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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Orènoque

1874-1925

Em diversos artigos desta obra, tivemos a oportunidade de narrar a criação e evolução histórica em diferentes épocas. A inauguração do trânsito marítimo através do Canal de Suez, em novembro de 1869, permitiu substancial economia de tempo na travessia entre portos europeus e portos do Oriente Médio e Extremo Oriente.

O novo canal encurtava em cerca de 8 milhas marítimas (14.816 quilômetros) a rota entre Marselha e Xangai, e tal nova realidade permitiu ao Conselho Administrativo da célebre armadora francesa Messageries Maritimes (MM) - fundada em 1851, sob o nome de Compagnie de Services Maritimes des Messageries Nationales, sob a presidência de Armand Behic - decidir o estabelecimento de uma nova linha de navegação da armadora entre os dois portos mencionados, via escalas intermediárias.


O Orenoque numa das primeiras viagens. Note-se a chaminé cilíndrica
Foto: Messageries Maritimes

A exploração desta nova linha foi, porém, retardada com a eclosão, em julho de 1870, da guerra franco-prussiana. Tal conflito impunha premente necessidade de transporte de tropas francesas, sobretudo no Mediterrâneo, e vários grandes navios da frota da Messageries foram requisitados para tal fim.

Ao término das hostilidades, em maio de 1871, findou-se, também, o longo período do Império Napoleônico, e, na França, foi restaurado o regime republicano da III República. Em agosto desse ano a armadora teve seu nome mudado, desaparecendo a denominação Compagnie des Services Maritimes des Messageries Imperiales (nome instaurado em 1853), em benefício do novo nome de Compagnie des Messageries Maritimes.

Novos navios - Para atender a nova linha Marselha-Xangai e renovar a frota da rota Marselha-Buenos Aires, em 1872 a MM planejou a construção de uma nova série de vapores de desenho similar, com projeto do seu principal engenheiro naval, Vesigne.

O primeiro da série foi construído no decorrer de 1872, aprestado no início do ano seguinte e colocado em serviço a partir de março de 1873, na ligação do Extremo Oriente com o nome de Iraduaddy. Seguiram-lhe, por ordem de entrada em serviço, outros oito vapores similares, quatro para a linha do Extremo Oriente e quatro para a rota sul-americana: Anadyr (1873, Extremo Oriente), Orènoque (1874, Atlântico Sul), Djemnah (1874, Extremo Oriente), Equateur (1875, Atlântico Sul), Panana (1876, Atlântico Sul), Yang-Tse (1877, Extremo Oriente), Congo (1878, Atlântico Sul) e Oxus (1879, Extremo Oriente).

Esta série de nove navios teve seu protótipo no par de navios gêmeos Senegal e Niger, ordenado pela MM em 1870 e aprestado somente no decorrer de 1872.
Todos os 11 já mencionados eram navios com casco de ferro, um hélice, uma só chaminé centralizada, três mastros, proa reta, longo castelo de popa, maquinário a vapor do tipo Compound, com três cilindros e seis caldeiras para cada cilindro, capaz de produzir 2.900 cavalos-vapor, o que daria uma velocidade máxima de 14 nós.

O Orènoque possuía na popa, na época considerada a parte nobre de um navio, um grande salão de refeições para a primeira classe, com lustres de cristal e painéis decorativos em branco e dourado, dotado de uma única mesa bastante longa, na qual podiam se acomodar 120 pessoas, capacidade máxima para esta classe.
Levava tripulação de 125 pessoas, das quais 12 eram oficiais, 21 eram pessoal de máquinas, 41 atendiam às diversas manobras e 40 eram ligados aos serviços de hotelaria.


O Rio Grande também fazia parte da frota da MM, era menor do que o Orènoque
e ostentava a bandeira da França

Expansão comercial - Quando o Orènoque entrou em serviço em 1874, o comércio bilateral entre o Império do Brasil e a República Francesa encontrava-se em plena expansão. Os franceses compravam cerca de 10% do total de café que o Brasil exportava na época (do total 210 mil toneladas). Estas 20 mil toneladas representavam 64% do fluxo de exportações brasileiras para a França. Os restantes 36% eram constituídos por vendas de algodão bruto (10%), couro (7%), cacau (7%), diamantes, açúcar, madeiras e outros produtos (12%).

O valor total das exportações para o hexágono francês representava cerca de 19 mil contos de réis, enquanto na outra ponta deste comércio exterior os brasileiros importavam produtos por um total de 23 mil contos de réis, o que resultou num déficit para o Brasil de 4 mil contos em 1873.

Os franceses vendiam sobretudo produtos manufaturados (vestimentas) e tecidos em algodão, lã, seda e linho (35% das exportações para o Brasil). Vinham a seguir, por ordem de importância, vinhos e bebidas (10%), calcados, chapéus (10%), manteiga (5%), papel (4%) e uma série de outros produtos (perfumes, louças, vidros, peles e couros trabalhados, máquinas, aparelhos e ferramentas, produtos químicos e farmacêuticos), representando a porcentagem restante das importações brasileiras da França.

Claro está que todo este comércio e movimentação de mercadorias viajava por via marítima, e sobretudo a bordo de navios batendo pavilhão francês. O Brasil de então praticamente não possuía marinha mercante de longo curso e o volume deste tráfego especifico (França-Brasil e vice-versa), realizado por navios de terceira bandeira, só representava 10% do total.

A Messageries Maritimes e a Compagnie des Chargeurs Reunis predominavam dentre as companhias armadoras francesas que serviam a rota nessa época. A MM concentrava suas atividades no tráfego misto (passageiros e carga), escalando seus navios exclusivamente no Rio de Janeiro, enquanto o Chargeurs Reunis empregava vapores mais dedicados ao transporte de carga do que passageiros, escalando em diversos portos brasileiros.

Rio de Janeiro e Santos - Nesses idos, o Porto do Porto do Rio de Janeiro era o líder do movimento marítimo brasileiro. A cidade, além de ser capital política, financeira e diplomática do país, vinha crescendo a grande ritmo. Em 1874, ano da primeira viagem do Orènoque para a América do Sul, a cidade carioca possuía cerca de 300 mil habitantes, dos quais 35 mil eram escravos. A inteira província fluminense contava com 500 mil habitantes (220  mil escravos).

Em comparação, Santos nada mais era do que uma insignificante localidade, tendo 9 mil habitantes; a cidade de São Paulo e a futura riqueza produzida pelo café no interior paulista ainda estavam em sua infância. Além de todos esses fatos, convém lembrar a grande admiração que o então imperador D. Pedro II manifestava por tudo aquilo que provinha da França, cultura, ciência, refinamentos, modos e maneiras.

Obviamente, o que o imperador e sua corte apreciavam entrava automaticamente no agrado da burguesia escravagista e das classes mais abastadas. No Rio de Janeiro da década de 70 do século passado, eram numerosas as lojas que vendiam moda, perfume, fazendas e tecidos franceses nas ruas do Ouvidor, do Ourives e São José.

D. Pedro II - Foi justamente num dos vapores desta série, o Congo, que o imperador, então com 62 anos de idade, realizou sua última travessia ainda como monarca do Império do Brasil. Em 5 de agosto de 1888, após uma visita de vários meses à Europa, D. Pedro II embarcou em Bordeaux, junto com a esposa e o príncipe D. Pedro Augusto, de volta ao País. Para a ocasião, instalações especiais foram preparadas na popa do Congo.

Pouco mais de um ano depois, seria proclamada a República e o idoso e experiente monarca atravessaria novamente o Atlântico, desta vez, indo para o exílio e fazendo a derradeira viagem oceânica.


O Orenoque junto ao cais La Joliette, entre 1895 e 1907
Foto: Messageries Maritimes

Trajetória - Dos seis vapores originalmente destinados à América do Sul, cinco tiveram carreiras relativamente bem longas: Senegal, Niger e Congo serviram até 1913, o Equateur até 1922 e o Orènoque, até 1925. O Parana não teve muita sorte, sendo perdido em outubro de 1877, após somente um ano de serviço e cinco viagens na rota. A perda aconteceu por naufrágio, quando foi bater contra o recife denominado Jana, perto de Itapoã (Bahia).

A longa carreira do Orènoque (50 anos!) foi constelada de um grande número de incidentes dos quais mencionamos alguns:

Julho de 1878 – Saindo de Montevidéu, sofreu avarias em suas máquinas, permanecendo duas semanas na capital uruguaia.

Setembro de 1899 – Em navegação ao longo da costa brasileira, encontrou problemas no maquinário de propulsão, ficou à deriva e foi rebocado pelo vapor Savoie (da SGTM) para Salvador, na Bahia.

Novembro de 1889 – Colidiu em Pauillac (localidade fluvial próxima a Bordeaux) com um veleiro francês.

Fevereiro de 1893 – Encalhou  em Pauillac, sendo safado por quatro rebocadores.

Abril de 1917 – Escapou, no Mediterrâneo, de um ataque de submarino alemão.

Setembro de 1917 – Colisão noturna, sem luzes de posição, apagadas devido à guerra, com o vapor Bouvet, da Companhia Hevraise Peninsulaire. O Bouvet afundou, o Orènoque teve a proa bastante danificada.


O Orenoque deixando o porto de Marselha, entre 1895 e 1904
Foto: Messageries Maritimes

Os 50 anos de carreira do Orènoque foram divididos em quatro períodos distintos: de 1874 a 1895 serviu a rota sul-americana; de 1895 a 1913 foi empregado no Mediterrâneo Oriental, fazendo as linhas entre Marselha e os países do Levante, Grécia, Turquia, Egito e Síria.

Em 1913, foi enviado para o Extremo Oriente, mas retornou em fins do ano seguinte, requisitado como navio-transporte de tropas em águas europeias. Após o término da guerra, retornou, em 1920, às águas da Indochina, para serviço na linha secundária que ligava Saigon e Haiphong e aí permaneceu até fevereiro de 1925, quando foi vendido para sucata a negociantes japoneses.


"Orénoque - Este é um belo exemplo de navio a vapor da segunda metade do Século XIX e que aparece aqui em cartão-postal do tipo souvenir de voyage, em pintura a bico-de-pena e navegando em mar revolto. O Orénoque foi lançado ao mar em 1874 para a frota da Compagnie des Messageries Maritimes. Fazia a linha Bordeaux-América do Sul, com escalas em Cabo Verde (onde era reabastecido de carvão), Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires, no transporte de imigrantes europeus, especialmente franceses, e de carga. Como a companhia fazia a rota da Indochina, muitos imigrantes dessa região asiática chegaram ao Brasil por navios como o Orénoque, que também viajou à Indochina, como mostra o selo deste cartão-postal de 1908. O navio serviu à rota da América do Sul até 1925, ano em que foi desmontado em Saigon, no Vietnã".

Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso: 13/3/2006)

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 21/6/1996