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Edição 138 - Fev/2005


Foto: Divulgação/CMPort
Ilegalidade

Repressão é intensificada em Santos

Contrabando e narcotráfico vão passando, entre "feras" e piratas...

Carlos Pimentel Mendes (*)

As aEntra século e sai século, as táticas dos piratas, contrabandistas, bucaneiros e outros do gênero vão mudando, as formas de repressão também, mas quantidades fabulosas  de produtos os mais diversos continuam passando ilegalmente pelo porto santista (da mesma forma que por outros pontos da fronteira nacional). Meio milênio depois que os primeiros europeus chegaram ao Brasil, efeitos especiais continuam sendo mostrados ao público, num cenário que esconde, nos bastidores, ilícitos tão ou mais graves do que os "descobertos" pelos órgãos encarregados da repressão aos tráficos ilegais.

A última novidade é uma certa Operação Fera, codinome para Força Especial de Repressão Aduaneira, que estreou no dia 2 de fevereiro de 2005 apreendendo nove conteineres com mercadorias que estariam sendo transportadas sem documentação ou com documentos impróprios. Isso foi possível, segundo os fiscais, "através de cruzamento de dados diversos e a constatação de fortes indícios de falsidade ideológica". A nova operação deverá ser repetida periodicamente, em locais e dias incertos, usando fiscais de elite treinados em diversos países,  buscando "causar o menor desconforto possível ao contribuinte regular e cumpridor de suas obrigações, concentrando toda sua energia em operações de risco".

Ótimo que a fiscalização esteja ativa e atenta, mas isso ela sempre disse estar. Na prática, porém, sempre as autoridades teceram uma teia com muitos buracos. E o curioso é que essa teia imperfeita pega facilmente os insetos menores, raramente os grandes...

Falando mais claro: no início da década de 80, apenas para dar um exemplo, praticamente (esse "praticamente" é só para não dizer 100%) todo o uísque legítimo (mas ilegal) consumido nos gabinetes oficiais em Brasília tinha uma rota conhecida e jamais tocada: entrava pelo porto de Santos e passava por certo depósito em São Vicente, de onde seguia direto para a capital federal. Na mesma época, era bastante conhecido um sujeito que transitava entre lugares próximos ao porto e a capital paulista, levando uma carga preciosa: era a máfia dos rolamentos em ação.

Logística perfeita - E só depois de muitos anos foram criados mecanismos para fechar um conhecido furo na teia aduaneira. Por ele, um produto destinado a Paranaguá, por exemplo, era descarregado em Santos por algum motivo relevante qualquer, devendo seguir por terra até o porto paranaense. O procedimento correto era a autoridade aduaneira santista emitir um documento com torna-guia, para ser carimbado pelos colegas fiscais parnanguaras, voltando a papelada para Santos. 

Mas o que se fazia era emitir documentação sem torna-guia. Assim, a autoridade santista arquivava o documento emitido, "presumindo" que a carga seria apresentada à fiscalização em Paranaguá. A autoridade paranaense não presumia nada... porque nem a carga, nem o documento, chegavam lá. 

O conteiner com a mercadoria valiosa era descarregado numa ruela paulistana, e o cofre-de-carga, se não recebesse areia para ser exportada como café, seguia viagem com algum produto nacional que em vizinho país seria nacionalizado e vendido ao Brasil como "hecho en Paraguai". E, como seria improdutivo que o conteiner voltasse vazio, aproveitava-se o retorno do mesmo para trazer esse produto, levando à perfeição a logística global... Contam as lendas que uma rede com essa envergadura não era operada pelo camelô da esquina, não, mas as lendas param aí, que com pirata protegido do rei ninguém se mete...

Rica história - Os ladrões do mar eram mesmo chamados de pirata, palavra que em grego significa assaltante. Mas, é bom lembrar: os antigos piratas eram divididos em classes bem distintas. Por exemplo, os que caçavam bois selvagens nas Antilhas eram denominados bucaneiros (porque grelhavam a carne, produzindo a carne defumada, em francês boucan); os que se especializavam na pilhagem de navios espanhóis, usando uma carta de corso qualquer como precaução, eram chamados flibusteiros. Já os nobres que recebiam autorização oficial para pilhar naus inimigas (a chamada Carta de Corso) eram chamados de corsários. Piratas de carteirinha, como talvez fossem chamados hoje.

Nessa história de caveiras e bandeiras negras, vale um alerta a governantes descuidados: a História registra que em 1066 o duque normando Guilherme montou uma expedição contra a Inglaterra, capturou-a e fez-se rei: foi o maior assalto de pirataria da História...

Nem tanto... ainda - No Brasil, agiam principalmente os corsários franceses e holandeses, em busca do pau-brasil que por um tratado entre Vaticano e ibéricos deveria ser exclusividade lusa. Outra atividade rentável era a captura de escravos indígenas. Não satisfeitos, vários piratas saqueavam cidades litorâneas, como Santos, atacada diversas vezes. Numa delas, as fortalezas já existiam, mas estavam desguarnecidas...

Mas a ilegalidade nas costas brasileiras não se restringiu aos assaltos marítimos. No Brasil Colônia, um carregamento de ouro das Minas Gerais destinado ao rei foi solenemente aberto nos palácios lisboetas, perante toda a corte, como era costume. Suprema ousadia dos criminosos: nas caixas só havia chumbo!

Para evitar fatos como esse, e proteger a economia nacional, existem vários sistemas de fiscalização, entre eles a aduaneira. Que às vezes exagera, e paga caro por isso, como na situação (real) em que um fiscal estranhou certa caixinha de pó trazida cuidadosamente por um chinês. Enquanto não aparecia algum intérprete, o fiscal resolveu arriscar uma verificação por conta própria, provando o estranho pó escuro. Mas só quando o tradutor surgiu é que o mistério se desfez, causando engulhos no zeloso funcionário da Alfândega: eram as cinzas dos antepassados do tal chinês...

Cama de gato - Mas o contrabando sempre existiu, de todo o tipo. Certa época (duas décadas atrás), um oficial da Marinha, ao fazer a inspeção em um navio, estranhou a altura do colchão, acima da peça lateral de madeira que o protege contra o balanço da embarcação. Investigando um pouco mais, descobriu um fundo falso, onde cabiam dois clandestinos ou mercadorias ilegais diversas. Percorrendo o navio, descobriu o mesmo esquema em quase todas as cabines. Conferindo outros navios, de armadoras estatais e particulares, percebeu a monumental armação - que era coisa de profissionais e só podia ter sido feita com uma cobertura poderosa....

Outra história conhecida é a de um submarino da Marinha que chegou ao porto de surpresa, à noite, e pelo periscópio os tripulantes viram estranhas caixas flutuando no mar. Dada a ordem de recolher as cerca de 30 caixas, descobriram nelas um belo contrabando de videocassetes, que seria recolhido por canoas protegidas pela escuridão noturna - na época um dos principais produtos chegados ilegalmente.

Agora, o contrabando assume uma nova forma, que não só atenta contra a saúde econômica das nações, mas também contra a própria saúde dos cidadãos: o narcotráfico. Tendo navios que escalam em centenas de portos de todos os continentes, é evidente que Santos é uma rota para o tráfico mundial de narcóticos. Mas, quando se tentou apresentar a sério tal assunto, pouco mais de uma década atrás, chegou ordem taxativa de Brasília para afastar das funções a pessoa que ousava tratar de tal assunto. Afinal, "não existia" rota alguma de narcotráfico passando por Santos, era a posição oficial. Só não via quem não queria. 

E ouso afirmar que um país rico do Hemisfério Norte que invade outro para colocar no poder os cultivadores de papoula (refrescando a memória: membros da Aliança do Norte, no Afeganistão), além de trocar drogas por armas ("Irã-contras", lembram?) e permitir que avionetas das próprias agências de repressão ao contrabando  (FBI...) pousem em seu território em operações de narcotráfico, não está falando sério quando aplica na América Latina seus efeitos especiais de combate às drogas. Vamos falar a sério?

Então, o recado é simples: antes como agora, os personagens de toda essa história são bem conhecidos. Se existe boa vontade em agir, pode-se dispensar codinomes e efeitos especiais. É só agir, e agir firme, unindo (!) as forças de combate ao crime, pois ações débeis só mudam as moscas de lugar: os procedimentos ilegais apenas são transferidos para outro local menos vigiado, até com um mero telefonema. É só ir aos locais certos, na hora exata, e apanhar as pessoas certas, com precauções adequadas para que nenhum juiz as solte em seguida, alegando alguma firula da lei. Simples assim...

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio (www.novomilenio.inf.br)