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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Hildebrand

1911-1931

Após duas décadas de serviços prestados, o transatlântico foi vendido para um demolidor de embarcações para sucata

Ao iniciar-se a Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, a frota da Booth Steamship Co. Ltd. consistia de 25 vapores, apresentando 124 mil toneladas de arqueação bruta (tab). Entre estes, o maior, em todos os sentidos, era o Hildebrand, construído em 1911.

Além desses vapores oceânicos, a Booth possuía outros pequenos para o tráfego fluvial, rebocadores e chatas, além de terrenos, construções edifícios e armazéns, o todo representando ativos contabilizados em valor superior à então gigantesca quantia de 1 milhão de libras esterlinas.

O Hildebrand, encomendado no início de 1910, foi produto do renomado estaleiro escocês Scotts S. B. & E. Co., situado na localidade de Greenock, às margens do estuário do Rio Clyde.

Pioneirismo - Este estaleiro foi um dos pioneiros na construção de navios a vapor e em 1837 já produzia o Tagus, futura propriedade da armadora Peninsular & Oriental (P&O).

Mas o Scotts ficaria sobretudo conhecido como o construtor de vapores para um cliente muito fiel, a Blue Funnell Line, armadora britânica que fora fundada por Alfredo Holt, primo em segundo grau dos irmãos Alfred e Charles Booth, os criadores da Booth, em 1865.

Pelas rampas do Scotts, foram lançados no período de 120 anos (1865-1980) uma centena de navios cargueiros ou mistos para a Blue Funnell, mas tão somente três para a Booth, um dos quais, além do Hildebrand, foi o Manco, destinado a servir a legendária linha fluvial entre Pará e Iquitos através do Rio Amazonas, linha essa estabelecida pela subsidiária Booth Iquitos Steamship Co.

O transatlântico tinha 134 metros de comprimento e possuía linhas clássicas, como bem mostra o cartão postal, da coleção do autor

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Linhas clássicas - Construído com características de navio misto de tonelagem intermediária, capacitado a transportar cerca de 600 passageiros no total, o Hildebrand possuía linhas clássicas de construção, muito bem distribuídas nos seus aspectos visuais, englobando três decks (conveses) de superestrutura, castelo de proa (ré) sobrelevado, dois mastros, chaminé reta e centralizada e ponte de comando em formato de T.

No interior do casco, além da casa de máquinas, depósitos de víveres, carvão e água, situavam-se quatro porões, dois na proa (frente) e dois na popa, servidos por oito paus-de-carga.

Possuía duplo hélice, movimentado por um maquinário de expansão quádrupla com quatro cilindros, que produziam 5.600 cavalos-vapor e consumiam cerca de 70 toneladas de carvão por dia. O navio possuía um porão exclusivo para armazenamento de cerca de 1.300 toneladas de carvão.

Trio A - O desenho de prancha do Hildebrand derivava do trio tipo A, navios construídos em três estaleiros britânicos diferentes por ordem da Booth e que levaram os nomes de Ambrose, Anselm e Antony, respectivamente de 1903, 1905 e 1907, todos eles utilizados na rota Inglaterra-Amazonas-Manaus.

Os quatro vapores mencionados, mais o par Lanfranc e Hilary, constituíam um sexteto de transatlânticos intermediários que permitiam à Booth oferecer ligações semanais entre os portos cabo de linha e as escalas em Vigo, Lisboa e Madeira.

A armadora vendia passagens, seja diretas, seja intermediárias, entre os portos tocados por seus navios.

De um navio a outro - Inúmeros eram os passageiros que usufruíam da possibilidade de fazer escala em qualquer um dos portos da linha, permanecer alguns dias em tais portos e continuar viagem, uma, duas ou três semanas mais tarde, navegando num outro navio da Booth.

Em abril de 1911, o Hildebrand entra em serviço, ligando Liverpool aos portos brasileiros de Pará e Manaus, via escala em Lisboa.

Na ocasião dessa sua viagem inaugural, levava o título de maior vapor a navegar Rio Amazonas adentro, até então.

Manaus vivia então momentos de grande fausto, pois a produção e a exportação de borracha-látex encontravam-se em níveis jamais precedentemente alcançados e a riqueza afluía na capital da selva virgem.

Símbolo de prosperidade - O Hildebrand foi acolhido como símbolo dessa prosperidade e rapidamente adotado como navio-fetiche pela burguesia enriquecida.

O clima de festa perene não duraria, porém. Em 1913, os negócios da borracha entraram em declínio e em agosto de 1914 sobreveio a catástrofe da declaração de guerra na Europa. Manaus nunca mais assumiria os ares de Paris tropical.

Com o início das hostilidades, o Almirantado britânico acionou os planos para a constituição de uma esquadra de cruzadores auxiliares armados (AMC, na sigla em inglês) que participariam do bloqueio das águas do Mar do Norte.

Esta linha de bloqueio visava a impedir o tráfego naval e comercial dos navios da Alemanha de e para o Atlântico Norte e controlar, ao mesmo tempo, o uso dos navios de bandeira neutra para o contrabando de guerra.

Esquadrão de cruzadores - A incumbência das tarefas mencionadas foi atribuída ao X Esquadrão de Cruzadores Auxiliares, este formado por 23 ex-transatlânticos ou ex-cargueiros, readaptados como AMCs.

Dentro desse número, encontravam-se três navios pertencentes à Booth: o Hildebrand, o Hilary e o Ambrose.

Com uma tripulação de 300 homens sob o comando do capitão Hugh Edward, iniciou-se assim, em janeiro de 1915, um período de intensa atividade naval do Hildebrand, armado com seis canhões de seis polegadas e dois de 11 polegadas.

Quatro linhas de patrulha - O X Esquadrão havia sido subdividido em quatro diferentes linhas de patrulha, que receberam os códigos correspondentes às quatro primeiras letras do alfabeto.

À linha D foi afetado o Hildebrand, que cobria, junto às outras três unidades, uma área a Oeste das ilhas Hébridas, parte extrema setentrional das ilhas britânicas.

Em março de 1915, o Ambrose escapou de um ataque submarino, no qual foram disparados dois torpedos evitados por rápidas manobras de mudança de rota.

 

A capacidade original de transporte era de 662 passageiros em duas classes

 

Interceptação - Em outubro do mesmo ano, o Hildebrand interceptou o cargueiro norueguês Corona, que, de Baltimore (Estados Unidos) se dirigia para Bergen (Noruega) com uma carga de trigo.

Logo após a interceptação, o vapor norueguês começou a adernar, recebendo infiltração do mar por uma via aberta propositalmente.

Apesar das tentativas de reboque feitas pelo Hildebrand, o Corona acabou por afundar sem que seu carregamento pudesse ser inspecionado.

Reparos - Em outra ocasião, durante forte tempestade invernal de dezembro, o Hildebrand encontrou-se no meio de ondas de 12 metros, que lhe danificaram seriamente a estrutura de proa, a tal ponto que teve que ser recolhido a estaleiro para reparos.

O Hildebrand permaneceu na função de AMC durante todo o conflito, sempre integrado ao X Esquadrão, que no decorrer de 40 meses interceptou um total de 9 mil navios de diferentes bandeiras e perdendo dez de suas próprias unidades, entre estas o Hilary e o Alcantara (ex-Royal Mail).

Devolvido no decorrer de 1919 à armadora proprietária, o Hildebrand foi novamente reconvertido como transatlântico de passageiros, voltando meses mais tarde para a linha que fora a sua antes da guerra: Liverpool-Manaus.

Frota - Interessante a esta altura que em princípios de 1920 a frota da Booth totalizava 18 navios (73 mil tab), utilizados, além da tradicional ligação para o Amazonas e o Norte do Brasil, numa segunda linha, exclusivamente de cargueiros, que de New York ia a Buenos Aires, via portos brasileiros.

No ano seguinte, uma terceira linha foi estabelecida, ou melhor dizendo, restabelecida (já que existira por alguns anos da primeira década do século XX) entre três portos do Mar do Norte (Hamburgo, Rotterdam e Antuérpia) e a costa Leste brasileira com escalas principais no Rio de Janeiro e Santos, onde atuava como agente da Booth a conhecida Wilson Sons.

Nestas três linhas alternaram-se quase todas as unidades de carga da frota da Booth, enquanto seus dois transatlânticos de passageiros, exclusivamente com acomodações para a primeira classe, continuaram no tráfego da linha para Pará (Belém) e Amazonas (Manaus). Estes dois eram o Hildebrand e o Ambrose.

Com a entrada em serviço, em 1931, do novíssimo Hilary, transatlântico de passageiros e carga, para a linha do Rio Amazonas, a Booth pôde se desfazer do já relativamente antigo Hildebrand, que foi vendido para sucata a um demolidor de navios em Newport pela modesta soma de 11 mil libras esterlinas.

Hildebrand:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: britânica
Armador: Booth Line
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Scott's Shipbuilding and Engineering Co.

Porto de construção: Grenock
Ano da viagem inaugural: 1911
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 6.695 t
Comprimento: 134 m
Boca (largura): 16 m
Velocidade média: 14 nós (26 km/h)
Passageiros: 662 (original)
Classes: 1ª - 208

                2ª - 454

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 27/10/1996