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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/06/03 12:41:04
Edição 119 - ABR/2003 

Editorial 

Lapsos de memória

Luiz Carlos Ferraz

O momento da morte é, como não poderia deixar de ser para a maioria dos mortais, alguma coisa indescritível. Palavra esta, aliás, que não deve fazer parte do dicionário de qualquer jornalista, já que a princípio nada, para este profissional, há de ser indescritível. Pois que assim, somente para ser coerente com esta breve articulação, deixa-a de sê-la, para ser apresentada por meio da versão, seja daquele que assistiu casualmente ao desenlace, ou do que participou ativamente lado a lado da vida do de cujus, ou por quem tinha lá informações, públicas ou íntimas, sobre a vida do falecido – ou, no mínimo, do seu inimigo. De nenhuma fonte se haverá de cobrar a fidedignidade dos fatos, pois será mera, ainda que o seja com todo respeito, versão.

Embaçada por sentimentos, no mais das vezes positivos – mas que também podem ser ao contrário, o que é quase sempre feito através do silêncio –, ou fragmentada por lapsos de memória, como que temperada pelo perdão dos que se curvam à morte. Risco, contudo, sempre haverá, de a versão, ou a sua síntese, estar divorciada da realidade (?), da verdade (?), e causar espanto. Para o cidadão prudente e honesto, ainda que pouco humilde, restará a opção de preparar o próprio obituário. O que culturalmente não será o caso do brasileiro, desacostumado, por exemplo, a testar.