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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/02/04 00:45:37
Edição 130 - Abr/2004

Dia internacional

O trabalho se recicla

Antigas profissões desaparecem, porém surgem novas atividades

Carlos Pimentel Mendes (*)

No alvorecer do século XX, apagava-se nas cidades brasileiras a luz dos lampiões de rua com o fedorento óleo de peixe e, na velocidade dos elétrons, desapareciam os empregos dos acendedores de lampiões. Mas surgia trabalho nas usinas elétricas, na manutenção da rede de distribuição de energia e toda a imensa gama de atividades que a eletricidade permitiu desenvolver. Naquela época, os trabalhadores organizavam as primeiras manifestações de 1º de Maio, seja pelo fim de vários postos de trabalho, seja pela exploração do trabalhador (sujeito a jornadas de até mais de 16 horas diárias, sem férias e finais de semana). 

Hoje, os benefícios da eletricidade e das telecomunicações permitem aos mesmos trabalhadores promover manifestações sincronizadas de caráter internacional, e embora muito haja mudado, a briga continua a mesma: contra a exploração do trabalhador e contra o fim de vários postos de trabalho. Como antes, em meio ao turbilhão das mudanças, poucos percebem que enquanto antigas portas se fecham no mercado de trabalho, novas portas vão sendo abertas para os mais atentos e preparados.

Acabaram os empregos de carroceiro, mas surgiram os de condutor de ônibus; acabaram certas funções de conferência de cargas, mas surgiram trabalhos de confecção de páginas para a Internet; os antigos escrivães de letra cursiva deram lugar aos datilógrafos, que por sua vez deram lugar aos digitadores;  os lambe-lambes das praças ficaram na poeira dos tempos, e sua foto desbotada é hoje colocada na Internet com um novo brilho, por fotógrafos especializados em recuperação digital de imagens antigas.

Então, no alvorecer do século XXI, mais que nunca o conselho continua válido: não adianta reclamar do fim de antigas atividades, o melhor é descobrir as novas oportunidades, prospectando o mercado e tentando antever o futuro, com base nas tendências atuais da Humanidade.

As novas tendências - Uma das mais importantes mudanças é no trato da questão ambiental. Nos últimos 20 anos, no rastro das demandas dos ecologistas, os governos, as empresas e outras organizações começaram a se preocupar com essas questões. Como resultado, surgiu trabalho especializado para assessores de relações públicas, técnicos em segurança industrial, engenheiros ambientais e até mesmo um novo ramo da velha contabilidade: a especializada em lidar com ativos e passivos do balanço ambiental das empresas.

Nos próximos anos, veremos se tornarem comuns coisas que hoje são ainda novidades, como empresas poluidoras, de países desenvolvidos, comprarem créditos ambientais de organizações do Terceiro Mundo dedicadas à recuperação ecológica. Daí, o surgimento de trabalho para negociadores especializados nesses créditos, talvez mesmo uma Bolsa de Valores Ambientais, em moldes parecidos com os das atuais bolsas de valores onde são negociadas as ações das sociedades anônimas.

A área ambiental também abrirá mais e mais trabalhos para especialistas em despoluição de todo tipo (terra, mar e ar, sonora, visual etc.), para mestres e pesquisadores, cientistas e agrônomos etc. A agricultura transgênica, que exige manuseio cuidadoso das espécies geneticamente modificadas (para não contaminarem o ecossistema nas proximidades das plantações), precisará de gente especializada, para não falar em toda uma gama de atividades na área da criação desses produtos.

Por falar nisso, com tanta variedade de produtos, uns surgindo e outros desaparecendo a cada dia, as atividades ligadas à nutrição abrem cada vez mais campo para gente preparada, capaz de combinar os alimentos a serem servidos em escolas, empresas, eventos e até na casa do consumidor que precisa de dietas balanceadas para suportar e compensar os esforços de suas atividades.

A bioquímica, a biologia e ramos afins da Ciência são, por sua vez, os setores que se acredita terão maior desenvolvimento neste primeiro século do terceiro milênio. Tanto através do surgimento de novos produtos alimentares, como de técnicas para cultivo sem agrotóxicos (por exemplo, plantas resistentes a pragas e métodos biológicos de controle dessas pragas, através da introdução no ecossistema de predadores das espécies vivas daninhas).

Caímos então na Ética, uma das partes da Filosofia que, repentinamente, desperta de sua letargia secular e cai no centro das discussões. Profissionais precisarão ser contratados para analisar e controlar o comportamento ético das organizações empresariais e governamentais, frente a questões cada vez mais delicadas como as suscitadas pelo avanço da Bioquímica e da Medicina. Basta lembrar a briga mundial que está sendo a questão da soja geneticamente modificada, como tem sido a da produção e divulgação de cigarros e cervejas, como será a questão da clonagem humana em todos os seus aspectos.

As próprias universidades estão descobrindo que precisam se adequar aos novos tempos: desaparecem as tradicionais faculdades que o aluno cursava quatro, cinco anos e recebia um diploma; surgem os cursos formados com disciplinas das mais diversas áreas do conhecimento, numa visão em que cada vez mais existem profissionais exclusivos em suas áreas, não mais categorias inteiras como antes. Por exemplo, juntando conhecimentos de Direito e Medicina, surge um profissional dedicado aos aspectos legais da prática médica, ou - numa visão inversa - um médico especializado em cuidar de advogados, quem sabe?

Bom lembrar, a quem pensa que não há demanda para tais profissionais, que com o surgimento da Internet acabou a limitação da concorrência à cidade onde vive o especialista: seu mercado de trabalho é o mundo inteiro, e seu concorrente direto pode residir do outro lado do planeta. Assim o descobriram as lojas de discos que não conseguiram se adaptar plenamente aos novos tempos: descobriram que seu cliente não apenas atravessava a rua para comprar mais barato, agora se preciso for ele atravessa o mundo, apenas com uns toques no teclado de seu computador. Quantas vezes, o produto comprado na Europa é entregue primeiro que o encomendado à loja da esquina?

Ainda é uma experiência, mas um prédio de Atlanta, nos EUA, emprega um vigilante noturno que reside na África do Sul. Câmeras e sensores e modernos meios de comunicação eliminam a presença física e permitem coisas assim. Os médicos experimentam telecomandar robôs em microcirurgias transcontinentais, do mesmo jeito como os cientistas comandam um jipe-robô que se movimenta no solo de Marte, ou uma sonda espacial que já deixou o sistema solar em sua viagem rumo ao Infinito.
 

Nos próximos anos, veremos se tornarem comuns coisas que hoje são ainda novidades, como empresas poluidoras, de países desenvolvidos, comprarem créditos ambientais de organizações do Terceiro Mundo dedicadas à recuperação ecológica.

Novo trabalho? - Enfim, neste Dia do Trabalho de 2004, vale a reflexão: o trabalho está mudando, formas tradicionais de emprego estão desaparecendo, mas novas atividades estão surgindo, e para todas elas a palavra chave é 'Conhecimento'. O esforço mecânico vai ficando para as máquinas, resta aos humanos o trabalho intelectual.

Pode ser até que, em poucas gerações mais, o próprio trabalho como o conhecemos seja radicalmente mudado: com o avanço tecnológico, não sendo mais necessária a presença física das pessoas nos locais de trabalho, elas poderão trabalhar em casa. 

As mudanças, segundo preconiza o escritor Alvin Toffler, podem levar à volta do núcleo de trabalho familiar: como no tempo das fazendas agrícolas, pessoas de um mesmo núcleo familiar reúnem suas habilidades para desenvolver uma atividade específica, em que cada membro da família entra com sua parcela de conhecimento e trabalho.

Pode até mesmo ser extinto o trabalho: então, as pessoas executariam tarefas não mais pensando no ordenado no final do mês, e sim em termos de realização pessoal, de sua contribuição para a sociedade. Utopia? Ninguém sabe... Mas experimente olhar à sua volta, note como as mudanças ocorrem rapidamente, e em que direções essas tendências apontam... 

(*) Carlos Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo Milênio