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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O vulcão do Macuco (4)

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A história do "vulcão" foi contada nas páginas do jornal paulistano O Estado de São Paulo, na própria época dos acontecimentos. Esta matéria foi publicada na página 1 da edição de 30 de dezembro de 1896 (material no Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição). Clique >>aqui<< ou nas imagens a seguir para obter a imagem completa da página:
 
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Imagem: reprodução parcial da página de 30/12/1896 com a matéria, no Acervo Estadão

Fenômeno interessante

Ontem, pela manhã, recebemos do nosso correspondente de Santos o seguinte telegrama:

"A população desta cidade foi hoje surpreendida com a notícia de ter rebentado um vulcão na vila Macuco.

O fato causou grande sensação, sendo enorme o número de pessoas que, em bondes, se dirigem para aquele local.

Vimos o tal vulcão, conforme uns afirmam e outros negam. Acha-se na Rua Ana Carvalhaes, lugar plano, onde, de um buraco que ontem abriram para sondagem, a fim de serem colocados esgotos, sai uma larga língua de fogo da altura de 9 metros.

Junto com o fogo sai uma grande quantidade d'água, acompanhada de lama, reduzida a cinza.

Os engenheiros desta cidade procedem a exame no lugar em que se dá o fenômeno.

Em redor da erupção da terra nota-se um constante tremor. A uma grande distância, ouve-se um ronco produzido pelo fogo.

Mais de 8.000 pessoas têm visitado o lugar. Mais tarde enviarei outros pormenores".

Às 5 horas da tarde recebemos o seguinte:

"Continua a tomar proporções assustadoras o vulcão na vila Macuco.

Os moradores com suas famílias fogem com receio de algum abatimento de terra.

Alguns engenheiros atribuem a causa do fato a gases comprimidos desde os tempos em que aquilo era um extenso lamaçal.

Nada posso por enquanto afirmar a este respeito.

Uma grande romaria de povo continua a dirigir-se para o local, onde compareceu a comissão de saneamento.

Enviarei logo mais pormenores."

Às 8 1/2 da noite, chegou-nos mais a seguinte notícia da mesma origem:

"O vulcão continua a vomitar grandes línguas de fogo, conjuntamente com areia, pedras e lama.

Parece que não se trata propriamente de um vulcão.

As águas que irrompem de meio da cratera são friíssimas e não ardentes, como acabo de ler numa folha da tarde dali.

No momento em que passo este telegrama, as ruas General Câmara, Direita e Largo do Rosário estão apinhadas de povo que espera o bonde para se dirigir para aquele local.

***

O dr. Alfredo Lisboa, chefe do saneamento do Estado, recebeu do dr. Villa-Nova, chefe da comissão de Santos, o seguinte telegrama, que narra exatamente como se deu o interessante fenômeno.

"Ontem, às duas horas da tarde, em companhia do engenheiro Main, percorria eu os serviços de estudos e passávamos em revista os trabalhos de sondagem, na Rua Barnabé Carvalhaes, abaixo dos Outeirinhos, quando observamos um desprendimento de gases com tal  pressão que a mão do trabalhador, colocada no orifício da sonda, produzia pela vibração o som de um apito de máquina a vapor. Previ imediatamente que nos achávamos perto da camada permeável de onde íamos obter uma fonte de água ou de hidrocarbureto e hidrogênio.

Ambos os gases produziam explosão e depois uma corrente de areia em mistura com água, que se eleva à altura de cerca de cinco metros, desde as sete horas da tarde de ontem.

Creio que tal fenômeno produzirá modificação nos planos de saneamento de Santos, com grande economia para o Estado e bem estar para a população.

As camadas atravessadas pela sonda são, a contar da superfície: de 0 m a 0,60 m, areia argilosa; de 0,60 m a 2,10 m, areia argilosa impregnada de água; de 2,10 m a 9,20 m, areia fina fortemente impregnada de água; de 9,20 m a 9, 70 m, argila arenosa negra; de 9,70 a 17,40 m, argila plástica. Nessa profundidade observou-se forte desprendimento de gases. De 17,40 m a 18 m, notou-se ascensão violenta, pelo tubo de areia, água, conchas e pedras de grés argiloso, até cinco metros de altura, e gases em alta pressão que ardem na boca do tubo como colossal bico de gás com chama de 4 metros de altura".

***

O dr. Ferreira dos Santos, chefe do telégrafo nacional, também recebeu uma comunicação telegráfica da repartição santista.

Ei-la:

"Ontem, à uma hora da tarde, na vila Macuco, a cinquenta metros do canal, os trabalhadores da comissão de saneamento, depois de terem introduzido introduzido no solo um tubo de 17 metros de comprimento, para assentamento das máquinas da mesma companhia, foram obrigados a suspender o serviço, devido a uma fortíssima corrente de ar muito frio, que saía do mesmo tubo.

Das 6,30 às 7,30 da manhã de hoje, foi ouvido um apito seguido,  que saía pelo dito tubo, ora forte, ora fraco, produzindo um som ora grave, ora agudo.

Às 7,30, rebentava pelo tubo um jorro de água muito forte, arroxeada, que, em contato com o ar, inflamava-se produzindo uma chama amarela.

Nos primeiros momentos, caíram pedaços de lodo róseo petrificados. A água, depositada então numa garrafa, conserva ainda a cor arroxeada, não havendo depósito das partículas que lhe comunicam a cor.

Fui ao local e observei tudo a dois metros de distância.

Continua jorro de água e, de vez em quando, saem pedaços de lodo róseo com a consistência natural.

A água, que sobe a dez metros de altura, evapora-se facilmente, continuando a inflamar-se.

Nas imediações, há combustão e cinza, muito parecida, pelo particular, com a dos vulcões, e com gosto de sal.

Parece haver por ali cloreto de potássio.

O jorro de água tem o diâmetro de uma moeda antiga de 40 réis.

Agora, à uma hora da tarde, desapareceu o tubo da sonda por onde saía o jorro da água, que não se percebe mais.

As chamas continuam, porém, a subir, do buraco onde esteve a sonda, o qual está tomando maiores proporções.

Há depósito de cinza e lodo em redor".

***

À noite, estiveram reunidos em nosso escritório o dr. Alfredo Lisboa, que teve a amabilidade de dar-nos uma cópia do telegrama que lhe transmitira o dr. Villa-Nova, o dr. Orville Derby, ilustre chefe da comissão geológica e geográfica, a quem enviáramos um companheiro de redação para colher informações e esclarecimentos, o dr. Villa-Nova, que veio de Santos pelo trem da tarde para conferenciar com o dr. Lisboa, o conhecido engenheiro geólogo dr. Gonzaga de Campos e os engenheiros drs. Euclydes Cunha e Bueno de Andrade.

O dr. Villa-Nova confirma todos os fatos narrados no seu telegrama, que, como facilmente se verifica, está em desacordo, em alguns pontos, com os que nos transmitiu o nosso correspondente e com o que o sr. Ferreira dos Santos recebeu do chefe da repartição telegráfica de Santos.

O fato, apesar de importante e curioso, não tem a gravidade que a princípio se lhe deu.

Trata-se, com toda a probabilidade, de um simples escapamento de gases dos pântanos, que rodeiam a cidade de Santos, por um orifício de pequeníssimas dimensões. Não há, pois, motivo algum para que o povo de Santos se aterrorize.

A sonda que penetrou no solo era apenas de três polegadas de diâmetro, e o orifício, que ela deixou, muito pouco cresceu.

A hipótese de um vulcão deve ser inteiramente desprezada. Produto de imaginação popular e nada mais.

É esta a opinião do dr. Villa-Nova, plenamente aceita por todos os que o ouviram.

O dr. Orvile Derby disse-nos que na foz do Mississipi, nos Estados Unidos, se produz, de quando em quanto, fenômeno semelhante, sempre de pouca duração, o que provavelmente também sucederá em Santos.

Além da hipótese do escapamento de gases dos pântanos, muitas outras surgiram durante a conversação, mas nenhuma com tantos visos de verdade.

Esta sugeriu apenas uma dúvida:

Como se explica a combustão?

O dr. Villa-Nova supõe que algum curioso se aproximou à noite do tubo da sonda, com vela acesa, e que a chama da vela se comunicou ao gás, que escapava.

***

O dr. Alvaro de Carvalho, secretário da Agricultura, ao ter conhecimento do fato, determinou que a comissão de saneamento desse todas as providências ao seu alcance e que o chefe da comissão geológica seguisse para Santos a fim de fazer os necessários estudos.

O dr. Orville Derby parte hoje pelo trem das 7 e 20. Pelo mesmo trem, regressa o dr. Villa-Nova e é provável que também vá o dr. Alfredo Lisboa.

***

Se recebermos mais informações de Santos, os leitores as encontrarão na seção telegráfica.

No dia seguinte, 31 de dezembro de 1896, também na primeira página e com o mesmo título, o jornal O Estado de São Paulo complementou as informações (material no Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição). Clique >>aqui<< ou nas imagens a seguir para obter a imagem completa da página:

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Imagem: reprodução parcial da pagina 1 da edição de 31/12/1896 de O Estado de São Paulo, com a matéria, no Acervo Digital Estadão

Fenômeno interessante

Segundo as observações do ilustre professor Orville Derby, ontem realizadas em Santos, em companhia de distintos engenheiros, o fenômeno geológico, que tanta emoção despertou nesta capital, não tem o valor que a princípio lhe foi dado, não entrando sequer na ordem dos fenômenos vulcânicos. É da natureza dos poços artesianos.

Constituiu-lhe causa determinante de aparecimento uma sondagem realizada pela comissão de saneamento nos terrenos planos de aluvião adjacentes aos Outeirinhos; a sonda, após romper uma camada impermeável de argila, encontrou uma oura de areia, nimiamente porosa, impregnada de água e gás, armazenados sob pressão bastante forte para lançá-los canalizados pelo tubo de sondagem a uma altura média de 8 metros.

Durante as primeiras horas houve um simples jato de água carregada de areia e gás que somente atraiu a atenção popular à noite pela inflamação daquele último, determinando a aparição da forte e belíssima coluna de 4 ou 5 metros de altura, capaz de, naturalmente, despertar a ideia de um fenômeno vulcânico.

Tudo leva a acreditar que a combustão não se operou espontaneamente, havendo motivos para se admitir que alguém casual ou propositalmente tenha aproximado da coluna de gás uma flama qualquer.

A mistura de água e gás no mesmo ponto é vulgar nos poços artesianos, quer nos ordinários de água ou petróleo, quer nos que ultimamente têm sido abertos nos Estados Unidos com o fim especial de procurar o gás natural. A água, e este é o caso de Santos, predomina comumente sobre o gás, ao contrário do que se dá nos poços de gás da Pensilvânia e Indiana.

Essa predominância da água explica-se naturalmente pela própria disposição dos terrenos baixos de Santos; sendo a origem do gás também facilmente explicável pela decomposição da matéria orgânica acumulada em lugares pantanosos.

De fato, efetuando-se esta decomposição sob um lençol de água ou sob uma camada de argila impermeável, o que impede a ação redutora da atmosfera, produz-se uma combinação gasosa de carbono e hidrogênio, o gás dos pântanos".

As condições em Santos, cujos terrenos de aluvião consistem em depósitos pantanosos e marítimos alternados, são altamente favoráveis à formação deste gás que geralmente pode ficar armazenado e pronto a escapar com maior ou menor violência pela mais estreita abertura.

Foi o que se deu nos Outeirinhos.

Na sondagem que determinou a irrupção a que nos referimos, observa-se claramente sob camadas de areia da espessura total de cerca de 9 metros e que são evidentemente de origem marítima, uma camada de cerca de 8 metros de argila plástica de origem pantanosa, que por sua vez repousa sobre oura camada de areia contendo conchas marítimas.

Esta última camada é a que contém a água e o gás lançados através do tubo da sonda.

Tendo sido interrompida a sondagem neste ponto a espessura desta camada e a natureza da subjacente não foram determinadas. Pode-se deduzir, entretanto, que repousa, como a anterior, sobre a argila. Tem-se, assim, portanto, uma camada nimiamente porosa, de areia, entre outras impermeáveis de argila, e realizadas consequentemente as condições indispensáveis para serem, naquela, armazenados o gás e a água infiltrados através das camadas sobre ou subjacentes.

É esta a disposição clássica dos poços artesianos.

Nada se pode prever acerca da duração provável do fenômeno que aparentemente pouco tem variado de intensidade.

Somente o futuro poderá determiná-la, sendo, entretanto, muito pouco provável que se prolongue mais tempo com a mesma intensidade de hoje.

Das notas que nos forneceu o ilustre dr. Derby, conclui-se, assim, claramente, que não se trata de um fato sério de geologia dinâmica com origens profundas no seio da terra e com a existência indefinida dos gêiseres ou fontes termais.

Desaparecerá, prestes, em poucos dias talvez, quando um inevitável equilíbrio se estabelecer entre a pressão atmosférica e a que age sobre a massa gasosa que ora irrompe incendiada e fulgurante.