Clique aqui para voltar à página inicial  http://www.novomilenio.inf.br/idioma/20001231c.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/26/00 16:42:25

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
O submarino do Dr. Raixxtul

Elio Gaspari (*)

A maneira como FFHH acabou com a maluquice da Petrobrax foi uma pequena aula de seu estilo. Quando o presidente da empresa, Henri Philippe Reichstul (ou Raixxtul) falou-lhe do projeto, sentiu cheiro de queimado, mas ficou em copas. Anunciada a insânia, bastaram-lhe poucas horas para decidir que ordenaria o fim do projeto. Poderia tê-lo feito na própria quarta-feira, quando começaram a chegar as reações contrárias. Vinham dos sindicatos cutistas à liderança da bancada do Governo no Congresso. Se tivesse agido por instinto, produziria uma reação imperial. Esperou um dia, calçou-se na contrariedade alheia e deu o tiro de misericórdia. Àquela altura, até o doutor Raixxtul suspeitava que afundara um submarino atracado.

Na última reunião do conselho da empresa ele fora advertido para a conveniência de se mudar primeiro a marca da distribuidora no mercado externo. Temia-se a reação da patuléia. Raixxtul desprezou a sugestão e pisou no acelerador.

Mandada ao arquivo, a maluquice custou R$ 2,3 milhões. Vale a pena examinar o que os sábios da Petrobras fizeram e disseram. É uma aula de empulhação.

Disse o doutor Raixxtul: "O nome Petrobrás estava muito ligado ao monopólio. Hoje em dia, o final 'brás' é muito mais um ônus que uma vantagem." Admita-se que isto seja verdade (não é). A empresa encarregada de inventar outro nome e de planejar a mudança (R$ 700 mil no bolso) informou que, na América Latina, esse sufixo associa a marca da empresa a uma "invasão brasileira". Donde, a associação de Brás com Pindorama não ocorreria por conta do monopólio, mas de um estorvo chamado Brasil.

A inconveniência foi percebida numa pesquisa qualitativa junto a 432 pessoas ouvidas na Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e Estados Unidos. Entre os cidadãos cujo juízo foi levado em conta havia consumidores e caminhoneiros de oito nacionalidades. Não se conhece a reação dos brasileiros. Faltou ao doutor Raixxtul a curiosidade de ouvir 432 camelôs do Largo da Carioca, que trabalham debaixo do seu bonito escritório.

Até aí o problema é simples. A mudança foi orientada por gente que trata o Brasil como um tio chato, daqueles que se respeita mas se prefere longe.

Como os tios chatos existem, os sábios da Petrobrax poderiam estar certos. Faz algum tempo eles se distanciaram do idioma nacional, tirando o acento agudo do nome da empresa. Fizeram isso em nome da modernidade. Resta saber porque a Nestlé (empresa suíça do tope da Petrobrax) não decidiu fazer o mesmo.

Indo-se adiante chega-se à essência da mudança, a troca do maldito Brás pelo moderno Brax. Ela se justificaria pelo toque de avanço tecnológico que o X sugere. Será?

MicrosoX? InterneX? GeneteX? Na lista das 100 empresas de maior movimento na Bolsa Nasdaq, seis terminam com X. E seis terminam com o S do maldito Brás. Na lista das 500 maiores empresas do mundo, só dez terminam com X. Apenas 14 têm esta letra no nome. O sufixo Ax é encontrado com mais freqüência nas marcas de remédio. Só na letra M há sete: Marax, Menopax, Meruvax, Minilax, Minolax, Miorelax e Mumpsax.

A marca Brax já existe. Designa uma fábrica de calças alemã (fundada em 1888). Tem também uma cerveja polonesa, um equipamento de som para automóveis e duas bandas de rock (uma sueca). Tecnologia de ponta, só na Brax Genomics, empresa de biotecnologia inglesa.

Toda essa empulhação deriva da falta de respeito com que o tucanato-pefelê lida com o sentido de nacionalidade. Brás, Brasil e brasileiro adquiriram um suave toque de atraso. Não fazem isso porque desgostam do país onde vivem. Apenas pensam que distanciando-se da gentalha que o habita tornam-se cosmopolitas. Engano, tornam-se macacos imitadores. Quem já viu um casal de globalizados latino-americanos num restaurante caro do ultramar sabe o que é isso. Estão sempre de sapatos novos. Ela foi ao museu de salto alto e seu perfume doce dá dor de cabeça. Ele está de blazer com brasão (quase sempre curto) e saiu na neve com o mocassim italiano que comprou de manhã.

(*) Elio Gaspari é jornalista. Este artigo foi publicado em 31/12/2000 em diversos jornais brasileiros.

FFHH (para quem vir esta página alguns anos depois de escrita) é referência ao presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.