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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Santos já foi ilha separada de São Vicente

Descrição topográfica errônea de 1587 é confirmada por mapa de 1615

Qualquer descrição atual de Santos a apresentará como uma cidade localizada na parte Leste da Ilha de São Vicente, ligada (num processo chamado de conurbação) à cidade de São Vicente, que ocupa a parte Oeste dessa mesma ilha. Porém, nem sempre foi assim: documentos antigos citam a existência de duas ilhas, separadas por um canal, tendo ao meio uma ilha onde eram criados porcos - que, para alguns, seria a ilha Urubuqueçaba, defronte à praia do José Menino, próxima à divisa atual das duas cidades:

Ao centro, a pequena Ilha de Urubuqueçaba, vista em 1902 da praia do José Menino, em tela do pintor Benedito Calixto
Ao centro, a pequena Ilha de Urubuqueçaba, vista em 1902 da praia do José Menino,
em tela do pintor Benedito Calixto

Mais que mera curiosidade histórica, essa descrição errônea pode ter originado confusões entre os historiadores na interpretação de documentos antigos, já que o conceito de divisão em duas ilhas desapareceu no século XVII, quando o território já estava melhor explorado e descrito.

"Dentro do porto de S.Vicente há duas ilhas grandes habitadas de índios; e na mais oriental, na parte ocidental dela, estivemos mais de um mês surtos. Na ilha ocidental tem os portugueses um povoado chamado San Vicente, de dez ou doze casas, uma feita de pedra com seus telhados, e uma torre para defesa contra os índios em tempo de necessidade. Estão providos de coisas da terra, de galinhas e porcos de Espanha em muita abundância, e hortaliça. Têm estas duas ilhas um ilhéu entre ambas, de que servem para criar porcos. Há grandes pescarias de bom pescado. Estão as ilhas orientadas NO-SE, com dez léguas de comprimento e quatro de largura, e desde 22º até 24º da latitude, e no paralelo de 6º. O seu meio dia é de 14 horas..."

Segundo o pesquisador J. Muniz Jr. (no artigo Santos foi ilha e primeiro porto dos exploradores, publicado em 19/9/1982 no jornal Cidade de Santos), o relato acima foi descrito pelo geógrafo Alonso de Santa Cruz, no seu Yslário, e que por aqui esteve como embarcadiço da Armada do Capitan General Sebastian Cabot (Sebastião Caboto), de regresso do rio da Prata, no ano de 1530, quando registrou os aspectos geográficos das nossas paragens.

Segundo os apontamentos de Alonso de Santa Cruz, que viajou com a força naval de Caboto, que por aqui passou antes da chegada de Martim Afonso de Sousa, a mesma veio margeando a atual Ilha de Santo Amaro, tomando fundeadouro na sua parte ocidental, onde encontrou segurança, por ser um local abrigado dos ventos.

Na sua obra A Expedição de Martim Afonso de Sousa, o comandante Eugênio de Castro cita que o provável fundeadouro estava localizado na "ponta da Capetuba ou dos Limões, já em águas remansosas que banhavam a atual praia do Góes". Assinala ainda que as duas ilhas grandes, citadas no Islário, são as de Santo Amaro e de São Vicente. E que, a primeira delas, a mais oriental, era chamada de Ilha do Sol, pois ficava mais perto "de onde o sol nascia, ou no rumo em que entre janeiro e maio mais se confundisse com o nascer do sol...", o que motivou tal denominação.

Posteriormente, a Ilha do Sol passou a ser chamada de Guaibê ou Guaimbê pelos tupis, por causa de uma planta com esse nome que crescia por toda a ilha. Depois é que veio a ser conhecida pela denominação de Santo Amaro, devido a uma capela dedicada ao santo mencionado, erguida por José Adorno numa de suas praias, cujo nome foi estendendo-se por toda a ilha com o correr dos anos, até que passou a ser conhecida pela denominação que perdura até os tempos atuais.

A outra ilha é a de São Vicente, como já era chamada devido ao seu povoado, anterior à chegada do donatário Martim Afonso com a sua esquadra colonizadora (...)

Num trabalho intitulado Porto-Vila de Santos-Confrontos ao Comemorar-se o Primeiro Centenário da Cidade de Santos, João Luiz Promessa nos dá o seguinte esclarecimento:

"... A confusão de historiadores, ao que parece, tem sido por quererem basear-se no nome de São Vicente. É preciso convir que, em toda a ilha, somente era conhecido esse nome São Vicente porque, como é sabido, não havia o nome Santos, que somente foi adotado em 1543 como tem sido mencionado por historiadores antigos. Qualquer documento que se lavrasse levava, infalivelmente, a data de São Vicente, e eram muitos deles, passados dentro da Ilha, a maior parte em Santos depois que passou a ser o Porto da Capitania, por conseguinte Vila do Porto dentro da Ilha de São Vicente".

(...) O assunto chegou a ser pesquisado por outros historiadores, inclusive por Lucas R. Junot (A Ilha de Santos Segundo a História), que assim se expressou a respeito (obra mencionada):

"Recorremos às autoridades da História Pátria, para chamar a atenção de quem de direito sobre o processo intensivo de sedimentação marítima local, e atender-se que, se Santos foi uma ilha, os quatrocentos anos decorridos até agora constituem um espaço de tempo pequeno para um resultado de sedimentação tão extenso...", e que, "se por um lado Martim Afonso achou a ilha Vawasupe (Santos), boa para ancoradouro, não a considerou como área bastante para localizar uma povoação". (...)

Planta de S. Vicenzo, de Vicent Hubert, 1698
Planta de S. Vicenzo, de Vicent Hubert, 1698

Dois erros - Dessa forma, é possível concluir que uma das origens do erro histórico é não lembrarem os pesquisadores que nos documentos mais antigos não poderiam existir mesmo referências a Santos, então as duas ilhas citadas pelos primeiros exploradores são a própria ilha de São Vicente e a ilha depois chamada de Santo Amaro (que abriga a cidade de Guarujá). Por conseqüência, pode-se avançar a conclusão de que a citada ilhota intermediária é a que tem atualmente o nome de Barnabé, no estuário do porto santista.

O segundo erro dos historiadores está na suposição de que dois rios que atravessavam a Ilha de São Vicente teriam ligação, formando um canal ou rio único e portanto separando a ilha em duas. Assim relata o historiador Bandeira Júnior, em trecho de uma pesquisa sobre as origens do nome Santos (publicada na Revista Comemorativa do Centenário da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos, outubro de 1979):

"A título de curiosidade, consignamos aqui a situação topográfica de Santos noticiada por Gabriel Soares de Souza (in Tratado Descritivo do Brasil em 1587): o terreno onde se fundou Santos era a princípio uma ilhota destacada da de São Vicente por estreito canal que a pouco se foi aterrando.

"Esse canal coberto e aplanado seria o popular Caminho do Matadouro (antiga linha do Bonde 1), atuais avenidas Nossa Senhora de Fátima e Antônio Emerich - ligação urbana entre os municípios de Santos e São Vicente".

De fato, uma pesquisa nos mapas da época que destacam a região permite encontrar a Estampa de Jan Janes, de 1615, que descreve a invasão do corsário holandês Spilbergen. É nítida a marcação das ilhas de São Vicente e Santos, com o detalhe de o canal divisor ser ligado a um riacho que possivelmente seria o antigo rio Guaranchim, depois rio dos Soldados (ou rio do Soldado), atual canal das avenidas Rangel Pestana, Campos Sales e Ulrico Mursa, desaguando na Bacia do Mercado:


Conforme publicado em Americae Praeterita Eventa - Helmut Andrä e Edgard de Cerqueira Falcão,
Editora da Universidade de São Paulo, 1966. Obra trílingüe (português/inglês/alemão), reproduz parte de Historia Antipodum oder Newe Welt, originalmente publicada em 1631 pelo gravador suíço Matthäus Merian e pelo escritor e compilador Johann Ludwig Gottfried

Em sua História de Santos, o pesquisador Francisco Martins dos Santos também comenta a questão:

Gabriel Soares, em sua descrição, como observa o dr. Pirajá da Silva, comendador e anotador de sua obra, informa, por equívoco topográfico, que a ilha em que assentava a Vila de Santos era uma, e a da Vila de São Vicente, outra, separada por um rio. Não faltou quem acreditasse nisso e repetisse, como coisa verdadeira, o equívoco de Gabriel, praticado "por informação".

Fique entretanto explicado que teria dado causa a tal equívoco o rio do Casqueiro (antigo Iriripiranga), cujo braço conhecido como "São Jorge" ou "do São Jorge", com regular volume e largura, entrava profundamente no território da Ilha de São Vicente, formava a "Ilha das Palmeiras" (depois sítio "das Palmeiras") e seguia até junto ao Engenho de São Jorge dos Erasmos, morrendo junto ao Morro da Água Branca ou de São Jorge, onde recebia a cachoeira do mesmo nome.

Enquanto isso acontecia no lado Oeste da ilha, do lado Leste entrava o rio "Guaranchim", mais tarde conhecido como "dos Soldados" ou "do Soldado", com regular volume, correndo suas águas salobras até o âmago do Jabaquara, onde recebia as águas de toda a pequena vertente formada pela encosta Sul dos morros de "São Jerônimo" (depois Monte Serrate), "do Bufo" (depois Fontana), "do Desterro" (depois São Bento) e "do Saboó-Mirim".

Estes cortes aparentes, no Oeste e no Leste da ilha, deram ao informante de Gabriel Soares, ou a ele mesmo, a impressão de ilhas separadas, apenas impressão, porque, em última análise, haveria de ligá-las e torná-las (inseparáveis) o sistema orográfico central, iniciado no morro de "São Jerônimo" (Monte Serrate) e terminado nos morros "do Embaré" (Santa Terezinha e José Menino atuais) e "Itararé" (cujo nome antigo permanece), sistema esse ou espinha dorsal da própria ilha, que separava apenas, como estacada ou trincheira, as duas vilas iniciais do Estado de São Paulo de hoje.

(...) Reputamos necessária essa advertência, porque continuam a sair as edições do Roteiro do Brasil, de Gabriel Soares, como esta última, anotada e comentada pelo dr. Pirajá da Silva (sem data), e, ainda não há muito tempo, ouvindo de um doutor, formado em Coimbra, que "a ilha de São Vicente ou de Santos" fora outrora dividida em duas. O mesmo cidadão, em trabalho publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, v. I, pp. 11/15 (1959/1960), repetiu o que nos dissera, sob o título "A Ilha de Santos segundo a História", informando onde adquirira "a novidade", com estas palavras:

"Segundo Cândido Mendes de Almeida, em Notas sobre a História da Pátria (I.H.G. Brasileiro, tomo XL, p. 227) - 'Por outro lado, a acreditar-se em Gabriel Soares, o terreno onde se fundou Santos era a princípio uma ilhota destacada da de São Vicente por estreito canal, que pouco a pouco se foi aterrando'. Posição boa para marítimos europeus: mas, e contudo, não podia servir, pela estreiteza do espaço, para uma taba indígena".

Quanta confusão em tão poucas linhas! Bem se vê a necessidade da nossa advertência.

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