Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtoch14.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/18/10 23:51:06
Clique na imagem para ir à página-índice de Benedito Calixto
BENEDITO CALIXTO
Calixto e as Capitanias Paulistas - 14


Clique na imagem para ir ao índice da obraAlém de refinado pintor, responsável por importantes telas que compõem a memória iconográfica da Baixada Santista, Benedicto Calixto foi também historiador e produziu várias obras no gênero, como esta, Capitanias Paulistas, impressa em 1927 (segunda edição, revista e melhorada, pouco após o seu falecimento) na capital paulista por Casa Duprat e Casa Mayença (reunidas).

O exemplar, com 310 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 141 a 148):

Leva para a página anterior

Capitanias Paulistas

Benedito Calixto

Leva para a página seguinte da série

Imagem: cabeçalho de página da obra (página 141)

CAPÍTULO X

O opulento paulista José de Góes e Moraes quer comprar a donataria do marquês de Cascais. - A razão que tinha o marquês para vender sua donataria. - A ação dos bandeirantes nas duas seções da Capitania de Itanhaém. - Condições precárias de Capitania de São Vicente. - Prosperidade das vilas situadas à margem do Paraíba. - O ouro extraído das Minas Gerais. -Rivalidades entre habitantes de São Paulo e Taubaté. - Os bandeirantes da Capitania de Itanhaém. - O verdadeiro sentido do vocábulo "Paulista".

osé de Góes e Moraes nasceu na Vila de S. Paulo, em meados do século XVII - 1666. Era filho do alcaide-mor e capitão-mor, Pedro Taques de Almeida, e de d. Angela de Siqueira Araujo.

Exerceu também, como seu pai, o posto de capitão-mor de S. Paulo, de 1711 em diante.

Diz Pedro Taques (Nobiliarchia Paulista) "que Moraes possuía grandes riquezas adquiridas, por herança paterna nas Minas Gerais, onde residiu por alguns anos. Em 1708 pretendeu comprar por quarenta e cinco mil cruzados as cinqüentas léguas de terra que constituíam a parte da Capitania de Pero Lopes de Souza pertencente então ao marquês de Cascais; porém isto não teve efeito porque o governo de d. João V resolveu adjudicar à Coroa esta capitania, indenizando ao proprietário; por isso José de Góes e Moraes mandou empregar em Portugal o capital destinado a essa compra em uma grande partida de fazendas que em viagem foi tomada pelo pirata francês Pexiling. José de Góes fundou ainda vastas fazendas de criação em Curitiba, que deixou umas a seus herdeiros e outras a ordens religiosas".

Faleceu José de Góes e Moraes em S. Paulo a 20 de agosto de 1763 na idade de 97 anos, e do seu casamento com d. Anna Ribeiro de Almeida deixou cinco filhos: d. Escolastica Jacintha da Ribeira Góes; o capitão-mor João Raposo da Fonseca Góes; d. Anna Maria Ribeira Góes e Moraes; d. Leonor Thereza da Ribeira Góes e Moraes e d. Maria de Lara Leite, casada com José Góes de Siqueira.

Quando este famoso paulista pretendeu, em 1708, comprar as cinqüenta léguas da parte da donataria de Pero Lopes denominada então Capitania de São Vicente, é porque sabia que o seu proprietário, o marquês de Cascais, queria se desfazer dela.

De fato: o marquês bem reconhecia que os seus direitos sobre essa parte da Capitania de S. Vicente não eram legítimos nem seguros e poderiam periclitar novamente, logo que o conde da Ilha do Príncipe obtivesse, de novo, alguma decisão em seu favor; porém o que mais influía no ânimo do arguto e famoso donatário da antiga Capitania de Santo Amaro, era a decepção que ele e seus antecessores haviam tido sobre a dita capitania, em relação a essas tão desejadas minas de ouro!

Os senhores da Casa de Monsanto e depois os de Cascais, que tanto empenho haviam feito para se apossarem da Ilha de S. Vicente e do porto de Santos e bem assim da Vila de Piratininga, "porta e chave do sertão", na suposição que "seria pelo Rio Tietê e pela Barra Grande de Santos que se havia de escoar todo o ouro extraído das minas do sertão", não podiam deixar de ficar surpresos e contrariados ao verem que todas as minas descobertas até essa data, 1708, se achavam dentro da jurisdição da Capitania de Itanhaém e que os pontos do litoral para onde afluía o produto das minas - o ouro - e para onde o governo da Metrópole mandava criar Casas de Fundição, onde se quintava e se amoedava esse metal, não eram nem a Vila de Santos, nem a de São Paulo, mas sim sa vilas de Iguape, Taubaté e Paranaguá.

Os portos de mar, por onde passavam os produtos das minas e onde se arrecadavam os quintos reais e as redízimas do donatário, não eram, tampouco, os de Santos e São Sebastião, mas os de Cananéia, Iguape, Paranaguá, Ubatuba, Parati e Angra dos Reis, todos, à exceção de Paranaguá, dentro da jurisdição da Capitania de Itanhaém.

A capitania do Marquês de Cascais (Capitania de S. Vicente) nada aproveitava, portanto, desta "boa maré de enchente", desta "derrama de ouro" afluído do sertão brasileiro para as áreas do soberano lusitano e do seu antagonista, o conde da Ilha do Príncipe.

A Vila de S. Paulo, embora condecorada com o título fictício de "Cabeça de Capitania de S. Vicente", desde 1681, pelo mesmo marquês, não havia prosperado nada, neste período áureo das descobertas. O seu donatário apenas recebia os magros rendimentos das velhas e depauperadas minas do Jaraguá. O elemento português, os emboabas, que afluíam da metrópole, sedentos de riqueza, e mesmo grande parte dos habitantes da marinha e do interior de S. Paulo, convergiam, em massa, para as regiões das Minas Gerais, onde em breve se havia de originar a luta entre naturais e forasteiros, denominada "guerra dos emboabas".

Ao passo que a Vila de S. Paulo, à margem do Tietê, se despovoava e empobrecia, surgiam, às margens do Paraíba, na Capitania de Itanhaém, novas e prósperas povoações, que se desenvolviam com o comércio das minas. A mais antiga dessas localidades - Taubaté - elevada a vila pelo governador de Itanhaém, Dionysio da Costa, em 1650, era então o grande empório do comércio das minas e, por esse fato, rival da Vila de S. Paulo, como vamos ver.

"Desde que Taubaté deixou de ser aldeia de índios, escreve o sr. Machado de Oliveira [37] e, com a descoberta de minas em terras de sua vizinhança, começou a emulação e a desinteligência entre o povo desta vila e a de S. Paulo, e se pensa, por aspirações de preponderância, que uma queria ter sobre a outra, alardeando a Vila de S. Paulo sua precedência na edificação e sua categoria, como Cabeça de Capitania (do marquês de Cascais) e a de Taubaté, a sua casa de fundição que tinha com o predicamento (dado pelo conde da Ilha do Príncipe) e onde se amoedava ouro das minas, conjuntamente com o que em S. Paulo era extraído da serra do Jaraguá" [38].

Estas rivalidades só desapareceram mais tarde, quando, em conseqüência da "guerra dos emboabas", a população das duas capitanias e vilas rivais se uniram e se irmanaram, pelo mesmo sentimento patriótico, a fim de defenderem o território anteriormente conquistado pelos esforços heróicos dos paulistas, nessa região aurífera, pertencente ainda, nessa época, à Capitania de Itanhaém.

A alma, o "coração paulista", palpitava, há muito, no peito de todo o povo que habitava a Capitania de Itanhaém e a Capitania de S. Vicente.

Paulista, era já toda essa vasta região das "cem léguas da Capitania de Itanhaém", nas duas seções desvendadas pelos bandeirantes, desde os sertões do Paraná e Paranapanema, até os confins de Minas Gerais.

Os moradores da Vila de S. Paulo, "teimosos e birrentos", como os de Taubaté e demais habitantes das duas donatarias, ainda não compreendiam, entretanto, a generalidade ampla desse vocábulo paulista, e daí provinham tais rivalidades.

Alguns dicionários antigos, dessa época, definem a palavra paulista no sentido figurado, como sendo sinônimo de teimoso, birrento.

Não deixa de ser bem aplicado o vocábulo, pois que a teimosia, a tenacidade enérgica, foi o que sempre distinguiu o caráter do bandeirante paulista. Foi com essa teimosia e tenacidade inquebrantável que o paulista conseguiu, através dos sertões, tornar grande e unida esta Pátria que tanto estremecemos.

Vejamos ainda o que, sobre a Vila de S. Paulo, nos diz o sr. dr. Washington Luís na sua citada obra, quando esta Vila já tinha (1711) as regalias de cidade.

"Apesar de ser a única povoação elevada a cidade, por alvará de 11 de julho de 1711, e ser a capital do governo da Capitania de S. Paulo, era uma localidade relativamente insignificante.

"Até bem pouco tempo Parnaíba e Itu disputavam-lhe a primazia, e Taubaté chegara a empanar-lhe o brilho... Era tão pequeno o seu âmbito que a cadeia, estando junto ao Convento de S. Francisco, já se achava fora das ruas públicas" [39].

Se a Vila de S. Paulo, em 1711, tendo já a categoria de cidade, era de fato isso, o que seria pois em 1708, quando o marquês de Cascais pretendeu vender a sua donataria ao paulista José de Góes e Moraes?

Este opulento paulista, inteligente e perspicaz, nem por isso desdenhava da pouca importância que então tinha a Vila de S. Paulo e mesmo da parte da Capitania de São Vicente que ele se propunha a adquirir.

Conhecia ele, porém, as riquezas do solo da dita capitania e previa já o papel importante que lhe estava reservado, quando essa humilde e vetusta povoação de Piratininga viesse a ocupar o posto que lhe estava há muito reservado, como "porta e chave do sertão", na frase inspirada do padre Manuel da Nóbrega.

Muito breve a povoação de S. Paulo se tornaria o centro, o empório do grande comércio das minas de Cuiabá e Goiás, e seria de fato a capital, onde os capitães generais, prepostos, não dos donatários, mas do governo absoluto de d. João V e d. José I, haviam de dominar, ostentando o seu fausto e as suas arbitrariedades.

A donataria do marquês de Cascais, até então ambiguamente denominada Capitania de São Vicente, ou Capitania de Santo Amaro, não podendo ser adquirida por esse paulista, vai, finalmente, ser adjudicada pela Coroa, e a Vila de S. Paulo, que já tinha as prerrogativas de Cabeça de Capitania... de Pero Lopes de Souza ou de São Vicente, passará imediatamente à categoria de sede da Capitania de S. Paulo, recebendo também o predicamento de Cidade...

Veremos, no capítulo seguinte, qual era ou qual deveria ser, de fato e de direito, a jurisdição dessa Capitania de S. Paulo.

Brasão de Armas do Marquês de Cascais

(em campo de prata, seis arruelas azuis, em pala. Timbre: meio leão de ouro - rompente)

Imagem inserida entre as páginas 148 e 149 da obra


[37] Quadro Historico da Provincia de S. Paulo.

[38] A Vila de Parnaíba, que fazia parte da Capitania de Santo Amaro, havia prosperado também, nesta época, com o comércio das Minas Gerais, pois, desse ponto partiam algumas bandeiras, como se verifica dos documentos descobertos pelo sr. dr. A. de Taunay, transcritos nas Notas de Historia Ecclesiastica (capelas de Araçariguama), do exmo. e revmo. d. Duarte, arcebispo de S. Paulo. Do livro borrador, onde se acham escrituradas as cartas do negociante, padre Guilherme Pompêo, vê-se que alguns mineiros mantinham relações comerciais com este célebre sacerdote, morador em Araçariguama: "Por curiosidade faço a conta, diz o curioso borrador, do ouro que entrou na Vil de Santa Ana de Parnaíba, este ano de 1698, de agosto em diante, e é o seguinte: Por agosto do dito ano recebi oitenta oitavas que me mandou João Pinto e 40 que me mandou um Primo Sulpecio Pedrozo e é portanto 120 8as. em pó...". Por esta curiosa lista, vê-se que o padre Pompêo mantinha comércio também com os exploradores das minas de Iguape e Paranaguá, de onde recebia ouro em pagamento dos gêneros que fornecia para tal mister. Esse ouro, porém, não só o de Minas, como o do Sul, já vinha quintado na maior parte; quer isso dizer, que já havia passado pelas casas de fundição de Taubaté ou de Iguape. Os "termos de vereança da Câmara de São Paulo" de 1624 nos dão notícia de uma Casa de Fundição existente nesta Vila de São Paulo, quando não estavam ainda definitivamente descobertas as lavras de Minas Gerais. Essa Casa de Fundição foi depois extinta, quando se fundou a Vila de Taubaté, como já ficou referido ao tratarmos destas povoações da Capitania de Itanhaém.

[39] Diz um escritor espanhol que passou por S. Paulo em 1682 que, nessa época, a Vila podia ter "duas centenas de fogos" e que "essas habitações eram construídas à moda dos índios, e no meio das quais apenas avultavam as taipas do Colégio e as da Matriz e do Senado da Câmara, que ainda estava coberto de palha".

Imagem: adorno da página 147 da obra