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BENEDITO CALIXTO
Calixto e as Capitanias Paulistas - 11


Clique na imagem para ir ao índice da obraAlém de refinado pintor, responsável por importantes telas que compõem a memória iconográfica da Baixada Santista, Benedicto Calixto foi também historiador e produziu várias obras no gênero, como esta, Capitanias Paulistas, impressa em 1927 (segunda edição, revista e melhorada, pouco após o seu falecimento) na capital paulista por Casa Duprat e Casa Mayença (reunidas).

O exemplar, com 310 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 91 a 109):

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Capitanias Paulistas

Benedito Calixto

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Imagem: cabeçalho de página da obra (página 91)

CAPÍTULO VII

Continuação do litígio na terceira fase. - A condessa de Vimieiro como donatária da Capitania de Itanhaém (1624-1645).- O filho primogênito da condessa, d. Sancho de Faro, como donatário da mesma capitania, entrega a administração desta a seu irmão d. Affonso de Faro (1645-1648). - D. Diogo de Faro e Souza, filho de d. Sancho, toma posse da Capitania de Itanhaém, em 1648. - D. Diogo de Faro e Souza traspassa o governo e posse da Capitania de itanhaém em dote, à sua irmã d. Marianna de Faro e Souza (1634) (N.E.: SIC: correto é como no índice final e no texto deste capítulo, 1654). - Escritura de dote à referida d. Marianna e seu marido d. Luiz Carneiro, conde da Ilha do Príncipe, e outros documentos da Câmara de Itanhaém.

primeiro capitão-mor e governador da Capitania de Itanhaém, como loco-tenente da senhora condessa de Vimieiro, foi, conforme se verifica da Relação dos Governadores desta Capitania, João de Moura Fogaça, o qual não só propôs embargos e protestos contra o esbulho de que havia sido vítima a sua constituinte, como prosseguiu na ação do litígio apelando para o Juízo competente.

Os seus substitutos continuaram a pleitear a dita causa por todo o tempo em que esta donataria esteve sob o governo da dita condessa de Vimieiro, sem, entretanto, nada conseguirem.

Os governadores da Capitania de Itanhaém, segundo afirmam as crônicas de São Paulo e Rio de Janeiro, e os documentos que temos obtido, tinham "ampla jurisdição desde Paranaguá até a barra de São Vicente e desde a barar da Juqueriquerê até Cabo Frio".

A condessa de Vimieiro governou, como já ficou dito, a Capitania de Itanhaém, do ano de 1624 até 1645 [26]. Após esses vinte e um anos de governo, resolveu a dita condessa entregar, ainda em vida, a gerência dos seus bens e morgado a seu filho primogênito, d. Sancho de Faro. Não podendo,porém, este tomar posse da Capitania de Itanhaém, por se achar militando nos Estados de Flandres, traspassou a seu irmão d. Affonso de Faro, que se achava em Lisboa, os direitos e a administração que tinha sobre a capitania referida.

D. Affonso de Faro dirigiu então, ao rei de Portugal, uma petição, e obteve, do mesmo monarca, o alvará do seguinte teor:

"Eu el-Rei faço saber os que este meu alvará virem que, havendo respeitos ao que d. Affonso de Faro me enviou a dizer, por sua petição acerca da administração do Morgado de Alcoentre, que vagou pela condessa de Vimieiro sua mãe, cuja sucessão pertence a d. Sancho de Faro seu irmão, ausente nos Estados de Flandres, e em sua falta a seus filhos; e vistas as causas que para isso alegou, informações que se tomaram pelo licenciado João Corrêa de Carvalho, executor dos confiscados e ausentes em Castela, e resposta do procurador da minha Fazenda; hei por bem e me apraz, em conformidade das minhas ordens de lhe conceder a administração para que possa tratar do acrescentamento das rendas do dito morgado e benefício das propriedades que a ele pertencem, dado, como oferece, para as despesas da guerra 420$000 rs. cada ano etc. etc...".

Este alvará d'el-rei tem a data de 24 de julho de 1645 e, em virtude do mesmo, foi d. Affonso de Faro empossado dos bens do dito Morgado de Alcoentre, passando em 31 de março desse mesmo ano de 1645 uma procuração ao capitão Manoel de Carvalho para tomar posse, em seu nome, da Capitania de Itanhaém, que de direito pertencia a seu irmão d. Sancho de Faro.

Eis o termo desse instrumento: "D. Affonso de Faro, etc. - Por esta procuração por mim assinada e selada com o selo das minhas armas, como administrador que sou do Morgado de Alcoentre por provisão de Sua Majestade, a cujo morgado pertence a Capitania de Nossa Senhora da conceição de Itanhaém, faço meus procuradores ao capitão Manoel de Carvalho, morador na Ilha Grande, e a Valerio de Carvalho, morador na mesma ilha, a ambos e a cada um in solidum para que possam tomar posse da dita capitania e de todas as suas pertenças, em meu nome, como administrador que sou do dito morgado que pertence a meu irmão d. Sancho de Faro, ausente em Flandres, e na sua falta a seus filhos, fazendo autos e instrumentos de posse; e poderão outrossim nomear pessoa da terra benemérita e de experiência de guerra, que sirva de capitão-mor e ouvidor por três anos, porquanto o capitão-mor e ouvidor Antonio Barbosa de Aguiar tem já acabado o seu triênio; com declaração outrossim, que o capitão e ouvidor nomeado por eles, me responderá, nesta Corte, com oitenta mil réis cada um ano, de direitos que pertencem à dita capitania, e poderão outrossim cobrar dos tabeliães da dita capitania as pensões que, conforme ao foral, são obrigados a pagar, e concertar-se com os donos dos engenhos em alguns foros ou tributos que lhe parecer a isto conforme, ao que cada um até agora lavra; o que tudo está expresso na Ordenação que aqui hei por expressada e declarada; e poderá outrossim requerer minha justiça em todas as causas que se moverem, e substabelecer um e muitos procuradores, e para tudo lhes dou poderes em direitos necessários e livres a geral administração; e tudo por eles feito haverei por firme e valioso. Lisboa, 31 de março de 1645 anos. D. Affonso de Faro".

Munido pois desta procuração, dirigiu-se o capitão Valerio de Carvalho à Vila de Itanhaém, e apresentando-se no Paço do Conselho, os vereadores lhe deram posse da dita Capitania pelo auto do teor seguinte:

"Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e quarenta e seis, nesta Vila de Nossa Senhora da conceição de Itanhaém, estando juntos em vereação os oficiais da Câmara deste presente ano, por eles foi posto o cumpra-se na procuração atrás, e em virtude dela foi metido de posse aos procuradores que nela se declara - desta Capitania de Itanhaém - em nome do senhor dom Sancho de Faro, donatário dela, como se vê do alvará de Sua Majestade; e, de hoje em diante reconhecerem ao dito senhor por donatário desta capitania e como tal poderão fazer os ditos seus procuradores, em seu nome, tudo quanto lhes era ordenado; como também em Câmara se deu juramento, pelo vereador mais velho - João Lopes Martim, ao dito Valerio de Carvalho, para servir nesta Capitania de Itanhaém os cargos de capitão-mor e ouvidor, como nesta procuração se contém - e ele assim prometeu fazer. Do que fiz este auto em que assinarão, e eu Braz Nunes Freire, escrivão da Câmara o escrevi - Mathias de Aguiar Daltro - Manoel da Costa Cordova - João Lopes Martim - Felipe Gonçalves - Francisco de Pontes - Valerio de Carvalho".

D. Sancho de Faro, representado or seu irmão d. Affonso de Faro, conservou-se como donatário da capitania de Itanhaém até 10 de novembro de 1648. Neste ano lhe sucedeu seu filho, d. Diogo de Faro e Souza em cujo nome foi provido no cargo de capitão-mor e ouvidor, da mesma capitania, o capitão Dyonizio da Costa, conforme se verá da respectiva Relação dos Governadores da Capitania de Itanhaém, que vai em outro volume desta Memória. Este governador e ouvidor de Itanhaém tomou posse, na Câmara da mesma vila, a 3 de abril de 1649, pela provisão, cujo teor é o seguinte [27]:

"D. Affonso de Faro etc. - Como administrador que sou do Morgado de Alcoentre e como tutor que fui dado por Sua Majestade à pessoa e bens de d. Diogo de Faro e Souza, meu sobrinho, menor de 14 anos, donatário da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém; a quantos esta provisão virem, e em especial aos juízes, vereadores e procuradores do Conselho da Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, Cabeça da Capitania, a quem será mostrada, etc. - Faço saber que por confiar da qualidade, valor e madureza de Dyonizio da Costa, e que tudo o que lhe for encarregado dará boa satisfação, guardando justiça às partes, e nas ocasiões de guerra mostrando valor que de sua qualidade se espera, pela presente, em nome de meu sobrinho, o nomeio para capitão-mor e ouvidor da dita vila e toda a capitania e seus distritos e vilas a ela sujeitos, etc. ..." [28].

Em poder do 6º donatário se conservou a Capitania de Itanhaém até o ano de 1653.

Neste ano, d. Diogo de Faro e Souza, sobrinho de d. Affonso de Faro, traspassou a dita Capitania de Itanhaém, em dote, à sua irmã d. Marianna de Faro e Souza, quando esta casou com d. Luiz Carneiro de Souza, conde da Ilha do Príncipe, conforme se verá dos documentos seguintes extraídos dos arquivos das Câmaras de Itanhaém e Angra dos Reis.

D. Affonso de Faro, além de administrador do Morgado de Alcoentre, como já ficou dito, era tutor de d. Diogo de Faro (seu sobrinho) por já ter falecido, nesta época, o pai deste, d. Sancho de Faro, que se achava "militando nos Estados de Flandres", quando o dito d. Affonso assumiu a administração do morgadio.

Escritura de dote

"Aos condes da Ilha do Príncipe, d. Luiz Carneiro e dona Marianna de Faro e Souza, da Capitania de Itanhaém. [29].

(Esta doação foi feita em 5 de janeiro de 1654, pelo então donatário da mesma capitania, d. Diogo de Faro e Souza, aos condes da Ilha do Príncipe).

"João Blau, capitão-mor e governador desta Capitania de N. S. da Conceição de Itanhaém, de que é donatária a senhora condessa da Ilha do Príncipe, dona Marianna de Faro e Souza, diz que lhe é necessário o traslado do alvará que passou Sua Majestade el-Rei d. João IV, que Deus tenha em glória, à senhora condessa, de doação das terras, quando se casou com dom Luiz Carneiro, conde da Ilha do Príncipe, o qual alvará está no livro da Câmara desta Vila de Itanhaém, pelo que pede a vossas mercês mandem dar os traslados que pede e e.r. mercê - Despacho: como pede. Conceição de Itanhaém, em Câmara, aos 9 de abril de 1689. - Sebastião Luiz Martins da Costa - Custodio Barrozo - Jeronymo Galan - Miguel Gonçalves" [30].

Traslado:

"Em nome de Deus, amém. - Saibam quantos este instrumento público de contrato de dote, e obrigação virem, que no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e cinqüenta e quatro, em os cinco dias do mês de janeiro, nesta cidade de Lisboa, junto ao Convento de S. Francisco, nos aposentos de d. Affonso de Faro, estando aí presentes partes a saber: de um lado dom Luiz Carneiro, senhor das Ilhas de Santa Helena, de Santo Antonio e da do Príncipe, conde delas e do Conselho de Sua Majestade, e da outra - dom Diogo de Faro e Souza, filho de dom Sancho de Faro que Deus tem, herdeiro e sucessor de sua Casa e Morgado de Vimieiro e Alcoentre e de dona Izabel de Lima e Carcome, sua mãe, que Deus tem e bem assim o dito dom Affonso de Faro, seu tio, tutor e curador, e de dona Marianna de Faro e Souza, sua irmã, e seus sobrinhos menores. Em seu nome e no de cada um deles; e outrossim estavam presentes o dr. Pedro de Paula e Souza, desembargador dos Agravos e Casa da Suplicação, e o dr. Francisco da Cruz Freire, nomeados procuradores pelo dr. Francisco Ferreira Encerrabodes, juiz dos Órfãos e das repartições desta cidade e dos ditos menores que também estavam presentes, para assistirem e darem autoridades a este contrato e capitulações. Disse logo por eles dom Diogo de Faro e Souza e dom Affonso de Faro, como tutor e curador dos ditos seus sobrinhos menores e foi dito a mim tabelião, mediante as testemunhas adiante nomeadas, que estão contratados para, com o favor divino, mediante o agrado do Espírito Santo e comprazimento de Sua Majestade, por seu alvará ao diante trasladado, haverem de casar a dita dona Marianna de Faro e Souza, sua irmã e sobrinha, com ele conde Luiz Carneiro, e que havendo o dito casamento o seu real efeito e sendo recebidos por palavras de presente, na forma do Sagrado Concílio Tridentino, consumando-se o matrimônio, o contrato que este dom Diogo de Faro e Souza dá e dota a dita dona Marianna de Faro, sua irmã, com autoridade do dito dom Affonso de Faro, seu tio e curador, e por bem do alvará que tem de Sua Majestade de suprimento de idade para este dote e casamento e bem de todos; que outrossim ao diante irá trasladar a sua Capitania de Itanhaém de cem léguas de costa, no estado do Brasil, distrito do Rio de Janeiro, de que ele é capitão donatário, senhor e governador perpétuo, e de toda sua jurisdição, direitos e rendas, e assim e da maneira que a tem e lhe pertence por sua doação e dote, em estimação e valor de quarenta mil cruzados e assim mais lhe dá a dote a dita dona Marianna sua irmã, duzentos mil réis de renda cada ano, em valor de dez mil cruzados, consignados e constituídos em todos os rendimentos do morgado do Rio Maior, sito no termo de Santarém, assim da maneira que possui e lhe pertencem por qualquer via que seja, e não bastante todos os rendimentos e tudo o que faltar para o cumprimento dos duzentos mil réis, e ele dotador é contente que se prefaça dos sessenta mil e quinhentos e oito réis de juro que tem na Alfândega desta cidade. E por quanto Sua Majestade tem concedido a ele dom Diogo de Faro que possa dotar estes ditos duzentos mil réis de renda, cada ano, no morgado de Vimieiro, se obriga ainda ele dom Diogo a haver apostila no dito alvará do dito senhor, para a consignação dos ditos duzentos mil réis em todos os rendimentos do dito morgado do Rio Maior, etc. etc. E outrossim, por morte da dita dona Marianna, falecendo ela e sem descendentes, ficarão os ditos duzentos mil réis livres aos ditos morgados conforme o dito alvará e este contrato, e assim mais dá e dota o título de conde da Ilha do Príncipe, que ele conde Luiz Carneiro terá em sua vida, o qual título, que assim dota, haverá por alvará de duas vidas mais, nos descendentes deste matrimônio, estimadas as ditas duas vidas do título de conde em outros dez mil cruzados, por quanto ele dotador tem já alcançado alvará do título em uma vida. Das duas prometidas e dotadas e também adiante, ora trasladada, para os descendentes deste matrimônio, externados nos ditos dez mil cruzados; declara ele dotador que não alcançando alvará da outra segunda via para neto e descendente deste matrimônio dentro do tempo de cinco anos, começando do efeito do dito matrimônio em diante, ele dotador se obriga a dar no fim dos ditos cinco anos a quantia de cem mil réis, cada ano de renda, em bens livres, ou morgados que tem renda, estimados no valor de cinco mil cruzados, que é a respeito dos ditos dez mil cruzados dotados por título de conde das ditas duas vidas, e para a dita renda dos ditos cem mil réis ele dotador se obriga desde logo todos os seus bens e rendas livres, havidas e por haver, e os rendimentos de seus morgados, para o que haverá alvará de Sua Majestade para segurança dos ditos cem mil réis de renda, e a todo o tempo que ele dotador ou seus sucessores alcançarem o dito alvará da dita segunda vida, da mercê do título de conde, ficará cessando a obrigação dos ditos cem mil réis de renda. E desta maneira se entenderá e competirá este dote que ele, dotador dota a dita dona Marianna, sua irmã, nos ditos quarenta mil cruzados que leva consigo, por que nesta quantia e valor ele conde a aceita sem poder alegar lesão, erro ou engano algum, porque neste valor das ditas causas estão conformes; e é ainda declarado neste contrato que todos os bens adquiridos serão sempre comunicáveis e parte entre ambos.

"E no tocante à capitania de Itanhaém, dotada neste contrato, ele dotador se obriga a entregar as contas de doação e títulos dela, para por eles a dita dona Marianna tirar carta de sucessão, em sua Cabeça, ou para os descendentes deste matrimônio, conforme o alvará de Sua Majestade ao diante trasladado e mais declaração deste contrato que todos os bens deste dote que a dita dona Marianna de Faro e Souza leva consigo terão e seguirão a natureza dos bens dotais sem se poderem desviar, traspassar, vender, alienar nem obrigar por nenhuma via que seja; e este dote promete e obriga ele dotador assim de maneira que neste contrato se contém, de tal maneira que hajam e logrem e possuam assim e de modo que nesta escritura se contém, pela qual tira e aparta de si e de seus herdeiros e descendentes todos os ditos bens, todo o direito e ação que até agora neles teve e adiante podia ter e haver, o que tudo traspassa aos ditos dotados e sucessores deste matrimônio. E por ele conde d. Luiz Carneiro foi dito que aceitava este dote dos ditos quarenta mil cruzados da mão dele dom Diogo de Faro, tutor e curador na forma dita, e que a respeito dos ditos quarenta mil cruzados, assim do mais tudo, se obriga ele conde a dar terça parte de arras, conforme a ordenação, à dita dona Marianna de Faro sua tutoranda mulher, consignados e constituídos a provimento destes dotadores em bens seguros e abonados, por quanto, conforme este contrato, ele conde promete e dá um nome de arras e doação à dita dona Marianna de Faro a terça parte dos ditos quarenta mil cruzados do dito dote, que são treze mil, trezentos e trinta e três cruzados, consignados e constituídos em bens equivalentes e seguros à satisfação deles dotadores; - e outrossim se obriga, soluto matrimonio, a segurar o dito dote que receber e, destas arras, a metade dos ditos bens adquiridos; - por ele conde foi mais dito que a dita segurança e restituição e consumamento do dia, desde que fora entregue, e assim mais as ditas arras prometidas, obriga todos os seus bens assim livres que por qualquer maneira lhe pertençam como do morgado patrimonial e quaisquer outros que houver em particular para as ditas arras, as benfeitorias de seu molde, sitas nesta cidade de Lisboa, por detrás da igreja de S. Paulo, que importam em muito mais, as quais benfeitorias, consignadas ao pagamento das ditas arras, são livres e sem vínculo algum, como está declarado em uma sentença que se deu no Juízo do Civil desta cidade, pelo licenciado Manoel Tenreiro de Gouvêa, de que é escrivão Domingues Rodrigues, a que se refere; e sempre ele conde as trará livres e desobrigadas com todos os seus vencimentos equivalentes aos ditos treze mil trezentos e trinta e três cruzados de arras e rendimentos de todos os mais seus bens e pelo melhor parado de sua fazenda, livre de rendas; - e para esta obrigação, para mais segurança, haverá hipoteca de bens de morgado, com provisões e alvará de Sua Majestade, conforme aos que por sua parte houverem os doadores, para a obrigação deste, e uns e outros assim livres como de morgado, com a dita licença que for necessária para sua inteira validade e segurança fiquem desde logo em seu vigor; com mais esta declaração: - que falecendo a dita dona Marianna com filhos deste matrimônio ficarão as ditas arras vinculadas ao morgado do filho sucessor deste matrimônio, para acrescentamento dele; - é mais declaração deste contrato que, sendo caso que o conde faleça primeiro que dona Marianna de Faro, ela ficará em posse e cabeça de casal com todos e quaisquer bens que ficarem, de qualquer sorte, e seus rendimentos, até com efeito ser entregue todo os eu dote, arras e metade dos adquiridos inteiramente; e enquanto não lhe forem pagas as ditas arras, haverá cada ano, duzentos e cinqüenta mil réis de rendimentos de todas as casas do dito molde, que é a quantia que vem a razão de juros dos ditos treze mil trezentos e trinta e três cruzados, das ditas arras, e as mais condições e declarações deste contrato, que vencendo em dias, a dita dona Marianna de Faro e ele conde, lograrão e comerão as ditas arras em suas vidas e assim mais os ditos morgados; assim as ditas arras como os ditos duzentos mil réis, comerão em suas vidas, quer fiquem filhos e sucessores deste matrimônio, quer não. E é mais declaração desta escritura que, cada um deles partes, assim dotadores como dotados, poderá haver de Sua Majestade a licença e alvará que forem necessários para a validade deste dote e contrato, e para que tudo eles partes, dotadores e dotados, assim cumprirem e cada um disse que se obrigava, e de fato, logo se obrigaram, os dotadores, todos os seus bens, rendas livres havidas e por haver, de juro e morgado..., e por eles dom Affonso de Faro, tutor e curador, e o doutor Francisco Ferreira Encerrabodes, juiz dos Órfãos da dita repartição, foi dito que eles aprovavam e ratificavam este contrato de dote e dão a ele sua outorga e consentimento para que fique firme e valioso e tenha seu real e cumprido efeito, assim e da maneira que nele se contém e pela melhoria que em direito possa ser; e outorgaram de responderem eles dotadores e dotados por tudo o que aqui ficou constituído, nesta cidade de Lisboa, perante os corregedores da Corte, juízes do Civil dela, onde e perante quem este instrumento for apresentado e se pedir e requerer seu cumprimento; se obrigam mais a responder e se fazer todo o cumprimento de direito e Justiça, citadas por suas cartas citatórias, precatórias e sem elas, para o que disseram que renunciavam a cada um dos Juízes de seu foro, da terra e lugar onde em qualquer tempo estiverem e morarem, e todos os mais privilégios, liberdades, leis, direitos, ordenações, distinções, férias gerais e especiais, e tudo o mais que por si ou em seu favor alegar possam, que de nada se poderão valer, salvo tudo cumprir pelo modo sobredito, e declaram mais eles partes que - no que toca ao pagamento dos cinco mil cruzados, em que está estimada a segunda vida de título de conde, no caso em que este dom Diogo o não haja de Sua Majestade, nos ditos cinco anos, pagará a ele conde da Ilha, os ditos cinco mil cruzados dos bens livres que tiver e pelos rendimentos e rendas de seus morgados, sem fruir outra graça nenhuma, mas sim dos ditos morgados que assentam sobre as rendas e rendimentos dele, e para isso se haverá as licenças necessárias, como atrás fica dito e declarado. - Esta se outorgou em cinco de janeiro posto que continua em nove do dito mês; e em testemunho da verdade assim o outorgaram todos eles outorgantes, e pediram que se fizesse este instrumento nesta nota e que dessem os traslados necessários, que aceitam; e eu tabelião o aceito em nome de quem tocar ausente, como pessoa pública, estipulante e aceitante.

"Testemunhas que foram presente: - O dr. Thomé Pinheiro da Veiga, procurador da Coroa de Sua Majestade e seu desembargador do Paço e Manoel Rodrigues, criado dele dom Affonso de Faro, e Amador de Abreu, criado dele dom Luiz Carneiro, e todos conhecemos a eles partes outorgantes dotados - conde dotado, tutor e curadores e juízes, por serem os próprios aqui contidos, que na nota assinam com as testemunhas - Antonio Pinto de Lemos, tabelião o escrevi - conde da Ilha dom Diogo de Faro e Souza - dom Affonso de Faro - Pedro Paulo de Souza - Francisco da Cruz Freire - Francisco Ferreira Encerrabodes - Thomé Pinheiro da Veiga - Manoel Rodrigues Cabreira - Amador de Abreu".

O segundo traslado desta Escritura de doação da Capitania de Itanhaém, feita em Lisboa no ano de 1654, foi enviado para a vil da Conceição de Itanhaém, e aí transcrito no livro de Registros da mesma Câmara. Deste translado se tirou outra cópia que foi registrada no livro competente da Câmara da Vila de Angra dos Reis, que fazia parte então da Capitania de Itanhaém.

Achando-se na vila de Angra dos Reis, em 1797 (em correição), o juiz de fora, Balthazar da Silva Lisboa, mandou extrair uma cópia desse importante documento, do qual nem um dos cronistas de São Vicente, nem fr. Gaspar, nem Pedro Taques, tiveram conhecimento.

Na história e nas crônicas da Capitania de São Vicente, estes dois historiadores se referem a esta doação feita ao conde da Ilha do Príncipe d. Luiz Carneiro e à sua esposa a condessa d. Marianna de Faro e Souza, que Pedro Taques dizia ser prima e fr. Gaspar afirmava (com razão) ser irmã do doador, o conde d. Diogo de Faro e Souza. Entretanto, nenhum desses dois cronistas manuseou o dito "traslado de escritura", que se achava registrado nos arquivos das Câmaras de Itanhaém e Angra dos Reis.

Isto vem, mais uma vez, confirmar o que temos dito e lamentado, isto é, o estado de abandono e o menosprezo, por parte dos historiadores, a que havia chegado, já nessa época, o importante arquivo da Câmara de Itanhaém, principalmente, depois que essa vila ficou destituída do predicamento de Cabeça de Capitania dos herdeiros de Martim Afonso de Souza.

Pedro Taques, ao escrever a Historia da Capitania de São Vicente, que nada mais é que a "História da Capitania de Itanhaém", bem como fr. Gaspar, quando encetou e levou a efeito as importantes pesquisas históricas para as Memorias da Capitania de S. Vicente, nunca se dignaram ir à Vila de Itanhaém, como já temos dito, a fim de consultarem ali os velhos arquivos. Se esses historiadores lá tivessem estado, teriam encontrado este traslado e outros documentos importantes para a elucidação destes pontos históricos e genealógicos, em que ambos tanto se empenhavam.

Este descuido ou desprezo, por parte dos cronistas vicentinos, em relação à Vila de Itanhaém, como já temos notado, é bem frisante como se vai ver.

Fr. Gaspar, no fim do seu livro Memorias para a Historia da Capitania de S. Vicente, dá um catálogo bibliográfico das obras e documentos que foram consultados para a confecção de suas Memórias, e nessa bibliografia, além das obras impressas, estão figurando os arquivos das vilas que ele consultou, que são as seguintes: Vila de Goiana, Vila de S. Vicente, Vila de Santos, Vila de S. Paulo e Cidade do Rio de Janeiro; menos a Vila de Itanhaém, que lhe passou inteiramente despercebida.

Nestas localidades por ele visitadas, foram feitas consultas não só nos arquivos e cartórios públicos, como nos arquivos dos diversos conventos e mosteiros de Santos, São Paulo, Rio de Janeiro etc., exceto no arquivo do Convento de Itanhaém, o qual não mereceu também as honras de uma consulta.

Pedro Taques, além do mais, é escasso e quase omisso, quando trata da Vila de Itanhaém.

Essa vila, já tão pobre e tão decadente, na época (1772-1797) em que Pedro Taques e fr. Gaspar escreviam a História da Capitania de S. Vicente, "havia sido entretanto, até 1753, segundo afirma o dr. Antonio Piza [31], a sede dessa mesma Capitania de São Vicente", a qual eles persistiam (e os demais cronistas de nossa época ainda persistem ) em não querer que fosse denominada com o seu verdadeiro nome - Capitania de Itanhaém -, conforme lhe haviam chamado os seus próprios donatários, condes de Vimieiro e da Ilha do Príncipe, legítimos herdeiros de Martim Afonso de Souza.

Ao tratar, ligeiramente, da criação da Capitania de Paranaguá, na pág. 172 de suas Memorias para Historia da Capitania de S. Vicente, diz o cronista fr. Gaspar que "Diogo Vaz de Escobar, capitão-mor da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, aos 16 de dezembro de 1653, tomou posse da Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, que pouco antes havia fundado Gabriel de Lara; tomou, digo, posse em nome de d. Diogo de Faro e Souza, herdeiro de Martim Afonso de Souza etc. etc.".

Para salvar entretanto a sua responsabilidade, em ter dito "Capitania de Itanhaém" em vez de Capitania de S. Vicente, o cronista vicentino fez esta citação, em nota, extraída dos "apontamentos" do juiz de fora, Marcellino Pereira Cléto, que havia sido, bem ou mal, o único cronista que fez consultas no velho Arquivo de Itanhaém.

A "Nota" de Pereira Cleto, a que nos referimos, citada por fr. Gaspar, é esta: "Arquivo da Câmara da Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, Caderno que tem por título: - Livro V, o qual serviu pelos anos de 1654 - fls. 1..." - E disse!

É a única citação que o autor das Memorias da Capitania de São Vicente faz ao referido arquivo da sede da donataria dos herdeiros de Martim Afonso, durante o longo período de 1624 a 1797.

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Passamos agora a dar a cópia do alvará a que se refere a Escritura de Dote, atrás transcrita, que foi também registrada nos livros da Câmara de Itanhaém:

Alvará

"Eu el-Rei, faço saber aos que este alvará virem que havendo respeito ao que por sua petição me enviou a dizer dom Diogo de Faro e Souza, por seu tio e tutor dom Affonso de Faro, pedindo-me lhe conceder licença para dotar a sua irmã dona Marianna de Faro e Souza, que está contratada para casar com o conde da Ilha do Príncipe, donatário das cem léguas de terras que tem na costa do Brasil, com suas povoações e título de capitão e governador, com mais jurisdições e rendimentos, e que lhe passe carta de sucessão em nome da dita sua irmã, na forma que a ele lhe está mandada passar, suprindo-lhe o ser menor para fazer o dito dote, e visto os casos que alega e as informações que se houve pelo dr. Pedro Paulo de Souza, desembargador dos Agravos e da Casa da Suplicação, de que consta que ouvira o suplicante e seu tutor e imediato sucessor do Morgado que é a dita sua irmã dotada, que o juiz de Órfãos lhe dera curador letrado por ser menor, e todos consentem no dote referido, e a resposta que sobre tudo deu o procurador de minha Coroa, hei por bem e me apraz que, sendo feito o dito casamento, se passe carta a dona Marianna de Faro e Souza das cem léguas de terras de que se trata, na forma que está mandada passar ao dito dom Diogo Faro, a quem hei por suprida a idade para poder fazer o dito dote, tudo como em sua petição pede, e este alvará se cumprirá como nele se contém e valerá posto que seu efeito haja de durar mais de um ano sem embargo da Ordenação do Livro segundo, título quarenta, sem contrário.

"Manoel da Costa o fez em Lisboa aos dezessete de setembro de mil seiscentos e cinqüenta e três anos. Jacintho Fagundes Bezerra o fiz escrever. - Rei".

Além deste alvará, consta do mesmo arquivo este "instrumento de procuração", que ainda se refere à posse da referida Capitania de Itanhaém, dada em dote a dona Marianna de Faro e Souza, condessa da Ilha do Príncipe:

"Luiz Carneiro, senhor das ilhas de Santa Helena e de Santo Antonio e do Príncipe; conde delas, do Conselho de Sua Majestade, que Deus guarde, etc. - Dou poder ao senhor d. Luiz de Almeida, meu sobrinho, para que por mim e em meu nome me faça mercê de mandar tomar posse da Capitania de Itanhaém, de cem léguas de costa, no distrito do Rio de Janeiro, com tudo a ela pertencente, na forma das doações dela, e mercê que Sua Majestade me tem feito, por renunciação do senhor d. Diogo de Faro e Souza, em parte do dote da condessa sua irmã e minha muito prezada mulher; e para mandar cobrar as rendas da dita Capitania de Itanhaém, tomar contas e dar quitações, e prover em todas as demais causas que a bem dele convier; para o que lhe dou todos os poderes e direitos necessários para substabelecer em um e mais procuradores que lhe parecer, com os mesmos poderes. Passada em Lisboa no derradeiro dia do mês de abril de 1654 anos. - O conde da Ilha do Príncipe, d. Luiz Carneiro".

Este sétimo donatário da Capitania de Itanhaém, d. Luiz Carneiro, esteve na posse da dita donataria, desde 5 de janeiro de 1654 até 28 de abril de 1679, em que foi substituído por seu filho d. Francisco Luiz Carneiro, o qual obteve do príncipe regente d. Pedro II a confirmação da "doação das cem léguas feitas por d. João III ao primeiro donatário Martim Afonso de Souza", conforme se verá no capítulo seguinte.


[26] Pela "Relação dos Governadores da Capitania de Itanhaém" e pela "Criação das vilas" da mesma Capitania, ver-se-á quais foram os governadores que administraram a extensa donataria da condessa de Vimieiro, e as vilas que foram fundadas nesse período de 1624-1645.

[27] O teor desta provisão já foi dado, na íntegra, quando tratamos dos "Governadores da Capitania de Itanhaém".

[28] Cartório da Provedoria da Fazenda Real, título 1643.

[29] Arquivos das Câmaras da Vila de Itanhaém e da Vila de Angra dos Reis.

[30] O traslado do alvará requerido vai transcrito no fim desta "Escritura de Dote".

[31] A Capitania de Itanhaém só deixou de existir no reinado de d. Maria I, de 1791 em diante.

Imagem: adorno da página 109 da obra