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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Avon

1907-1930 - depois Avoca

O vapor Avon integrava a renomada série "A" de transatlânticos da Royal Mail Steam Packet (RMSP), mítica empresa armadora fundada em 1839 na Inglaterra, que teve sempre por hábito dar nomes de rios aos navios por ela ordenados.

Seus navios pioneiros, construídos a partir de 1841, levavam à proa (frente) os nomes de alguns cursos fluviais ingleses dos mais conhecidos: Teviot, Tay, Medway, Severn, Thames, Solent, Avon, Tamar, Tyne.

A partir de 1850, a Royal Mail passou a denominar seus novos transatlânticos com os nomes de rios estrangeiros, situados em outros países que não a Inglaterra: Magdalena, Parana, La Plata, Douro, Rhone, Tiber, Minho, Mondego e outros testemunham esse fato.

O Avon de 1907 foi o terceiro deste nome a ser construído para a Royal Mail, os dois precedentes tendo entrado em serviço em 1842 e 1800, fazendo respectivamente as linhas Inglaterra-Caribe e Inglaterra-Brasil-Prata nas suas viagens inaugurais. Dos nove grandes transatlânticos da série "A", construídos entr 1905 e 1914, o Avon foi o único batizado com o nome de um rio inglês - a madrinha de seu lançamento ao mar, lady Pirrie (esposa do então presidente do Conselho de Administração da Harland & Wolff, lorde Pirrie) quebrou a tradicional garrafa de champanha à proa, no dia 2 de março de 1907.

Ascensões - William James Pirrie havia atingido o ápice de sua ascensão ao poder e à fama em 1906. Neste ano, recebeu do rei Eduardo VII o título honorífico de visconde e, como de praxe na Inglaterra, o direito de freqüentar o Parlamento da nação na Câmara dos Lordes. Quase contemporaneamente, o sr. G.W. Wolff, um dos fundadores do celebérrimo estaleiro Harland & Wolff, de Belfast, havia-lhe vendido sua quota de 88 ações e assim lorde Pirrie tornou-se o segundo maior acionista do principal construtor naval da Grã-Bretanha!

A ascensão de lorde Pirrie no cenário político-social-econômico da Grã-Bretanha na aurora do século XX coincidiu com a ascensão de Phillips Owen como dinâmico empreendedor no mundo dos negócios marítimos. Nascido em 1863, terceiro filho de um pastor protestante, Phillips havia iniciado sua carreira como aprendiz de agente de afretamento (aluguel) de navios) em Newcastle.

Em 1888, fundou sua própria empresa de navegação, tendo como sócio seu irmão John. Com o passar dos anos, a dupla Owen se tornou muito conhecida nos meios financeiros e políticos da Londres de então. Os negócios prosperavam e a Grã-Bretanha era a única e indiscutível potência dos mares, proprietária de um império "onde o sol nunca se punha".

Phillips e John Owen tornaram-se, em 1903, os principais acionistas da Royal Mail Steam Packet (RMSP) e, no mesmo ano, passaram as suas primeiras ordens de construção de navios ao estaleiro Harland & Wolff, onde reinava o todo-poderoso lorde Pirrie.

A confluência de dois espíritos ambiciosos, tais como os de Phillip Owen e William Pirrie, foi o fator que possibilitou o aparecimento de oito grandes transatlânticos para a Rota de Ouro (Brasil) e Prata (Argentina e Uruguai).

Obras - A partir de 1905, o Harland & Wolff iniciou a construção do primeiro da série "A", o Aragon e, entre esse ano e 1914, outros sete grandes transatlânticos sairiam desse estaleiro para a frota da Royal Mail. O único da série "A" não construído em Belfast foi o Araguaya.

Versão melhorada do pioneiro Aragon, o Avon foi o primeiro transatlântico a ser empregado na linha da costa Leste sul-americana com capacidade de passageiros superior a 1.500 pessoas.

Suas três classes podiam acomodar nada menos do que 1.640 almas, o que, somado aos 350 tripulantes, compunham o impressionante total de quase 2 mil indivíduos embarcados! Na época, um recorde... e, diga-se de passagem, tal recorde perduraria até a entrada do Giulio Cesare, da NGI, em 1922, na linha da América do Sul.

Aprestado (aprontado) em pouco menos de quatro meses, o Avon realizava sua viagem inaugural saindo de Southampton (Inglaterra) para Buenos Aires (Argentina) no dia 28 de julho de 1907, com escalas intermediárias em La Coruña, Vigo (Espanha), Porto, Lisboa, Ilha da Madeira (Portugal), São Vicente (Cabo Verde), Recife (Pernambuco), Salvador (Bahia), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP) e Montevidéu (Uruguai).


O Avon entrou na rota sul-americana em 1907

Maior - Da data de sua viagem inaugural até março de 1914 (mês em que o transatlântico alemão Cap Trafalgar foi colocado em serviço), o Avon foi o vapor de maior tonelagem a ser empregado na Rota de Ouro e Prata, distinção esta que compartilhava com seu irmão-gêmeo Asturias, este ligeiramente maior em tonelagem de arqueação bruta.

Mas, enquanto o Asturias (entrado em linha em 1908) era esporadicamente deslocado pela Royal Mail na rota Inglaterra-Austrália, o Avon permaneceu sete anos ininterruptos na linha da América do Sul, exceção feita a um trimestre de cruzeiros estivais para a Noruega em 1910.

Tal fidelidade, aliada ao luxo de suas instalações e pontualidade, fizeram dele um navio extremamente popular e bem armado. Suas viagens apresentavam sempre uma enorme lista de passageiros - o que, aliás, era também privilégio dos outros três precedentes da série "A" (o Aragon, o Amazon e o Araguaya). Estes quatro transatlânticos escalavam então regularmente em Santos.

Primeira Guerra - A Grande Guerra, de 1914 a 1918, marcou de forma profunda a evolução da humanidade, seja pelas enormes conseqüências sociais, seja pela transformação do equilíbrio de poder entre as nações mais desenvolvidas, seja pelo impacto tecnológico que produziria. Foi ao mesmo tempo o fim de uma época e o início de outra, mais complexa.

A guerra naval entre aliados e a Alemanha estendeu-se a todos os mares, envolvendo consigo as marinhas mercantes de todas as nações marítimas, numa escala de grandeza até então desconhecida.

A Grã-Bretanha, maior potência naval e mercante, mobilizou todo o potencial de seus imensos recursos em homens e material. Quase 80% de sua marinha mercante foram requisitados para operar direta ou indiretamente nas águas planetárias.

A Royal Mail não foi exceção nessa mobilização e 36 de seus navios foram utilizados diretamente no esforço de guerra. Alguns foram transformados em cruzadores auxiliares armados, outros em navios-patrulha, outros em transporte de tropas.

Logo após o início das hostilidades, a preocupação maior da armadora foi a de garantir a segurança de seus navios. Muitos deles se encontravam em navegação de alto-mar, outros estavam ancorados em portos de nações potencialmente hostis à Grã-Bretanha.

Na data da declaração de guerra, 4 de agosto de 1914, vários navios da Royal Mail se encontravam em portos da América do Sul. Os mais importantes destes eram o Andes, o Amazon, o Aragon, o Demerara, o Parana e o Pardo. Nesse mesmo mês de agosto, o governo britânico requisitou de imediato dez vapores da RMSP. Os restantes ficaram à disposição da armadora proprietária, porém sob o controle de supervisão operacional a cargo do Almirantado (Estado-Maior da Marinha de Guerra da Grã-Bretanha).

Em fins desse mês, o Alcantara, que se encontrava em Londres, foi autorizado a realizar uma viagem comercial para a América do Sul, a primeira depois do início das hostilidades. Quinhentos e cinquenta passageiros pagaram a tarifa de primeira classe! O Alcantara zarpou da Inglaterra tão repleto que alguns destes passageiros de primeira classe dormiram em cabines múltiplas da terceira classe!

Em fins de julho de 1914, o Avon havia feito escala nos portos brasileiros usuais, realizando normal viagem de linha na ponta de retorno à Inglaterra. Dias após o início da guerra, o Avon atracava no cais de Southampton, seu porto de registro. Fazendo parte do grupo dos dez maiores navios requisitados, o Avon foi rapidamente adaptado para servir como navio-transporte de tropas, passando para o controle da Royal Navy. Foi utilizado por poucas viagens entre Southampton e Cherburgo (França), no transporte da Força Expedicionária Britânica, que desembarcou em território da França para reforço do Exército desse último país.

Após curto período de permanência nessa atividade, o Avon foi designado pelas autoridades da Marinha a ser transformado em armed merchant cruiser (AMC) - cruzador auxiliar armado. Foi então adaptado e armado com oito canhões de 150 milímetros e duas peças de artilharia antiaérea, passando por completa revisão de seu maquinário de propulsão e sendo reforçado nas suas superestruturas (remoção de todos os vidros e paredes divisórias internas, instalação de sistema anti-incêndio, aplicação de placas de aço nos diversos conveses, montagem do sistema de distribuição e alimentação dos projéteis nas bocas-de-fogo).

Em fevereiro de 1915, o ex-transatlântico de passageiros Avon cedeu lugar ao Avoca, nome que lhe foi dado pela Royal Navy. Começava um longo período de serviço naval que duraria quatro anos!

Em 1930, foi demolido.


O Avon em Santos, antes da primeira Guerra Mundial
Foto: cartão postal da coleção do pesquisador santista Laire Giraud

Contrariamente aos outros quatro grandes transatlânticos da série A (Alcantara, Andes, Arlanza e Almanzora) requisitados pela Royal Navy (Real Marinha da Grã-Bretanha) e transformados também em cruzadores auxiliares armados (AMC na sigla em inglês), o Avoca (ex-Avon) não foi colocado à disposição do X Esquadrão de Cruzadores, bem sim a serviço do XV Esquadrão de Cruzadores baseado em Esquimalt, na Ilha de Vancouver (Canadá).

O XV Esquadrão era composto por unidades britânicas e canadenses e tinha por missão principal controlar toda a costa, lado do Oceano Pacífico, das Américas. A área de atuação era portanto muito vasta, indo de Anchorage (no Alasca) até o extremo meridional da costa chilena.

O Avoca foi destacado pelo comando do XV Esquadrão a patrulhar as águas do Pacífico junto às costas da América do Sul. Nessa mesma área já haviam cruzado, seis meses antes, os cinco grandes navios de guerra do vice-almirante Maximilian Graf von Spee e que ao largo de Concepción (Chile) aniquilaram o esquadrão britânico de sir Christopher Cradock na famosa Batalha Naval de Coronel (novembro de 1914).

Quando o Avoca alcançou sua área de patrulha ao largo da costa chilena, os grandes acontecimentos já haviam terminado. A frota de Graf von Spee fora, por sua vez, destruída pela Royal Navy na Batalha das Falklands (dezembro de 1914) e o cruzador-corsário alemão Dresden, único sobrevivente dessa mesma batalha, havia sido afundado em 14 de março de 1915 ao largo da Ilha de Mas-a-Fuera (no arquipélago chileno de Juan Fernandez, no Pacífico. As atividades de guerra do Avoca resumiram-se então a episódios de pura rotina com um único momento de ação acontecido no verão de 1916.

Nessa época fervilhava no México uma situação política interna potencialmente explosiva. De um lado existiam grupos pró-germânicos, de outro lado forças pró-aliados. Estas facções tentavam influenciar de modo determinante a política externa do México em relação a seu posicionamento no conflito.

Lembre-se de que nesses idos todos os países americanos estavam em condição de neutralidade e que o conflito europeu tinha então tendência a se espalhar mundialmente.

O governador da província mexicana de Salina Cruz havia abertamente apoiado as forças rebeldes que lutavam contra os interesses britânicos nesse país. Em fins de junho de 1916, este senhor havia ordenado a prisão de todos os cidadãos de Sua Majestade Britânica, o confisco de seus bens e a aplicação de lei marcial na região. O Avoca foi destacado pelas autoridades navais a prestar mão forte na liberação dos súditos britânicos e em 4 de julho fundeava ao largo de Salina Cruz.

Na manhã seguinte, um destacamento de fuzileiros foi enviado à terra firme para as primeiras verificações. Um dos oficiais do Avoca foi então recebido pelo governador, dando a este último 24 horas de tempo para a liberação dos prisioneiros e o retorno de seus bens, sob pena do bombardeamento do porto e da cidade pelos oito canhões da belonave! Tal ameaça era muito pesada para o governador, que se apressou a obedecer à ordem, comprometendo-se a não repetir o fato e a respeitar a comunidade britânica!

Comboios - Por volta de meados de 1917, a feroz campanha submarina alemã contra a navegação mercante aliada atingia seu ápice com o afundamento de centenas de navios por mês e a única solução para garantir a continuação do esforço de guerra consistia na organização do sistema de comboios.

Em maio daquele ano, foi constituído um Comitê de Comboios, cuja responsabilidade era de coordenar todos os aspectos relativos à melhor aplicação desse sistema no transporte marítimo das nações aliadas e, poucas semanas depois, entravam em vigor as novas disposições decididas por esse comitê.

Foi assim que todos os AMCs convertidos no início da guerra para funções de patrulha foram destacados para servir como navios-escolta dos inúmeros comboios que passavam a se formar.

O Avoca foi transferido então do Oceano Pacífico para a Inglaterra, iniciando nova etapa na sua carreira de guerra e tendo, nessa nova veste de cruzador armado de escolta, atravessado o Atlântico Norte por dezenas de vezes.

Findo o conflito em novembro de 1918, o Avoca foi descomissionado da Royal Navy e entregue de volta a seus proprietários originais: os acionistas da Royal Mail Steam Packet. A armadora procedeu então a realização de todos os trabalhos de estaleiros destinados a reconstruir o navio como transatlântico de passageiros. Após quatro meses de permanência em Belfast, o transatlântico voltou ao serviço civil com seu nome original pintado à proa (frente) e à popa (ré): Avon.

A Royal Mail sofrera durante a guerra a perda de nada menos do que 15 vapores, entre os quais três da série A: o Aragon, o Amazon e o Alcantara. Voltaram à Rota de Ouro e Prata (Brasil e Uruguai/Argentina) os outros cinco: o Andes e o Avon reiniciaram o serviço de linha pós-guerra em novembro de 1919, sendo seguidos pelo Almanzora em janeiro de 1920. Diga-se de passagem que este último, embora lançado ao mar em 1914, não havia tido oportunidade de realizar nenhuma viagem comercial, pois fora imediatamente transformado em AMC.

O Arlanza voltou à América do Sul em julho de 1920 e o Araguaya, navio-hospital até o fim de 1919, foi o último a retornar à linha sul-americana, zarpando de Southampton (Inglaterra) para Buenos Aires (Argentina) em outubro de 1920. O último da série A, ainda não mencionado, o Asturias, após ter sido torpedeado em março de 1917 e permanecido flutuando, foi recondicionado em 1923 como navio de cruzeiro com o nome de Arcadian.

O Avon permaneceu na Rota de Ouro e Prata por bem mais sete anos, realizando 12 viagens redondas (ida e volta) por ano, escalando nos portos de escala de sempre. Sua capacidade de passageiros fora ligeiramente diminuída na terceira classe, acrescendo-se mais espaço para os passageiros que viajavam de primeira ou segunda classe.

No decorrer de 1925 e 1926, entraram respectivamente na linha da costa Leste sul-americana os dois novos supertransatlânticos da Royal Mail: o Asturias (segundo do nome) e o Alcantara (idem). Estas duas unidades representavam o que de melhor a construção naval da época podia oferecer e suas presenças nos portos sul-americanos significavam enorme atração.

Conseqüentemente, a Royal Mail planejou a retirada de duas outras unidades mais antigas da linha e os escolhidos foram o Avon e o Araguaya. Este último foi transformado, em 1926, em navio de cruzeiro, enquanto ao Avon foi atribuída em 1927 a rota Nova Iorque - Ilhas Bermudas, linha prestigiosa para os ricos norte-americanos da costa oriental escaparem dos rigores do cinzento do frio. Para maior atrativo, o Avon foi inteiramente pintado de branco, melhor refletindo assim seu novo uso.

A alegria durou pouco, pois em outubro de 1929, com o crash (quebra) da Bolsa de Nova Iorque, o número de cidadãos enriquecidos procurando o sol bermudense diminuiu sensivelmente e ao Avon não se justificava mais tal uso. Foi então colocado "em naftalina" no Porto de Southampton.

Considerado ultrapassado pela Royal Mail, mal de passageiros e de finanças, foi finalmente vendido para demolição, sendo desmontado na Inglaterra no decorrer de 1930.

Avon:

Outros nomes: Avoca
Bandeira: britânica
Armador: Royal Mail Steam Packet
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Harland & Wolff (porto: Belfast)
Ano da viagem inaugural: 1907
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 11.073
Chaminés: 1
Mastros: 2
Comprimento: 157 m
Boca (largura): 18,4m
Velocidade média: 16 nós
Tripulantes: 350
Passageiros:  1.640
Classes: 1ª -     300
                2ª -     140
                3ª -  1.200

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 14 e 21/7/1994