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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/13/00 19:47:26

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
O fim do português

Lingüista americano diz que o Brasil está destinado a trocar seu idioma pelo portunhol

Eduardo Salgado (*)

"O intercâmbio comercial na América do Sul provocará a fusão das línguas do continente"

O americano Steven Roger Fischer fala fluentemente inglês, francês, espanhol e alemão. Quebra o galho em cinco outras línguas e consegue ler em cerca de oitenta idiomas. O que tornou mundialmente famoso esse pesquisador de 52 anos, contudo, foi a solução de um mistério que durou dois séculos. Até o começo dos anos 90, ninguém fazia a menor idéia do significado das inscrições da Ilha de Páscoa. Depois de anos de dedicação, Fischer matou a charada e tornou-se uma estrela de primeira grandeza entre os lingüistas. Doutor pela Universidade da Califórnia na década de 70, ele vive atualmente na Nova Zelândia, onde dirige o Instituto de Línguas e Literatura Polinésias. O pesquisador, que nunca esteve no Brasil mas se diz apaixonado pela riqueza cultural do país, arrisca uma hipótese ousada para o futuro da língua portuguesa: ela vai desaparecer e seu lugar será ocupado pelo portunhol. Para Fischer, não há o que lamentar. A língua, como os seres vivos, está em contínua transformação e processo de enriquecimento, diz ele em entrevista a VEJA.

Veja — A língua falada pelos brasileiros irá mesmo desaparecer?
Fischer — Sim. Em 300 anos, o Brasil estará falando um idioma muito diferente do atual. Devido à enorme influência do espanhol, é bastante provável que surja uma espécie de portunhol.

Veja — Por quê?
Fischer — Faz parte da dinâmica das línguas. O Brasil está cercado de países que falam espanhol. À medida que as trocas comerciais e os contatos aumentarem, haverá muita pressão. Ao mesmo tempo, argentinos, colombianos, chilenos e uruguaios também irão passar a usar expressões do português brasileiro. Esses dois idiomas são muito parecidos, o que contribui ainda mais para que haja uma fusão.

Veja — O Brasil tem cerca de 40% da população latino-americana, um poder econômico sem similar e mais exporta do que importa mercadorias culturais. Além disso, vive cercado de países de língua castelhana há 500 anos. Por que justamente o português daria lugar ao portunhol?
Fischer — O português não será substituído por outro idioma. Os brasileiros não irão falar espanhol. O que irá acontecer é a mistura das duas línguas. Numa escala menor, é o que deve acontecer com o inglês também. Sem dúvida, o idioma que mais influencia o inglês hoje é o espanhol. Isso já pode ser notado até nos filmes de Hollywood. O processo não tem nada a ver com o peso das economias. Há muito menos pessoas aprendendo português do que espanhol. Essa mescla entre o português e o espanhol não é necessariamente ruim.

Veja — Apenas o português desaparecerá?
Fischer — Falam-se entre 4.000 e 6.800 idiomas na Terra. Haverá menos de 1.000 em 100 anos. Em 300 anos, não mais do que 24. Inglês, mandarim e espanhol serão as mais faladas. A maioria das pessoas será bilíngüe e dominará um desses três idiomas. Hebraico e árabe também sobreviverão em vista da importância religiosa, como aconteceu com o latim. Inglês certamente será a língua franca.

Veja — Que outras línguas vão acabar?
Fischer — Milhares de idiomas serão substituídos. É bastante provável que os escandinavos e os holandeses acabem adotando o inglês. No passado, as sociedades e os idiomas estavam mais isolados por barreiras comerciais e geográficas. Os tratados de livre comércio e o turismo mudaram isso, bem como as grandes ondas migratórias. É o preço da globalização. Hoje, uma língua que não seja falada por 20.000 pessoas está fadada a desaparecer. No futuro, esse número irá aumentar. Os idiomas seguem o rio da História, sempre fluindo, sempre mudando.

Veja — O senhor acha isso bom?
Fischer — Claro que sim. Perderemos em termos de diversidade, mas temos muito a ganhar. A língua franca estimula a comunicação, a cooperação e o comércio. Fará com que a humanidade se entenda melhor.

Veja — O Brasil deveria seguir a França e tomar medidas para evitar o uso de palavras estrangeiras?
Fischer — Não. Idiomas não são pedras, mas esponjas. Não se deve tentar impedir o enriquecimento do idioma. É assim que as línguas sobrevivem, mudando continuamente. As transformações sofridas pelo português brasileiro são uma prova da sua força, não da sua fraqueza. No decorrer do tempo, as línguas que não inovaram foram substituídas por outras. Se você pegar as 10.000 palavras mais usadas em inglês, por exemplo, verá que 32% delas têm origem anglo-saxã e 45% francesa, sem falar no latim. Jazz e boogie-woogie, por exemplo, são termos de origem africana.

Veja — Por que o inglês predominou?
Fischer — O século XX foi uma gangorra. À medida que o peso do alemão e do francês diminuía, aumentava a influência do inglês. Milhares de pessoas começam a estudar inglês todos os dias. Nunca na história da humanidade um idioma teve tamanha importância. As pessoas que ocupam os cargos mais bem remunerados falam fluentemente ou têm um conhecimento básico do idioma. Se você contar os bilíngües, há mais gente falando inglês do que mandarim. Com a globalização e a internet, esse fenômeno irá aumentar. Aprenda inglês e prospere, ou ignore e padeça. No entanto, vale lembrar que línguas internacionais não são uma novidade. A primeira a ser documentada foi o dialeto koine, oriundo da região de Atenas, três séculos antes do nascimento de Cristo.

Veja — É necessário aprender inglês ou dá para esperar que as máquinas de tradução sejam aperfeiçoadas?
Fischer — Depende das necessidades. Os programas de tradução que existem já são muito bons. No futuro próximo, devem melhorar ainda mais. Provavelmente, em pouco tempo será possível escrever e-mails em português e vê-los traduzidos para qualquer idioma imediatamente. Mas, se você quer viajar pelo mundo, fechar negócios e se comunicar sem barreiras, a saída é mesmo aprender.

Veja — A diferença entre o português do Brasil e o de Portugal é maior do que a existente entre o inglês dos Estados Unidos e o da Inglaterra?
Fischer — Sim. O português do Brasil e o de Portugal são ainda a mesma língua, mas com grandes diferenças. Se essa tendência se acentuar, veremos a separação dos dois idiomas. Os brasileiros não conseguirão mais entender os portugueses. O caso do inglês é diferente. A influência dos Estados Unidos é muitas vezes maior. Não são apenas programas de televisão, mas milhares de filmes e músicas desde o final da II Guerra. O inglês americano e o britânico estão se aproximando cada vez mais.

Veja — Os portugueses falam melhor do que os brasileiros?
Fischer — Não. Nos últimos 500 anos, o português usado no Brasil desenvolveu-se de forma distinta do idioma falado em Portugal. Se os portugueses falam mais de acordo com a gramática é porque o português europeu sempre foi tido como o ideal. Isso não quer dizer que os brasileiros falem errado. Falam de acordo com uma gramática brasileira.

Veja — Por que os brasileiros entendem melhor o espanhol do que os argentinos o português?
Fischer — O português tem a maior parte dos sons do espanhol, mas desenvolveu alguns que são únicos. No português, por exemplo, existem sons anasalados, e o final das palavras não é pronunciado por completo. Quem fala espanhol fica completamente perdido com essas peculiaridades. Há um caso semelhante na Escandinávia. Os dinamarqueses entendem perfeitamente o sueco, mas os suecos suam para entender o dinamarquês.

Veja — O governo brasileiro deveria tomar medidas para proteger os idiomas dos índios da Amazônia?
Fischer — Nos casos em que o idioma mantém a identidade cultural dos índios e os beneficia, sim. Mas se não há mais resquícios da sociedade indígena, se eles estão numa favela bebendo cachaça o dia inteiro, não. Talvez seja melhor para eles estudar bem o português e buscar bons empregos. Às vezes, os lingüistas mostram mais entusiasmo pela preservação de idiomas do que as próprias pessoas que os falam.

Veja — Em que medida a influência da internet será diferente da que a televisão e o rádio tiveram?
Fischer — A internet tem outra lógica. O rádio e a televisão uniformizaram os idiomas. As pessoas do Norte e do Sul do Brasil ouvem um noticiário emitido do Rio de Janeiro e passam a usar determinadas expressões, muitos tentam até imitar o sotaque. Isso aconteceu em quase todos os países. Na internet, existe comunicação. As pessoas lêem e escrevem. É uma via de duas mãos. Em pouco tempo, irão ouvir e falar. Estamos vendo o surgimento da "prosa eletrônica", que é a linguagem informal educada dos e-mails e que deverá ter influência na maneira como falamos.

Veja — Como se devem escrever e-mails?
Fischer — O e-mail merece alguns cuidados. A linguagem certa não é nem a linguagem oral, cheia de gírias, nem a usada em cartas, muito formal. É algo intermediário. É de bom-tom começar com "Caro fulano". Temos de ser mais educados do que quando falamos e menos formais do que quando escrevemos cartas.

Veja — Por que várias empresas proibiram seus funcionários de se comunicar usando e-mails?
Fischer — À medida que as pessoas começaram a usar o e-mail em vez de falar pessoalmente ou pegar o telefone, os mal-entendidos foram se multiplicando. Isso aconteceu porque muita gente não estava acostumada a escrever antes do surgimento da internet. A escrita não tem todos os recursos da linguagem oral. Não vemos a expressão do interlocutor e seus gestos, não ouvimos seu tom de voz. Uma frase pode parecer amena quando falada e extremamente pesada se escrita. Algumas empresas estão ensinando seus funcionários a escrever e-mails. Isso passou a ser uma necessidade.

Veja — Quais são as influências da linguagem escrita na maneira como falamos? Fischer — Quando se aprende a ler, há uma mudança incrível. Passa-se a falar usando um novo padrão. Nas sociedades alfabetizadas, o idioma muda menos. Graças às edições antigas da Bíblia, por exemplo, hoje os brasileiros ainda usam palavras que eram comuns no século XVI. Ler clássicos do passado é uma excelente forma de aprender vocabulário.

Veja — Por que os jovens sempre criam e usam tantas gírias?
Fischer — Em todas as gerações, os jovens criaram gírias para que os mais velhos não pudessem entendê-los. É também uma maneira de sentir-se parte de um grupo, algo muito importante para adolescentes.

Veja — Os pais devem permitir que seus filhos usem gírias?
Fischer — Sim, mas há casos nos quais as gírias são totalmente inapropriadas. Por exemplo, durante um enterro ou numa formatura. Até o século XIX havia uma pressão muito grande para que se imitassem as expressões usadas pelas pessoas tidas como cultas. O panorama mudou muito. As gírias são utilizadas hoje por gente de todos os níveis sociais. Outro dia, o porta-voz da Casa Branca declarou que o vôo da nave espacial Endeavour tinha sido "supermaneiro".

Veja — Por que as gírias são mais aceitas hoje?
Fischer — Isso decorre da mobilidade social. Pessoas de origem simples passaram a freqüentar universidades, ganhar dinheiro e ocupar cargos importantes. Esse fenômeno levou a linguagem popular às camadas mais altas. Isso ocorreu em todo o mundo, mas com variações locais. A gíria é bem-aceita entre as classes altas do Brasil e dos Estados Unidos, mas enfrenta maior resistência na Alemanha e na Inglaterra. Nem sempre foi assim. William Shakespeare, por exemplo, usou muitas gírias em sua obra. Só a partir do século XVIII, quando as escolas se popularizaram na Europa, a língua culta passou a ser a norma.

Veja — Quais são os animais que têm linguagens mais semelhantes à dos seres humanos?
Fischer — São os macacos. É o que mostram as pesquisas. "Koko", uma gorila que aprendeu a linguagem dos sinais para surdos-mudos, hoje se comunica usando mais de 500 símbolos. Há ainda o caso de "Kanzi", de uma espécie de macacos pequenos, que não foi condicionado, mas também se comunica com os cientistas. Nos testes de QI, ambos têm a inteligência de uma criança de 2 anos e meio. Não existe a menor dúvida de que é possível falar com macacos, mas há, é claro, limitações. Certa vez, Koko, tentando imitar sua treinadora, pegou o telefone e fez uma chamada. A telefonista, assustada, achou que a pessoa do outro lado da linha estava morrendo.

Veja — A comunicação entre seres humanos e animais já chegou ao limite?
Fischer — Com certeza, não. É possível que se façam implantes de células humanas no cérebro de animais para que a comunicação melhore. A questão ética deve ser examinada, mas os implantes não são um delírio de ficção científica. No futuro, é bem possível que possamos dizer a elefantes para seguir um determinado caminho na savana. Ou falar para leões que não saiam da reserva. Ou pedir para pássaros não voarem sobre uma determinada região que está envenenada com pesticidas.

Veja — A Torre de Babel existiu de fato?
Fischer — Não. A linguagem foi surgindo de forma distinta nos vários agrupamentos de hominídeos. Na verdade, o caminho é inverso. Estamos indo em direção à língua universal que existia antes do castigo da Torre de Babel.

(*) Entrevista publicada nas "páginas amarelas" iniciais da revista Veja (Editora Abril/S.Paulo-SP) que circulou na primeira semana de abril de 2000.

OBS.: o MNDLP não concorda com essas projeções, embora divulgue o texto com o objetivo de contribuir para o debate. Há uma série de questões que o lingüista não demonstrou ter considerado ao formular suas teorias:

- A História registra inúmeras previsões que falharam. POr exemplo, há cem anos, em meio à grande projeção internacional do idioma francês, poucos arriscariam dizer que o idioma inglês ganharia força.

- Há menos de dez anos, ninguém arriscava grandes palpites sobre a influência da Internet nas comunicações internacionais. O MNDLP, por exemplo, usa amplamente a Internet para o desenvolvimento de seu trabalho em defesa do idioma pátrio, através destas páginas, do correio eletrônico e do fórum de debates, entre outras formas de comunicação.

- Agora mesmo, em meio ao processo de globalização econômica, assiste-se também ao crescimento das expressões regionais e dos nacionalismos, apoiados justamente pela Internet que muitos disseram ser o grande veículo da homogeneização cultural.

- Nos Estados Unidos, a comunidade latina já representa cerca de metade da população e pressiona para que o espanhol seja considerado segundo idioma oficial.

- As Nações Unidas estão desenvolvendo o projeto da Universal Networking Language (UNL), uma linguagem universal de tradução automática para uso na Internet e na computação. Diferente de linguagens artificiais como o Esperanto, a UNL não precisará ser aprendida pelos interlocutores, residindo apenas nos computadores, de forma que cada pessoa usará o idioma de sua própria comunidade.

Nada disso foi sequer mencionado pelo entrevistado.

Isoladamente, qualquer desses fatores poderia derrubar as previsões de Steven Roger Fischer.

Quando se considera os efeitos acumulados de todos os fatores citados acima e dos muitos outros fatos e tendências que surgirão nos próximos trezentos anos, pode-se dizer que a previsão do fim do português tem tanto valor como a do fim de qualquer outro idioma hoje falado no mundo...