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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ - BARRA GRANDE
Um vento vermelho na capela da fortaleza (17)

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Unindo patrimônios histórico e artístico, numa simbiose entre passado, presente e futuro, um painel abstracionista de Manabu Mabe surge no interior da centenária Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, surpreendendo por sua atualidade os visitantes que ali talvez esperassem encontrar um altar. Com a desistência da Sociedade Amigos da Marinha (Soamar), de reformar e ocupar as instalações, o forte ficou novamente abandonado, mas em março de 1987 surgiram novas perspectivas de recuperação desse patrimônio, registradas pelo Jornal da Tarde/O Estado de São Paulo na edição de 30 de março de 1987:
 


A fortaleza de Santo Amaro, que resistiu aos piratas dos séculos XVI e XVII,...
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

PATRIMÔNIO
O forte de Santos, restaurado?

Elaine Saboya

A notícia é boa, mas foi recebida com algum descrédito. A Sphan - Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - está anunciando que foram aprovadas verbas para iniciar, "em breve", as obras de restauração da fortaleza de Santo Amaro, na Baixada Santista, que é considerada "o principal monumento da arquitetura histórica militar em São Paulo". Agora só falta o Ministério da Cultura liberar o dinheiro - dois milhões de cruzados.

"Vamos registrar a notícia, para cobrar depois", propõem as pessoas que há muito acompanham a lamentável novela em torno da preservação dos monumentos históricos da Baixada Santista. Uma delas é o professor de Geografia Adamastor Stoffel, que, num gesto de desespero, em outubro do ano passado, escreveu ao rei Juan Carlos de Bourbon da Espanha, pedindo sua ajuda para recuperar o forte que o governo espanhol ajudou a construir (ele foi reconstruído depois pelos portugueses).

O apelo de Adamastor repercutiu na imprensa espanhola, o Consulado da Espanha pediu informações detalhadas sobre a fortaleza, mas o governo brasileiro fechou-se num estranho silêncio. Sabe-se que o governo espanhol teria todo o interesse em auxiliar na restauração do forte, a exemplo do que já fez no centro histórico de Havana e em outros países, preparando as comemorações dos festejos do V Centenário da descoberta da América, que ocorrerão em 1992. No entanto, compreensivelmente, a Espanha não pode tomar a iniciativa de intervir num assunto brasileiro.

A professora Wilma Therezinha de Andrade, uma das mais conceituadas pesquisadoras de História do País, procura dar um crédito de confiança à Sphan, "um órgão de reconhecida competência técnica". Ressalva, porém, que os recursos demoraram muito: "Agora, ficaremos numa atitude de cobrança, para recuperar o tempo e o monumento quase perdido".

Um dos mais céticos é o vereador Alcindo Gonçalves, de Santos. Ele integra uma comissão de vereadores que acaba de concluir um dossiê sobre "a ineficiência da Sphan ao longo dos anos". Esse documento, contendo fotografias dos monumentos tombados "mas abandonados pela Sphan", será encaminhado hoje ao ministro da Cultura Celso Furtado, ao presidente da Fundação Nacional Pró-Memória, Joaquim Falcão, e ao secretário da Sphan, Ângelo Oswaldo Araújo.

Quem pesquisar nos jornais dos últimos 15 anos concluirá por que nem todos acreditam na recuperação da fortaleza, também conhecida como fortaleza da Barra de Santos. Durante todos esses anos, a burocracia, a omissão e as indefinições foram mais destrutivas para o monumento do que os implacáveis piratas dos séculos XVI e XVII.

Um novo capítulo - Nos últimos meses, porém, a comunidade está mais organizada e disposta a exigir, cobrar, protestar como nunca. Além dos trabalhos das Câmaras de Santos e Guarujá, um movimento de pressão como nunca se viu na Baixada foi acionado pelo professor Adamastor. Câmaras Municipais de diversas cidades paulistas, entidades culturais, profissionais e escolas somam fileiras numa campanha visando pressionar o presidente Sarney para que peça ajuda ao governo espanhol.

Os envolvidos nessa corrente de solidariedade em torno da agonizante fortaleza de Santos também se encheram de esperanças com a notícia de que a fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres, construída na ilha do Mel, no Paraná, será restaurada com recursos fornecidos pelo Banco do Estado do Paraná à Sphan. Uma das primeiras aplicações da Lei Sarney, em que os gastos são descontados no Imposto de Renda do doador.

"Todos os recursos são bem-vindos", afirma Antônio Luís Dias de Andrade, diretor da Sphan em São Paulo, referindo-se a uma eventual ajuda da Espanha ou de contribuintes. "Se algum governo estrangeiro quiser ajudar o Brasil na restauração, devemos aceitar. Nada de falso orgulho" - sugere Wilma Therezinha de Andrade.

Enquanto o dinheiro não chega, a fortaleza vai gradativamente sumindo na paisagem. Visitá-la é como entrar no cenário de um filme de horror. Só que o perigo é real. Vultos esquivos acompanham os visitantes mais corajosos que se aventuram a conhecer o que restou do monumento. As quatro vigias de onde se avista Santos, São Vicente e Guarujá se transformaram em banheiros e dormitórios mal cheirosos de drogados e marginais. O mato e o lixo cobrem o pátio, os canhões cheios de ferrugem e invadem o prédio em ruínas.

Antes de inspirar sentimentos cívicos e de evocar os fantasmas dos piratas derrotados em sangrentas batalhas, a fortaleza da Barra desperta vergonha. A burocracia e a omissão dos órgãos governamentais tirou-lhe toda a dignidade. "Eu evito vir aqui, fico envergonhado", diz o professor Adamastor Stoffel. "Essa história de preservação do monumento histórico no Brasil está virando piada", desabafa Wilma Therezinha.

Mas, afinal, quem são os culpados por esse estado de coisas? Houve dezenas de planos, trabalhos na Assembléia Legislativa, declarações de boas intenções, início de obras misteriosamente suspensas. E desculpas, acusações mútuas, jogo de empurra. Ora falta dinheiro, ora faltam projetos definidos de utilização do forte. Quando sobram projetos, os recursos somem. Quando existem os dois fatores, as indefinições adiam as obras, enquanto as autoridades são substituídas por outras. E tudo volta à estaca zero, num círculo doentio e interminável.


... vem sendo derrotada pela ação do tempo
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

"Temos dinheiro" - No limiar deste novo capítulo temos dinheiro e pelo menos um projeto. O diretor da Sphan em São Paulo, Antônio Luís Dias de Andrade, afirma que estão previstos dois milhões de cruzados para as obras preliminares de contenção e estabilização da fortaleza da Barra de Santos. "E os trabalhos, que deverão durar seis meses, serão iniciados nos próximos dias, assim que o Ministério da Cultura liberar a verba já aprovada", informa Andrade.

O forte ainda está sob jurisdição da Marinha, que em agosto de 83 fez um convênio com uma entidade particular, a Sociedade dos Amigos da Marinha (Soamar), para que esta restaurasse o monumento. Depois de arrecadar contribuições em material e em dinheiro de empresários, a Soamar desistiu da empreitada, porque a Sphan não concordou com seus propósitos de transformar o Forte num clube social, garantindo visitas ao público apenas nos fins de semana e feriados.

"A visitação pública tem que ser assegurada, é nossa primeira exigência em todos os monumentos restaurados. O Forte não pode ser privatizado. No final de 86, nós pedimos ao Serviço do Patrimônio da União e à Marinha que transferissem de novo a fortaleza para a Sphan. Ainda não obtivemos resposta", afirma ainda Antônio Luís de Andrade. "Mas, apesar de o monumento estar ainda sob jurisdição da Marinha, nada impedirá - promete Andrade - de iniciarmos as obras assim que os recursos forem liberados".

Outra etapa vencida: Sphan finalmente anunciou que está pronto um levantamento arquitetônico e arqueólogo das ruínas. Isso foi necessário, porque as reformas da Fortaleza feitas há alguns anos sem nenhum critério mudaram muito a fisionomia original do forte. Há cerca de dez anos, ela ostentava nas paredes internas pinturas carnavalescas de gosto duvidoso, feitas pelo Círculo Militar de Santos. O abandono do forte, que técnicos da Sphan atribuem às indefinições de responsabilidades geradas durante o convênio com a Soamar, fez desaparecer toda a decoração de carnaval.

O desleixo também fez sumir as telhas e até as escadas que davam acesso ao pavimento superior e ao pátio. Nos últimos meses, favelados chegam de barco e carregam tudo o que podem. "Não tem importância", justifica Andrade. "A cobertura de telhas teria que ser alterada mesmo, porque foi feita sem nenhum cuidado, alterando o desenho original. Os danos sofridos pelo forte não são tão graves assim. O importante é que todas as pedras e a estrutura estão de pé.

Plano de Ocupação - Plano de utilização futura do forte também não falta. O antropólogo Olímpico Serra, técnico do Ministério de Cultura em Brasília, fez um amplo projeto para a ocupação das fortalezas abandonadas nos 8.500 quilômetros de costa brasileira, depois de restauradas. Ao ser mencionado esse projeto, encaminhado em janeiro ao Pró-Memória, Antônio Luís de Andrade argumenta que os planos não podem ser impostos de cima para baixo. Defende a necessidade de se discutir um projeto "com a comunidade e a Prefeitura de Guarujá".

Wilma Therezinha alerta sobre o perigo de se ficar discutindo projetos de utilização futura pela comunidade, sem partir para uma ação. "Isso é muito vago", diz. E o vereador Alcindo Gonçalves completa: "Debate com a comunidade é muito bonito, democrático, mas correremos o risco de ficar cem anos discutindo sem se chegar a uma conclusão. A Sphan deve tomar a iniciativa do debate e das obras, e rápido. Ela é a dona da casa, é a responsável pelo monumento tombado".

"Corremos o risco" - insiste Alcindo - de restaurar a fortaleza e depois abandoná-la, como aconteceu com a Casa do Trem, em Santos.

"Por falta de uso, esse monumento já teve duas restaurações: uma em 76 e outra em 82. Hoje ela serve de abrigo a favelados que perderam suas casas numa enchente. Se continuar assim, ou permanecer vazia e fechada, a Sphan terá de restaurar a Casa do Trem de novo".

Que isso não ocorra com a fortaleza por falta de planos. O antropólogo Olímpio Serra quer transformá-la num centro de pesquisas de Etnografia e Arqueologia navais, cobrindo a área do Litoral Paulista. O projeto global, avaliado em 4,5 milhões de cruzados, para todo o País, visa "levantar nosso patrimônio histórico e marítimo, passando por embarcações, desde jangadas e estaleiros até as jazidas arqueológicas que estão sendo saqueadas ao longo da costa e vendidas em leilões", conforme denuncia Olímpio Serra.

"Restaurar, num certo sentido, é fácil", constata o antropólogo. "Lamentável é transformar uma fortaleza ou qualquer monumento num restaurante ou clube social, ou mesmo num museu morto. Nosso programa, se aprovado, dependerá de conjugação de esforços e muitos recursos, que teremos que buscar fora, em outros órgãos. Estamos pedindo Cz$ 500 milhões à Pró-Memória".


Durante quatro séculos, defendendo o Brasil das invasões
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

A História do Brasil, presente no que ainda resta do forte.

Que ninguém duvide da importância da fortaleza da Barra de Santos para os nossos antepassados. Nada menos do que o padre José Anchieta escreveu ao rei Filipe II da Espanha, em 7 de agosto de 1583, sugerindo a construção de fortes na costa brasileira (estávamos sob domínio espanhol). A carta falava em naus destroçadas, em tempos "contrários e bravos", em "galeões ingleses que pelejaram com as naus de São Vicente".

Bem antes, em 12 de maio de 1548, Luís de Góis, um simples colono (ou povoador, como se dizia na época) da Vila de Santos, atreveu-se a escrever a D. João III de Portugal, falando sobre os perigos dos corsários e das terras do Rio de Janeiro, "contaminadas" pelos franceses.

Em 1583, depois do ataque de Edward Fenton, corsário inglês, à Barra de Santos, o rei Felipe II da Espanha e I de Portugal autoriza a construção da fortaleza, no morro do Góes. Ela fica pronta em 1590. Em 1615 ela reprimirá, com seus canhões, piratas holandeses. Em 1710, os franceses. Durante o século XVII, ela teria servido como presídio político para os inimigos da coroa portuguesa.

O forte foi restaurado em 1885, mas desmoronou. Em 1955, foi reconstruído pelo Círculo Militar de Santos. A unidade militar fora desativada em 1911, quando suas últimas baterias foram transferidas para a fortaleza de Itaipu, na Praia Grande. Hoje pouco resta do seu conjunto arquitetônico, formado por um quartel, a capela, a casa do comandante e o paiol de pólvora. A imagem de Santo Amaro foi salva a tempo: está no Museu de Arte Sacra de Santos. Os azulejos da parede estão sumindo.

Em 1969, houve o tombamento pela Sphan. Em 1981, pelo Condephaat. Em julho de 1979, o então prefeito de Guarujá, Jaime Daige, anunciava a restauração, com recursos da prefeitura. As obras não começaram porque a Capitania dos Portos pretendia instalar ali uma unidade da Polícia Naval. Em janeiro de 1984, os jornais anunciavam: "Começa a restauração da fortaleza. Pedreiros já trabalham". Era a promessa da Soamar, que teria apoio da Sudelpa e da Delegacia Regional da cultura. No entanto, mais uma vez, nada se fez.

Na manhã do mesmo dia 30 de março de 1987, o fotógrafo Ademir Barbosa voltava ao forte, para obter imagens destinadas a uma reportagem sobre a campanha para a restauração daquelas instalações. As fotos foram aqui reproduzidas de antigo copião fotográfico (contato direto do filme com o papel foto-sensível) do jornal Cidade de Santos:




Fotos: reproduzidas de pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal,
mantidos no acervo da Unisantos

Em 21 de abril de 1987, o Clube de Regatas Saldanha da Gama iniciava, com a pintura de seu símbolo clubístico, um trabalho de recuperação da fortaleza. O fato foi registrado pelo foto-reporter Ademir Barbosa, com estas imagens obtidas na tarde daquele dia, e aqui reproduzidas do copião fotográfico do antigo jornal Cidade de Santos:



Fotos: reproduzidas de pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal,
mantidos no acervo da Unisantos

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