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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Ancona

1908-1915

No final de 1904, o capital social majoritário da Italia Societa di Navigazione a Vapore, armadora cuja sede era em Gênova, já havia sido adquirido pela Navigazione Generale Italiana (NGI), saindo assim do controle da alemã Hapag.

No decorrer do ano seguinte, entravam em serviço por conta da Italia os seus vapores Siena e Bologna, destinados à linha para a costa Leste da América do Sul, onde já operavam o Ravenna e o Toscana.

Completado assim um quarteto de navios novos de sua inteira propriedade (o La Plata e o Antonina foram ao mesmo tempo devolvidos à Hapag após afretamento), a Italia, sob impulso da NGI, promoveu um aumento do capital social de 8 milhões para 12 milhões de liras da época, aumento esse que permitiria o comissionamento de novos navios destinados a servir ao tráfego emigratório, entre a Itália e os Estados Unidos.

Expansão - O objetivo da armadora italiana era cobrir os dois grandes fluxos emigratórios peninsulares, o da América do Norte e o da América do Sul.

Realizada a operação financeira, foi então possível dar ordens de construção de três novos vapores com mais de 8 mil toneladas de arqueação bruta e de idêntico desenho de prancha, ou seja, navios-irmãos.

Este trio de vapores, quando construídos, representariam um grande avanço nas condições de transporte de grande número de emigrantes.

Seriam rápidos e potentes, com máquinas de tríplice expansão, que permitiriam, com seus 7 mil cavalos-vapor, velocidade média de 15 nós (27,8 quilômetros por hora).

Avanço tecnológico - Teriam duplo hélice e um desenho interno que apresentava inúmeras inovações em termos de serviço de restauração, e sanitários com grande ênfase nos aspectos higiênicos.

Grandes ventiladores operando sob o novo sistema de injeção de ar permitiriam arejar os grandes dormitórios comuns onde eram alojados os emigrantes.

Pela primeira vez a bordo de um navio italiano, esses emigrantes teriam à disposição pequenos armários para os objetos pessoais e um grande número de banheiros com água quente corrente.

O Ancona media 147 metros de comprimento

e tinha capacidade para transportar 2.560 passageiros

Foto publicada com a matéria

Os novos navios - Apareceram assim, por ordem de lançamento ao mar e viagens inaugurais, o Ancona e o Verona (ambos produtos do Estaleiro Workman & Clarck, de Belfast, Irlanda), o Taormina (do estaleiro D. W. Henderson, de Glasgow, Escócia).

O primeiro mencionado zarpou de Gênova para Nova Iorque em 26 de março de 1908, sob o comando do capitão Pietro Massardo, sendo seguido em junho pelo Verona e, em setembro, pelo Taormina.

Após a realização de seis viagens redondas no Atlântico Norte, a Italia despachou o Ancona de Gênova para o Brasil e o Prata no início de outubro de 1908.

Em Santos - Depois de escalar em Nápoles (Itália), Tenerife (Ilhas Canárias) e Rio de Janeiro, o novo transatlântico escalou em Santos, pela primeira vez, no dia 21 daquele mês.

Estava sob o comando do Cav. E. Lovatelli e trazia mais de 800 emigrantes para o porto santista e outros 1.200 em trânsito, destinados a Buenos Aires (Argentina).

Ao retornar à Europa, o Ancona foi novamente posicionado na rota do Atlântico Norte, ligando os portos de Gênova, Nápoles, Nova Iorque e Filadélfia.

Fato curioso é que todo ano a Italia o fazia realizar uma viagem redonda na Rota de Ouro e Prata, em setembro ou outubro de cada ano, viagem na qual era realizada a ligação Gênova-Buenos Aires sem escalas, aportando na volta em Santos, mas não no Rio de Janeiro.

Terremoto - Em 28 de dezembro de 1908, as cidades de Messina e Reggio Calabria foram praticamente destruídas por um violento terremoto.

Nos dias e meses que se seguiram, uma vasta operação de socorro internacional foi organizada, na qual participaram mais de uma centena de navios, mercantes ou de guerra, dos seguintes países: Grã-Bretanha, Estados Unidos, Rússia, Alemanha, Grécia, França e Dinamarca, além, é óbvio, de unidades italianas.

Dentre estas (40 no total), estavam o Ancona o Verona e o Taormina, este último navio sendo transformado em hospital flutuante, ancorado ao largo de Messina por conta da Cruz Vermelha italiana.

Às vésperas do início do conflito europeu, em agosto de 1914, a frota da Italia era constituída de cinco vapores, além do Ancona. Eram o Brasile, o Italia, o Napoli, o Toscana e o Ravenna.

Destes seis, o primeiro e o último mencionado não sobreviveriam ao conflito, tendo sido ambos vítimas de ataques por parte de submarinos alemães.

Guerra - Entre agosto e outubro de 1915, o alto comando da Marinha Imperial alemã enviou para as águas do Mediterrâneo cinco dos seus submarinos, a fim de criar uma frente de guerra naval, incomodando deste modo o até então quase livre tráfego marítimo das nações aliadas naquele mar.

Foram destacados para esse teatro de guerra o submarino U-34 (comandante Rücker), o U-35 (comandante Kophamel), o U-38 (comandante Valentiner), o U-39 (comandante Forstmann) e o U-33 (comandante Gansser).

Todos esses submarinos e seus comandantes marcariam história no Mediterrâneo, pois bem grande foi o número de sucessos alcançados.

Usando a base naval de Caattaro, na costa dálmata (sob controle dos austríacos, aliados dos alemães), a flotilha do Mediterrâneo, como veio a ser conhecida, promoveu uma verdadeira hecatombe de afundamentos.

Entre outubro e fim de dezembro, os cinco U-boats (submarinos alemães) citados, mais o U-21 (comandante Hersing), que já aí se encontrava operando anteriormente, conseguiram destruir nada menos que 80 vapores, representando cerca de 300 mil toneladas de armamento.

Ataques criminosos - O capitão-de-corveta Max Valentiner entrou com o seu U-38 no Mediterrâneo no começo de novembro, iniciando seus ataques no dia 3, contra o Woodfield.

A partir desse sucesso, as vítimas foram inúmeras, inclusive em termos humanos, pois Valentiner revelou-se um homem de particular crueldade e frieza, a ponto tal que, findo o conflito, foi processado como criminoso de guerra.

Seu método preferido de ataque consistia em alvejar os vapores com o canhão de bordo, economizando seus torpedos.

Interceptava o navio inimigo, ordenando o imediato abandono e, então, iniciava o bombardeamento, dando pouquíssimo tempo para que passageiros e tripulantes passassem aos botes salva-vidas.

No dia 7 do mesmo mês, conseguiu dois sucessos consecutivos, afundando com poucas horas de intervalo os vapores France e o Ancona, de nossa história.

Ferocidade - O ataque perpetrado por Valentiner contra o Ancona ficou registrado nos anais da história naval pela ferocidade da ação e do total desrespeito às mínimas regras humanitárias.

O vapor da Italia havia zarpado poucos dias antes e Gênova, com destino a Nova Iorque, com 428 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulantes. Após rápida escala em Nápoles, encontrava-se navegando no Sul da Sardenha quando, às 13 horas, foi avistado de bordo de um submarino.

O que se passou em seguida, no relato da sobrevivente norte-americana Cecile Grelle, foi:

Assassinatos - "O submarino lançou-se a toda velocidade em direção ao Ancona, disparando uma primeira salva de canhões, que passou à proa (frente) do transatlântico, obrigando o capitão Massardo a parar as máquinas.

"O submarino, que levava à popa (ré) a bandeira austríaca, emparelhou de bordo e pude ver o comandante, que, através de um alto-falante, ordenava a imediata evacuação do navio aos oficiais do Ancona...

"O submarino, em seguida, afastou-se para uma posição mais longe... Nesse momento, decidi descer à minha cabina para apanhar alguns pertences e, quando lé estava, comecei a ouvir disparos, explosões e gritos...

"Ao voltar ao convés, caminhava no meio de mortos e feridos. Quando o navio começou a adernar, saltei de bordo para a água e fui recolhida por um bote...".

Inocentes - Outra testemunha do afundamento conta:

"O Ancona começou a ser alvejado antes de que todos os seus passageiros e tripulantes estivessem a salvo nos oito botes. Pouco tempo depois que o último bote havia sido posto na água, o vapor começou a afundar.

"Muitas pessoas ainda se encontravam a bordo e, em vista da inclinação do navio, haviam se refugiado na popa. Desaparecido o navio, o submarino disparou ainda alguns tiros em direção dos botes, matando num deles uma mulher, um homem e duas crianças".

Protestos - Além da controvérsia relacionada com o fato de que a nação italiana não estava em guerra com a nação alemã (mas sim contra o Império Austro-Húngaro, razão pela qual Valentiner havia usado o estratagema da bandeira austríaca no U-38), fato que, por si só, era motivo de causa belicum, o método cruel do afundamento provocou uma enorme reação de indignação pública e de pRotestos oficiais, pois das 428 pessoas a bordo só 220 foram salvas.

O caso Ancona complicou-se ainda mais ao confirmar-se a morte de 20 cidadãos portadores de passaportes norte-americanos, o que fez surgir a ira de Washington contra Berlim, abrindo-se uma questão diplomática que se prolongaria por muito tempo após a tragédia, alcançando altas esferas dos quatro países envolvidos no caso: a Itália e os Estados Unidos de um lado, a Áustria e a Alemanha de outro.

Desprezo - Semanas mais tarde, Valentiner afundaria, em rápida sucessão, mais seis outros vapores, dos quais três eram transatlânticos de grande porte (o britânico Persia, o japonês Yasaka Maru e o francês Ville de La Ciotat), sempre usando o mesmo método de ataques fulminantes e desprezo pela vida.

No total, os ataques do U-38 provocaram a morte, entre novembro e o início de janeiro, de mais de 1.400 pessoas, das quais cerca de 50 eram norte-americanos.

Foi tão grande o impacto desses afundamentos que (após grande pressão do governo dos Estados Unidos, inclusive com ameaças de declaração de guerra) as autoridades alemãs, incitadas pelo ministro de Relações Estrangeiras Bethmann-Hollweg, ordenaram, em março de 1916, a todas as unidades submarinas a observar o Código de Presas na guerra naval do Mediterrâneo.

Ancona:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: italiana
Armador: Italia Società di Navigazione a Vapore
País construtor: Irlanda
Estaleiro construtor: Workman & Clarck

Porto de construção: Belfast
Ano da viagem inaugural: 1908
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 8.188 t
Comprimento: 147 m
Boca (largura): 18 m
Velocidade média: 15 nós (28 km/h)
Passageiros: 2.560
Classes: 1ª -       60

                3ª - 2.000

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 21/4/1996