celeremente pela manhã anunciavam que o Santa Maria deveria descer na Ponta da Praia, em hora ainda incerta, possivelmente no pitoresco lugar onde a população já se acostumou a aguardar a chegada dos aviadores que nos visitam. O lugar é deveras propício às manobras de descida dos aviões e, como garganta final que é do estuário, favorece a curiosidade de quantos ali acorram para assistir a esses espetáculos.

Uma efervescência de entusiasmo dominou a população desde cedo. Um rebocador, garridamente embandeirado, o Baby M, conduzindo comissões diversas, foi cruzar as águas da barra, a fim de que estas fossem as primeiras a saudar a passagem do bravo piloto italiano. Em terra, cobrindo a estreita faixa de areia, dos jundus à orla da espuma, de olhos presos no firmamento em expectativa ansiosa, milhares de pessoas sofriam o rigor de um mormaço causticante, levemente atenuado pela fresca viração marinha. Manchas coloridas muito vivazes atraíam a atenção das levas de povo, que se vinham incorporar à bulhenta multidão ali reunida: eram as sombrinhas das senhoras, de pé nos automóveis.

Houve, porém, um instante em que toda aquela gente, insensível ao calor abafadiço e até mesmo deslembrada do almoço - pois as horas se iam escoando -, como que foi sacudida por um frêmito. Foi quando um telefonema dirigido a uma das autoridades presentes a informou de que De Pinedo havia partido de S. Paulo, com destino a Santos.

O audaz aviador seria ali recebido e cumprimentado pelo elemento oficial da cidade, bem como pelos representantes do seu país. Viam-se os srs. dr. João Carvalhal Filho, presidente da Câmara; dr. José de Souza Dantas, prefeito municipal; vereadores comendador Alfaya Rodrigues, Albertino Moreira e Samuel Baccarat; comandante Ferraz Castro, capitão do porto; Camillo Leonini, cônsul da Itália; cavaleiro oficial (cav. uff.) Augusto Marinangeli, adido comercial do consulado e dr. Gastão Madeira, sub-procurador da República.

Ao bater o meio-dia, a inquietude da multidão atingia o auge. Quem pudesse observar a cena, com um pouco de calma, livre do contágio unânime que sobre todos exercia essa mesma ansiedade, teria por certo recebido a impressão de que os olhares perscrutadores do povo, voltados então para as montanhas azuladas da Serra de Paranapiacaba, procuravam atrair e guiar até ali o possante aparelho de De Pinedo.

Mas, infelizmente, a multidão foi lograda na sua longa e penosa espera. O Santa Maria chegou sem que ela o visse.

Eram precisamente 12 e 45 quando alguns dos navios surtos no porto assinalaram a chegada do avião, fazendo ressoar longamente os seus apitos. O rumor das hélices, a formidável trepidação dos motores foi o melhor anúncio do fato para a população do centro comercial - o único trecho da cidade que pressentiu, ou pôde presenciar, a aproximação do Santa Maria.

Assim é que, enquanto as nossas autoridades e os entusiastas do notável piloto italiano permaneciam na Ponta da Praia, a lancha de um prático da barra, o capitão Estevam Marinho, foi a primeira embarcação que se encaminhou para o aparelho. O elegante hidroplano pouso em frente do Itapema, com a maior facilidade na sua derradeira manobra. Sobe depois o correspondente do Estado, na rápida palestra que entreteve com o heroico aviador, que pelo Ministério da Marinha fora-lhe fornecido um mapa da cidade de Santos, com a indicação da base naval para a descida.

O capitão Marinho encontrou De Pinedo sorrindo, ao bordejar o Santa Maria, e oferecendo-lhe imediato transporte para terra. Acedendo ao convite, De Pinedo deixou os seus dois auxiliares ocupados na vistoria do aparelho, seguindo para o escritório do capitão Marinho, à Rua Xavier da Silveira, n. 170, onde ficou por espaço de uma hora, sendo o seu primeiro cuidado o de expedir numerosos telegramas.

Avisadas as autoridades, foram ao encontro do ilustre hóspede os srs. cônsul italiano e o vice-presidente da Câmara, além de outras pessoas gradas, que lhe apresentaram os mais efusivos cumprimentos.

Um episódio curioso veio para logo evidenciar o caráter simples e a afabilidade cativante do notável aeronauta. O cônsul italiano e o vice-presidente da Câmara eram intermediários, perante De Pinedo, do convite que um grupo de peixeiros do mercado respeitosamente lhe dirigia, para receber uma singela homenagem que lhe haviam preparado. De Pinedo prontificou-se a acompanhá-los até o mercado e o automóvel partiu. Chegados que foram àquele próprio municipal, em meio ao vozerio ensurdecedor que àquela hora, como sempre, animava o palco do mercado, uma comissão de humildes peixeiros acolheu com estridentes "vivas" e mancheias de flores o destemeroso mensageiro da Itália, que se deu por muito sensibilizado com a lembrança, apertando a mão dos que o homenageavam, um a um.

Findo esse ato, em companhia das mesmas autoridades, dirigiu-se De Pinedo para o Hotel Parque Balneário, onde a sua entrada foi alegremente marcada por aclamações, pois tanto o jardim como o salão de honra do hotel estavam repletos. Professoras e alunas da escola "Alexandre Manzoni" acentuaram expressivamente a chegada de De Pinedo, atirando-lhe pétalas de rosa, e ofertando-lhe um vistoso ramalhete.

Todavia, era necessário deixar ao ilustre visitante alguns momentos de repouso, quando menos para uma refeição ligeira. Minutos após, graças à gentileza desse piloto de rara têmpera, o correspondente do Estado conseguia exprimir-lhe pessoalmente as saudações do jornal que representa e de trocar consigo duas palavras.

- Boa viagem?

- Excelente.

- Quando pretende prosseguir no reide?

- Hoje mesmo, ou por outra, amanhã, às 4 horas.

E a conversa é suspensa, para que De Pinedo possa dar algumas ordens ao capitão Sala, encarregado de servir como seu secretário, durante a sua estada no Brasil. São providências sobre o aprovisionamento do aparelho, rematadas por uma frase em que De Pinedo deixa patente uma coisa: o seu carinho pelos seus auxiliares.

- Quanto mais cedo melhor, pois é preciso evitar que os mecânicos trabalhem de noite. Eles estão fatigados.

Em torno, a impressão que as palavras do valente az vai deixando no espírito de todos é a de um homem que não gosta de perder palavras. Diz o que é indispensável.

As horas corriam. Às 15 e meia, ainda uma vez entre aclamações, De Pinedo deixa o hotel, em companhia dos srs. cônsul italiano e do seu secretário, com destino a S. Paulo, a fim de cumprimentar o sr. presidente do Estado.

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O Santa Maria na represa de Santo André

Imagem: reprodução de O Estado de S.Paulo (cor acrescentada por Novo Milênio)

A partida do Rio

O dia de ontem, no Rio, amanheceu incerto, parecendo que ia chover. O mar, porém, estava tranquilo. Os ventos de Leste e de Nordeste sopravam com a velocidade de dois metros por segundo.

O aviador De Pinedo, que havia marcado para muito cedo a sua partida desta capital, recebeu, às primeiras horas da manhã, nos seus aposentos do Glória Hotel, a visita do embaixador Montagna e do cônsul italiano em Ribeirão Preto, cavalheiro Sala, com eles se transportando para a ponte presidencial do Catete, onde todos embarcaram numa lancha, da Escola de Aviação, e partiram para a Ilha do Governador.

A esse tempo, o mecânico Zacchetti, acompanhado do engenheiro Del Prete, descia a bordo do Santa Maria, a fim de prepará-lo para a viagem.

Às 8 e 15, o arrojado az chegou à Ponta do Galeão.

A lancha encostou-se ao Santa Maria. De Pinedo subiu, a seguir, vestindo imediatamente a camisa alva de lã.

Trocaram-se as despedidas. Momentos depois, as hélices foram acionadas. Era hora da partida, 3 e 30 precisamente.

O Santa Maria rumou então para a ponte; depois, descrevendo um semicírculo, tomou rumo, cortando as águas com grande velocidade. Quatrocentos metros após, o hidroavião erguia-se das águas, seguindo em linha reta.

Como fez em Natal, Recife e Bahia, o aviador, logo que deixou o ancoradouro com destino ao Sul, voou sobre a cidade e a seguir ganhou o oceano e rumou para São Paulo.

As primeiras notícias - Desde as primeiras horas da manhã, intenso era na cidade o movimento de pedestres, que, nos pontos de bondes ou de automóveis, procuravam condução para a represa de Santo Amaro, onde devia baixar daí a pouco o Santa Maria.

Circulando rapidamente, pela cidade, a notícia de que o grande az italiano viria pela manhã a S. Paulo, os pontos altos da cidade, como o Morro dos Ingleses, Morro Vermelho, Sant'Anna etc., achavam-se apinhados de povo que desejava avistar o aparelho, na sua chegada. Os terraços dos arranha-céus, no centro da cidade, achavam-se literalmente repletos de curiosos, de olhos perdidos no azul, à procura de qualquer coisa que se parecesse com o avião ansiosamente esperado.

Às 8 horas e 35 minutos anunciava-se na cidade a partida, no Rio, do grande aviador. Um frêmito de entusiasmo perpassou pela alma paulistana, tomada do mais ardente desejo de ver chegar, a esta capital, o glorioso aviador, pilotando o seu gigantesco aparelho.

Às 9 horas e poucos minutos dirigimo-nos para a vizinha cidade de Santo Amaro. Pelo caminho, topamos desde logo uma fileira interminável de automóveis repletos de passageiros, que se destinavam, como nós, à represa. A viagem foi penosa, devido ao estado da estrada, cheia de lama e atoleiros, em consequência das últimas chuvas. A caravana movimentava-se com dificuldade, ora seguindo pela estrada real, ora procurando atalhos, não raro cortando mesmo por sobre os campos gramados, que, em alguns pontos, enfeitam o caminho.

À margem da estrada, a população dos bairros de Matadouro, Indianópolis, Chácara Itaim, Vila Cordeiro, assistia ao desfilar dos autos, cujos motoristas, impacientados, praguejavam.

Depois de duas horas e pouco de automóvel, vencemos o percurso, que, em dias normais, é coberto regularmente em trinta minutos.

Quando lá chegamos, os bordos do imenso açude da Light and Power, que dão para a estrada que conduz à cidade, achavam-se inteiramente tomados. Mais de três mil automóveis atravancavam a estrada da Capela do Socorro. Uma multidão calculada em 35.000 pessoas, cheia de ansiedade, perscrutava com o olhar, os ares, na expectativa de avistar o Santa Maria.

Quatro aparelhos da Escola de Aviação da Força Pública Estadual faziam, nas imediações da represa e sobre ela, morosas evoluções.

O Santa Maria - Poucos minutos depois de 11 horas o avião era avistado na direção de Vila Mariana, pelas pessoas que se achavam nos terraços de prédios do centro da cidade.

Rapidamente e em linha reta, o avião se aproximou da cidade, tomou o rumo de Santa Cecília, deu uma rápida volta em redor da capital e tomou a direção de Vila Mariana, procurando a represa.

Foguetes e morteiros anunciaram a sua entrada em São Paulo.

Na represa, o povo comprimido, sob um sol causticante, avistou o aparelho às 11 horas e 10 minutos. O aviador foi imediatamente aclamado pela enorme multidão de pessoas que agitava bandeirinhas nacionais e italianas, juntamente com lenços e chapéus, ao mesmo tempo que dava vivas de satisfação e de entusiasmo. Nessa ocasião, abalava o céu uma salva de morteiros.

Algumas lanchas achavam-se dispersas pela represa. A bordo de uma delas, de grandes dimensões, pertencente ao São Paulo Sailling Club, gentilmente cedida pela diretoria daquele clube, achavam-se as personalidades de destaque social e políticos e membros proeminentes da colônia italiana, que aguardavam a chegada do aviador. Entre essas pessoas, notamos os srs. capitão Tenorio de Brito, representante do sr. presidente do Estado; coronel Pedro Dias de Campos, comandante geral da Força Pública; tenente-coronel Benedicto Soares de Moura, comandante do Corpo de Bombeiros; cav. João Baptista Dulfini, cônsul geral da Itália em São Paulo; dr. A. de Magalhães, cônsul de Portugal em São Paulo e presidente da Sociedade Consular; cav. Sala, cônsul italiano em Ribeirão Preto e exma. sra.; capitão João Leonardo de Brito; Isaias Branco de Araujo, prefeito de Santo Amaro; Manuel Fontes Pereira, presidente da Câmara Municipal de Santo Amaro; coronel Luiz Schmidt, dr. Alipio Borba, representante da Light & Power, e senhora; cav. Humberto Salla, Guido Misa, V. Lolucco, membros da Sociedade Italiana XX de Setembro, mr. Rowley, Stomory Thyller, E. Greenwod e R. P. Eidmans, diretores do São Paulo Sailling Club e representantes da imprensa.

Avistado em Santo Amaro às 11 horas e 5 minutos, precisamente, o aparelho aproximou-se rapidamente e fez ligeira volta sobre a represa, procurando direção para pousar. Às 11 horas e 10 minutos, depois desse rápido giro de estudo em redor do lago, o aparelho desceu mansamente, debaixo de estrepitosos aplausos e vivas da enorme multidão e os estrondos dos morteiros.

Pousado o aparelho, acorreram em sua direção a lancha em que se achavam as autoridades, e as demais que se achavam surtas na represa. Uma delas rebocou o aparelho para perto de terra. O aviador De Pinedo e os seus companheiros de viagem passaram então para a lancha Rosa Mary, do São Paulo Sailling Club, sendo cumprimentados pelas autoridades que aí se achavam e, daí a momentos, sem descer da embarcação, percorreu nela as margens do açude e se apresentou à enorme multidão que o aplaudia freneticamente.

Depois de se fazer fotografar e posar para a objetiva cinematográfica, o grande az italiano passou para uma lancha menor e se dirigiu ao avião que, novamente impulsionado, partiu com grande facilidade, tomando rumo de Santos. A partida deu-se às 12 horas e 15 minutos precisos, isto é, uma hora exatamente depois de haver pousado sobre as águas da represa.

O almoço - O prefeito de Santo Amaro fizera preparar uma ligeira merenda para o valoroso aviador e para as pessoas de destaque que o foram receber. De Pinedo, entretanto, delicadamente escusou-se de não poder aceitar o convite para o almoço, dada a exiguidade de tempo de que dispunha para transportar o seu aparelho até Santos, onde deveria sofrer uma rápida limpeza nos motores.

Ao almoço, que se realizou num dos bares vizinhos à represa, compareceram, entre outras, as seguintes pessoas: capitão Tenorio de Brito, pelo presidente do Estado; coronel Pedro Dias de Campos, comandante geral da Força Pública do Estado; dr. A. de Magalhães, cônsul de Portugal em São Paulo e presidente da Sociedade Consular de São Paulo; tenente-coronel Benedicto Soares de Moura, comandante do Corpo de Bombeiros; capitão Euclydes Machado, representando o dr. Roberto Moreira, chefe de polícia; major José Garrido, comandante da Aviação da Força Pública; Manuel Fontes Pereira, presidente da Câmara Municipal de Santo Amaro; tenente Mario Rangel, ajudante de ordens do comandante geral da Força Pública; dr. Oscar Stevenson, delegado de polícia de Santo Amaro; Luiz Schmidt, Isaias Branco de Araujo, prefeito de Santo Amaro; Mario Luz, coletor estadual de Santo Amaro; dr. Alipio Borba, pela Light & Power, e senhora; coronel Francisco Gomes Leitão, professor Gomes Cardim, diretor da Escola Normal do Braz; comissão da Sociedade Italiana XX de Setembro, composta dos srs. Vicente Cerneti, Domingos La Scala, Uranio Bennatti e Lucas Mascolo; João P. Bueno, Ricardo Nascimento, Pedro Rodrigues de Almeida, Jorge Miranda Cotrim e jornalistas.

À sobremesa o coronel Pedro Dias de Campos falou agradecendo o almoço; respondeu o dr. Alipio Borba.

Novamente em S. Paulo - Depois da estada de algumas horas na cidade de Santos, De Pinedo, conforme o prometido, voltou de automóvel a esta capital, aqui chegando pouco mais ou menos às 16 horas.

O carro em que viajava o piloto do Santa Maria foi recebido nas imediações do Ipiranga, por outros em que viajavam personalidades de destaque da colônia italiana aqui domiciliada.

Ao passar pelas ruas centrais desta capital, De Pinedo foi ovacionado por numerosa multidão aglomerada nas ruas do itinerário traçado para a sua entrada em S. Paulo.

A multidão, cercando o seu automóvel, erguia entusiásticos vivas a De Pinedo, à Itália e ao Brasil.

O cortejo dirigiu-se para o Hotel Esplanada, onde tinham sido reservados aposentos para o grande aviador.

No salão de festa daquele hotel realizaram-se, logo depois, a cerimônia do batismo do galhardete do Fascio de S. Paulo.

No palácio do governo - Cerca de 17 horas, realizou-se no palácio Campos Elíseos a recepção dada pelo presidente do Estado em homenagem ao ilustre aviador italiano.

Para essa recepção foram convidados os secretários de Estado, o chefe de Polícia, os presidentes do Senado, da Câmara, do Tribunal de Justiça e da Câmara Municipal, prefeito da capital, comandante da Região Militar, comandante geral da Força Pública e personalidades de relevo da colônia italiana.

O aviador De Pinedo chegou ao palácio dos Campos Elíseos acompanhado do sr. João Baptista Dolfini, cônsul italiano.

O presidente do Estado o recebeu nos salões de festas do palácio Campos Elíseos, mantendo-se em amável palestra com o aviador.

Poucos momentos após, retirou-se o sr. marquês De Pinedo, tendo sido tirado um filme à saída do palácio.

Tanto à sua chegada ao palácio, como no momento de sua saída, foi o grande az italiano alvo de entusiásticas manifestações.

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A multidão em Santo Amaro

Imagem: reprodução de O Estado de S.Paulo (cor acrescentada por Novo Milênio)

Volta a Santos

Depois da recepção no palácio do governo, o aviador De Pinedo tomou novamente o automóvel que o esperava à porta do palácio e regressou a Santos pelo Caminho do Mar, sendo acompanhado nessa viagem por algumas personalidades da colônia italiana desta capital.

A partida de Santos - Um voo direto de Santos a Buenos Aires - Santos, 28 ("Estado") - De Pinedo chegou ao Parque Balneário às 21 horas e meia, de regresso dessa capital. Vieram em sua companhia os srs. capitão Sala e dr. Leonini, cônsul da Itália nesta cidade. De Pinedo recolheu-se aos seus aposentos, onde fez uma ligeira refeição.

O destemido aviador italiano deitou-se às 12 horas e 1/2, pretendendo às 2 horas e meia ou 3 horas, no máximo, dirigir-se à Base da Aviação Naval.

O Santa Maria, que ali se acha ancorado, será rebocado àquela hora para o canal, de onde deverá levantar voo.

Para fazer aquele serviço, seguirão para ali um rebocador, duas lanchas e um bote a remos.

- O voo do Santa Maria será direto de Santos a Buenos Aires.

No interior

Em Amparo

O entusiasmo da população - Amparo, 26 - Logo que foi conhecida, nesta cidade, a chegada do aviador italiano De Pinedo ao Rio de Janeiro, foi geral o movimento de regozijo e entusiasmo pelo magnífico feito. À noite, enorme multidão, em que se encontravam elementos de todas as classes e uma comissão representativa da laboriosa colônia italiana aqui domiciliada, percorreu acompanhada da corporação musical Progresso Amparense as principais ruas da cidade, manifestando sua alegria pelo fato. Nessa ocasião, foram levantados vivas entusiásticos à colônia italiana desta cidade e ao valente az italiano. As casas comerciais embandeiraram as suas fachadas.

- A Associação Comercial desta cidade enviou à embaixada italiana, no Rio de Janeiro, o seguinte telegrama: "Associação Comercial de Amparo, S. Paulo, congratula-se com essa embaixada pelo glorioso reide do aviador De Pinedo".

No exterior

Na Itália

Declarações do embaixador turco em Roma - Roma, 28 (U. P.) - O embaixador turco congratulou-se, hoje, com o sr. Mussolini, pelo êxito do reide de De Pinedo, declarando que a viagem aérea do aviador italiano representa um feito audacioso, que demonstra possuir o seu executor uma grande técnica.

Medalha de ouro ao mecânico Del Prete - Lucca, 28 (U. P.) - O comandante Guidi, "podestá" desta cidade, decidiu oferecer ao mecânico Del Prete uma medalha de ouro, como sinal da admiração da sua cidade natal pelos serviços que prestou e está prestando ao marquês De Pinedo.

Na Argentina

A recepção projetada em Buenos Aires - Buenos Aires, 28 (A.) - Acredita-se que o marquês De Pinedo chegue a esta capital amanhã, à tarde.

Ultimam-se os preparativos para a recepção do aviador, que será recebido no cais de desembarque pela comissão de recepção, que o acompanhará até o palácio presidencial, depois, até o hotel. O cortejo será puxado por um automóvel ocupado por De Pinedo, pelo ministro da Marinha e pelo embaixador da Itália.

O Santa Maria será comboiado, em seu voo sobre o Rio da Prata, por uma esquadrilha de aviões da Armada, comandada pelo tenente-de-fragata Sylvio Leporace.

Também o jornal paulistano Folha da Manhã noticiou a passagem do aviador italiano, nas páginas 1 e 2 da sua edição de 1º de março de 1927 (ortografia atualizada nesta transcrição - clique nas imagens para ampliá-las):

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Imagem: reprodução do jornal Folha da Manhã de 1º de março de 1927, página 1

 

AS FAÇANHAS AÉREAS DE DE PINEDO

De Pinedo, o grande itinerante dos espaços, ligou, ontem, mais um traço de união entre a Itália e o Brasil

Amaragem em Santo Amaro e a consagradora recepção do povo paulistano - A colônia italiana exalta, sob expressivas homenagens, glória do grande az - De Pinedo em Santos, aclamado pela multidão - O enviado especial da Folha da Manhã ouve o cav. Sala - Uma interview com o intimorato comandante do Santa Maria - Outras notas

O que para logo nos impressiona e enleva, nas façanhas aéreas do marquês De Pinedo, é a simplicidade, é a serenidade com que as vem realizando; é, por assim dizer, o aticismo que o grande aviador lhes vem sabendo imprimir.

Nada de estrepitosas fanfarronices, nada de esbanjamentos intempestivos de frases vaidosas sobre o que fez, sobre o que ainda pretende fazer.

Não quer o ilustre e comedido aviador que as suas façanhas aéreas possam ser tomadas, por quaisquer circunstâncias supervenientes, no mau sentido de um trocadilho de mau gosto.

Assim, vem ele timbrando em realizar os seus feitos heroicos, os maiores, talvez, da aviação contemporânea, com a desenvoltura serena, com a sóbria elegância de um antigo ateniense.

Esta finura moral que ele soube mesclar ao seu extraordinário empreendimento é o que mais nos encanta.

Este, sim, é bem o caso de se dizer: - há como que um traço de fino humorismo na simplicidade e na serenidade com que este homem se dispôs a percorrer pelos ares os cinco continentes, à feição de quem apenas pretendesse realizar "um bonito passeio". Porque, digamos de passagem, não é muito comum, entre os pioneiros do azul, o fato de se não deixarem tomar pela vertigem das alturas.

Mas não é só esta particularidade moral do feito que constitui, para os espíritos observadores, o único motivo de admiração. Também o constitui o aspecto puramente material do reide, esse rasgar alígero de ventos e nuvens, esse levar de vencida tantos obstáculos naturais, sempre conspirantes e ameaçadores, desencadeados na amplidão do céu, mais perigosos que os cachopos,os escolhos, os icebergs, na amplidão do mar.

- É mister, para vencê-los, uma segurança maravilhosa de pulso. Todos os requisitos de uma técnica perfeita são postos à prova.

E o homem que assim vai realizando, com tão firme pulso, com tão rara técnica e, acima de tudo, com tão espantosa elegância moral, bem merece os mais calorosos aplausos de todos nós, que o vimos atravessar estes céus brasileiros, que guardarão para sempre a sua lembrança. E, unidos aos aplausos, os mais ardentes votos de felicidade.

Deus o trouxe, Deus o leva.

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À margem do lago, em cujas águas o Santa Maria estava prestes a pousar

Imagem: reprodução do jornal Folha da Manhã (cor acrescentada por Novo Milênio)

No Rio

Rumo a S. Paulo - Rio, 28 (A.) - O aviador De Pinedo, que havia marcado para hoje cedo a sua partida desta capital, recebeu, às primeiras horas da manhã, nos seus aposentos do Gloria Hotel, a visita do embaixador Montagna e do cônsul cav. Sala, com eles se transportando para a ponte presidencial do Catete, onde todos embarcaram numa lancha, da Escola de Aviação, e partiram para a Ilha do Governador.

A esse temo, o mecânico Zacchetti, acompanhado do engenheiro Del Prete, descia a bordo do Santa Maria, a fim de prepará-lo para a viagem.

Às 8 e 15, o arrojado az chegou à Ponte do Galeão.

A lancha encostou-se ao Santa Maria e o cônsul italiano subiu para bordo do avião. De Pinedo abraçou o embaixador e subiu a seguir, vestindo imediatamente a camisa alva de lã.

Trocaram-se as despedidas.

Momentos depois, as hélices foram acionadas. Era hora da partida. Oito e 3[0], precisamente.

O Santa Maria rumou então para a ponte. Depois, descrevendo um semicírculo, quebrou o largo, cortando as águas com grande velocidade. Quatrocentos metros após, o hidroavião se desprendia das águas, seguindo em linha reta.

Como fez em Natal, Recife e Bahia, o intrépido aviador, logo que deixou o ancoradouro com destino ao Sul, voou sobre a cidade.

A seguir, De Pinedo ganhou o oceano e rumou para S. Paulo.

Para São Paulo - Rio, 28 (A) - Urgente - De Pinedo decolou precisamente às 8 horas e 30 minutos.

Passagem por Sepetiba - Sepetiba, 28 (A.) - De Pinedo passou por aqui, às 9 horas e 5 minutos.

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Santa Maria - primeiro hidroavião que pousa em águas paulistanas

Imagem: reprodução do jornal Folha da Manhã (cor acrescentada por Novo Milênio)

Em São Paulo

A notícia da vinda - Anteontem, à noite, correu célere a notícia de que o intrépido e audacioso az italiano, desejando satisfazer aos insistentes apelos da laboriosa colônia italiana aqui domiciliada, bem como do governo paulista, resolveu vir a S. Paulo, a fim de abraçar os seus irmãos de nacionalidade e agradecer as gentilezas do mundo oficial.

Desde que se teve ciência dessa improvisada etapa do grande aviador mundial, a cidade ficou inquieta.

Onde iria aterrar De Pinedo? No Tietê, no Rio Pinheiros, na Represa de Santo Amaro?

Evidentemente, este último local seria o mais conveniente para que o Santa Maria pudesse amarrar sem dificuldade. A represa é um ponto esplêndido; o volume d'água mais capaz se afigurava a todos, de conter o hidroavião, e, para finalizar, a extensão da represa era bastante grande para que o maior dos azes italianos pudesse novamente alçar voo sem a menor dificuldade.

A cidade dormiu com a doce esperança de poder apreciar ontem, pela manhã, o Santa Maria a fazer evoluções sobre esta agitadíssima Paulicéia.

E viu, de fato.

Para Santo Amaro... - Às seis da manha, começaram a trafegar os bondes normais para Santo Amaro. Mas esses bondes, desde logo, a empresa canadense viu que eram absolutamente insuficientes para conter a avalanche humana, que, sôfrega, desejava encaminhar-se para a vizinha cidade.

E, notando essa deficiência, a Light aumentou o número de carros. Mas a multidão humana aumentava também.

Os bondes não bastavam nunca. Viajava gente nos estribos, nas plataformas e até na cobertura dos elétricos!

Improvisaram-se, pouco depois,novos meios de transporte. Eram caminhões, velhos ônibus imprestáveis, carroças, bicicletas, motocicletas etc. etc.

Pelas 8 horas da manhã, o vilarejo de Santo Amaro assistira á sua invasão pela multidão de curiosos. Nas proximidades da represa, havia já cerca de 3.000 automóveis, uns 50 ônibus, enquanto que cerca de 40.000 pessoas de todas as condições sociais aguardavam ansiosas a chegada do hidroavião Santa Maria.

Naquela população heterogênea e entusiasmada viam-se senhoras, velhos e crianças, pessoas de todas as idades, de todos os aspectos.

Nas margens da represa, era indizível a expectativa. Uma banda e música, de quando em vez, tocava marchas que srviam para mais animar o povaréu.

Vem, não vem... - Oito horas, oito e meia, nove horas, nove e meia, dez horas...

- Será que "ele" não vem mais?

- Vem, sim! De Pinedo é um homem de palavra! E os jornais de hoje disseram que ele vinha.

Tem que vir, forçosamente!

Pouco depois, começavam a circular as notícias. O corajoso piloto saíra do Rio de Janeiro às 8,25. Dali a duas horas, quando muito, estaria em São Paulo. Era questão de ter um pouco de paciência. De Pinedo viria por certo...

Para corroborar as afirmativas, começaram a chegar os representantes das altas autoridades estaduais e municipais; chegou o cônsul italiano; chegaram os jornalistas...

E a avalanche aumentava cada vez mais. E o entusiasmo crescia, crescia... O calor era asfixiante, mas ninguém desejava arredar pé dali, para não ser colhido de surpresa com a brusca chegada do ídolo do dia.

Alarme falso - Em dado momento, lá pelas 10 e pouco, surgiu no horizonte, procedente das bandas da capital, um aeroplano. A multidão se agitou. A banda de música começou a tocar dobrados alegres. Um foguete espocou no ar. Depois outros foguetes também espocaram.

A multidão ficou suspensa. Os mais entusiasmados começaram a dar vivas ao grande az, e muita gente houve, até, que atirou os chapéus para os ares num delírio de contentamento.

Minutos passados, porém, verificou-se o engano. O aparelho não era o hidroplano. Era um dos aviões da Força Pública.

Mais dois aviões estaduais chegavam dali a momentos, fazendo evoluções sobre a represa. O povo compreendeu aquilo. Os nossos aviadores queriam apreciar as condições em que se achava a represa, a fim de, quando chegasse o Santa Maria, comboiá-lo até Santo Amaro.

Dito e feito.

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O intrépido viajor dos ares contempla sobranceiro e comovido a multidão que o aclama

Imagem: reprodução do jornal Folha da Manhã (cor acrescentada por Novo Milênio)

A chegada do hidroavião - Às 11 horas, mais ou menos, alguém, de binóculo assestado no horizonte, gritou: "Olhem lá! Agora é ele! Vejam como tem tipo de hidroplano! E parece que o aparelho é todo feito de metal!"

Efetivamente, olhando-se da represa em direção à igreja de Santo Amaro, via-se como que um enorme pássaro cinzento a caminhar lentamente em direção ao local onde se achava a molhe humana.

Dali a uns minutos apenas, o Santa Maria passava por cima daqueles milhares de cabeças que se aglomeravam nas margens da represa.

O entusiasmo atingiu o êxtase. Muitas moças atiravam braçadas de flores às águas.

O Santa Maria contornou a represa, como que se orientando para a amaragem. Deu duas voltas em voo bem baixo.

Depois foi caindo, caindo, até atingir as águas. As hélices diminuíram a sua rotação, para pouco depois se imobilizarem completamente.

Várias lanchinhas movidas a gasolina, e nas quais viajavam as altas autoridades, fotógrafos, cinematografistas etc., acercaram-se do hidroavião.

De Pinedo saltou para fora da sua nacelle. O seu mecânico e o ajudante de mecânico fizeram o mesmo.

A multidão, nas margens da represa, ululava de entusiasmo.

Houve várias pessoas que chegaram a verter lágrimas de comoção.

O Santa Maria, rebocado convenientemente por dois pequenos rebocadores, foi conduzido para um lugar de onde pudesse levantar voo novamente, quando se tornasse necessário.

Finda essa operação, De Pinedo passou-se para a lancha onde se encontravam as autoridades. Depois dos cumprimentos e dos abraços de praxe, em meio do entusiasmo geral, o campeão dos ares pedia para vir à terra, a fim e falar com os seus patrícios, a fim de abraçá-los.

Foi-lhe feita a vontade. A lanchinha com De Pinedo a bordo encostou numa prancha que há nas margens da represa. De Pinedo saltou e a multidão se precipitou para ele.

A partida para Santos - Depois de palestrar ligeiramente com as pessoas que o cercavam, o aviador retomou a lanchinha em que viajara com as autoridades e fez-se rumo do Santa Maria. Precisava retomar o seu voo.

Posto o aparelho em condições de navegabilidade para a decolagem, entraram o aviador e os mecânicos para as cabines.

Dali a momentos as hélices começaram a funcionar, roncando ensurdecedoramente.

As águas da represa agitaram-se em ligeiras marolas. Depois formaram-se ondas e mais ondas.

O Santa Maria avançou, fez uma curva, e tomou uma linha reta, sempre dentro d'água. Depois foi-se levantando lentamente, pausadamente, até se erguer a uns 500 metros.

De Pinedo fez ligeiras evoluções sobre o povo que se aglomerava em torno da represa, agitando lenços. Depois tomou rumo de Santos, desaparecendo no horizonte, com destino à vizinha cidade.

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Um ponto negro no horizonte e milhares de almas a vibrar

Imagem: reprodução do jornal Folha da Manhã (cor acrescentada por Novo Milênio)

Em Santos

Santos, 28 (do nosso enviado especial) - A que horas chega o aviador De Pinedo? - eis a pergunta que prevaleceu, desde que o dia clareou, repetida por toda a população santista, na demonstração expressiva de um interesse invulgar em face da extraordinária prova aérea do maior az italiano.

A cidade preparava-se para exprimir a sua grandiosa admiração ao marquês De Pinedo, aguardado ansiosamente, no comando glorificador do Santa Maria.

A amerissagem do hidroavião, consoantes os comunicados da capital e as notícias de todas as fontes bem autorizadas, deveria se realizar na Ponta da Praia, a aprazível faixa do litoral da terra de Braz Cubas. E, de fato, aquele ponto fora já por várias vezes preferido para amerissagens.

Ainda no balanço de várias versões e conjeturas de repórter, rumamos nossa Hudson para o ponto indicado, que fica bem próximo do Hotel Carlino, onde fomos encontrar, por volta das 10 horas, um número enorme de automóveis, que conduziam famílias e cavalheiros - e no local se premia uma compacta multidão.

Teria De Pinedo amerissado na Represa de Santo Amaro, em S. Paulo? A que horas pretenderia ele decolar com destino a esta cidade?

Estacionamos.

Na Ponta da Praia - A multidão premia de entusiasmos - italianos e brasileiros viviam uma hora da mais grata emoção e da mais emocionante expectativa. De Pinedo encarnava eloquentemente a vitória da latinidade, que também era nossa, sendo toda inteira da Itália.

Cerca das 12 horas dirigimo-nos ao Posto Semafórico e dali nos comunicamos com a capital.

De Pinedo acabava de amerissar na represa de Santo Amaro.

A auspiciosa notícia, logo que teve curso, provocou expansão de júbilo, ouvindo-se aclamar veementemente o nome do indômito aviador.

Asas no espaço - Eram, aproximadamente, 12,10 hs., quando sobre a baía singrou o espaço em direção à Ponta da Praia um dos aviões da Base Naval.

A multidão prorrompeu em vivas a De Pinedo e as sirenas dos jornais rodaram - era o Santa Maria - pensaram todos.

Havia agora um movimento de excelsa alegria. Entretanto, reintegrada a reportagem em sua tarefa, foi logo desfeito o equívoco e a ansiosa expectativa restabeleceu-se ainda com mais emoção.

Os boatos - Porém, não deixaram de se fazer sentir, como sempre acontece em semelhantes ocasiões.

Logo que chegou aqui a grata notícia da amaragem do Santa Maria na Represa de Santo Amaro, secundou-a a versão de que o marquês De Pinedo deliberara permanecer em São Paulo, só decolando para Santos no dia imediato.

Sucedeu-se um minuto de desânimo naquela multidão ansiosa, que um sol tropical castigava.

Como? Ter-se-ia de esperar tanto... para ovacionar o herói? Era dado contar as pulsações do coração popular.

Emoção, orgulho, ansiedade.

Em tal emergência, o caminho indicado seria o de comunicar-nos, novamente, com S. Paulo.

Foi o que fizemos. E a versão referida teve categórico desmentido.

O Santa Maria preparava-se para rumar para Santos.

Decorreram alguns minutos e

O hidroavião da vitória - apareceu ante os nossos olhos atônitos, asas no espaço, glorioso, empolgante!

Entretanto, o rumo que tomava não era o do roteiro que o levaria à Ponta da Praia.

O Santa Maria foi amerissar

Na Base Naval - O marquês De Pinedo, ao contrário do que os telegramas haviam propalado, amerissou o hidroavião na Base Naval, onde considerou fosse logradouro mais seguro.

Eram 12,30.

Recebido festivamente pelo capitão Marinho, prático daquele posto de aviação, que o foi buscar de lancha, De Pinedo dirigiu-se daí para o Hotel Parque Balneário, onde ficou alojado no apartamento 296.

No Parque Balneário - O hotel regurgitava e rodeava-o uma multidão enorme, vivando calorosamente os tripulantes do Santa Maria.

De Pinedo recebe as autoridades municipais - Em companhia do ilustre az achava-se o cônsul da Itália acreditado em Santos.

Foi anunciada a visita das autoridades locais, drs. João Carvalhal Filho, presidente da Câmara; prefeito José de Souza Dantas e como membros da comissão de recepção o dr. Luciano Gualberto, vereador da Câmara Municipal de São Paulo.

Nesse ínterim, nos fizemos anunciar, enviando uma saudação escrita a De Pinedo, em nome da Folha da Manhã.

Gentilmente recebidos, entre alegres e receosos, pensamos em tentar ouvir algumas impressões do grande az sobre as suas últimas etapas...

Mas seria temerária a nossa empreitada. De Pinedo, fatigado, escusar-se-ia.

Não o fizemos. Todavia, a argúcia do notável itinerante dos espaços compreendeu logo a possibilidade da nossa investida jornalística. E assim quis atalhar o nosso propósito, premiando-nos com a sua cativante amabilidade.

Falou-nos em italiano escorreito:

- Caro jornalista, agradecido. Não há tempo agora para entrevistas... (e sorriu) e a emoção não me permite... Está pulsando, muito junto do meu, o coração do povo paulista".

Despedimo-nos.

No salão do hotel - Chegara a vez de De Pinedo apresentar-se, no salão nobre do hotel, onde o aguardava grande número de exmas. famílias da alta sociedade santista.

E nós fomos entabular conversação com o nobre secretário do intimorato aviador, cav. capitão Salas, cônsul italiano em Ribeirão Preto.

Logo que foi do início do nosso instantâneo diálogo, interrompeu-nos um aviso telefônico - era o caso de uma ligação solicitada para São Paulo, relativo a uma encomenda de mil litros de gasolina, dirigida à Standard e que deveria ter urgente envio, para o prosseguimento do reide, com a próxima etapa a Buenos Aires.

O nosso ilustre entrevistado retornou de novo a acatar, gentilmente, as nossas perguntas.

De Pinedo embarcaria dentro em pouco em automóvel, com destino a São Paulo.

Regressaria da capital por volta das 21 horas.

E o prosseguimento do reide, sob a nova etapa Santos-Buenos Aires, estava fixado para a madrugada de hoje.

Estávamos satisfeitos e gratos pela gentileza do distinto diplomata.

As 5 horas, De Pinedo, acompanhado de sua comitiva, rumava para a capital, como passageiro do Marmon 2.200, sob as ovações do povo santista e sob uma chuva de flores, homenagem das famílias brasileiras e italianas desta cidade.

O aviador De Pinedo recebeu aqui um telegrama de saudação, assinado por um dos diretores dos salesianos, de Buenos Aires, em nome de trinta mil alunos.

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A graça feminina, na consagração do representante da intrepidez de toda nossa raça

Imagem: reprodução do jornal Folha da Manhã (cor acrescentada por Novo Milênio)

De novo em S. Paulo

A volta a São Paulo - Cumprindo sua promessa, feita pela manhã, na Represa de Santo Amaro, De Pinedo voltou a São Paulo, aqui chegando de automóvel, às 17 horas. Às 17 e 20, quando o grande az passava pelo Largo da Sé, o trânsito se interrompeu.

De Pinedo foi saudado por milhares de bocas com um entusiasmo que tocava às raias do delírio.

Atravessou, assim, o herói dos ares o centro da cidade, cujas ruas e praças a esa hora estavam apinhadas de gente que o esperava ansiosamente, até que o levaram para o Esplanada Hotel, onde o governo lhe tinha reservado aposentos.

No palácio do governo - De acordo com o programa que havia sido previamente elaborado, e como foi noticiado, o ilustre aviador, logo que chegou a esta capital, visitou em palácio o sr. Carlos de Campos, presidente do Estado.

Nessa visita, De Pinedo foi acompanhado pelo representante da Itália em São Paulo. Não obstante a rapidez com que caminhava o seu automóvel, abrindo alas na multidão, o povo o acompanhava muito de perto, aclamando-o incessantemente.

A permanência do aviador em palácio foi de poucos minutos, tendo De Pinedo ouvido calorosas palavras de aplauso à maneira feliz por que está levando a efeito sua arrojada iniciativa.

Sem cerimônia... - Ao chegar ao Hotel Esplanada, às 19 horas mais ou menos, De Pinedo teve que afrontar uma multidão audaciosa e entusiástica. O grande aviador teve consigo, porém, o auxílio da Força de Cavalaria, que a custo conseguia conter a onda de seus admiradores.

O aviador logrou entrar no hotel e ocupar o seu apartamento, que era o de n. 20-3, não sem grandes dificuldades.

Ao chegar no interior do aposento... De Pinedo encontrou-o literalmente cheio de flores, de senhoras e cavalheiros! Era preciso conformar-se... E foi o que fez o grande az.

Como "americanas" - como diz De Pinedo pitorescamente - não quisessem sair do seu apartamento, o az italiano chamou um garçom, pediu-lhe frutas e sanduíches, e ali mesmo, ao entreabrir da camisa e ao lavar do rosto, os comeu, sem-cerimoniosamente.

Uma fuga - Às 7 e meia horas da noite, começaram a afluir visitantes de todas as classes sociais, cada qual mais ansioso por ver o itinerante dos ares.

De Pinedo, além de cansadíssimo, tinha que cumprir certas obrigações protocolares. Mas aquela gente, com bandeiras, bandeirolas, estandartes e estatuetas para abençoar, não o queria deixar em paz.

De Pinedo, que estava no 4º andar do hotel, teve uma ideia. Disse aos presentes que ia até a sala de espera para melhor os atender. E desceu no segundo andar, sem que ninguém sequer suspeitasse de más intenções. Do segundo andar dirigiu-se para a cozinha do hotel, e de lá... para a rua, passando, a sorrir, entre os cozinheiros e os caldeirões do Esplanada...

Ao tomar o seu automóvel, porém, De Pinedo foi reconhecido pela multidão.

Alguém disse:

"É ele! O De Pinedo! Está fugindo!"

A molhe humana precipitou-se para a Fiat em que viajava o condutor do Santa Maria. O chofer comprimiu com o pé o botão do acelerador. E,... dentro de minutos, De Pinedo tinha transposto aquela multidão, ao mesmo tempo generosa e hostil.

Duas palavras às pressas - Na hora em que De Pinedo devorava com avidez os seus sanduíches, no aposento n. 203 do Esplanada, falamos-lhe ligeiramente. Depois de presenteá-lo com um exemplar da A Folha da Noite, perguntamos-lhe:

- Que nos diz de São Paulo, sr, marquês?

- São Paulo, para mim, era uma terra desconhecida. Fiquei conhecendo uma parte do meu coração, que não conhecia ainda. Estou encantadíssimo com este povo, com esta gente, e com o coração latino, que vejo palpitar nas mais remotas plagas do Atlântico...

- Mas v. excia. reparou que havia muitos brasileiros na sua recepção?

- Sim, e não me esquecerei nunca. Mesmo porque isso me sensibilizou deveras...

- Quando vai partir para Buenos Aires?

- Quero ver se parto amanhã, pela madrugada. Irei à Argentina, ao Paraguai, a Mato Grosso, a Manaus....

- Lá encontrará índios... E vai ver como eles saberão homenageá-lo cortesmente.

- Não são antropófagos? perguntou-nos o heroico, o grande aviador.

- Como o tranquilizássemos... De Pinedo rematou:

- Io scherzavo...

- E a amerissagem na represa de Santo Amaro?

- A amerissagem fez-se normalmente. Nada houve de extraordinário, porque as condições ali eram boas para o meu hidro. Aliás, não esperava aquilo. Pensava que as águas de Santo Amaro fossem inconvenientes...

- E Santos? Que nos diz do porto?

- O porto de Santos presta-se para qualquer gênero de embarcação do tipo da minha. A base de aviação naval pode perfeitamente receber qualquer hidro que ali procure abrigo...

De automóvel para Santos - De Pinedo partiu para Santos às 20 horas de ontem, voltando pela estrada de rodagem. Deixou de receber, por isso, todas as homenagens como não tinha tempo para recebê-las. Hoje cedo, de Santos, o grande aviador terá partido para Buenos Aires, a fim de continuar a realizar a arrojada façanha a que se propôs...

A volta a Santos - Deixando esta capital quase às 20 horas, De Pinedo chegou a Santos, pela estrada do Mar, às 21 e meia horas. Naquela cidade, o grande aviador dirigiu-se imediatamente para o Parque Balneário Hotel, a fim de fazer ligeira toilette.

Depois de convenientemente preparado, De Pinedo, em companhia do cônsul da Itália, em Santos, e de seus companheiros de reide, passeou algum tempo de automóvel, tendo tomado parte no corso carnavalesco, que se realizava na praia do Gonzaga.

O povo, logo que o descobriu no meio da multidão, cobriu-o de aplausos. De Pinedo retirou-se para o hotel, às 23 horas, devendo se levantar às 3 da madrugada.

A hora da partida do Santa Maria - O capitão Estevam Lopes Marinho, antigo prático da barra de Santos, combinou com o marquês de Pinedo ir acordá-lo às três horas da madrugada no Parque Balneário Hotel, a fim de acompanhar o Santa Maria até fora da barra.

O sr. Lopes Marinho acredita que o hidroavião possa levantar voo somente depois das quatro e meia da madrugada, quando já esteja dissipada a garoa.

Autógrafos em penca! - Durante a sua estadia em Santos, De Pinedo foi solicitado por muitos hóspedes do Parque Balneário, e por muitas moças da sociedade santista, para apor o seu autógrafo em álbuns. O grande az não negou nenhum dos favores que lhe foram solicitados.

Em São Paulo, ao que nos consta, De Pinedo assinou apenas três ou quatro autógrafos.

No exterior

A recepção em Buenos Aires - Buenos Aires, 28 (A.) - Calcula-se que o aviador italiano De Pinedo chegue aqui amanhã à tarde. Após a recepção que se lhe fará nos cais, será o arrojado az italiano acompanhado pelas autoridades, comissão e povo, até o palácio do governo.

O cortejo será encabeçado por um automóvel ocupado por De Pinedo, ministro da Marinha, embaixador italiano. O Santa Maria será saudado, por ocasião da passagem sobre o Rio da Prata, por uma esquadrilha de aviões da Armada, comandada pelo tenente de fragata Silvio Leporase.

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Imagem: reprodução do jornal Folha da Manhã de 1º de março de 1927, página 2

A despedida do aviador italiano foi registrada pelo jornal O Estado de S. Paulo de 3 de março de 1927, na página 4 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição - clique nas imagens para ampliá-las):

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Imagem: reprodução de O Estado de S.Paulo de 3 de março de 1927, pág.4 (Acervo Estadão)

 

AS GLÓRIAS DA AVIAÇÃO

Os últimos dois dias do Santa Maria no Brasil

A chegada de De Pinedo a Buenos Aires - As grandes homenagens prestadas ao denodado az italiano - De Pinedo agradece a hospitalidade do nosso povo por intermédio do Estado de S. Paulo

Em Santos

A partida do Santa Maria - Santos, 2 (da nossa sucursal) - Estando a partida do Santa Maria marcada para as 5 horas de ontem, muito antes dessa hora já numerosas pessoas se achavam no cais do Paquetá, aguardando a chegada de De Pinedo. Dessa capital desceram, pela estrada de rodagem, diversas pessoas e comissões de associações italianas, que vinham despedir-se do grande aviador.

De Pinedo foi despertado às 3 horas, em obediência a uma ordem sua, quando já estavam de pé o piloto Del Prete e o mecânico Zaccheti. Hora e meia depois, precedido de enorme comitiva, deixava De Pineto o Hotel Parque Balneário, dirigindo-se para a escada de embarque.

No primeiro automóvel, em sua companhia, viajavam o dr. Luciano Gualberto, representando a Câmara municipal de São Paulo, e o capitão Sala, o vice-cônsul da Itália em São Paulo, que com a sua incansável operosidade muito contribuiu para que De Pinedo incluísse no itinerário do seu reide as etapas de São Paulo e Santos.

Ao atravessar o portão da Cia. Docas, De Pinedo recebeu entusiástica saudação dos populares. Com um sorriso franco de agradecimento, ele desceu a escada do cais, tomando lugar na lancha Santos Dumont da Base de Aviação Naval, que o conduziu à Bocaina, onde foi recebido pelo capitão-de-fragata Ricardo Greenhalgh Barreto, comandante daquele departamento da Marinha.

Entretendo rápida palestra com esse oficial, De Pinedo lhe exprimiu o seu reconhecimento pela solicitude com que o diretor da Base de Aviação atendeu a todas as necessidades do momento, providenciando para que o Santa Maria ficasse ancorado em porto seguro.

Da lancha Santos Dumont, passou-se o grande piloto para um bote, que ali se encontrava à sua disposição, seguindo para bordo do aparelho.

Às 5 horas e 20 minutos, rebocado pela mesma lancha da Base, foi o avião levado para a Ponta da Praia, de onde devia largar voo.

As pessoas que permaneciam no cais, a um só movimento e sem perda de tempo, dirigiram-se em automóveis para aquele local, a fim de assistirem à partida.

O Santa Maria apareceu à boca do canal às 6 horas e 20, acionado pelos próprios motores.

Ao defrontar o Clube de Regatas Saldanha da Gama, na Ponta da Praia, com as suas hélices então aceleradas, foi feita a primeira tentativa para a decolagem.

Não era dessa vez que o possante hidroplano conseguiria elevar-se das águas. Conduzido para o Boqueirão, realizaram-se aí mais quatro tentativas, todas infrutíferas, por não ter o aparelho o auxílio da mais leve brisa.

Diante da dificuldade de levantar voo, pela absoluta falta de vento, De Pinedo ordenou o despejo no mar de parte da carga de gasolina, a fim de que o avião ficasse um pouco aliviado no seu peso.

Assim, reduzida a provisão de combustível, foi por De Pinedo abandonado o intento de alcançar Buenos Aires numa só etapa, e resolvido a atingir Porto Alegre.

Qualquer coisa, entretanto, faltava ainda para que o grande piloto considerasse o Santa Maria definitivamente pronto para a partida.

Às 9 horas, as hélices do avião pararam, aproximando-se do aparelho o capitão Sala, que como se sabe fora encarregado de funcionar como secretário do ilustre aeronauta, durante a sua estada no Brasil. Incansável e atento aos mínimos desejos de De Pinedo, os serviços do capitão Sala não houve quem não os reconhecesse.

Vindo à terra, por determinação de De Pinedo, para buscar uma certa quantidade de óleo e amianto, bem como um mapa minucioso da costa brasileira a ser percorrida, o capitão Sala regressava a bordo do Santa Maria quarenta minutos depois, com as encomendas solicitadas. O óleo deixou de ser aproveitado.

Eram 10 horas quando o aparelho conseguiu alçar voo, após ligeiras tentativas, encaminhando-se pelo canal até a Base de Aviação Naval, no Itapema, onde baixou de novo.

Finalmente, cerca de 12 horas, rebocado pela lancha da superintendência da Cia. Docas, o Santa Maria estacionou debaixo das torres da mesma empresa, no antigo Outeirinhos, decolando precisamente às 12 horas e 10 minutos, dirigindo-se para a praia.

Sobre a Ilha Urubuqueçaba, no José Menino, fez algumas evoluções, desaparecendo depois no horizonte, rumo ao Sul.

O povo de Santos acompanhou-o, no seu voo, erguendo vivas calorosos a De Pinedo, à Itália e ao Brasil, e à amizade fraternal entre os dois países.

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O significativo autógrafo entregue pelo ilustre aviador a um dos nossos companheiros, na hora em que se dispunha a voltar para bordo do Santa Maria em Santos: "Agradeço, por meio do jornal Estado de S. Paulo, ao povo brasileiro, o gentil acolhimento que me dispensou durante as minhas etapas ao longo das costas deste grande País, ao qual desejo todas as prosperidades e venturas de que é merecedor - 1/III/927 - F. De Pinedo"

Imagem: reprodução de O Estado de S.Paulo de 3 de março de 1927, pág.4 (Acervo Estadão)

Ecos da visita a São Paulo

Saudação do cônsul de Portugal - O sr. cônsul de Portugal manifestou oportunamente, ao sr. cônsul geral da Itália, o júbilo de que se achava possuído, bem como a colônia portuguesa em S. Paulo, pelo glorioso feito do grande aviador italiano marquês De Pinedo, tendo enviado ao sr. cônsul da Itália o seguinte ofício, em data de 23 de fevereiro:

"A presença da flâmula dos Marchionis na frota de Cabral, ao fazer o descobrimento oficial do Brasil, cuja existência os profetizava a colaboração futura de portugueses e italianos no evoluir brilhante desta bela porção do continente americano.

O feito do marquês De Pinedo, pelo qual venho felicitar calorosamente v. exa. e a gloriosa nação italiana vem selar aquele pacto multissecular que parece afirmar que a latinidade tem na América do Sul novo berço para novas glórias.

De Pinedo representa, com inteira fidelidade, o momento histórico da nova e florescente Itália, que tem à frente dos seus destinos o maior realizador dos tempos modernos e recorda os inolvidáveis feitos de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em 1922, e de Ramon Franco em 1926, como a afirmar, com desvanecedor carinho, o ininterrupto interesse do velho mundo descobridor pela juvenil América, projeção das suas mais nobres qualidades.

Digne-se aceitar o meu exmo. colega, com as minhas saudações, que são também da colônia portuguesa em S. Paulo, os protestos da minha particular estima e distinta consideração - (ass.) dr. José Augusto de Magalhães, cônsul de Portugal".

Homenagens da Sociedade Consular - Convidado, como presidente da Sociedade Consular para assistir à chegada do grande aviador, o sr. Cônsul de Portugal compareceu pessoalmente em Santo Amaro, na manhã de 28, tendo apresentado a sua exa. e ao sr. cônsul da Itália as saudações da Sociedade Consular, que, em data de 1º do corrente, enviou o seguinte telegrama:

"A Sociedade Consular exulta com a nobre nação que v. exa. dignamente representa em São Paulo pelo valoroso feito do marquês De Pinedo, traduzindo o vigor da nova Itália, enaltecendo a raça latina e servindo, com raro brilho, à civilização hodierna - Dr. J. A. de Magalhães, cônsul de Portugal, presidente; J. C. de Azevedo, cônsul do México, secretário; Arthur Abbott, cônsul da Grã Bretanha, tesoureiro".

Na estrada de Santo Amaro - Nada menos de 8.140 autoveículos fizeram a viagem de volta, de Santo Amaro a São Paulo, das 11 às 19 horas de 28 de fevereiro, no dia da chegada de De Pinedo.

A estrada de rodagem que liga São Paulo a Santo Amaro é, a despeito de estar quase sempre em mau estado, a mais trafegada artéria de viação comum não só deste Estado como, ainda, de todo o país.

Há no Brasil outras estradas, sem dúvida, onde em determinadas épocas ou em ocasiões excepcionais se verifica trânsito mais intenso que no caminho para Santo Amaro, mas em nenhuma outra se faz tão intenso, durante todo o ano, o movimento de veículos, especialmente de veículos a motor. Já em 1924 estatísticas oficiais, reconhecidamente deficientes, porque incompletas, mostravam ser superior a 1.000 viaturas o movimento "médio" dessa estrada em cada período de 24 horas.

Conquanto constitua resultado extraordinário, não deixa de ser muito interessante - e principalmente muito útil, pois demonstra a urgente necessidade de melhorar a ligação São Paulo-Santo Amaro - as seguintes cifras relativas à circulação de autoveículos "de regresso para São Paulo", verificadas no dia 28 de fevereiro, entre as 11 e as 19 horas:

Automóveis de passageiros................................... 6.743

Autocaminhões................................................... 1.318

Auto-ônibus.......................................................     45

Motocicletas......................................................     34

                                                                        8.140

Se a parcela relativa aos carros de passageiros está, naturalmente, bastante acima da média atual, com a dos autocaminhões já se não dá o mesmo, o que de uma parte explica a causa de ser impossível manter em boas condições a estrada com leito de terra ou mesmo de macadame e de outra torna imperativamente urgente fazê-la com superfície convenientemente revestida para suportar o tráfego cada vez mais veloz, rápido e intenso que nela se realiza.

Passeata em Campinas - Campinas, 2 - Promovido por elementos da colônia italiana aqui residentes, realizou-se anteontem imponente passeada pelas ruas da cidade, em regozijo pela chegada do aviador De Pinedo a S. Paulo.

Rumo à Argentina

A expectativa em Porto Alegre - Porto Alegre, 2 - Ontem, às 10 horas, correu pela cidade a notícia de que o Santa Maria tocaria nesta cidade. A princípio, ninguém acreditou no boato, pois as últimas notícias chegadas às redações dos jornais afirmavam que o aviador De Pinedo voaria diretamente de Santos a Buenos Aires. Mais tarde, porém, a alvissareira notícia teve confirmação.

O cônsul da Itália recebera um telegrama do próprio aviador, comunicando que pretendia descer nesta capital e solicitando providências para o abastecimento de 800 litros de gasolina e o de água destilada.

Acrescentava o referido telegrama que o Santa Maria prosseguiria viagem para Buenos Aires de manhã cedo.

Diante desse comunicado oficial, os mais descrentes foram os primeiros a se porem à disposição do cônsul, numa numerosa reunião realizada pouco depois, na sede do consulado.

A primeira medida tomada foi a de utilizar vários automóveis que percorreram a cidade por todos os lados, avisando a população em geral e em particular todas as associações italianas da próxima chegada do Santa Maria.

A massa popular que se premia no cais e nas suas imediações, avolumando-se cada vez mais, chegou a atingir aproximadamente dez mil pessoas.

Estavam também presentes numerosíssimas autoridades, entre as quais se notavam o cônsul uruguaio dr. Antonio Pasca, chanceler do consulado argentino, representantes do presidente do Estado e do comando da Região Militar.

Notavam-se ainda reservistas do exército italiano e todas as associações italianas, com seus estandartes.

Passou-se,porém, a hora marcada para a chegada do avião. Todos os olhos, voltados para o horizonte, interrogavam o firmamento na esperança de ver aparecer o Santa Maria.

Soaram assim duas horas, duas horas e meia, três horas, sem que chegasse qualquer notícia. Alguns mais pessimistas já previam a possibilidade de um desastre, lobrigando-se entre os presentes fisionomias apreensivas, cujo temor era denunciado a cada passo por gestos nervosos, pelas reminiscências dos desastres que enlutaram as páginas gloriosas da aviação.

De repente, ouviu-se um apito estridente. Era o da sereia do Correio do Povo que acabava de afixar, no seu placar, as notícias de que De Pinedo, devido a um leve desarranjo nos motores, fora obrigado a voltar novamente para Santos.

Essa notícia, no seu laconismo, nada positivava, mas assim mesmo satisfez a todos que, afinal, se sentiram aliviados de um pesadelo enorme. O Santa Maria não tinha chegado mas ao intrépido aviador nada de grave tinha acontecido.

A chegada a Porto Alegre - Porto Alegre, 2 - Depois da primeira notícia do "desarranjo dos motores, soube-se aqui que o acidente não tinha a importância que o laconismo do primeiro telegrama deixava supor.

A informação que circulou na capital de que o Santa Maria tinha passado por Cananéia abrandou um pouco a ansiedade popular.

As informações de fonte particular continuavam chegando e espalhando-se pela cidade.

Às 15 horas o Santa Maria passou sobre Florianópolis, às 16 horas voou sobre Torres, a aristocrática praia rio-grandense, que fica justamente na divisa de Santa Catarina.

Finalmente, às 17,45 o Santa Maria surgiu na linha do horizonte. Ao chegar a esta capital fez um voo de 500 metros, descrevendo magistralmente um semicírculo, indo pousar-se atrás de algumas embarcações a vela, que serviam de indicação.

Quando os motores do Santa Maria pararam, eram exatamente 17 horas e 50 minutos.

O povo fez ao az italiano uma entusiástica demonstração de simpatia.

A partida para Buenos Aires - Porto Alegre, 2 (U.P.) - Pilotando o hidroavião Santa Maria, o aviador italiano marquês De Pinedo partiu para Buenos Aires, às 6 horas e 30 minutos.

Porto Alegre, 2 (A.) - De Pinedo decolou às 6 e 30 minutos, com destino a Buenos Aires, onde deverá chegar às 10 e 30 minutos.

A passagem em Rio Grande - Rio Grande, 2 (U. P.) - Foi avistado, nesta cidade, às 8 horas e 25 minutos, o Santa Maria, que seguia com destino a Buenos Aires.

O Santa Maria avistado em Maldonado - Montevidéu, 2 (H.) - Telegramas de Maldonado informam que o avião Santa Maria, pilotado pelo aviador italiano marquês De Pinedo, foi avistado naquela cidade às 11 horas e 20 minutos, voando em direção a Montevidéu.

De Pinedo voa sobre Montevidéu - Montevidéu, 2 (U. P.) - Às 11 horas e 45 minutos o hidroavião Santa Maria fez algumas evoluções sobre esta capital, rumando em seguida para Buenos Aires.

Montevidéu, 2 (A.) - O hidroavião Santa Maria, pilotado pelo aviador italiano De Pinedo, passou por esta capital às 12 horas, com destino a Buenos Aires.

Em Buenos Aires

A chegada - Buenos Aires, 2 (U. P.) - O avião Santa Maria passou sobre a cidade de Colonia, às doze horas e vinte minutos de hoje, estando, pois às portas de Buenos Aires.

Buenos Aires, 2 (U. P.) - O aviador De Pinedo chegou a esta capital às 12 horas e 28 minutos.

Buenos Aires, 2 (U. P.) - De Pinedo desceu às 12 horas e 42 minutos debaixo de extraordinária manifestação popular.

Buenos Aires, 2 (A.) - Acaba de descer nesta capital o hidroavião Santa Maria, pilotado pelo marquês De Pinedo.

São 12 horas e 50 minutos.

Buenos Aires, 2 (A.) - O Santa Maria desceu no Novo Porto às 12 horas e 50 minutos.

[...]

O jornal paulistano Folha da Manhã noticiou ainda a partida de Santos e chegada a Buenos Aires do aviador De Pinedo, na página 5 da sua edição de 3 de março de 1927 (ortografia atualizada nesta transcrição - clique na imagem para ver a página completa):

Clique na imagem para ampliá-la
Imagem: reprodução parcial da página 5 do jornal Folha da Manhã de 3 de março de 1927

 

AS GRANDES VIAGENS AÉREAS

De Pinedo chegou a Buenos Aires sem incidentes - Sarmento de Beires amerissou em Casablanca - Larré Borges voa em direção a Las Palmas - A esquadrilha aérea americana viajava ontem para Assunção - Fracassou um reide ao Polo Norte - A aviação na Austrália

A partida do Santa Maria de Santos

SANTOS, 2 (F. M.) - O aviador De Pinedo dirigiu-se ontem, às 4,30 horas, para o Paquetá, tendo, após as rápidas despedidas, tomado uma lancha que o conduziu para a Base de Aviação Naval, onde se achava o Santa Maria.

Apesar da hora, o povo começou a afluir ao local, a fim de assistir à decolagem do aparelho.

Não havia, porém, vento e o Santa Maria, cuja carga de combustível era enorme, não pôde levantar o voo.

Às 10 horas foram feitas novas tentativas e às 11,45 horas o hidroavião conseguiu decolar, fazendo evoluções sobre a cidade, tomando, em seguida, rumo Sul.

O Santa Maria chega a Porto Alegre

[...]

Veja mais:

A viagem, nas páginas dos jornais brasileiros

A epopeia do aviador Francesco De Pinedo

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