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Edição 122 - JUL/2003 

Engenharia Política

Santos, o porto dos factóides

Maior terminal da América Latina ainda espera investimentos para se modernizar

Carlos Pimentel Mendes (*)

"Dentro de quatro meses, garanto que começam as obras da ligação entre Santos e Guarujá". A temerária declaração foi feita em agosto de 1990 pelo ministro dos Transportes, José Reinaldo Tavares, num seminário em Santos. Foi apenas mais um dos factóides (neologismo designador de "fatos" produzidos apenas para gerar manchetes e serem esquecidos logo depois) cometidos por uma autoridade irresponsável, brincando com os destinos de um porto centenário, por onde passavam então 30% das cargas movimentadas no comércio exterior brasileiro. Exatos treze anos depois, longe de inaugurar alguma ponte ou túnel no Estuário santista, que resolveriam uma série de problemas de transporte na região, o presidente da República foi convidado para a mera reinauguração de um terminal de açúcar. Que ganha ares de pompa, na circunstância de não haver outro investimento merecedor das atenções da autoridade visitante.

Enquanto a Baixada Santista enfrenta grave crise econômica com o desemprego de milhares de trabalhadores que viviam do porto, os projetos continuam sendo anunciados. Geralmente novas obras (que muitas vezes não têm a mínima condição de sair do papel), pois a simples manutenção do que já existe não traz muitos dividendos políticos. E, na briga pelos feudos políticos do porto, o factóide do dia é sempre considerado o mais importante.

Estratégico na definição de uma política de desenvolvimento do País, o porto de Santos é alvo freqüente de Brasília. Os recursos, contudo, custam a chegar...

Não importa à autoridade se o assoreamento do canal de Piaçagüera pode prejudicar o pólo industrial de Cubatão, por exemplo. O importante é sabermos se o cargo de presidente da Codesp pertence ao PSDB, ao PT ou a algum outro partido. Filme velho: faz-se a composição política, mudam os nomes, assume alguém dizendo que vai pôr ordem na casa, sanear a Codesp etc. Meses depois, já anuncia o primeiro superávit. Logo seguido de um superdéficit...

No caso da travessia do estuário santista, existem pelo menos cinco projetos, entre pontes e túneis, atendendo a diferentes interesses políticos, e um deles inclusive foi feito por Prestes Maia, por volta de 1945. Justamente pela abundância de traçados propostos e de interesses políticos envolvidos, as décadas foram passando, nada de obra. Nem túnel sob o Estuário, nem ponte sobre o Estuário, muito menos túnel "sobre" o Estuário - como por algumas vezes escreveram certos jornalistas locais.

Existem, mas... – Na verdade, há várias ligações entre Santos, Guarujá e Bertioga - cada uma com seus próprios problemas. No início do século XX, embarcações faziam o transporte de passageiros entre as duas margens do porto. Cem anos depois, não há sequer perspectiva de a ponte ou o túnel serem construídos. As filas continuam nas duas pontas do ferry-boat. Quem não quiser esperar quase uma hora na fila, pode ir por rodovia. Demora quase uma hora, também. Estrangula-se assim parte da economia regional.

Por terra, existem duas ligações. Ambas com histórias que bem mostram como age o governo em relação ao porto santista. Na estrada que por muitos anos foi chamada de "rodovia da morte", ficou conhecida a história do túnel-viaduto onde o caminhão passava e o conteiner ficava, ao contrário da nossa eterna miss Marta Rocha, por duas polegadas a menos - na altura. Muitos acidentes depois, o problema foi resolvido, mas o caso ficou como símbolo da incúria e do desleixo das autoridades no setor. Mais difícil de corrigir foi a questão do viaduto que a população sabiamente apelidou de "Elefante Branco": fizeram a ponte e depois é que inventaram um uso para ela...

Há também um ramal ferroviário entre as duas margens do porto. Com três trilhos, o terceiro protagonizando um incrível feito da engenharia brasileira: duas frentes de trabalho começaram a obra a partir das pontas, colocando o trilho do mesmo lado visto a partir da origem. Como o lado esquerdo dos trilhos, visto da origem, é o direito visto do destino, e vice-versa, eles não se encontraram como deveria acontecer. Foi necessário criar às pressas um complexo sistema de desvios ferroviários para corrigir a falha e tentar esconder o problema...

Areia de faraós – E os exemplos continuam. Uma quantia enorme foi torrada (melhor dizer: mergulhada) num faraônico projeto de retificação do canal do Estuário no trecho entre o Valongo e o Paquetá, que permitiria a ampliação do porto, ganhando áreas sobre as águas. Tinha muitas vantagens: ao avançar sobre as águas, permitiria ao cais obter maior profundidade, além de o porto ficar com apreciável retroárea para a movimentação das cargas. E impedindo que as águas se espraiassem, faria com que corressem mais rápido, forçando uma dragagem natural que manteria a profundidade ideal, reduzindo os custos de manutenção do canal de navegação. As obras seriam feitas em quatro etapas, num total de oito anos de trabalho a partir de  março de 1986. 

A primeira etapa começou, jogou-se um bocado de areia entre as estacas que sustentariam o cais e... ficou por aí mesmo. Mudaram os ventos políticos, o dinheiro antes generoso sumiu, do faraônico projeto só restou a areia... sendo levada pelas águas para, num efeito contrário ao esperado, assorear ainda mais o estuário, elevando em vez de reduzir os custos de dragagem do porto. Restou o comentário profético feito por este jornalista na época: era aquela uma obra ligando dois cemitérios, o do Valongo-Saboó (Cemitério da Filosofia) e o do Paquetá... 

E a confusão continuou. Em 1997, feita a concorrência para ocupar essa área e concluir as obras, a firma Tecondi não deu seguimento aos trabalhos, argumentando não ter as licenças ambientais necessárias. O assunto foi parar na Justiça, com o pedido de um vereador santista para que o contrato fosse cancelado.

Mergulhão – A mais recente novidade em termos de "integração" porto-cidade é a briga entre a Prefeitura de Santos e a Codesp quanto à área degradada do porto incluída na tal expansão inter-cemitérios. A Prefeitura quer urbanizar o trecho, ao estilo do Puerto Madero da capital argentina, e batizá-lo de Water Front (assim mesmo, ridiculamente em inglês, acredite se quiser). Mas, a Codesp segue outras correntes políticas e vem sabotando esse trabalho, com a alegação vaga de que tem outros planos para o local.

Nesse mesmo trecho, reaparecem os túneis e as pontes: para fazer a continuação da avenida que percorre o perímetro portuário, chegou-se a pensar até num pequeno túnel para que o tráfego leve da avenida não se misturasse ao de caminhões em demanda do porto. Numa cidade em que qualquer chuva mais forte alaga tudo, o nome desse túnel, "Mergulhão", chega a representar um mau presságio...

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.

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